Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1444/23.5GBABF. E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: LEI Nº38-A/2023
DE 2 DE AGOSTO
CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não se encontra amnistiado o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, relativamente ao qual o agente não foi ainda julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal da Relação de Évora:
No processo nº1444/23.5GBABF. E1 do Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …- Juiz … por não se conformar com o despacho de 27-01-2024 que declarou extinto, por amnistia, o procedimento criminal relativamente ao crime de condução em estado de embriaguez que é imputado ao arguido AA nos presentes autos, o Ministério Público veio interpor recurso do mesmo, com os fundamentos constantes da respectiva motivação e as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso é interposto da parte da sentença que aprecia como questão prévia a amnistia ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do Código Penal, na interpretação de que o art.º 7.º, n.º 1, al. d), ponto ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, com a expressão condenados só exclui o perdão de penas, extinguindo nesta parte o procedimento criminal contra o arguido;

2. A Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto veio instituir o perdão e amnistia de algumas infracções e penas por ocasião da Jornada Mundial da Juventude realizada em Portugal, mas como medida excepcional de clemência que é, concedida pelo Estado, visa sempre o respeito pelos princípios do Estado de Direito, aplicando-se apenas a situações que se consideram de menor gravidade;

3. Isso mesmo teve o legislador em consideração, não só quando balizou no tempo os ilícitos, fixando que sua prática até às 00h00 de 19 de Junho de 2023, mas também, a idade do infractor/autor/condenado à data da prática dos factos, 30 anos- cfr. artigo 2.º da referida Lei e também quando estabeleceu limites, quer no tocante ao perdão de penas, conforme decorre do artigo 3.º, quer no tocante às infracções penais amnistiáveis, fixando o limite máximo da pena em 1 ano de prisão ou 120 dias de multa, previsto no seu artigo 4.º;

4. Foram tomadas várias opções legislativas quanto ao tipo de criminalidade visada, considerada de menor gravidade, mas mesmo dentro destas molduras penais mais baixas, foram excluídos determinados ilícitos por se considerar que não obstante a sua moldura penal abstracta ou sanção/pena concreta, atento o tipo de ilícito que subjaz, são mais gravosos e as necessidades de prevenção são muito superiores, não podendo ser objecto de clemência, como é o caso de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do Código Penal;

5. Corresponde a uma necessidade de política criminal dada a elevada sinistralidade que ocorre na rede viária nacional, sendo premente a prevenção quer geral que especial, sendo de realçar que a condução sob o efeito do álcool, como contra-ordenação e como crime, nunca foi contemplada em qualquer lei de amnistia, o que sem dúvida revela a intenção do legislador em não classificar como de pouca gravidade tal comportamento estradal e uma continuidade na opção e pensamento legislativo;

6. Assim, só podemos entender a utilização da expressão “condenados”, na no art.º 7.º, n.º 1, al. d), ponto ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, como imprecisa, uma escolha menos feliz, antes utilizada em sentido lato e genérico, mas cuja exclusão se refere quer a aplicação do instituto da amnistia quer do perdão;

7. O legislador não foi preciso na escolha de linguagem técnico-jurídica, devendo fazer-se uma interpretação declarativa do pensamento legislativo, conforme com o art.º 9.º do Código Civil, atendendo também ao elemento sistémico, teleológico, histórico e de continuidade da Lei;

8. Ademais, seria incongruente e ilógico, proibir-se a sua aplicação aos ilícitos contra-ordenacionais e o perdão de penas e permitir-se a aplicação do instituto da amnistia aos ilícitos que ainda não se encontrem julgados ou condenados;

9. Tal equivaleria a atribuir um efeito mais benévolo a uma situação objectivamente mais grave do que aquela outra em que tal entendimento foi expressamente afastado pelo legislador, o que é vedado ao intérprete, face aos princípios vigentes em matéria de interpretação da lei enunciados pelo art.º 9º do C. Civil. Quer porque sem correspondência no texto legal (n.º2), quer pela presunção estabelecida no n.º3 do citado preceito;

10. Pelo que, não pode excluir-se a aplicabilidade da referida exclusão/proibição da amnistia aos agentes/autores/arguidos pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do Código Penal, sendo que a interpretação levada a cabo no douto despacho recorrido é desconforme à letra da lei, ao pensamento legislativo, a princípios de coerência e, também, ao seu elemento sistémico, teleológico e histórico;

11. Destarte, deverá nesta parte a sentença ser revogada, porquanto com a sua interpretação violou o Tribunal a quo, os critérios contidos nos artºs 2.º, n.º 1, 4.º e 7.º, n.º 1, al. d), ponto ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e art.º 9.º do Código Civil;

12. Deve, pois, tal decisão ser revogada e nesta parte ordenado o prosseguimento dos autos, condenando o arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 e 69.º do Código Penal, atentos os factos dados como provados, e determinar a escolha e medida da pena principal e acessória.

Assim decidindo, farão V. Ex.as a costumada Justiça!”

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do provimento do recurso.

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no nº2 do Art.º 417° do C. P. Penal, o arguido veio responder, pugnando pela manutenção da decisão recorrida

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

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A DECISÃO RECORRIDA

A decisão proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …- Juiz …, que constitui o objecto do presente recurso, é do seguinte teor:

“Através da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto o legislador procedeu ao perdão de diversas penas e à amnistia de algumas infracções criminais.

A amnistia concedida é aplicável a ilícitos praticados até 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do crime (art. 2º nº 1 do diploma legal).

No que importa ao caso dos autos, lê-se no art. 4º da referida lei que são amnistiadas as infracções penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.

Segundo o art. 128º nº 2 do Código Penal a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.

O presente procedimento criminal corre por conta de um crime de condução em estado de embriaguez, ilícito punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias (art. 292º nº 1 do CP).

Os factos em causa nos presentes autos datam de 17 de Junho de 2023 (fls. 46).

Nessa data o arguido contava 30 anos de idade.

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Por fim, o caso dos autos não se enquadra em qualquer das excepções previstas no art. 7º da Lei nº 38-A/2023.

Com efeito, o art. 7º nº 1 al. d) § ii) exclui a aplicação da amnistia concedida naquela Lei 38-A/2023, no que concerne a casos de condução de veículo em estado de embriaguez, nos seguintes termos:

Artigo 7.º

Exceções

1 — Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:

(...)

d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:

(...)

ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal.

Da norma decorre pois (no que importa ao caso) que da amnistia (instituto que, de acordo com o supramencionado art.º 128º nº 2 do CP, é aplicável tanto a condenados como a casos em que não houve ainda condenação) fica excluído quem tenha sido condenado pelo crime em causa — não tendo havido condenação não há exclusão de aplicação da amnistia.

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Contra o que acaba de concluir-se antecipamos pelo menos alguns argumentos.

Desde logo, a solução aparenta gerar alguma incongruência lógica, amnistiando-se certos arguidos e outros não consoante, apenas, aquilo que, à revelia da sua actuação foi a marcha processual (ou, até mesmo, podendo beneficiar da amnistia quem tenha um contributo obstaculizante do processo). O argumento não convence. Com efeito, esta diferença é uma decorrência inerente à natureza dos institutos da amnistia e do perdão em causa. Pense-se, por exemplo, no caso de um arguido que, por causa de uma marcha processual mais célere, já expiou integralmente uma pena de prisão por conta de um crime que depois é amnistiado, e um arguido que por qualquer motivo (estar foragido, por exemplo) não iniciou o cumprimento de uma pena igual a vê, agora, ser apagada do ordenamento em virtude da amnistia.

Parece desigual mas, dada a sua natureza e o modo como funciona, é consequência inevitável de toda e qualquer amnistia (e, mutatis mutandis, também de qualquer perdão de penas).

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Um outro contra-argumento de apelo à congruência lógica nos ocorre: o legislador amnistiou crimes aos quais, aplicando as regras de exclusão do art. 7º, não perdoaria as penas? Fará sentido? Foi essa a solução da lei? A resposta parece ser, numa primeira abordagem, negativa.

Porém, a verdade é que o disposto noutras normas da Lei nº 38-A/2023 leva incontroversamente à conclusão que em certos casos esta mesma foi escolha do legislador. Pense-se, por exemplo, em todos os casos de concurso de vários crimes amnistiados em que o condenado sofre, em cúmulo jurídico, pena de 130 dias (ou mais) de multa, ou prisão superior a um ano. No primeiro caso (multa), de acordo com a Lei nº 38-A/2023, são amnistiados todos os crimes, e por isso extinguem-se por amnistia todas as penas — mas, se não intercedesse a amnistia, o legislador não permitiria qualquer perdão à pena (art. 3º nº 2 al. a) e nº 4 do diploma). No segundo caso (prisão), extinguem-se também in totum as consequências penais em virtude da amnistia — mas se não operasse a amnistia a prisão única do concurso de crimes só seria perdoada até um ano. E o mesmo sucede quanto a penas acessórias: no caso de crime de desobediência do art. 152º nº 3 do Código da Estrada, o legislador amnistiou o crime (eximindo o agente da pena principal e da pena acessória prevista no art. 69º nº 1 al. c) do Código Penal), mas se não operasse a amnistia não haveria lugar a perdão da pena acessória. A conclusão inelutável é precisamente essa: em certos casos a Lei nº 38-A/2023 amnistiou os crimes, mas nem por isso aquela lei permitiria o perdão (integral, no caso da prisão) das penas aplicáveis.

Ou seja, o que à partida seria um argumento convincente, por a solução aparentar levar a um resultado “contraditório” (“amnistia-se o que não se perdoaria”), acaba desarmado pela constatação de que essa foi, incontroversamente, a linha de raciocínio escolhida pelo legislador para certos casos.

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Contra o que se conclui pode arguir-se, por outro lado, que o legislador terá usado a expressão condenados apenas porque usou de “pouco cuidado” no rigor legislativo, pois na verdade quereria referir-se a todos os casos que se reportem aos crimes excluídos independentemente do momento processual da acção penal. Não somos insensíveis a tal argumento , mas em nosso entender o mesmo também não colhe. Ab initio, a palavra condenados nem sequer é aquela que nos parece a mais natural, em termos de linguagem, que seria usada se fosse essa a intenção do legislador. Querendo-se excluir da amnistia os autores de todos crimes do art. 7º parece-nos que seria uma escolha de linguagem mais natural ter-se usado, precisamente, a palavra autores; Ou querendo-se excluir todos os crimes mencionados no art. 7º parece-nos que seria mais natural o legislador ter consagrado algo de semelhante a “O perdão a amnistia previstos na presente lei não têm aplicação aos crimes de...”.

Todavia, parece-nos que para interpretar a letra da lei é desnecessário recorrer a estas considerações, que tanto de subjectivo têm. E assim porque se o legislador em várias das alíneas do art. 7º usou a expressão condenados noutras não usou essa expressão: as alíneas j), k) e l) daquele art. 7º não mencionam condenados.

Mais, na al. l) o legislador escolheu precisamente a palavra autores (em vez de condenados) para esclarecer quem fica excluído do perdão e amnistia.

Deste contraponto extrai-se que, tanto quanto resulta do teor do art. 7º, a opção do legislador pela palavra condenados foi consciente e intencional.

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Ainda um outro argumento contrário se suscita: fará sentido que o legislador tenha expressamente excluído da amnistia os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo (al. l) do art. 7º) e não exclua os autores de um crime com contornos semelhantes? Amnistia-se a infracção maior (o crime) mas não a menor (a contraordenação)? Também não somos insensíveis ao argumento e diremos mesmo que, não fosse o que se assinala em seguida, o subscreveríamos. Sucede que a opção de se amnistiar o crime e não a contraordenação é, no caso da Lei 38-A/2023, a regra: em todos os casos de crimes que foram amnistiados em que exista comportamento relacionado ou semelhante (mas menos grave) punido como mera contra-ordenação que tutele os mesmos bens jurídicos, o legislador amnistiou o crime mas não a contraordenação. Com efeito, a Lei 38-A/2023 amnistiou todas as infracções penais (salvo as excluídas no art. 7º) cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa e não amnistiou nenhuma contraordenação (apenas perdoou sanções acessórias de certas contraordenações). Em decorrência, pense-se em casos de infracções de regras de segurança rodoviária: o crime (comportamento mais grave) de condução sem habilitação legal do art. 3º nº 1 do Decreto-lei nº 2/98 foi amnistiado, mas uma mera contraordenação leve (comportamento menos grave) correspondente, por exemplo, a um excesso de velocidade já não o foi. E (entrando já no campo de abrangência do perdão concedido na lei em causa) resultados semelhantes a esta regra não se verificam apenas no contraponto entre contraordenações e crimes. O mesmo sucede com crimes, mais graves, que exigiram a aplicação de prisão substituída ou suspensa, cujas penas são perdoadas quando não são perdoadas multas, aplicadas por infracções menos graves, caso a multa seja superior a 120 dias (art. 3º nº 2 da Lei 38-A/2023).

Do que se conclui o seguinte: o argumento de que não fará sentido lógico ter-se amnistiado o crime mas não uma contraordenação relacionada ou semelhante seria, em circunstâncias habituais, um argumento forte contra o entendimento que perfilhamos. Todavia, na economia da Lei 38-A/2023 esse argumento não nos convence, uma vez que esta lei adoptou precisamente, e propositadamente, essa solução como regra. Não nos cabe, evidentemente, dizer se a escolha do legislador foi melhor ou pior, mas parece-nos que a constatação seguinte será insofismável: dentro dos pressupostos dos seus arts. 4º e 7º, a Lei 38-A/2023 amnistiou todos os crimes e não amnistiou nenhuma contraordenação que tutele os mesmos bens jurídicos. Assim sendo, não nos parece que a teleologia inerente àquela lei leve à conclusão de que deve também considerar-se excluído do perdão quem não é excluído pela letra da lei.

Ou seja, uma vez que a teleologia que perpassa a lei é no sentido de amnistiar crimes e não amnistiar contraordenações, entendemos que não pode concluir-se no sentido de que, ao contrário dessa solução geral, afinal está excluído da amnistia quem a letra da lei não exclui.

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Posto o que antecede, voltemos ao início.

O art. 4º da Lei 38-A/2023 estatui que são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.

O crime em causa nos autos é punido com pena não superior a 1 ano de prisão ou 120 dias de multa.

Do art. 7º nº 1 do diploma decorre que não beneficiam do perdão e da amnistia previstos naquela lei (...) no âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por (...) crimes de (...) condução de veículo em estado de embriaguez.

O arguido não foi condenado pelo crime em causa nos autos. Em decorrência, o caso dos autos não está excluído, na letra da lei, da amnistia concedida.

Do mesmo modo, não vemos que, considerando o restante teor e a teleologia da lei em questão, o caso dos autos deva, sem apoio na letra da lei, mas ampliando-a, considerar-se excluído da amnistia.

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Pelo que supra fica exposto, declaro extinto, por amnistia, o procedimento criminal dos presentes autos.”

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São as “conclusões” formuladas na motivação do recurso que definem e delimitam o respectivo objecto – Art.ºs 403° e 412° do C. P. Penal.

Como resulta das transcritas conclusões do recurso, a questão que se nos coloca, fundamentalmente, é a seguinte:

- Se a exclusão prevista no ponto ii) da al. d) do n.º 1 do art.º 7.º, se refere unicamente a condenados, logo não exclui a amnistia mas tão somente o perdão de pena, e, em consequência, não é aplicável ao arguido ainda não condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal.

Vejamos:

A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto «foi produzida em razão da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, prevendo a amnistia de um número concretizado de infrações; e também um perdão de penas, nos termos nela precisados.

Esquematicamente poderemos dizer que:

1. A amnistia de crimes que foi decretada pela referida Lei abrange apenas os que sejam puníveis com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias (artigo 4.º);

2. Já o perdão (de penas) é aplicável a:

a) Penas de prisão até 8 anos independentemente da natureza do crime (com exceção dos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º da Lei citada), independente do modo de execução da pena (artigo 3.º, § 5.º);

b) A penas de multa aplicadas até 120 dias;

c) A penas de prisão subsidiária ou de substituição de pena de prisão;

d) Às demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.

Acresce que a aplicação das medidas de clemência previstas na citada Lei (amnistia de infrações e perdão de penas), dependem da verificação de determinados pressupostos:

- Temporais: a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00 horas do dia 19/6/2023 (artigo 2.º);

- Etários: a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º);

- E materiais: a lei não é aplicável aos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º.» (acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no Proc. n.º 22/19.8GBTMR-A. E1, datado de 20/02/2024 e relatado pelo Desembargador J. F. Moreira das Neves)

Revertendo ao caso em apreço e tendo em conta o teor das normas e a exposição de motivos que acompanhou a respetiva elaboração do normativo em causa, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, aderindo nós a toda a argumentação aduzida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Proc. nº 34/22.4GTAVR.P1 e relatado pelo Desembargador NUNO PIRES SALPICO, sem que praticamente mais se nos ofereça acrescentar, sendo inútil referir por outras palavras o que e bem ali se mencionou, por isso mesmo, permita-se-nos que passemos, de imediato a transcrever a mesma:

« Apreciando o objeto de recurso, a centralidade da questão reside em saber se o legislador ao referir a expressão “condenado” no catálogo de exclusões da amnistia, concretamente no nº2 do art.7 da Lei nº38-A/2023, estava a permitir a amnistia nos termos do art.4º do mesmo diploma, pelo simples facto do arguido, in casu, ainda não ter sido julgado e condenado.

Antes de mais, concordamos com a jurisprudência do STJ citada no Douto Parecer do Procurador Geral Adjunto quando refere “Supremo Tribunal de Justiça exarou no seu Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, proc. n.º 2748/00-5: “as leis de amnistia, como providências de excepção, devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações, nem restrições que nelas não venham expressas.” Ou seja, na determinação do sentido destes diplomas não é admitida a interpretação extensiva, restritiva ou analógica, mas sim e só a interpretação declarativa. Contudo, mesmo as leis de exceção estão sujeitas a interpretação jurídica dentro do sentido da norma, e já são várias as divergências que se espelham na jurisprudência dos Tribunais Superiores quanto à presente lei de amnistia.

Cremos não assistir razão ao Mmº Juiz “A Quo”, porquanto, a exclusão da amnistia identifica-se sempre com a natureza específica do crime, pouco importando a sorte da tramitação dos autos, ou seja, se o arguido já foi, ou não, julgado, premissa que confere com o regime jurídico previsto no art.128º nº2 do Cód. Penal, o qual prevê que “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos…”. (negrito e sublinhado nosso)

Portanto, o conceito de amnistia extingue a responsabilidade criminal, pois “A consequência é a mesma quer o processo ainda não tenha sito instaurado, já o tenha sido, mas não haja condenação ou já haja condenação transitada.” (ver Paulo Pinto Albuquerque “Comentário do Código Penal” 2ª ed., pág.390, Lisboa, 2010)”. Aliás, no ordenamento espanhol a amnistia exprime idêntico regime jurídico. Cuello Calón sobre os efeitos da amnistia refere “Sobre a sua extensão, tal como tem sido regulada em Espanha pelas leis que a têm outorgado, é maior ainda, extingue não só a pena e seus efeitos, com também a ação penal pendente.” In “Derecho Penal, Parte General”, Tomo I, p.713, Barcelona 1964). E compreende-se o porquê, pois, a razão do alvo da exclusão da amnistia, dirigindo-se a uma tipologia de crime, nunca pode depender do estado da tramitação dos autos (contrariamente ao perdão que, por essência, supõe a condenação e uma pena). Não há uma única razão que valide ou sustente excecionar e negar a amnistia de um arguido condenado, por o crime estar previsto no catálogo das exclusões da lei (com ou sem trânsito, também se poderia discutir); e no mesmo crime permitir a amnistia na situação em que o arguido apesar de responder pelo mesmo crime, ainda não foi julgado. (negrito e sublinhado nosso)

A distinção entre condenado e arguido não julgado, situa-se completamente à margem do regime da amnistia, e a efetividade dessa diferença conduziria a resultados anacrónicos e profundamente desiguais, dependendo das agendas dos tribunais, diferenciando, quem já foi julgado e condenado negando-se-lhe a amnistia; por contra-ponto aos Juízos locais com agendas mais morosas, com cronologias mais dilatadas, os arguidos ainda não julgados veriam o respetivo procedimento criminal extinto por amnistia, sem que se perceba a “ratio” ou teleologia dessa diferença, que afinal, é nenhuma.

A realidade é que, manifestamente, e por lapso, o legislador na nomenclatura usada e na imensa mole de situações que excecionam o perdão, não redigiu rigorosamente as exceções da amnistia muito pontualmente situadas nos delitos de condução em estado de embriaguez e nas injúrias agravadas contra as forças de autoridade, lapso este que não tem a virtualidade de derrogar nem o disposto no art.128º nº2 do Cód. Penal, e muito menos de criar um fundamento teleológico para a distinção artificial de quem está acusado da prática o delito e ainda não foi julgado, dos que já o foram, sendo condenados. É incorreto tornar um lapso do legislador numa opção sua. A interpretação jurídica tem a obrigação de detetar essas situações e operar a sua função dentro da norma.

Sabemos que os desenvolvimentos judiciais do direito contra legem, por via de interpretações corretivas são proibidas cfr.art.8º nº2 do Cód. Civil (o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob o pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo), mas essas infrações exegéticas ocorrem quando os Tribunais se afastam da letra e do espírito da norma, sendo que a leitura do intérprete da teleologia, não pode incluir os poderes criativos do legislador.

Tendo bem ciente que se trata de uma lei especial/excecional, a expressão literal de “condenado” não impressiona, nem é decisiva, porque, como se referiu, no extenso elenco do catálogo de exclusões/exceções previsto no artigo 7º, todas essas exclusões se referem ao perdão e aí o sentido de “condenado” é usado em sentido próprio (exceto em parte, como se disse, no delito de condução em estado de embriaguez nº1 alínea d) ii) do art.7º, e na parte do nº2 do art.7º na parte que se refira a injúrias agravadas a forças policiais) De notar que o legislador nas anteriores leis da amnistia, concretamente nos arts.9º nº3 da Lei nº15/94, e art.2º nº2 da Lei nº29/99, foi mais cuidadoso, reconduzindo as exclusões de perdão às situações de arguido “condenado”. . Mas a letra da lei na expressão “condenado” sendo em parte imprópria, no que se refere ao alcance da amnistia, enferma de incorreção literal, e nestes casos, como aliás sempre, pese embora os limites impostos pelo direito penal e pelas leis excecionais à interpretação extensiva e analógica, as respetivas regras jurídicas estão sujeitas à interpretação, e é esse o dever do intérprete perante a norma. Como é consabido, a jurisprudência demonstra permanentemente como é fértil o campo interpretativo das normais penais. No caso, como o presente, a redação do legislador revela-se em parte imprópria com o regime da amnistia, que, como vimos no Código Penal, atinge e extingue o procedimento criminal, embora também extinga os efeitos da pena perante o condenado. No que tange à amnistia seria curial a expressão “prática de infração”.

No processo exegético necessariamente tem de se entender que, muito embora o nº2 do art.7º se reporte à amnistia e ao perdão, a expressão “condenado” refere-se ao perdão e bem assim à amnistia, porém, esta porque também atinge todo o procedimento (como lhe é próprio) e também o condenado, deve entender-se que, perante tal lapso, o alcance e os efeitos da excludentes da amnistia no procedimento criminal não estão precludidos ou fora desta exceção legal (no fundo, é uma ressalva parcial do universo da amnistia). Tal exegese não implica restrições ou extensões do âmbito interpretativo, ou sequer sacrifica o sentido literal da lei a um sentido normativo que vá mais além ou fique aquém, sobretudo porque, não só, está de acordo com o regime penal da amnistia, como também, é no campo da letra da lei que o problema se resolve definitivamente. Concretamente, na economia do disposto no art.7º nº3 da Lei nº38-A/2023 consta que “A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação (…) da amnistia prevista no artigo 4º relativamente a outros crimes.” (relevo nosso), significa isto que, o comando desta norma prejudica a aplicação da amnistia quanto aos crimes previstos no art.7º, tão só isso: seja o arguido condenado ou ainda não julgado.

O legislador nesse nº3 quis expressamente excluir da amnistia do art.4º o elenco de delitos previstos no art.7º nºs 1 e 2, não sendo ajustado amnistiar crimes previstos no art7º, com a distinção de condenado ou não julgado, pois, a única distinção não prejudicada é serem outros crimes. Na redação deste nº3 do art.7º não consta que “não prejudica a amnistia pelos mesmos crimes do art.7º, desde que ainda não julgados”.

E o que se fez na decisão do Tribunal “A Quo”, contrariamente ao disposto no art.7º nº3 da Lei nº38-A/2023, foi integrar os crimes excecionados nos nºs1 a 2 do art.7º na amnistia geral de outros crimes, prevista no art.4º da mesma lei, o que a norma do nº3 do art.7º não permite.

(…)

Deste modo, entendendo-se que os presentes autos se integram na exclusão da amnistia prevista no nº2 do art.7º nº38-A/2023, não poderia o Tribunal “A Quo” ter amnistiado o procedimento criminal.»

Destarte, não se encontra amnistiado o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, relativamente ao qual o agente não foi ainda julgado.

Consequentemente, determina-se a revogação do despacho recorrido, que declarou extinto por amnistia o procedimento criminal relativamente ao crime de condução em estado de embriaguez imputado nos presentes autos ao arguido AA, devendo o processo seguir os seus ulteriores termos.

Eis por que, e sem necessidade de mais considerações o presente recurso interposto pelo Ministério Público irá proceder.

DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, determina-se a revogação do despacho recorrido, devendo o processo seguir os seus ulteriores termos.

Sem tributação.

Évora, 21 / 05 / 2024