Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA PERQUILHAS | ||
| Descritores: | ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS PENSÃO DE ALIMENTOS SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | O artigo 1906.º do Código Civil não tem, nem podia ter, natureza imperativa, nem fixa presunções iure et iure que o juiz não possa deixar de atender. O normativo em questão enuncia a regra e princípios gerais a observar, sempre condicionada ao superior interesse da criança. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 454/23.7T8CSC-D.E1 – 2ª Secção Cível Relatora: Maria Gomes Bernardo Perquilhas Vindo do Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Família e Menores de Faro - Juiz 1 Recorrente: (…) Acórdão proferido na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO 1 – Nos autos principais, ação especial de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, no dia 15 de julho do corrente ano de 2025 foi proferido despacho fixando o Regime provisório relativo à criança (…), filha de (…) e de (…). Inconformada com a decisão, veio a requerida (…) interpor recurso, apresentando as seguintes Conclusões: No âmbito dos presentes autos, o critério norteador que deve presidir a qualquer decisão do Tribunal deve ser o superior interesse da criança, e não o interesse dos pais. I- A douta decisão ora recorrida padece de falta de fundamentação capaz de constituir violação do art.º 154.º do CPC e determinar a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, isto é, porque os fundamentos estão em oposição com a decisão e a douta decisão recorrida não se pronunciou sobre questões que devia apreciar. II- Na realidade, o Tribunal a quo não relevou para efeitos necessários da decisão, o facto de o progenitor impedir os contactos e as visitas da mãe á menor, sabendo da distância a que a mesma vive, e que foi imposta pelo progenitor sem que tivesse previamente falado com a Recorrente, isto é, deslocou o centro da vida da menor de Cascais, onde sempre viveu, para o Algarve, sendo que o Tribunal recorrido não podia olvidar, igualmente, as necessidades económicas que a Recorrente detinha aquela data. III- Aliás, incorre em igual erro de apreciação, quando sabedor dessas condições económicas da recorrente, lhe fixas uma pensão de alimentos em igual montante á que o recorrido estava obrigado a liquidar e este aufere, segundo o próprio mais do dobro que a aqui Recorrente. IV- Por outro lado, e tendo na sua posse elementos documentais, nomeadamente do inquérito que corre termos no DIAP de Tavira, em que o Recorrido é denunciado pela prática de um crime de violência doméstica em que alguns dos actos foram praticados em frente da menor pelo progenitor, o aqui recorrido, inexiste qualquer fundamento legal para que o mesmo continue a ter a menor a residir consigo, nos termos em que foi decidido, V- Sendo que a prática reiterada e continuada de actos que visavam impedir a mãe de estar com a filha, também nem sequer foi objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo, pelo que manter este regime, é de antever que o Recorrido impeça a Recorrente de estar com a sua filha, o que já recorrente. VI- Verificados estes circunstancialismos dúvidas não existem que estamos perante uma manifesta oposição de fundamentos entre os factos assentes e a decisão tomada, VII- Bem como não houve qualquer pronuncia sobre estes factos que constam dos autos e deviam ser tidos em conta nesta decisão, ainda que provisória. VII- Estão, pois, verificadas as nulidades constantes da alíneas c) e d) do artigo 615.º do Código Processo Civil, tendo sido violado o artigo 154.º do mesmo diploma legal. VIII- Sendo que ao decidir, como decidiu, a douta decisão violou, igualmente, o artigo 1906.º do Código Civil. Termos em que deve ser revogada a aliás douta decisão proferida a título provisório e substituída por outra que determine a residência da menor (…) junto da mãe com a manutenção do regime fixado judicialmente pelo Tribunal de Cascais. Assim decidindo, Vossas Excelências farão JUSTIÇA! * O Ministério Público concluiu a sua resposta como se segue:* 1. A recorrente insurge-se contra a decisão provisória, proferida a 15 de julho de 2025, que alterou provisoriamente o regime fixado relativamente à regulação das responsabilidades parentais da criança (…). 2. A responsabilidade parental traduz-se num conjunto de poderes deveres, numa situação jurídica complexa em que avultam poderes funcionais, que devem ser exercidos no interesse da criança com o objetivo primordial de proteção e promoção dos interesses daquele, com vista ao seu desenvolvimento físico, intelectual e moral. 3. Este exercício deverá ser pautado pelo superior interesse da criança. 4. A circunstância de se tratar duma decisão de natureza provisória não implica que o Julgador esteja dispensado de cumprir o ritualismo mínimo inerente à decisão, designadamente a discriminação dos factos que considera provados e relevantes para sustentar a sua posição aplicando-lhe o direito que tiver por adequado. 5. As decisões provisórias/cautelares revestem natureza sumária, com uma justificação circunscrita aos aspetos que ao caso importem e, por isso, forçosamente simples e sucinta, ainda que esclarecedora. 6. A decisão recorrida referenciou o quadro factual sumário da questão, não podendo considerar-se que a fundamentação apresentada seja, de todo em todo, inexistente ou que padeça de deficiência que comprometa a exposição das razões para a decisão tomada. 7. Tendo esclarecido quanto à convicção do Tribunal, e enunciado a justificação / fundamentação jurídica de tal decisão. 8. Não se verificando a arguida nulidade da falta de fundamentação. 9. A conclusão alcançada na decisão recorrida, determinando, provisoriamente, que a criança fica a residir com o pai é a conclusão lógica, não se surpreendendo entre tal decisão e os respetivos fundamentos qualquer vício de raciocínio. 10. A Mmª Juiz a quo disse o que queria dizer e decidiu bem, em total sintonia com os factos provados e com respeito pela lei, defendendo e fazendo cumprir o superior interesse da criança (…), de apenas 5 (cinco) anos de idade. 11. Impondo-se concluir que a decisão recorrida não enferma da invocada nulidade por contradição da fundamentação com a decisão. 12. A decisão recorrida apreciou/pronunciou-se sobre o que importava fazer, pelo que, não se verifica a nulidade da decisão por omissão de pronúncia. 13. Para decidir o valor dos alimentos a prestar importa ter em conta o regime legal que incide sobre os alimentos devidos a menor, na perceção de que constituem um direito da criança, com o correspondente dever por parte de ambos os progenitores. 14. Ambos os progenitores estão obrigados a contribuir para o sustento da filha, cada um em função das suas possibilidades, atento o disposto no artigo 2004.º do Código Civil. 15. Na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual”. 16. O facto da obrigação de alimentos ser de ambos os progenitores não quer significar que cada um deles deve contribuir com metade daquilo que é necessário para o sustento dos filhos, mas tão só que cada um tem a obrigação de assegurar esse sustento, de acordo com as suas possibilidades económicas. 17. Sendo a situação económica e financeira do progenitor mais favorável que a da Recorrente aquele deverá comparticipar numa maior proporção no sustento da sua filha. 18. Nada de concreto tendo sido apurado quanto às despesas inerentes às necessidades da criança, com alimentação, higiene, vestuário e calçado, bem como com educação e habitação, o tribunal a quo terá que levar em conta as despesas essenciais de qualquer pessoa, necessárias a uma subsistência com um mínimo de dignidade, recorrendo a critérios de bom senso e de experiência comum, afigurando-se que, na total ausência de elementos concretos, pode ter-se como ponto de partida o indexante fixado para os apoios sociais. 19. Afigurando-se, assim, de acordo com os factos apurados, apenas baseados nas declarações dos progenitores, como adequado que a recorrente contribua a título de pensão de alimentos com, pelo menos, € 150,00 mensais a favor da criança. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida. Contudo, Vossas Excelências, com mais elevada prudência, decidirão como for de JUSTIÇA * II - FUNDAMENTAÇÃO:A – A decisão recorrida é a seguinte: REGIME PROVISÓRIO: (…), na qualidade de progenitor da criança (…), nascida em 31 de agosto de 2019, atualmente com 5 anos de idade, veio intentar ação de alteração ao exercício das responsabilidades parentais contra (…), na qualidade de progenitora. Foi realizada conferência de pais a que alude o artigo 35.º do RGPTC e não se logrou acordo. Ali de solicitou à CPCJP de Tavira a remessa aos autos da medida protetiva de apoio junto dos pais e informação ao inquérito crime. Foi remetida pela CPCJP de Tavira a decisão negociada entre ambos os pais, da qual resulta ter sido aplicada medida protetiva de apoio junto do pai, em 17 de dezembro de 2024, pelo período de 1 (um) ano, ao que a mãe deu o respetivo consentimento (vide ref.ª 13861480, de 03.07). Relativamente ao inquérito crime com o NUIPC (…), que corre termos no DIAP de Tavira, foi este Tribunal informado que o progenitor, não foi, ainda, constituído arguido (vide ref.ª 13895408, de 14.07). Tendo vista no processo o Ministério Público promoveu a alteração provisória ao regime fixado de responsabilidades parentais, nos termos que melhor constam da promoção que antecede (ref.ª 137225764, de 14.07). ÷ II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Com relevo para a decisão, encontra-se, indiciariamente, provado que: 1. A criança (…) nasceu em 31 de agosto de 2019 (atualmente com 5 anos de idade) e está registada como filha de … e … (certidão de nascimento junta com p.i nos autos principais). 2. No apenso de promoção e proteção os autos foram arquivados, e realizada no dia 21 de abril de 2024 a conferência de pais e fixado o seguinte regime de regulação das responsabilidades parentais: “1- A criança (…) fica à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente da mesma. 2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da (…), serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores. 3- A (…) estará como pai, sempre que este tiver disponibilidade, em termos a combinar entre o pai e a mãe com 48 horas de antecedência sobre o pretendido convívio e sem prejuízo das atividades escolares e dos períodos de descanso da criança. 4- As deslocações da (…) para fora do território nacional dependem da autorização de ambos os progenitores. 5- O pai prestará a título de alimentos à criança a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a entregar à mãe até o dia 08 de cada mês por transferência bancária. 6- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE. 7- O pai suportará integralmente: a) A quantia relativa à terapia da fala de que a (…) atualmente beneficia. b) A actividade extracurricular, ginástica, que a (…) atualmente frequenta. c) A mensalidade da escola, almoço e lanche no estabelecimento escolar atualmente frequentado pela (…). 8- Os pais suportarão na proporção de 50% as restantes despesas médicas, medicamentosas e escolares da (…), mediante apresentação do respectivo documento comprovativo da realização da despesa”. 3. Sucede que em novembro de 2024 a progenitora alegando ter sido vitima de violência doméstica do seu então companheiro e ter sido colocada na rua, pediu ao progenitor que assumisse os cuidados da filha enquanto esta se reorganizava. 4. A criança veio para o Algarve, zona de residência do pai e aqui passou a residir, a frequentar o infantário “O (…)” e a ter o seu centro de vida. 5. Em 17 de dezembro de 2024 junto da CPCJP foi aplicada medida protetiva de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, com o consentimento da mãe. 6. A mãe deslocou-se por diversas vezes ao Algarve para conviver com a filha, o que segundo ambos progenitores ocorreu sem incidentes até março de 2025. 7. A partir dessa data, a mãe alega que o pai dificultou/impediu os convívios com a filha. 8. No dia da mãe, esta deslocou-se ao infantário para estar com a sua filha e disse ter sido vigiada e controlada pelas funcionárias, o que a levou a apresentar uma reclamação e que veio a culminar na chamada da GNR ao local, a qual chamou o pai a quem a criança foi entregue. 9. No domingo de Páscoa a mãe alega ter sido agredida pelo pai na presença da filha, o que motivou a apresentação de queixa junto da entidade policial e deu origem ao inquérito n.º (…), não tendo, por ora, o progenitor sido constituído arguido. 10.O pai por sua vez alega não impedir convívios e imputa comportamentos desadequados da mãe e falta de condições para ter a filha a seu cargo. 11.O progenitor declarou trabalhar na área das vendas e auferir cerca de € 2.000,00 mensais. 12. Declarou pagar a titulo de renda de casa a quantia de € 650,00. 13. Vive sozinho com um animal de estimação e com a sua filha até ao dia em que a mãe a levou de volta para Cascais. 14. A progenitora declarou trabalhar em casa de duas famílias e cuidar das crianças. 15. Declarou auferir o salário mínimo nacional, sensivelmente cerca de € 385,00 por cada família. 16. Vive numa casa, apenas dispondo de um quarto e casa de banho e cozinha partilhada com outras pessoas que residem nos restantes quartos. 17. Foi efetuada visita domiciliária à casa habitada pela progenitora, tendo as sras. Técnicas observado (…) a mãe nervosa, agitada e com um discurso confuso. As portas da maior parte das divisões da casa estavam trancadas e a mãe recusou inicialmente partilhar quem reside nos outros espaços. A mãe ocupa um quarto de pequenas dimensões com uma cama de pessoa singular, tendo indicado que dormiria no chão aquando da permanência da (…) no seu agregado. Alegou pagar € 400,00 de renda, ter uso da cozinha e casa de banho, mas não da sala e auferir € 800,00 como ama em casa particular”, concluindo que não existem, para já, condições para a reunificação da criança com a progenitora. 18. Durante a visita domiciliária a progenitora disse às sras. Técnicas que o pai da (…) era agressor, alcoólico e negligente. 19. E quanto à (…) disse que a mesma não está a frequentar creche e que não fez inscrição para o 1º ciclo. 20. Em sede de conferência a mãe declarou que no dia seguinte à visita domiciliária foi comprar outra cama e que colocou no quarto. 21. Em março de 2025 o pai deslocou-se a Barcelona em trabalho e a criança ficou aos cuidados da mãe. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão a proferir. * III. MOTIVAÇÃO:Os factos que se deixaram indiciariamente provados resultaram da certidão de nascimento da criança (ponto 1), da ata do processo de promoção e proteção (ponto 2) e das declarações dos pais (pontos 3 a 16, 20 e 21) da informação social do Núcleo de Infância e Juventude de Cascais e Relatório da CPCJP de Cascais (pontos 17 a 19). Considerou-se ainda, o auto de denúncia que deu origem ao inquérito 151/25.9PGCSC e a informação do DIAP de Tavira junto sob a ref.ª 13895408, de 14.07) (ponto 9). Por último considerou-se a decisão negociada e aplicada junto da CPCJP de Tavira em 17.12.2024 (ponto 5). * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITODispõe o artigo 42.º do RGPTC, sob a epígrafe “Alteração de regime”, que: “1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”. Efetivamente, “o acordo ou decisão final de regulação do exercício das responsabilidades parentais pode sempre ser alterado, a requerimento de qualquer um dos progenitores, de terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada ou pelo Ministério Público, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido”. Porque se trata de processos de jurisdição voluntária, as decisões tomadas podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou tornem necessária essa alteração” (cfr. artigo 12.º do RGPTC e artigo 988.º, n.º 1, do CPC). Por sua vez, dispõe o artigo 38.º do RGPTC, sob a epígrafe “Falta de acordo na conferência”, que: “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos”. O artigo 40.º, n.º 1, da Lei 141/2015, de 8 de setembro, que aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) refere o seguinte: “Na sentença, o exercício o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”. Importante é também a redação do n.º 8 do citado artigo 1906.º do Código Civil, consagrando que: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”. Em todos os processos desta natureza, o Tribunal deve guiar-se sempre pelo superior interesse da criança, e por isso seria favorável ao interesse da Maria que os pais conseguissem chegar a acordo, o qual, existindo, torna muito mais facilitador todo o processo, pois confere segurança aos filhos, ao invés, o desacordo, lhes gera insegurança e instabilidade, pelo que aos progenitores cabe a tarefa de, responsavelmente, ultrapassarem as divergências que se revelem contrárias ao interesse da … (principio da responsabilidade parental – artigo 4.º, alínea f), da LPCJP). Os pais têm que combater o despeito e a raiva que, por compreensíveis que sejam, havendo um/a filho/a comum, têm de ser subvalorizados ou colocados em plano secundário. Quem tem de ganhar neste tipo de processos é quem perde de certeza se os pais não ajudarem, ou seja, a (…). Isto para dizer que o objetivo primeiro e último da decisão neste processo, é definir um quadro vivencial que para a criança se tenha como o mais adequado e, assim se protejam os seus direitos e interesses e não os interesses dos pais. Ora, da factualidade supra enunciada extraímos que o superior interesse da criança … reclama uma alteração provisória ao regime de regulação das responsabilidades parentais que se encontra fixado, de modo a que a … possa usufruir de forma equilibrada do convívio com ambos os seus progenitores. Os pais apresentam-se focados no conflito entre ambos, com argumentos díspares, o que dificulta a comunicação e tem sido fonte de conflitos. Sucede que na CPCJP de Tavira, em 17 de dezembro de 2024 e pelo período de 1 (um) ano, foi aplicada medida protetiva de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, com o consentimento da mãe, o que implica a conclusão de que a mãe está em incumprimento da medida ao reter a criança junto de si. Acresce que, o pai apresenta condições habitacionais e pessoais para cuidar da filha, veja-se que foi a mãe que quando precisou pediu ao pai para cuidar da menina, reconhecendo ao pai competências parentais, o que retira credibilidade à mesma quando vem dizer que o pai é negligente, alcoólico e agressor, sendo que os Técnicos vieram aos autos informar que a criança deverá regressar aos cuidados do pai, colocando reservas quanto à mãe. Por sua vez a mãe não tem condições habitacionais para acolher a filha de forma permanente e por longos períodos, atente-se nos factos 16 e 17. Outrossim, o facto de o pai ainda não ter sido constituído arguido no âmbito do inquérito crime, mostrando-se necessário apurar mais desenvolvimentos e na CPCJP está pendente em execução uma medida protetiva a favor da criança, sendo que o agregado do pai e da criança está sob vigilância e acompanhamento da dita Comissão, o que assegurará o superior interesse da (…). V. DECISÃO Assim, considerando que a criança já estava aos cuidados do pai e mostra-se em execução uma medida protetiva de apoio junto do pai (repare-se que tal foi a pedido da mãe que reconheceu ao pai competências parentais) e não existem nos autos factos que consubstanciem impedimento ao exercício da parentalidade por banda do pai, deverá a criança, provisoriamente, ficar a residir com o pai a quem incumbe os atos da vida corrente, de forma a acautelar a manutenção do essencial da vida da Maria, que já tem o seu centro de vida organizado no Algarve desde novembro de 2024. Para tanto deverá o pai contactar a CPCJP da sua área de residência que deverá contactar com a sua congénere na área de residência da mãe, e as Técnicas articularem com ambos os pais a entrega da criança, que deverá ser feita na presença das Técnicas. As questões de particular importância ficam a cargo de ambos os pais, na ausência de circunstâncias que impliquem o afastamento da regra geral, artigo 1906.º, n.º 1, do CC. Os convívios da criança com a mãe serão quinzenais (fins de semana alternados), a iniciar no primeiro fim de semana, após a entrega da criança ao pai. E de modo a compensar a criança pela perda de contactos com a mãe deverão, independentemente, dos fins de semana quinzenais, ser atribuídos à mãe para o efeito, os fins de semana que sejam precedidos ou antecedidos de feriados e esses feriados, devendo os pais, entre si, fazer as necessárias alterações quando eles não coincidam com os fins de semana alternados em que a (…) ficaria com a mãe. Nos fins de semana alternados em que a (…) fica com a mãe, o pai providenciará pela entrega da criança na casa da mãe, à sexta-feira até às 22 horas (ou do dia anterior ao feriado que o anteceda) e a mãe providenciará pelo retorno da criança ao Algarve, devendo entregá-la na casa do pai até ás 21 horas de Domingo (ou do feriado que o suceda). A progenitora contribuirá com a quantia mensal de € 150,00, a título de pensão de alimentos para a criança, a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária para a conta do pai. A prestação de alimentos será atualizada anualmente, a partir de julho de 2026, de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor) publicitada pelo INE. No mais, se mantendo o já fixado no âmbito dos autos de regulação das responsabilidades parentais, no segmento das despesas e constante do ponto 2 da factualidade provada. Mais determino que se oficie o SATT e se solicite a indicação de Técnico que deverá acompanhar o regime provisório em articulação com os Técnicos da CPCJP, bem como supervisionar a entrega da criança ao pai, remetendo aos autos todas as informações que entenda pertinentes e oportunas ao superior interesse da (…). Solicite ao inquérito crime seja este Tribunal informado sobre se o progenitor ali foi constituído arguido, aplicação de medidas de coação e despacho final que ali vier a ser proferido. Mais, determino que se solicite ao Gabinete Sirene a inserção dos dados relativos à criança no respetivo sistema de informação de modo a que sejam tomadas as medidas adequadas a evitar a saída da criança do país, até ser concluído o processo. Notifique e comunique de imediato (SATT e à CPCJP). * III – Apreciação do mérito do recurso:* 1. O objeto do recurso O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia se nas seguintes questões: - Falta de fundamentação; - Contradição entre os fundamentos e a decisão; - Erro na apreciação da situação económica da recorrente: - Violação do disposto no artigo 1906.º do CC. * 2. Conhecendo e decidindo:a) Da falta de fundamentação: A sentença/decisão será nula se a mesma padecer de algum dos vícios previstos no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, nomeadamente se não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [(alínea b)]. Este dever de fundamentação é aplicável às decisões proferidas nas ações especiais tutelares cíveis por força do disposto no artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC. É sabido que para que se verifique esta nulidade é necessário que a não exista de todo fundamentação da decisão ou quando seja manifestamente insuficiente, numa clara manifestação de deficiente observância do referido dever de fundamentação das decisões judiciais, obrigação consagrada desde logo no artigo 208.º, n.º 1, da Constituição da República, e no CPC no artigo 154.º, no já citado 615.º, n.º 1, alínea b), aplicável aos despachos ex vi do artigo 613.º, n.º 3, todos do CPC. Assim, é manifesta a inexistência da nulidade invocada. * Oposição entre os fundamentos e a decisão: O vício da oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando as conclusões que o tribunal retira dos fundamentos que invoca para decidir estão em oposição. Os fundamentos não suportam as ilações retiradas ou enquadramento jurídico realizado. Como se explica no Ac. do STJ de 20-05-2021, Proc. n.º 281/17.0YHLSB.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que “A nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença” [1]. “5. A oposição entre os fundamentos e a decisão consubstancia-se num vício lógico do acórdão. 6. ‘Se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença’ 7. Não se trata de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia — contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real). 8. O vício em apreço também não se confunde com o assim denominado erro de julgamento, id est, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem, tão pouco, a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes apenas sindicáveis em sede de recurso jurisdicional”. De igual modo a recorrente não identifica qualquer oposição entre os fundamentos de facto e os factos julgados provados nem tão pouco entre os factos e a qualificação jurídica constante da decisão, não tendo este Tribunal descortinado, porque dela não enferma, a dita nulidade. O que a recorrente alega é, no seu entender, uma falta de valorização de factos que deveriam ter sido ponderados na determinação do regime provisório. Contudo, tal a verificar-se constituiria erro na apreciação da prova, caso existisse, e não oposição entre os fundamentos e a decisão. É que este vício é da sentença e não do julgamento, tendo de resultar do texto da mesma. Enquanto que este último consiste numa errada valoração dos meios de prova apreciados pelo tribunal na fixação da matéria de facto. E tendo em conta a prova carreada para os autos até à prolação da decisão recorrida não vemos como poderia o tribunal ter decidido de forma diferente, o que não invalida que definitivamente, em sede de sentença final, o não possa fazer. Igualmente improcede a conclusão avançada. * Erro na apreciação da situação económica da recorrente: Ataca ainda a recorrente a decisão proferida assacando-lhe o vício de valoração da condição económica da recorrente na fixação da prestação alimentar. E quando invoca este vício de julgamento parece nele abranger o que afinal havia qualificado como oposição entre os fundamentos e a decisão. Como já referimos na apreciação da questão da contradição entre os fundamentos e a decisão, não se descortina nem esse vício da sentença nem o erro de julgamento. E este julgamento abrange a questão ora em apreciação. Na verdade, a prestação alimentar, se bem que na fase inicial do processo, deve ter sempre em conta as possibilidades de quem a presta e as necessidades do alimentando. Se bem que a recorrente apenas invoque esta questão nas conclusões do recurso, não explicando em sede de alegações qual a prestação alimentar que deveria ter sido fixada, não podemos ignorar que resulta dos autos que o pai tem uma condição económica consideravelmente mais confortável do que a mãe, que aufere quantia equivalente ao salário mínimo nacional. Assim, tendo em conta que é com tal valor que a recorrente tem de satisfazer as suas necessidades de subsistência, nomeadamente habitação, constituindo facto público e notório que com habitação os portugueses despendem cerca de metade do seu salário, demais despesas decorrentes da satisfação das necessidades de subsistência, que se valoram em igual medida para ambos, pai e mãe, e ainda a circunstância de o pai, que aufere rendimentos muito mais elevados que a mãe e que quando prestava alimentos a sua prestação era de € 150,00, tendo os critérios de ponderação legalmente obrigatória fixada no artigo 2004.º do CC e razões de equidade, sem esquecer que a medida dos alimentos provisórios não afeta a determinação definitiva dos mesmos, podendo haver retroativos a pagar por força da retroatividade da prestação alimentar à data da entrada da ação (caso os alimentos definitivos sejam superiores e a obrigação recaia sobre o mesmo obrigado, cfr. artigo 2006.º do CC) entendemos ajustada a prestação alimentar no valor de € 100,00 a prestar pela recorrente a sua filha, nos demais termos fixados na decisão recorrida. * Da violação do artigo 1906.º do CC Não obstante esta questão seja logicamente anterior à apreciação da prestação alimentar, já que em situações de residência única da criança a obrigação alimentar recai sobre o progenitor não residente, segue agora a apreciação escrita por esta ter sido a ordem apresentada no recurso. Do que se decidiu na questão imediatamente anterior no parágrafo antecedente, entendemos, como o tribunal a quo, que a residência de (…) deve ser fixada junto do pai. À data da decisão os elementos probatórios carreados para os autos impunham que se concluísse que a mãe não dispunha de condições habitacionais nem pessoalmente estruturadas. Ao invés, sem prejuízo da prova que vier a ser feito em audiência de discussão e julgamento se não for celebrado acordo nos autos, o pai oferece condições que correspondem ao superior interesse da filha de ambos. Deste modo, não cremos em que medida nem em que ponto da decisão se mostra ofendido o normativo invocado pela recorrente, uma vez que a norma em causa não tem, nem podia ter natureza imperativa nem fixa presunções iure et iure que o juiz não possa deixar de atender. O normativo em questão enuncia a regra e princípios gerais a observar, sempre condicionada ao superior interesse da criança. E no caso a regra geral ali enunciada, correspondente ao exercício em comum das responsabilidades parentais mostra-se observada por não colocar em causa, assim se entendeu em primeira instância e se subscreve, o superior interesse da (…). Aqui chegados e sem necessidade de maiores considerações, atenta a prova carreada, sustentáculo dos factos provados, a decisão tomada mostra-se adequada no que a esta questão concerne. * * Face ao exposto Acorda-se nesta Relação de Évora: Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente, alterando-se a prestação alimentar devida pela recorrente para o valor de € 100,00 mensais, a pagar nos exatos termos fixados na decisão recorrida, mantendo-se no mais o decidido. Sem custas, atento o provimento parcial do recurso. Sumário: (…) * Évora, 30 de outubro de 2025Maria Gomes Bernardo Perquilhas Anabela Raimundo Fialho Rosa Barroso |