Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOISÉS SILVA | ||
Descritores: | HORÁRIO DE TRABALHO ALTERAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O empregador pode fixar unilateralmente o horário de trabalho, exceto se tiver sido acordado no contrato de trabalho o respetivo horário, como é o caso em relação à época alta. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Apelante: EMARP – Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão EM, SA. (ré). Apelados. AA e BB (autores). Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, Juiz 2.
1. Os autores vieram intentar a presente ação sob a forma comum contra a ré, pedindo que: a) Se declare a irregularidade e ilicitude da alteração dos seus horários de trabalho, decidida unilateralmente pela ré, para vigorar durante a época alta, e comunicada através do aviso afixado nas instalações do estabelecimento daquela em 07 de junho de 2021; b) Se condene a ré a o reconhecer o seu direito ao descanso semanal nos moldes fixados nos seus contratos de trabalho individuais; c) Se condene a ré a cumprir o horário de trabalho constantes dos respetivos contratos individuais de trabalho. Alegaram, em suma, que foram admitidos em 30 de maio de 2017 e 30 de abril de 2018, respetivamente, ao serviço da ré, com a categoria profissional de cantoneiro de limpeza, cumprindo um horário de trabalho de 40 horas, acordado e constante dos referidos contratos individuais de trabalho. Sucede, porém, que em junho de 2021 a ré, unilateralmente, alterou os dois dias de descanso semanal de que beneficiavam, facto que motivou a pronta oposição dos demandantes, sem qualquer sucesso. Assim, segundo concluem, a ré estava impossibilitada de proceder unilateralmente à alteração dos seus horários de trabalho, o que deve ser reconhecido, condenando-se a entidade patronal a respeitar os horários de trabalho inicialmente acordados no âmbito dos contratos individuais de trabalho celebrados. Procedeu-se à realização da audiência de partes, na qual não foi obtida a conciliação das partes, designando-se logo a data para a realização da audiência final. Válida e regularmente citada, a ré contestou, fazendo-o por impugnação e por exceção. Em primeiro lugar, sustenta que, face às disposições legais e contratuais em vigor, tem a possibilidade de alterar unilateralmente os horários de trabalho dos autores. Em segundo lugar, a alteração operada, que apenas abrange o período de «época alta», baseou-se em critérios de interesse e de saúde públicos, tendo por base as necessidades impostas pela atividade económica dominante no concelho, que é o turismo, apresentando-se como uma solução equilibrada e justa. Conclui pela total improcedência da ação. Em 12-03-2018 foi dispensada a convocação de audiência prévia. Seguidamente, foi fixado o valor à causa, proferiu-se despacho saneador onde se apreciou tabelarmente a regularidade de todos os elementos da instância. Procedeu-se, também, à identificação do objeto do litígio, à enunciação dos temas de prova e à apreciação dos requerimentos probatórios. Sobre esse despacho não recaiu qualquer reclamação das partes. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, como consta da ata. Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte: Em face do exposto, julga-se a presente ação declarativa comum, rada por AA e BB contra EMARP – Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão, EM, SA totalmente procedente e, consequentemente: a) Declara-se a ilicitude da alteração dos horários de trabalho dos autores, decidida unilateralmente pela ré para vigorar durante a época alta, e comunicada aos primeiros através do aviso afixado nas instalações do estabelecimento daquela em 7 de junho de 2021; b) Condena-se a ré a o reconhecer o direito dos autores ao descanso semanal, nos moldes em que foram fixados nos seus contratos de trabalho individual; c) Condena-se a ré a cumprir os horários de trabalho constantes dos respectivos contratos individuais de trabalho; d) Condena-se a ré nas custas do processo, em função do seu total decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
2. Inconformado, veio o R. interpor recurso de apelação da parte da sentença com as conclusões seguintes: A) Afirma a decisão recorrida que o texto da Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre Recorrente e Recorridos, “nomeadamente” o seu n.º 4, permite concluir, “em face das obrigações assumidas e da interpretação que as mesmas autorizam”, que “foi intenção dos intervenientes atribuir à ré, entidade patronal dos autores, a faculdade de alterar «ajustar», isto é, de alterar unilateralmente os horários de trabalho destes, de acordo com as necessidades da empresa.” B) É, porém, outro, e bem diverso, o sentido que objetivamente resulta do texto de tal Cláusula Quinta – que não só não atribui, concede ou confere à Recorrente qualquer “faculdade” em tal matéria, como, de forma inequívoca reafirma e, nessa medida, dá como assente, que a fixação e a alteração do horário de trabalho constituem prerrogativas patronais legalmente proclamadas. C) São, a este propósito, bem esclarecedores, os seus n.ºs 1 (que reconhece que o horário de trabalho “poderá ser unilateralmente alterado” pela EMARP, “nos termos da lei”), 2 (que reitera caber à EMARP o poder de fixar “unilateralmente” o horário de trabalho que vigorará desde o início do contrato em apreço (e até que seja alterado) e 4 (que esclarece que, relativamente aos períodos “da Época Alta e Baixa”, o horário indicado no número anterior “poderá vir a ser ajustado, unilateralmente”, pela EMARP. D) Todas estas normas convencionais se reportam à disciplina legal desta matéria, contida nos artigos 212.º e 217.º do Código do Trabalho, os quais prescrevem, imperativamente (i.e., em termos que não podem ser alterados por convenção coletiva ou por contrato de trabalho), constituírem a fixação e a alteração do horário de trabalho poderes patronais, que se concretizam em decisões unilaterais, tomadas em conformidade com o procedimento num e noutro estabelecido, E) Com uma única exceção - o “horário de trabalho individualmente acordado” (artigo 217.º, n.º 4, do Código do Trabalho), que não se verifica no presente caso, mas cuja previsão expressa confirma, de forma cabal, a inexistência de qualquer espaço deixado à vontade das partes (i.e., a inadmissibilidade de qualquer outra derrogação ao regime-regra que, em sede de fixação e alteração do horário de trabalho, prescrevem tais preceitos legais). F) Donde, não poderia lícita e validamente esta Cláusula Quinta ter o sentido que, contra os dados factuais e normativos, lhe atribui a sentença recorrida. G) E, na verdade, a simples leitura do seu texto evidencia, de forma cristalina, que a mesma se limita a reafirmar, nos seus n.ºs 1 a 4, a prerrogativa patronal, com origem legal, de unilateralmente fixar e alterar o horário de trabalho. H) Em nada divergindo, pois, do seu n.º 5, o qual se cinge a reiterar o que, em matéria de trabalho suplementar, resulta da lei, a saber, que o trabalhador o prestará “quando tal lhe for solicitado e nos termos previstos nos artigos 227.º e 228.º do Código do Trabalho, mediante a retribuição das mesmas”. I) Nada disto é posto em causa pela explicitação nos n.ºs 2 e 3 da mesma Cláusula Quinta, do horário de trabalho aplicável desde o “início da execução” do mesmo, bem como da previsão de dois períodos ao longo do ano (“Época Alta” e “Época Baixa”) nos quais o mesmo varia, de modo a adequar-se às diferentes necessidades de serviço por parte da EMARP, J) E por um único e simples motivo: a inclusão de tais menções no clausulado contratual representa o acatamento, por parte da EMARP, do dever de informação quanto a aspetos relevantes do contrato de trabalho a que esta está genericamente adstrita, por força do n.º 1 do artigo 106.º do Código do Trabalho - e que, por determinação expressa do n.º 3 do seu artigo 107.º, pode ser cumprido mediante a inclusão da “informação em causa” no “contrato de trabalho reduzido a escrito”. K) Daí que, ao invés do que, sem qualquer fundamento proclama a decisão ora impugnada, a Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre a Recorrente e os Recorridos não contém qualquer estipulação das partes: bem pelo contrário, refirma as prerrogativas legais da primeira nesta matéria e põe em prática, quanto à mesma, o dever de informação a que está legalmente adstrita; L) E, por isso, é inquestionavelmente válida - o que não ocorreria se o seu teor fosse o que lhe atribui o tribunal a quo, porquanto violaria as regras legais imperativas contidas no n.º 1 do artigo 212.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 217.º do Código do Trabalho, sendo ineficaz, por força do estatuído no n.º 2 do seu artigo 121.º. M) Em síntese, a leitura que da Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre Recorrente e Recorridos faz a sentença recorrida é, não apenas errada, como contrária ao quadro legal injuntivo que conforma a matéria da fixação e alteração do horário de trabalho. N) Apesar de convocar e transcrever, na sua “fundamentação de direito”, os artigos 212.º, n.º 1, e 217.º, n.ºs 1 a 4, do Código do Trabalho, a sentença recorrida decide em termos que envolvem uma sua frontal violação. O) Ao atribuir à Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre Recorrente e Recorridos um propósito de “atribuir à ré, entidade patronal dos autores, a faculdade de alterar «ajustar», isto é, de alterar unilateralmente os horários de trabalho destes, de acordo com as necessidades da empresa”, o tribunal a quo erra na interpretação e na aplicação que faz daquelas normas. P) Mais exatamente, erra quando admite, sem mais, a “atribuição” à empregadora, por estipulação contratual de uma “faculdade” de “alterar unilateralmente” os horários de trabalho dos trabalhadores parte nos referidos contratos – fazendo tábua rasa e, nessa medida, violando frontalmente o estatuído no n.º 1 do artigo 212.º do Código do Trabalho, que, de forma perentória estabelece que “compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador”. Q) E viola, também, o n.º 1 do artigo 217.º do Código do Trabalho, que adota a mesma regra em matéria de alteração do horário de trabalho antes fixado pelo empregador. R) Estas duas normas legais são indiscutivelmente imperativas, ou seja, consagram uma solução que está subtraída à vontade das partes, nos planos coletivo e individual. S) Que assim é confirma-o a única exceção admitida a uma e a outra, enunciada no n.º 4 do artigo 217.º do Código do Trabalho: o horário de trabalho “individualmente acordado”, que de modo algum se confunde ou identifica com a mera indicação, no contrato de trabalho, como forma de dar execução ao dever de informação quanto a tal matéria a que o empregador está legalmente adstrito, em linha com o previsto nos já referidos artigos 106.º, n.º 1, e 107.º, n.º 3, do Código do Trabalho. T) Mas confirmam-no, de igual modo, a explicitação ex lege dos termos a observar pelo empregador na fixação e na alteração do horário de trabalho: respeito pelos limites legalmente impostos e pelos requisitos procedimentais legalmente enunciados, os quais evidenciam tratar-se de um verdadeiro e próprio “poder” conferido ex lege ao empregador, tendo em vista a adequação, em cada momento, da organização temporal da prestação de atividade dos seus trabalhadores às necessidades - reais, concretas e, não raro, variáveis -, da empresa, U) Poder esse que, pela sua finalidade e regime se mostra, em geral, incompatível com qualquer solução que sujeite o seu exercício a acordo ou consentimento - seja do sindicato outorgante da convenção coletiva aplicável, seja do trabalhador visado pela fixação ou alteração de horário de trabalho. V) Justifica especial referência, a este propósito, o artigo 478.º do Código do Trabalho, cujo n.º 1, alínea b) evidencia que o horário de trabalho constitui matéria da exclusiva responsabilidade patronal de que o empregador apenas pode, a título excecional, dispor contratualmente por acordo especial pelo trabalhador. W) Diante do que antecede, não há como não concluir que, ao imputar à Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre Recorrente e Recorridos um sentido e um alcance que colidem com opções fundamentais consagradas, de forma imperativa, no quadro normativo aplicável à fixação e à alteração do horário de trabalho, a sentença recorrida viola os artigos 212.º, n.º 1, e 217.º, n.ºs 1 a 4, do Código do Trabalho. X) Também o seu trecho final - no qual declara “ilícita” a “alteração de horários estabelecida” pela Ré, porquanto “ao suprimir o domingo como dia de descanso, entre 15 de Junho e 15 de Setembro, não permite aos autores conciliar a atividade profissional com a sua vida familiar, desconsiderando a alínea b) do 2 do artigo 212.º do Código do Trabalho” -, a sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação da própria norma legal que invoca. Y) O artigo 212.º do Código do Trabalho, relativo à fixação do horário de trabalho e aplicável à respetiva alteração, estabelece, no seu n.º 2, um conjunto de ponderações a efetuar pelo empregador, as quais lhe impõem levar em conta e, se possível, acautelar ou prover a certos interesses relevantes do trabalhador visado, enunciadas nas suas alíneas a) a c), Z) Sem, contudo, em momento algum, fazer depender a licitude da fixação e da alteração do horário de trabalho que venha a decidir à efetiva realização de tais interesses ou à consecução de objetivos com os mesmos relacionados: são, a este propósito, esclarecedores, os termos utilizados pelo legislador, que impõe ao empregador, respetivamente, “ter em consideração” e “facilitar” – e não garantir ou assegurar tais interesses. AA) Na mesma linha, justifica-se referir o que, apenas para a hipótese de alteração do horário de trabalho, prescreve o n.º 3 do artigo 217.º do Código do Trabalho sobre “consulta” do trabalhador visado e das estruturas de representação coletiva dos trabalhadores, a qual, deve obrigatoriamente realizar-se, mas o seu resultado não vincula o empregador. BB) Carece, pois, do mais elementar apoio na própria letra da alínea b) do n.º 2 do artigo 212.º do Código do Trabalho a pretensão do tribunal a quo de estribar numa previsão normativa que comete ao empregador, no exercício de uma sua prerrogativa patronal, à luz do interesse da empresa, “facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”, a pretensa ilicitude de uma alteração de horário, em seu entender decidida “desconsiderando” tal norma, CC) E, por isso, constitui uma manifestamente errada interpretação e aplicação dessa mesma norma, violada pela decisão recorrida. DD) A mesma conclusão se impõe diante da absoluta ausência de sustentação factual da sentença impugnada quanto a este ponto, EE) A qual se limita a decretar que “a alteração de horário de trabalho” em causa, “ao suprimir o domingo como dia de descanso entre 15 de Junho e 15 de Setembro, não permite aos autores conciliar a atividade profissional com a sua vida familiar” - sem sedeter no facto, incontornável, de tal alteração ser meramente transitória (“entre 15 de Junho e 15 de Setembro”), sem atribuir qualquer relevo ao facto de a mesma implicar o aumento de 1 para 2 dias de descanso semanal em Época Alta (face ao contido no n.º 3 da Cláusula Quinta dos contratos de trabalho) e, sem apreciar, em concreto, a efetiva ocorrência de tal impossibilidade de conciliação. FF) Em vão se procura, entre os factos provados, um qualquer elemento que permita comprovar a veracidade do que os Autores, sem demonstrar, afirmam na exposição que cada um dirigiu à Ré EMARP: que “a minha mulher faz trabalhos para uma empresa de limpeza e, normalmente, tem como dia de descanso semanal o domingo” e que “domingo é o único dia que me permite estar com a família”. GG) Foram muitas as questões que ficaram por colocar e responder no presente caso (Qual o horário de trabalho da mulher de cada um dos Autores? Quantos dias de descanso semanal têm estas (logo, quantas horas trabalham por dia)? E, tendo apenas um dia de descanso, o que significa ser este “normalmente” o domingo? Com que frequência coincide, ou não, o descanso semanal das mulheres dos Recorridos com o domingo? Que outros membros integram o agregado familiar dos Recorridos?) FF) Tendo-se limitado o tribunal a quo, no seu juízo acerca dos supostos reflexos da alteração de horário na conciliação da prestação de atividade pelos Autores com a sua vida familiar, a dar como assentes, sem mais, as alegações daqueles, genericamente formuladas e desacompanhadas de qualquer comprovação dos factos e das implicações que pretensamente as baseariam, GG) No que, de novo, implicou uma errada aplicação da norma legal em causa – a alínea b) do n.º 2 do artigo 212.º do Código do Trabalho -, que também por esta via, violou. HH) Erra ainda a sentença recorrida na interpretação e na aplicação que faz da Cláusula 98.ª do Acordo de Empresa aplicável, a qual, tendo como epígrafe “ineficácia de clausulas do contrato de trabalho”, tal Cláusula 98.ª prescreve que “têm-se como inexistentes, as cláusulas do contrato de trabalho, que expressem a aceitação do trabalhador de situações ou regimes laborais que possam ocorrer futuramente.” II) Tal Cláusula, não obstante as reservas que suscita o recurso à categoria da “inexistência”, visa as várias situações em que uma norma legal imperativa exija o acordo do trabalhador para a adoção de certa solução ou para a aplicação de certo regime – o qual não pode, sem completa subversão do sentido e da finalidade da sua imposição, ser dado genérica e antecipadamente, pois deve sê-lo diante de cada situação concreta. JJ) Daí que a sua previsão patentemente não inclua a hipótese de alteração de horário de trabalho versada na Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre a Recorrente e os Recorridos, visto não depender a alteração do horário de trabalho de acordo do trabalhador, por expressa – e inderrogável – determinação da lei (artigos 212.º, n.º 1, e 217.º, n.ºs 1 a 4, do Código do Trabalho), que a remete para a vontade unilateral do empregador. KK) Donde, ao basear a sua decisão de julgar ilícita a alteração do horário de trabalho dos Recorridos unilateralmente decidida pela ora Recorrente, numa manifestamente desacertada leitura da Cláusula 98.ª do AE, o tribunal a quo violou, não apenas esta, mas, também, as normas legais cuja aplicação por tal modo inviabilizou no presente caso – a saber, os artigos 217.º, n.ºs 1 a 4, e 212.º, n.º 1, do Código do Trabalho. LL) A leitura que da Cláusula 98.ª faz a sentença recorrida mostra-se ainda contrária ao artigo 478.º do Código do Trabalho, mais exatamente à alínea b) do seu n.º 2, porquanto limita o exercício da prerrogativa patronal de fixar e alterar horários de trabalho do empregador. MM) A sentença recorrida contradiz-se, pois ao mesmo tempo que reconduz a Cláusula Quinta dos contratos de trabalho entre Recorrente e Recorridos, “nomeadamente” o seu n.º 4, a uma estipulação contratual tendo como objeto “atribuir à ré, entidade patronal dos autores, a faculdade de alterar «ajustar», isto é, de alterar unilateralmente os horários de trabalho destes”, lança mão do procedimento legal para o exercício pelo empregador da sua prerrogativa ex lege de alteração unilateral do horário de trabalho, contido nos artigos 217.º, n.ºs 1 a 3, e 212.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho; NN) Quando, a ser certa a tese em que se estriba a decisão impugnada – existência de um acordo prévio dado, antecipadamente, por cada um dos Recorridos à alteração do respetivo horário de trabalho, quando da outorga do seu contrato de trabalho com a Recorrente – tal procedimento, concebido e justificado para o exercício de um poder por parte do empregador, não teria qualquer aplicação. Nestes termos e nos demais do douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e, como tal, ser a Ré, ora recorrente, absolvida de todos os pedidos, com as legais consequências.
3. Os AA. responderam e pugnaram pela confirmação da sentença.
4. O Ministério Público junto deste tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de ser mantida a sentença. As partes foram notificadas do parecer e não responderam.
5. Dispensados os vistos por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.
6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso. Questão a decidir: apurar se a empregadora pode alterar unilateralmente o horário de trabalho dos AA.
II - FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS PROVADOS A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes: 1. O autor AA foi admitido ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho sem termo, com início em 30 de maio de 2017, com a categoria profissional de cantoneiro de limpeza, para prestar serviço sob as ordens, direção e orientação daquela. 2. Atualmente aufere o vencimento base de € 725,71, acrescido de subsídio de refeição no montante de € 6,41. 3. O autor BB foi admitido ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho sem termo, com início em 30 de abril de 2018, com a categoria profissional de cantoneiro de limpeza, para prestar serviço sob as ordens, direção e orientação daquela. 4. Atualmente aufere o vencimento base de € 608.09, acrescido de subsídio de refeição no montante de € 6,41. 5. A cláusula quinta dos referidos «contratos de trabalho sem termo», sob a epígrafe de «horário de trabalho», refere o seguinte: «1. O Trabalhador obriga-se a prestar um total de 40 horas de trabalho por semana, com um dia de descanso semanal obrigatório, de acordo com os horários em vigor na EMARP, EM, SA., o qual, nos termos da lei, poderá ser unilateralmente alterado por esta, quer quanto às horas de início e termo de trabalho diário e dos intervalos de descanso, quer quanto aos dias de descanso semanal; 2. No início da execução do presente contrato é unilateralmente fixado pela EMARP, EM, S.A. o seguinte horário de trabalho: de segunda a sexta-feira das 06:00 às 14:00 horas, sendo os dias de descanso o domingo e a 2.ª feira; 3. No período de Época Alta (15 de junho a 15 de setembro e 20 de dezembro a 05 de janeiro), o horário de trabalho será das 06:30 às 13:30 horas de segunda a sexta-feira e aos sábados das 07:00 às 12:00 horas, sendo o domingo o dia de descanso obrigatório; No período de Época Baixa (06 janeiro a 15 de junho e 16 de setembro a 19 de dezembro) o horário de trabalho será das 06:00 às 14:00 com dois dias de folga; 4. No que concerne ao período da Época Alta e Baixa, o mesmo poderá vir a ser ajustado, unilateralmente, pela EMARP, EM, S.A., caso se verifique a sua necessidade face ao objeto social da empresa; 5. O trabalhador prestará trabalho suplementar, quando tal lhe for solicitado e nos termos previstos nos artigos 227.º e 228.º do Código do Trabalho, mediante a retribuição das mesmas.». 6. No dia 13 de maio de 2021, foi entregue em mão aos autores, que se recusaram a assinar em como receberam, a comunicação da alteração dos seus dias de folga para a época alta, do seguinte teor: «(…) nos termos do n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho vimos pelo presente proceder à consulta relativa aos dias de folga a praticar no período de época alta, entre 15 de junho e 15 de setembro de 2021 Dia de descanso obrigatório: Sábado Dia de descanso complementar: Sexta-feira Neste contexto, deverá pronunciar-se no prazo de dez dias (…)». 7. Em meados de junho de 2021 foi afixado aviso nas instalações do estabelecimento da ré com a alteração dos dois dias de descanso semanal dos trabalhadores afetos ao serviço da DRLU abrangendo, entre outros, os autores. 8. Em 18-06-2021 cada um dos autores dirigiu à ré uma comunicação com o seguinte conteúdo: «Exmo. Senhor Director Geral da EMARP, EM, S.A. (…) na sequência da vossa comunicação com alteração dos dias de descanso semanal acordados no meu contrato de trabalho e com a qual não concordo, venho por este solicitar que esta alteração não tenha efeito, uma vez que a mesma não permite a conciliação da minha vida familiar com minha vida profissional, dado que a minha mulher faz trabalhos para uma empresa de limpeza e, normalmente, tem como dia de descanso semanal o domingo. Pelo exposto, informo que não aceito a alteração do horário de trabalho, porquanto o Domingo é o único dia que me permite estar com a família, solicitando que seja cumprido na íntegra os dias de descanso semanal acordados e constantes no meu contrato de trabalho. Certo da vossa atenção para o assunto em causa e ficando a aguardar uma resposta, tão breve quanto possível. (…)». 9. Em resposta, datada de 23 de junho de 2021, a ré comunicou a cada um dos autores o seguinte: «ASSUNTO: DISCORDÂNCIA DA ALTERAÇÃO DIAS DE DESCANSO ÉPOCA ALTA Acusamos a receção da vossa comunicação, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Dispõe o número 1 da cláusula quinta do contrato de trabalho, por nós assinado, o seguinte: CLAUSULA QUINTA (Horário de trabalho) 1- O Trabalhador obriga-se a prestar um total de 40 horas de trabalho por semana, com um dia de descanso semanal obrigatório, de acordo com os horários em vigor na EMARP, EM, SA, o qual, nos termos da lei poderá ser unilateralmente alterado por esta, quer quanto às horas de inicio e termo de trabalho diário e dos intervalos de descanso, quer quanto aos dias de descanso semanal; 2- […]. 3- […]. 4- […]. 5- […]. Deste modo, considerando as necessidades de serviço, informamos que iremos manter a nossa posição, por se fundamentar quer na legislação em vigor quer no clausulado do contrato de trabalho. Mais informamos que caso pretenda acordar com outro trabalhador a troca dos seus dias de folga (e desde que o mesmo não apresente limitações na execução das tarefas desempenhadas) não vemos problema em concordar.
O art.º 212.º do CT prescreve: 1 - Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável. 2 - Na elaboração do horário de trabalho, o empregador deve: b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar; 3 - A comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho. 4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2 ou 3. Por sua vez, o art.º 217.º do CT prescreve: 1 - À alteração de horário de trabalho é aplicável o disposto sobre a sua elaboração, com as especificidades constantes dos números seguintes. 2 - A alteração de horário de trabalho deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, bem como, ainda que vigore o regime de adaptabilidade, ser afixada na empresa com antecedência de sete dias relativamente ao início da sua aplicação, ou três dias em caso de microempresa. 3 - Excetua-se do disposto no número anterior a alteração de horário de trabalho cuja duração não seja superior a uma semana, desde que seja registada em livro próprio, com a menção de que foi consultada a estrutura de representação coletiva dos trabalhadores referida no número anterior, e o empregador não recorra a este regime mais de três vezes por ano. 4 - Não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado. 5 - A alteração que implique acréscimo de despesas para o trabalhador confere direito a compensação económica. 6 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo. As normas jurídicas acabadas de citar consagram o princípio de que compete ao empregador estabelecer o horário de trabalho depois de ouvidos os representantes dos trabalhadores. Só não pode alterá-lo unilateralmente se tiver sido acordado no contrato de trabalho um horário específico. No caso concreto ficou plasmado na cláusula 5.ª n.ºs 1 e 2 do contrato de trabalho que a empregadora pode estabelecer o horário de trabalho, tendo-se fixado de início o que iria vigorar. Contudo, a cláusula 5.ª n.º 3 estipula que: ”No período de Época Alta (15 de junho a 15 de setembro e 20 de dezembro a 05 de janeiro), o horário de trabalho será das 06:30 às 13:30 horas de segunda a sexta-feira e aos sábados das 07:00 às 12:00 horas, sendo o domingo o dia de descanso obrigatório”. Por sua vez, a cláusula 5.ª n.º 4 estipula o seguinte: “No que concerne ao período da Época Alta e Baixa, o mesmo poderá vir a ser ajustado, unilateralmente, pela EMARP, EM, SA, caso se verifique a sua necessidade face ao objeto social da empresa”. Resulta destas cláusulas que a empregadora tem o poder de ajustar o horário de trabalho nas épocas alta e baixa, mas sujeita à condição de se verificar a sua necessidade face ao objeto social da empresa. A empregadora não alega qualquer facto quanto a esta necessidade, limita-se a alterar o horário de trabalho sem qualquer justificação. Se da cláusula 5.ª n.ºs 1 e 2 parece resultar o direito da empregadora alterar unilateralmente o horário de trabalho, do seu n.º 4.ª resulta que relativamente às épocas alta e baixa a empregadora só pode fazê-lo se provar a condição: necessidade para cumprir o seu objeto social. No caso concreto está apenas em causa a alteração do horário na época alta. Neste contexto, verifica-se que a empregadora não indica qualquer justificação para a alteração do horário de trabalho na época alta, pelo que a mesma é ilegal. A cláusula 98.ª do AE, estipula: têm-se como inexistentes, as cláusulas do contrato de trabalho, que expressem a aceitação do trabalhador de situações ou regimes laborais que possam ocorrer futuramente. Esta cláusula diz respeito à alteração superveniente das condições de trabalho e não à execução do acordado contratualmente. O acordado contratualmente só deixará de operar se as partes acordarem quanto a isso ou se a lei expressamente dispuser sobre o mesmo. Assim, esta cláusula não se aplica ao caso concreto. Termos em que a apelação improcede.
III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida. Custas pela apelante. Notifique. (Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator). Évora, 13 de outubro de 2022. Moisés Silva (relator) Mário Branco Coelho Paula do Paço |