| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
| Processo: | 
 | ||
| Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO VENDA EXECUTIVA ANULAÇÃO | ||
|  |  | ||
| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
|  |  | ||
|  |  | ||
| Sumário: | i) por via do princípio da preclusão dos meios de defesa decorrente do ónus da concentração da defesa, aos Executados não assiste o direito processual de suscitar questões atinentes aos pressupostos de regularidade da instância executiva, realizadas que estão as diligências de venda dos bens penhorados; ii) a anulação da venda executiva com fundamento na existência de ónus ou limitações não consideradas, no erro sobre a coisa transmitida e nos demais fundamentos de anulação do negócio jurídico apenas pode ser requerida pelos adquirentes, a quem cabe definir a estratégia que melhor serve os seus interesses em face do impacto do negócio eventualmente inválido na respetiva esfera patrimonial; iii) a venda judicial só fica sem efeito, por iniciativa dos executados, nos casos versados no artigo 839.º do CPC. (Sumário da Relatora) | ||
|  |  | ||
|  |  | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrentes / Executados: (…) e (…) Recorrida / Exequente: (…) Banco, SA Por requerimento apresentado a 11/02/2021, foi instaurada a presente execução para cobrança da quantia de € 653.787,04, correspondente ao que permanecia em dívida por via de dois contratos de mútuo, com hipoteca, celebrados com a sociedade (…) – Compra, Construção e Venda de Imóveis, Lda.. Para tanto, foi invocado, designadamente, o seguinte: - a celebração do contrato de mútuo, a 26/11/2007, no montante de € 650.000,00 destinados à aquisição de prédio urbano para habitação; - a celebração do contrato de mútuo, a 20/08/2009, no montante de € 300.000,00 destinados ao Apoio ao Investimento; - a constituição de hipotecas abrangendo 15 prédios rústicos, devidamente registadas, para garantia do pagamento das responsabilidades dali resultantes, prédios esses devidamente identificados no ponto 12 do contrato de financiamento; - a anulação, por decisão judicial transitada em julgado a 09/03/2015, das escrituras públicas de compra e venda celebradas em 2007 através das quais, (…), Lda. declarou adquirir os prédios rústicos os executados, prédios esses a desanexar da parte rústica do prédio misto descrito na CRP de Palmela sob o n.º (…), de 17/02/2000, da freguesia do (…); - a qualidade de proprietários dos executados, em decorrência dessa decisão judicial, relativamente aos prédios rústicos hipotecados, o que legitima sejam acionados nesta execução – artigo 56.º/2, do CPC. Conforme indicação dada pelo Exequente no requerimento executivo, foram penhorados 10 desses prédios rústicos. Os Executados deduziram oposição à execução e à penhora, que foram julgadas extintas por impossibilidade superveniente da lide conforme decisões transitadas em julgado a 11/3/2024. II – O Objeto do Recurso Realizadas que foram diligência para venda dos prédios rústicos penhorados, apresentaram-se os Executados, a 13/02/2025, a requerer o seguinte: a) a declaração de nulidade de todo o processo executivo; b) a declaração da nulidade das vendas efetuadas mediante leilão, devendo o Agente de Execução devolver os valores entregues pelos proponentes; c) a exclusão do processo executivo as verbas 1 a 10 como bens indicados à penhora por os mesmos serem inexistentes, em face da sentença transitada em julgado que decidiu a anulação do fracionamento e das escrituras de compra e venda, processo que correu termos no Tribunal Judicial de Setúbal, sob o n.º 2604/11.7T8LSB, da Vara de Competência Mista; d) a declaração de ilegitimidade dos Executados, dada a inexistência de hipoteca sobre o prédio de que são proprietários, e dado que a dívida exequenda não foi sido contraída pelos mesmos; e) a citação da devedora – sociedade (…), Lda. – atenta a informação remetida aos presentes autos em 5 de Abril de 2021, com a Ref.ª 5669562 através da qual o sr. Administrador de insolvência referiu que “cessou atribuições de administrador de insolvência da sociedade (…) – Compra, Construção e Venda de Imóveis, Lda., por efeito do douto despacho com a Ref.ª 88810252 de 09-09-2019, transitado em julgado no prazo legal, que também declarou o encerramento do processo de insolvência pelo que recuperou a devedora o direito de disposição dos seus bens e livre gestão do negócio (…) assim, são os sócios e/ou gerentes da referida sociedade (…) que devem ser citados e não o administrador de insolvência.” Invocaram, para tanto, que os imóveis penhorados e objeto de venda já não existem, uma vez que foi proferida sentença, transitada em julgado, que anulou o fracionamento do prédio rústico e os contratos de compra e venda dos prédios desanexados, pelo que o prédio indevidamente fracionado voltou ao seu património, sem que sobre ele impenda hipoteca que sustente o processamento da execução contra eles. Em resposta, o Exequente alega que o requerimento formulado é extemporâneo, que as questões colocadas já o foram em sede de oposição à execução e à penhora (deduzidas em fevereiro de 2022, já findas), não tendo cabimento a pretensão agora esgrimida, quando já passaram 1081 (mil e oitenta e um) dias desde a última intervenção no processo, nada tendo dito ou requerido sempre que foram notificados, designadamente das diligências de venda operadas nos autos. Foi proferido despacho indeferindo o requerido. Inconformados, os Executados apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que: a) declare a nulidade das vendas efetuadas mediante leilão eletrónico nos presentes autos; b) determine a exclusão do processo executivo as verbas 1 a 10 como bens indicados à penhora por os mesmos serem inexistentes, em face da sentença transitada em julgado que decidiu a anulação do fracionamento e das escrituras de compra e venda melhor identificadas supra, processo que correu termos no Tribunal Judicial de Setúbal, sob o n.º 2604/11.7T8LSB, da Vara de Competência Mista; c) declare, em face da inexistência de hipoteca sobre o prédio dos Executados/Recorrentes em consequência da anulação do fracionamento e das escrituras, que os mesmos são parte ilegítima nos autos por a dívida exequenda não ter sido contraída pelos mesmos; d) determine a citação da devedora – sociedade (…) Lda. – atenta a informação remetida aos presentes autos em 5 de Abril de 2021, com a referência 5669562 através da qual o Administrador de insolvência referiu que “cessou atribuições de administrador de insolvência da sociedade (…) – Compra, Construção e Venda de Imóveis, Lda., por efeito do douto despacho com a Ref.ª 88810252, de 09-09-2019, transitado em julgado no prazo legal, que também declarou o encerramento do processo de insolvência pelo que recuperou a devedora o direito de disposição dos seus bens e livre gestão do negócio (…) assim, são os sócios e/ou gerentes da referida sociedade (…) que devem ser citados e não o administrador de insolvência. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «1. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Setúbal no âmbito do Proc. n.º 2604/11.7T8LSB, da Vara de Competência Mista, foi determinada a anulação das escrituras de compra e venda celebradas entre a (…), Lda. e os aqui Executados / Recorrentes sendo que tal anulação foram consequência de o tribunal ter determinado a anulação do fracionamento do terreno por se ter verificado a violação do disposto no artigo 20.º do DL n.º 384/88, de 25/10 e artigos 45.º e 47.º do DL n.º 103/90, de 22/03. 2. Aquela ação foi registada no Registo Predial e foi convertida em definitiva aquando da sentença transitada em julgado pelo que entendem os Recorrentes que tem efeito “erga omnes”, logo deve produzir efeitos igualmente nos presentes autos. 3. Não obstante, no requerimento executivo a Exequente referiu, e muito bem, que: Conforme consta das certidões prediais dos imóveis hipotecados que foram juntas aos autos, sobre os mesmos encontrava-se registada uma ação (correspondente à Ap. …, de 2021/02/01) intentada pelo Ministério Público contra a sociedade (…) e contra os aqui executados. Aquela ação, na qual o Ministério Público, em representação do Ministério do Ambiente requereu a anulação das escrituras de compra e venda celebradas entre a sociedade (…) e os aqui executados foi julgada procedente e já se encontra transitada em julgado (conforme cópia da certidão judicial que aqui se junta como doc. 7 e se dá por integralmente reproduzida). (…) Uma vez que a referida ação foi julgada procedente, foi promovido a conversão em definitivo do registo da mesma sobre os imóveis melhor referidos na parte referente à indicação dos bens à penhora, do presente requerimento executivo. Tal registo encontra-se convertido pela Ap. (…), de 2019/09/19 (cfr. doc. 6). 4. A Exequente indicou à penhora os lotes de terreno fruto daquele fracionamento do terreno rústico, como verbas 1 a 10 devidamente identificados no Requerimento executivo. 5. Em face da anulação do fracionamento do terreno rústico registado na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), de 17/02/2000 da freguesia do (…) , os prédios indicados à penhora pelo Exequente no Requerimento executivo dos presentes autos como verbas 1 a 10 voltaram ao “prédio mãe” pelo que já não existem e 6. Também não existem os atos subsequentes à anulação do fracionamento do prédio propriedade dos aqui Executados e das escrituras os quais foram igualmente apagados da ordem jurídica, em consequência daquela anulação, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2, do CPC nos termos do qual, “Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.” 7. Assim, deixou de existir sobre cada um dos prédios a garantia constituída a favor do aqui exequente através de hipoteca, logo, 8. O Exequente não detém qualquer garantia constituída para, nos presentes autos, executar o sr. (…) e a sra. D. (…), ao abrigo do artigo 54.º, n.º 2, do CPC. Logo, 9. Atento o facto de já não existir a garantia real necessária para que a execução corra contra os bens de terceiros – aqui Executados/Recorrentes – único facto que poderia conferir legitimidade aos aqui executados – não poderia a presente execução ter sido apresentada contra (…) e a sra. D. (…), logo estes são parte ilegítima nos presentes autos. 10. Conforme consta das certidões juntas aos autos pelo Exequente, foi a (…) – Compra, Construção e Venda de Imóveis, Lda. quem contraiu um empréstimo bancário junto do então Banco Espírito Santo de onde também decorre que a hipoteca voluntária abrange 15 prédios, ou seja os prédios provenientes do fracionamento do prédio rústico registado na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), de 17/02/2000, da freguesia do (…), os quais deixaram de existir por força da sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Judicial de Setúbal, Proc. n.º 2604/11.7T8LSB, da Vara de Competência Mista. 11. Nos termos do artigo 619.º, n.º 1, do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”, a concreta relação material controvertida que foi objeto da decisão, não só não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes como não pode vir a ser contrariada – antes deverá ser respeitada – por qualquer outra decisão e, o caso julgado assim formado, pode impor-se por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido, em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 12. O que está a ser feito pelo tribunal a quo é precisamente o contrário pois, a decisão que transitou em julgado e que decidiu anular as escrituras e o fracionamento do terreno, está a ser completamente ignorada pelo tribunal a quo quando aceita que o sr. Agente de Execução proceda à venda de lotes de terreno que já não existem. 13. Se, por um lado, os prédios rústicos indicados à penhora já não existem, por outro, 14. Não pode ser permitida a venda das parcelas de terreno cujo fracionamento e as escrituras de compra e venda das mesmas foram anulados judicialmente porquanto ao manter o fracionamento do terreno propriedade dos aqui executados estaremos a agir em clara violação da sentença transitada em julgado e em clara violação da lei (artigo 20.º do DL n.º 384/88, de 25/10 e artigos 45.º e 47.º do DL n.º 103/90, de 22/03). 15. Os contratos de compra e venda celebrados nos presentes autos de execução serão nulos por impossibilidade de entrega da coisa uma vez que a coisa objeto do contrato de compra e venda não existe, violando o disposto no artigo 879.º do CC, assim como serão nulos por os bens indicados à penhora serem indetermináveis nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, do CC. Acresce, ainda, o facto de 16. Os aqui Recorrentes, não serem responsáveis pelo valor da dívida exequenda, porquanto a dívida exequenda é da responsabilidade da sociedade (…), Lda., por o contrato de mútuo ter sido celebrado entre a sociedade (…), Lda. e o então Banco (…), agora (…) Banco, aqui Exequente pelo que, 17. Pretendem os Recorrentes que a sociedade (…), Lda. seja citada, atenta a informação remetida pelo Administrador de Insolvência em 5 de Abril de 2021, com a Ref.ª Citius 5669562, através da qual o mesmo referiu que “cessou atribuições de administrador de insolvência da sociedade (…) – Compra, Construção e Venda de Imóveis, Lda., por efeito do douto despacho com a Ref.ª 88810252 de 09-09-2019, transitado em julgado no prazo legal, que também declarou o encerramento do processo de insolvência pelo que recuperou a devedora o direito de disposição dos seus bens e livre gestão do negócio (…) assim, são os sócios e/ou gerentes da referida sociedade (…) que devem ser citados e não o administrador de insolvência.”» O Recorrido apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, por acertada. Cumpre conhecer das seguintes questões: i) da nulidade do processo e da ilegitimidade dos Recorrentes; ii) da invalidade das vendas dos bens penhorados. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1. A presente ação executiva foi instaurada em 08.02.2021. 2. No dia 19.01.2022 foram penhorados dez prédios rústicos a favor do qual foi constituída hipoteca voluntária a favor do (…) Banco, S.A.. 3. Os executados foram citados nos dias 14 e 15.02.2022 para, querendo, deduzir oposição à execução. 4. Em 17.02.2022 e 19.10.2022 respetivamente (apensos B e C) deduziram oposição à execução e à penhora. 5. No dia 11.02.2024, em ambos os apensos, foram proferidas sentenças que determinaram a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, as quais transitaram em julgado em 11.03.2024. 6. Após o trânsito em julgado, os executados foram notificados em 28.02.2024 nos autos principais para se pronunciarem quanto à modalidade de venda e valor base dos imóveis penhorados a vender e nada disseram. 7. Em 19.04.2024, o sr. Agente de Execução, notificou os executados sobre a modalidade e valor base de venda dos bens penhorados e nada disseram. 8. Em 13.12.2024, o sr. Agente de Execução notificou os executados do início e termo da venda dos dez imóveis penhorados e nada disseram. 9. Em 16.01.2025, o sr. Agente de Execução notificou os executados do encerramento de leilão, relativamente às verbas n.º 2, 4, 7, 8 e 10 e nada disseram. 10. Em 23.01.2025 o sr. Agente de execução notificou os executados do encerramento de leilão, na pessoa da Ilustre Mandatária entretanto constituída relativamente às verbas n.º 1, 3, 5, 6 e 9 e nada disseram. B – As questões do Recurso i) Da nulidade do processo e da ilegitimidade dos Recorrentes Os Recorrentes sustentam que os prédios penhorados são, e já eram aquando da apresentação do requerimento executivo, juridicamente inexistentes; que inexiste, e já inexistia aquando da apresentação do requerimento executivo, a garantia real com base na qual foram demandados na presente ação executiva; que, não sendo devedores das quantias mutuadas, são partes ilegítimas na execução. Tais questões constituem fundamentos de oposição à execução – cfr. artigos 729.º e 730.º do CPC. Por via do princípio da preclusão dos meios de defesa decorrente do ónus da concentração da defesa, atento, designadamente, o regime inserto nas disposições conjugadas dos artigos 573.º, 728.º e 732.º do CPC, não assiste já aos Executados o direito processual a suscitar e ver apreciadas tais questões. Na verdade, todas as questões que configurem exceções e meios de defesa devem ser esgrimidas logo que aquele que pretende valer-se delas seja chamado a pronunciar-se no processo, sob pena de resultar precludido o direito de as arguir. Assim não será, caso se tratem de questões que sejam supervenientes, ou que a lei admita expressamente a arguição em momento posterior ou ainda de que se deva conhecer oficiosamente. O que não se verifica na situação em apreço. Note-se ainda que, por terem tido já lugar atos de transmissão de bens penhorados, nem sequer podem ser apreciadas oficiosamente questões de contendam com o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo – cfr. artigo 734.º do CPC. De igual modo se apresentam os Recorrentes, fora de tempo, a aludir à alegada irregularidade de notificação do AI da Massa Insolvente de (…), de 05/04/2021 – cfr. artigos 195.º e 149.º do CPC. Termos em que soçobra a pretensão recursiva relativamente aos pressupostos atinentes à irregularidade da instância executiva. ii) Da invalidade das vendas dos bens penhorados Os Recorrentes sustentam que devem ser declaradas nulas as vendas dos bens imóveis penhorados operadas no processo. A invalidade da venda que se tenha realizado no processo executivo encontra-se regulada nos artigos 838.º e 839.º do CPC. O artigo 838.º do CPC reporta-se à anulação da venda a requerimento do comprador, assistindo-lhe o direito a obter a indemnização devida. Os fundamentos atinentes à existência de ónus ou limitações não consideradas e ao erro sobre a coisa transmitida «visam a tutela do comprador e por isso estão na sua exclusiva disponibilidade. Integram situações de erro acerca do objeto jurídico (ónus ou limitação) ou material (identidade ou qualidade da coisa transmitida) da venda (…).»[1] Apenas os adquirentes podem colocar em crise a venda quando esteja em causa o erro sobre o objeto jurídico ou sobre o objeto material da venda (identidade e qualidade)[2], pois a eles cabe definir a estratégia que melhor serve os seus interesses em face do impacto do negócio na respetiva esfera patrimonial. Certo é que os direitos consagrados no artigo 838.º do CPC não podem ser exercidos pelos executados.[3] Os compradores podem ainda fazer valer contra a venda executiva «os restantes fundamentos de anulação do negócio jurídico (incapacidade, dolo, coação). O preceito do artigo 838.º tem a justificá-lo o especial regime consagrado para o erro, mas, considerado o interesse do comprador, tão merecedor de tutela como o comprador na compra e venda privada, não visa impedir a anulação no caso de ocorrer outro fundamento de acordo com a lei geral.»[4] Por conseguinte, o comprador pode invocar a impossibilidade física ou legal, a inadmissibilidade legal, a contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes, a incapacidade, o dolo, a coação, o conluio entre o executado e terceiro, integrando uma simulação ou o erro na declaração.[5] Os Recorrentes, não sendo compradores, não podem valer-se de tal regime. Desde logo por força da penhora, os executados perdem o direito a dispor dos bens penhorados (cfr. artigos 601.º e ss e 822.º do CC), não sendo parte da venda executiva, pelo que não podem lançar mão daqueles referidos fundamentos. Na verdade, caraterizando-se a venda executiva como um «ato de direito público de transmissão onerosa de direitos privados penhorados em ordem ao pagamento da obrigação exequenda»[6], assume natureza não negocial, de cariz não contratual. A venda executiva decorre da «natureza pública dos atos de ius imperii que consubstanciam a natureza forçada da execução: nem a penhora, nem a venda executiva são atos queridos pelo executado. Portanto, não se pode afirmar como sendo contratual uma venda que é imposta ao executado. Por conseguinte, a autoria do ato processual de venda não é do executado e os eventuais vícios sobre a coisa ou quanto a ónus ocultos também apenas podem ser assacados ao autor do ato processual – o Estado e o agente de execução. (…) Isto explica porque não se acham vícios de vontade do executado em sede de venda: estes não existem porque não existe vontade daquele.»[7] Já o artigo 839.º do CPC reporta-se à tutela de outros interessados. Estabelece o n.º 1 que, além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito[8]: a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo; c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º; d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. Seguem os n.ºs 2 e 3, consagrando o seguinte: 2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra. 3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço. Decorre de tal regime legal que a venda só fica sem efeito caso se verifique qualquer uma das versadas circunstâncias. «Prevêem-se casos em que a venda fica sem efeito por ineficácia superveniente (alíneas a) e d) do n.º 1) e por invalidade processual (alíneas b) e c) do n.º 1). Assim ocorre se for anulada ou revogada definitivamente a sentença que se executou, se forem procedentes os embargos de executado ou se for julgada procedente a oposição à penhora, em conformidade com o regime decorrente dos artigos 704.º, n.º 2, 732.º, n.º 4 e 785.º, n.º 6. Constitui também um caso de ineficácia superveniente a situação em que o bem vendido não pertencia ao executado e foi reivindicado triunfantemente pelo dono (alínea d) do n.º 1 e 346.º; artigo 1311.º do CC.)»[9] Releva ainda a anulação da execução por falta ou nulidade de citação do executado, a falta ou nulidade da citação dos credores ou do cônjuge do executado, mas só quando beneficiar o exequente, isto é, quando tiver sido ele o adquirente, e, bem assim, a anulação do ato da venda nos termos dos artigos 195.º e ss, quer por nulidade da própria venda quer por nulidade de ato anterior de que aquela dependa absolutamente.[10] Uma vez que os Executados não invocaram fundamentos que, à luz do regime inserto no artigo 839.º do CPC, implique na anulação da venda, é manifesto que improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida. As custas recaem sobre os Recorrentes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes. Évora, 2 de outubro de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Anabela Raimundo Fialho José Manuel Tomé de Carvalho __________________________________________________ [1] José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do CPC de 2013, 7.ª edição, pág. 398. [2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (GPS), CPC Anotado, Vol. II, pág. 257. [3] Cfr. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2.º, pág. 424. [4] José Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 400 e 401. [5] Cfr. GPS, ob. cit., pág. 258. [6] Rui Pinto, A Ação Executiva, 2025, pág. 927. [7] Rui Pinto, ob. cit., pág. 926. [8] Sublinhado nosso. [9] GPS, ob. cit., pág. 259. [10] Cfr. José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 402. |