Decisão Texto Integral: |
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)
I – Relatório
1.No processo nº 8/22.... da Comarca ... – Juízo de Competência Genérica ..., foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia e concelho ..., nascido a .../.../1966, divorciado, ..., residente na ..., ..., ... ..., como autor material de:
- um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nºs 1, alínea a) e 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa;
- um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa;
- em cúmulo jurídico, na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz um montante total de 1.050,00 € (mil e cinquenta euros).
Mais se decidiu em condenar o arguido:
- nas penas acessórias frequência de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica e de proibição de contactos com a vítima DD, por qualquer meio, seja diretamente, seja por interposta pessoa, incluindo o afastamento da sua residência e do local de trabalho, pelo período de 3 (três) anos, nos termos do artigo 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal;
- no pagamento do montante de 2.000,00 € (dois mil euros) a DD, a título de reparação da vítima;
2.Inconformado com o decidido, recorreu o arguido questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição)[1]
I) Antes de mais, o presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica ..., pertencente ao Tribunal Judicial da Comarca ..., datada de 07/11/2022, que decidiu condenar o Arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva.
II) Tendo o Tribunal a quo propugnado que não pode ser substituída a pena de prisão aplicada ao Arguido pela suspensão da sua execução, por alegadamente se poder concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
III) Porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, por tal entendimento improceder quer de facto, quer de Direito, não pode o mesmo merecer o acompanhamento e o aplauso do Recorrente em qualquer medida.
IV) Na realidade, compulsados os elencos dos factos provados e dos factos não provados, verifica-se que o Tribunal a quo não considerou como provado o arrependimento sincero manifestado pelo Arguido em audiência de julgamento.
V) Porém, das declarações prestadas pelo Arguido na sessão de julgamento do dia 26/10/2022, (gravadas em CD – áudio, 26/10/2022, 11:45:35 – 12:21:43) revela-se que o mesmo manifestou, de forma clara e precisa, o seu arrependimento sincero pela prática dos factos pelos quais foi julgado.
VI) Na realidade, as declarações do Arguido demonstram que o mesmo mostrou arrependimento do comportamento que adoptou e formulou um juízo de auto-crítica, tendo o mesmo se dirigido ao Tribunal recorrido e afirmado por diversas vezes, de modo emocionado, que se encontrava arrependido das condutas que adoptou quanto à Ofendida e reconhecido que não esteve bem.
VII)Salvo o devido respeito por opinião contrária, tudo isto demonstra que os comportamentos adoptados pelo Arguido estão intrinsecamente ligados à relação matrimonial que o mesmo manteve anteriormente com a Ofendida e que veio a ser posteriormente reatada.
VIII) Não tendo o Arguido, tido até ao presente, qualquer outro problema no seu passado com qualquer outra pessoa, tratando-se, assim, os actos que o mesmo praticou contra a Ofendida de actos isolados na sua vida, dos quais o mesmo se mostrou e mostra totalmente arrependido e envergonhado.
IX) Assim sendo, foi incorrectamente julgado pelo Tribunal a quo o facto de não se ter julgado como provado o arrependimento sincero manifestado pelo Arguido em sede de audiência de julgamento.
X) Quando o Arguido confessou livremente os factos na audiência de julgamento, assumindo a responsabilidade pelos actos que cometeu, sem qualquer tipo de reservas, e demonstrou arrependimento pela prática dos mesmos, pelo que merece censura a ausência entre o elenco dos factos dados como provados na sentença recorrida de que o Arguido demonstrou arrependimento pela prática dos factos.
XI) Em bom rigor, o Tribunal recorrido, além de não considerar como provado que o Arguido se encontra arrependido, não valorou tal arrependimento de qualquer modo, alheando-se completamente do mesmo.
XII) (…)
XV)Efectivamente, o vício de omissão de pronúncia encontra-se previsto no artigo 379.º do C.P.P.,que no seu n.º1,alínea a),sanciona com a nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º2 do artigo 374.º do mesmo diploma legal, o que inclui aqueles que resultaram da discussão da causa (artigo 368.º, n.º 2), devendo esta nulidade ser arguida ou conhecida em sede de recurso.
XVI)Deste modo, ao não ter valorado de qualquer forma o facto em questão, não tendo julgado o arrependimento manifestado pelo Arguido como provado (ou não provado), também por não ter sido feita a averiguação oficiosa que se impunha, a sentença recorrida padece do vício de nulidade a que alude o artigo 379.º, n.º 1, alínea a), por ter incumprido de forma integral o disposto no artigo 374.º, n.º 2, ambos do C.P.P.
Sem conceder, caso esse não seja o Venerando entendimento de V. Exas., note-se ainda,
XVII)Por conseguinte, quanto às condições pessoais e socioeconómicas do Arguido, foram apenas julgados como provados pelo Tribunal a quo factos 54., 55. e 56, sendo os factos julgados como provados quanto às condições do Arguido insuficientes para fundamentar a sentença de 1.ªInstância, quer quanto à determinação da medida concreta da pena, quer quanto à decisão sobre a suspensão da execução da pena.
XVIII) Todavia, as condições pessoais, sociais e económicas do Arguido são factores essenciais para a determinação da pena, segundo o disposto no artigo 71.º, n.º 2, alínea d), bem como para a decisão de suspensão ou não da pena de prisão aplicada, conforme dispõe o artigo 50.º, n.º 1, ambos do C.P.
XIX)De facto, ainda que tenha sido ordenada a realização de relatório social, não foram julgados como provados quaisquer outros factos pessoais e relativos à situação sócio-económica do Arguido, procedendo o Tribunal recorrido, ao determinar a medida da pena e ao pugnar pela não suspensão da execução da pena de prisão, sem ter averiguado devida e suficientemente tais factos.
XX)Efectivamente, como é salientado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/04/2010, referente ao Proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, acessível in www.dgsi.pt, a insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo Tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitirem a aplicação do Direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.
XXI)Nesta medida, a partir do texto da sentença recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, bem como da matéria de facto dada como provada, resulta, efectivamente, que, não obstante a realização de relatório social, não foram averiguados, nem tidos em consideração factos essenciais sobre a personalidade do Arguido e as condições pessoais, sociais e económicas da sua vida.
XXII)Não tendo ainda o Tribunal a quo especificado, por referência às particulares características do Arguido, do seu comportamento e da sua personalidade, que o mesmo não se absterá da prática de novos crimes pela aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
XXIII) (…)
XXIV) Sucede porém que o Tribunal recorrido não ponderou, nem teve em consideração para efeitos de determinação da medida concreta da pena e quanto à possível substituição da pena de prisão todos os factos e elementos respeitantes às condições pessoais, sociais e económicas do Arguido
XXV) Nem valorou em qualquer medida o arrependimento sincero e a confissão dos factos manifestados pelo mesmo em audiência de julgamento, acabando apenas por valorar em demasia e de modo automático os antecedentes criminais do Recorrente.
XXVI) (…)
XXVII) Assim sendo, ao determinar a medida concreta da pena e a não suspensão da execução da pena de prisão sem ter em conta as condições pessoais, sociais e económicas do Arguido, o arrependimento sinceiro e a confissão dos factos realizados pelo mesmo em sede de julgamento, o Tribunal de 1.ª Instância violou o disposto nos artigos 71.º, n.º 2, alíneas d) e e), 72.º, n.º 2, alínea c) e o artigo 50.º, n.º 1, todos do C.P., padecendo a sentença recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do C.P.P.
Sem conceder, o que só por dever de cautela se equaciona, note-se ainda que,
XXVIII) Por seu lado, nos termos e para os efeitos disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P., não pode ainda o Recorrente deixar deapontaràdoutasentençade1.ªinstância a existência do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
XXIX) (…)
XXX)Destarte, no que respeita à definição do que se deverá entender por contradição insanável da fundamentação, a mesma existirá quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa, não podendo uma proposição ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa.
XXXI) Enquanto que a oposição entre a fundamentação e a decisão existirá quando a fundamentação de facto e/ou de direito aponta para uma determinada decisão final e num dos segmentos decisórios consta uma decisão de sentido inverso.
XXXII) Na realidade, olhando com maior detalhe para a sentença recorrida, verifica-se que existe uma contradição insanável, designadamente da fundamentação e entre a fundamentação de direito e a decisão quanto à recusa da suspensão da execução da pena de prisão.
XXXIII) Com efeito, não é possível, numa decisão judicial, em termos de fundamentação de direito, entender-se suspender a execução da pena de prisão aplicada, como melhor forma de cumprir as finalidades da punição e logo quase de seguida decidir-se pela denegação da suspensão da execução da pena de prisão.
XXXIV)Efectivamente, como facilmente se pode constatar na fundamentação adoptada pelo Tribunal recorrido, entende-se inicialmente suspender a execução da pena de prisão, considerando que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição
XXXV) Para logo depois se recusar a mesma suspensão da execução da pena, de forma totalmente automática, por o Arguido ter praticado um crime de violência doméstica contra a mesma vítima, durante o período de suspensão de outra pena anteriormente aplicada.
XXXVI)Ora, se no caso dos autos o Tribunal a quo entendeu que a censura do facto e a ameaça de prisão salvaguardam as finalidades de punição, formulando um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do Arguido, sempre deveria ter-se decidido pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
XXXVII)Por conseguinte, pese embora o Tribunal recorrido, na sua fundamentação de direito, tenha julgado conceder a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Arguido como melhor forma de se cumprirem as finalidades de punição, acaba por referir, na sua fundamentação e como “justificação” para recusa da suspensão da execução da pena que o Arguido, que “(…) a única forma de se cumprirem as finalidades de punição é a condenação do arguido numa pena de prisão efectiva.”
XXXVIII)Desta feita, esta situação configura uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo410.º,n.º 2,alíneab) do C.P.P., uma vez que o Tribunal não pode, ao mesmo tempo e no mesmo processo, afirmar e negar uma coisa ao mesmo tempo, concedendo e negando, substituindo e não substituindo a execução da pena de prisão.
XXXIX) (…)
XL)Deste modo, verificando-se uma contradição insanável da fundamentação entre a fundamentação e a decisão adoptada quanto à substituição da pena de prisão aplicada ao Arguido, a sentença de 1.ª instância padece ainda do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, à luz do disposto no artigo 410.º, n.º2, alínea b), do C.P.P.
Sempre sem conceder, o que só por uma questão de cautela se admite, veja-se ainda,
XLI)Por conseguinte, o Tribunal recorrido deu como preenchido o elemento objectivo do tipo de violência doméstica, considerando que o conceito de maus-tratos psíquicos em relação à Ofendida se encontra integrado através dos factos provados n.º 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 41.
XLII)Porém, sempre se dirá que do teor dos factos julgados como provados não se permite demonstrar suficientemente que o Arguido tenha adoptado qualquer conduta com gravidade suficiente para integrar a prática de um crime de violência doméstica, seja pela prática de maus-tratos físicos ou psíquicos.
XLIII)De facto, em sentido contrário ao teor do facto provado n.º 11, não se permitiu demonstrar de qualquer modo o envio pelo Arguido à Ofendida de quaisquer outras mensagens escritas a não ser aquelas que constam do teor dos factos provados n.º 16 e 17.
XLIV)Por conseguinte, do teor das mensagens escritas resultantes dos factos provados n.º 16 e 17, ainda que o Tribunal a quo pretenda fazer crer que do seu teor resulta a prática de conduta integradora do crime de violência doméstica, sublinhando para tal excertos do seu teor, o que é certo que de tal teor resulta apenas um desentendimento entre Arguido e Ofendida.
XLV)Sem qualquer expressão ou afirmação com carácter de ameaça ou injúria relativamente à Ofendida, não apresentando ainda muito menos tais afirmações aptidão suficiente para a integrar a prática de um crime de violência doméstica.
XLVI) Por outro lado, veja-se ainda que relativamente ao episódio de 27/03/2022, como resulta do teor do facto provado n.º 22, o Arguido terá proferido uma expressão injuriosa e uma ameaça, ditas apenas perante terceiras pessoas, uma vez que a Ofendida já nem se encontrava na esplanada do estabelecimento, como é reconhecido pela própria acusação e pela sentença condenatória.
XLVII) (…)
XLVIII) Ora, bem vistas as coisas, a conduta resultante do facto provado n.º 22 não pode integrar de modo a prática de um crime de violência doméstica, não tendo tais expressões aptidão suficiente para a integrar a prática deste crime, nem se tendo consumado qualquer tipo de maus-tratos psíquicos através das mesmas.
XLIX) Por sua vez, o mesmo se diga dos factos provados n.º 28, 29, 30 e 33, quando do seu teor apenas resulta a prática de condutas pelo Arguido de um crime de dano e de violação de domicílio, do qual o mesmo foi absolvido da prática do primeiro e condenado pela prática do segundo, não podendo a prática destas condutas integrar o tipo de violência doméstica, nem podem as mesmas serem duplamente valoradas, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
L) Diversamente do que o Tribunal a quo pretende fazer crer na sentença condenatória, o caso que nos ocupa não é um caso gravíssimo de violência doméstica, nem demanda uma punição severa como aquela que foi aplicada ao Recorrente.
LI) Isto, quando foi a própria Ofendida que contribuiu para a prática dos factos provados, nunca tendo rompido em definitivo a relação com o Arguido, aliciando-o muitas das vezes a pernoitar consigo.
LII)Efectivamente, na ponderação da “imagem global do facto”, as condutas que são imputadas ao Arguido não revelam um “especial desvalor da acção” ou “particular danosidade social do facto” que fundamentem a especificidade deste crime, ou seja, não assumem gravidade ou intensidade suficientes para colocar em crise o bem jurídico complexo protegido com a incriminação da violência doméstica.
LIII)Neste sentido, da imagem global dos factos julgados como provados não resulta um quadro de maus tratos psíquicos, que justifiquem uma tutela especial e punição agravada, integrando tal factualidade a prática de um ou vários crimes que possam estar em causa, os quais reassumem autonomia.
LIV) (…)
LV) Na verdade, não se trata in casu da prática pelo Arguido de factos graves, que tenham provocado qualquer lesão ou dano físico na Ofendida, nem as condutas daquele provocaram nesta mais do que um ataque de ansiedade, já que, à excepção do episódio ocorrido no dia 28/03/2022, mais nada foi provado a este respeito em sede de julgamento, nem foi junta qualquer prova documental ou pericial que permita fazer qualquer prova neste sentido.
LVI) (…)
LVII)Na realidade, ainda que o crime de violência doméstica não exija uma reiteração de condutas, nem uma actuação prolongada no tempo, o certo é que a sua integração exige que a actuação do sujeito seja de tal forma capaz de subjugar a vítima que se torne um “plus” em relação a esses outros tipos legais de crime que se podem integrar no mesmo crime.
LVIII) Por outro lado, as condutas imputadas ao Arguido, embora possam assumir relevância penal, surgem no contexto de separação de facto entre dois cônjuges, quando ainda se encontravam por regular o exercício das responsabilidades parentais referentes ao filho menor de ambos e quando o divórcio entre ambos ainda não havia sido decretado.
LIX)Não apresentando tais condutas imputadas ao Arguido um potencial de agressão que, em abstracto, tivessem superado ou transcendido a protecção assegurada pelos crimes de ofensa à integridade física, ameaça ou injúria.
LX)No caso concreto, a prova produzida em sede de julgamento não consente a subsunção dos factos alegados na acusação num crime de violência doméstica, pela simples razão de que não se permite apurar uma imagem global do facto especialmente violadora do bem jurídico tutelado no artigo 152.º do C.P.
LXI)Por outro lado, as condutas imputadas ao Arguido, embora possam assumir relevância penal, surgem no contexto de separação de facto entre dois cônjuges, quando ainda se encontravam por regular o exercício das responsabilidades parentais referentes ao filho menor de ambos e quando o divórcio entre ambos ainda não havia sido decretado.
LXII)Não apresentando tais condutas imputadas ao Arguido um potencial de agressão que, em abstracto, tivessem superado ou transcendido a protecção assegurada pelos crimes de ofensa à integridade física, ameaça ou injúria.
LXIII) (…)
LXIV)De facto, a factualidade julgada como provada, não corresponde ao chamado ciclo da violência doméstica, nem revela especial ilicitude ou censurabilidade para a tornar subsumível ou enquadrável no tipo doartigo152.ºdo C.P. fora do âmbito de incriminação por outros tipos legais de crime.
LXV)Na verdade, não se pode deixar de considerar a relativa reduzida gravidade de tal factualidade provada, com a inexistência de quaisquer ofensas ou agressões físicas, bem como a relativa dispersão temporal de algumas condutas que lhe são imputadas, não se revelando no caso dos autos um grau de ilicitude ou de culpa elevados.
LXVI) Assim, apesar da atenção crescente de que vêm sendo objecto por parte da sociedade e às exigências de prevenção geral que continuam a suscitar, as condutas do Arguido resultantes dos factos provados traduzem-se em alguns episódios, ocorridos de forma esparsa e dispersados por um período de quatro meses, não tendo a Ofendida sofrido qualquer dano ou mazela de ordem física.
LXVII) (…)
LXVIII) (…)
LXIX) Sublinhando-se ainda neste aresto que esta tendência de generalização e banalização da incriminação da violência doméstica “(…) deve ser refreada, sob pena de se desviar a atenção das instâncias de investigação criminal, de decisão judicial e de apoio e protecção às vítimas das reais necessidades de combate, repressão e prevenção da violência doméstica, por comportamentos quem e recendo embora censura penal, não têm, no entanto, gravidade suficiente para serem nela enquadrados e que correspondem a
outros tipos de crime menos graves.”
LXX) No caso concreto, ainda que se verifique uma conduta plural, quanto ao número de episódios, os mesmos são esparsos e espalham-se ao longo de quatro meses, pelo que se trata de uma pluralidade reduzida à sua expressão mais simples, no quadro de uma relação pós-conjugal, quando podem ocorrer e infelizmente ocorrem situações muito mais graves.
LXXI) Efectivamente, a prova produzida em sede de julgamento não consente a subsunção dos factos apurados ao crime de violência doméstica, por não se ter permitido apurar uma imagem global do facto especialmente violadora do bem jurídico plúrimo tutelado pelo artigo 152.º,n.º1 do C.P., não apresentando as condutas do Arguido uma especial ilicitude ou censurabilidade.
LXXII) Face ao supra exposto, ainda que a factualidade julgada como provada esteja próxima da fronteira do tipo de violência doméstica, o certo é que a mesma é insuficiente para configurar o elemento “maus tratos” físicos ou psíquicos, antes permitindo integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física, ameaça ou injúria, razão pela qual se impunha ao Tribunal recorrido a alteração da qualificação jurídica dos factos e a
condenação do Recorrente por algum destes crimes e sempre por uma medida da pena mais reduzida.
Sem conceder, o que só por uma questão de cautela se admite, diga-se ainda,
LXXIII) Por seu turno, o Tribunal a quo denegou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Arguido, com base no facto de este ser condenado pela prática do mesmo crime durante a suspensão de outra pena de prisão em que o Arguido foi anteriormente condenado, sendo a vítima de ambos os crimes a Ofendida.
LXXIV) Porém, ainda que tenham densidade desigual, concorrendo favoravelmente em determinado caso concreto, e verificado como está o pressuposto formal, não deve o Tribunal recusar a pena de substituição, sendo indiferente que a pena de prisão aplicada ao Arguido diga respeito a um só crime ou a um concurso de crimes.
LXXV) Nesta medida, verificado que está o seu pressuposto formal, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime e sopesando em conjunto as circunstâncias do facto e da personalidade, atendendo às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, possa fazer uma apreciação favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
LXXVI) (…)
LXXVII) (…)
LXXVIII)Na realidade, o Tribunal a quo, a este propósito, limitou-se a concluir de forma automática que o único modo de se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição é o cumprimento pelo Arguido de pena de prisão efectiva, por o mesmo ter cometido o mesmo tipo de crime durante o período de suspensão de execução de outra pena e contra a mesma vítima.
LXXIX) Contudo, parece olvidar o Tribunal recorrido que nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornem possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
LXXX) No caso concreto, ainda que o Tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena, fê-lo de forma ligeira e vaga, sem a justificação concreta e específica da situação sub judice na actualidade, sendo que a justificação que é dada é meramente automática e insuficiente.
LXXXI) Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, conforme se verifica do texto da sentença recorrida, o Tribunal a quo não fundamentou devidamente a razão da denegação da suspensão da execução da pena, repetindo, inclusive, a pouca fundamentação existente.
LXXXII) Em bom rigor, o Tribunal recorrido não formulou um juízo de prognose de onde resulte, de forma segura e inequívoca, as razões pelas quais a ameaça de prisão e a censura do facto não são bastantes para afastar o Arguido da prática de novos crimes.
LXXXIII)Deste modo, o juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do Arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça de prisão, daí se extraindo, ou não, se a sua socialização em liberdade é viável.
LXXXIV) (…)
LXXXVI)Desta feita, uma vez que a função da culpa se esgotou no momento da medida concreta da pena, o juízo de prognose para eventual aplicação de uma pena de substituição (designadamente da suspensão da execução), depende em exclusivo de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva.
LXXXVII)Vertendo ao caso concreto, o Arguido apresentou em audiência um juízo crítico e de auto-censura, bem como mostrou arrependimento pelos factos que foram julgados como provados nos presentes autos.
LXXXVIII)Além disso, não se pode descurar que a prática dos crimes pelos quais o Arguido foi condenado nos presentes autos ocorreram durante o período de tempo em que o Arguido e a Ofendida reataram a sua relação, como resulta do facto provado 53., tendo os mesmos pernoitado por várias vezes, quer em casa da Ofendida, quer em casa do Arguido, como foi relatado com isenção e assertividade pelas testemunhas EE, FF, GG e HH.
LXXXIX)Tais crimes não puderam deixar ser facilitados pela própria Ofendida, a qual, apesar de separada de facto do Arguido, nunca rompeu em definitivo a sua relação com o mesmo, chegando a aliciá-lo por diversas vezes para pernoitarem juntos, o que aconteceu.
XC)Por conseguinte, no decurso da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação que lhe foi aplicada, o Arguido tem desde então mantido um comportamento adequado e totalmente cumpridor das obrigações a que está vinculado, não tendo sido registada até ao presente qualquer situação anómala.
XCI)Actualmente o Recorrente mantém-se social, familiar e profissionalmente inserido, beneficiando de promessa de contrato de trabalho assim que for restituído à liberdade, como resultado do facto provado 56).
XCII)Além de não manifestar qualquer desejo de manter qualquer tipo de contacto ou proximidade no futuro com a Ofendida, a personalidade patenteada pelo Arguido, pela assunção da culpa e pela reflexão sobre o mal do crime, permitem sustentar um juízo de confiança no seu comportamento futuro, por forma a que não volte a delinquir.
XCIII) Saliente-se que os crimes pelos quais o Arguido foi condenado anteriormente decorreram durante a relação matrimonial que o mesmo manteve com a Ofendida e os crimes que constituem o objecto dos presentes autos ocorreram num contexto de divórcio e de regulação do exercício das responsabilidades parentais do filho que têm em comum, nunca tendo o Arguido se visto envolvido em qualquer outro processo judicial por qualquer outro tipo de problema com qualquer outra pessoa.
XCIV) Porém, como resulta do facto provado 52., o casamento entre Arguido e Ofendida já se encontra dissolvido pelo seu divórcio, decretado por sentença transitada em julgado no dia 20/06/2022, proferida no âmbito do Proc. n.º 1537/21...., bem como já se encontram reguladas as responsabilidades parentais relativas ao filho comum de ambos, de conformidade com Doc. ... junto aos autos pelo Arguido.
XCV)Assim sendo, não se pode ainda descurar que todos os crimes pelos quais o Arguido foi julgado e condenado foram sempre praticados num contexto de proximidade com a Ofendida, o qual já não se verifica atenta a alteração da residência da Ofendida para outra localidade, afastada por uma distância de 19 km´s, revelando-se assim uma forte redução no perigo de reincidência.
XCVI) Por sua vez, resulta ainda do teor do relatório social elaborado pelos serviços da D.G.R.S.P. o seguinte: “(…) A intimidação que o arguido evidenciou perante a ação do sistema de justiça, resultou na desvinculação deste face à ofendida, cessando qualquer contacto e/ou aproximação da mesma desde que iniciou a medida de OPHVE, realidade que foi confirmada pela ofendida. (…).”
XCVII) Assim, saliente-se ainda que o perigo ou risco de reincidência, além de ser aferido no momento da prolação da sentença, não pode deixar de implicar uma previsão ou prognose do comportamento futuro do Arguido concreto, não podendo fundar-se em meras abstracções com a referência a um certo tipo de crime.
XCVIII) Ademais, com a substituição da pena de prisão efectiva pela suspensão da sua execução, mesmo que sujeita a condições ou acompanhada de regime de prova, as razões de prevenção geral positiva ou de integração como finalidade a prosseguir com as penas não ficarão afectadas, sendo respeitado o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma penal violada pelo Arguido.
XCIX) Nesta conformidade, com o sancionamento do Arguido através da substituição da pena aplicada ao Recorrente pela suspensão da sua execução, acompanhada da observância de regras e deveres, bem como regime de prova, a comunidade consideraria reposta a confiança na validade da norma violada.
C) De facto, diga-se ainda que a reclusão (como decidido pelo Tribunal recorrido) não contribui para a reinserção do Recorrente, nem o vai reabilitar para o mundo laboral e para a convivência em sociedade, razão pela qual as exigências de prevenção geral e de prevenção especial são ainda asseguradas com a aplicação ao mesmo de uma pena não privativa da liberdade.
CI) (…)
CII) Por outro lado, saliente-se ainda que as necessidades de prevenção especial positiva e de reintegração do agente na sociedade, por via de regra, são melhor servidas mediante a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, salvo situações de extremo desenquadramento social, o que não sucede no caso concreto do Arguido.
CIII) (…)
CIV)Do que vem dito, a censura do facto e a ameaça da pena latentes numa pena de prisão suspensa na sua execução, já serão suficientes e bastantes para afastar o Arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades que se podem fazer sentir de reprovação e prevenção da prática de novos crimes, nomeadamente, do crime de violência doméstica.
CV)Exigindo a prognose a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.
CVI)Com efeito, a suspensão da execução da pena de prisão é sempre uma aposta do Tribunal, no sentido em que nunca há certezas sobre o comportamento futuro do condenado, nunca devendo este instituto ser negado quando o risco sobre esse comportamento não seja excessivo ou temerário.
CVII)Perante esta factualidade, salvo o devido respeito por opinião contrária, é ainda possível concluir que há fundamento para se formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do Arguido em sociedade, um juízo que embora possa apresentar algum risco, mas que vale a pena assumir em nome do princípio da ressocialização do condenado, o qual também integra os fins das penas.
CVIII) Na verdade, interromper a actual situação de liberdade e de inserção na sociedade em que o Recorrente se encontra, com um projecto de vida totalmente estruturado, será quebrar um percurso que o mesmo está a seguir e a frustrar as vias abertas por um novo escolhido pelo mesmo, merecendo o Recorrente uma oportunidade, da qual tem consciência de que não deve nem pode perder.
CIX)Efectivamente, a aplicação ao Arguido de uma pena suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova, revela-se adequada e suficiente para garantir a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade, enquanto perspectiva que o condenado não volte a delinquir no futuro.
CX)Nesta conformidade, afigura-se-nos, no nosso modesto entender, que se encontram integralmente os requisitos a que alude o artigo50.º,do C.P., para se decretar a suspensão da execução da pena de 3 (três) anos de prisão aplicada ao Recorrente, pelo período de 4 (quatro) anos, subordinada a regime de prova e ao cumprimento de regras e obrigações, com plano de reinserção a aprovar no douto Tribunal de 1.ª Instância.
Sempre sem conceder, o que só por dever de cautela se equaciona, frise-se ainda,
CXI)Por outro lado, na data designada para leitura da sentença foi comunicada ao Arguido pelo Tribunal a quo uma alteração não substancial dos factos, quando esta alteração, quer seja substancial, quer seja não substancial, traduz-se sempre numa alteração do objecto inicial do processo definido ou delimitado pelo teor da acusação (pública ou particular).
CXII)Como é sabido, a nossa Lei Processual Penal tem natureza e estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório, por força do disposto no artigo 32.º, n.º 5 da C.R.P., o que significa que o objecto do processo a discutir e apreciar pelo Tribunal de 1.ª Instância estão limitados pelo teor da acusação do Ministério Público.
CXIII) Contudo, a alteração não substancial dos factos, a que alude o artigo 358.º, n.º 1 do C.P.P., deve-se encontrar sustentada num conjunto credível de meios de prova ou num meio de prova particularmente credível, de tal forma que em relação a tais factos se possa formar um juízo de indiciação suficiente semelhante àquele que se encontra subjacente à dedução pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 2 do C.P.P.
CXIV) (…)
CXV)Em bom rigor, as garantias de defesa do Arguido impõem que sejam identificadas, com rigor e precisão, as provas concretas em que se sustentou essa alteração não substancial dos factos preconizada pelo Tribunal recorrido, pois só desse modo o Arguido estará devidamente habilitado a posicionar-se sobre essas hipotéticas provas e exercer, de forma cabal e plena, o seu direito ao contraditório.
CXVI)Na realidade, a mera referência a que o Tribunal recorrido entende que se verificou uma alteração não substancial dos factos, sem qualquer alusão a que tal decorrido da produção de prova em sede de audiência de julgamento, é demasiado vaga e imprecisa, não tendo tal despacho sob impugnação dado cumprimento à exigência de concretização dos meios de prova de onde resulta essa indiciação de novos factos com relevo para a decisão final.
CXVII) (…)
CXVIII) Destarte, esta exigência da comunicação dos concretos meios de prova indiciária que justifiquem ou fundamentem a comunicação da alteração do novo facto em causa é essencial, porquanto podem ser produzidas durante a audiência inúmeras e variadas provas e só com essa indicação está o Arguido habilitado a exercer, na sua plenitude, o seu direito de defesa, sob pena deste seu direito, constitucionalmente consagrado, não passar de uma mera formalidade.
CXIX) (…)
CXX)Assim sendo, o despacho proferido no dia 07/11/2022, em que foi comunicado ao Arguido uma comunicação não substancial dos factos, não observou o legalmente exigido quanto à sua fundamentação, não tendo sido efectuada qualquer explicitação ou concretização dos meios de prova indiciários que a pudessem sustentar.
CXXI) Face ao supra exposto, a condenação do Recorrente por factos que não integravam nestes termos a acusação do Ministério Público, constitui a nulidade do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do C.P.P., tendo a mesma ocorrido fora do condicionalismo e exigências legais do artigo 358.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
CXXII) Desde já se suscitando a inconstitucionalidade da norma do artigo 358.º, n.º1 do C.P., quando interpretada e aplicada no sentido de a comunicação de alteração não substancial dos factos não carecer de qualquer explicitação ou concretização dos meios de prova indiciários que a possam sustentar, por violação das garantias constitucionais de defesa do Arguido e do princípio do acusatório, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P.
CXXIII) Por outra banda, constituiu entendimento do Tribunal recorrido que ficaram prova dos diversos factos que integram o conceito de maus-tratos psíquicos, o que permitiu dar como preenchido o elemento objectivo do tipo de violência doméstica, através da interpretação e aplicação do artigo 152.º, n.º 1 do C.P.
CXXIV) Todavia, os maus-tratos psíquicos tratam-se de um segmento da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P. em que é usada uma expressão de natureza adjectiva e valorativa e um conceito abstracto, indeterminado e subjectivo, susceptível de várias interpretações, não sendo, porém, enunciadas ou identificadas as acções ou omissões que, com segurança e certeza jurídicas, integram o conceito de maus-tratos psíquicos ou físicos.
CXXV) Assim, esta questão não pode deixar de ser colocada no plano de conformidade da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P. com o princípio constitucional da legalidade, previsto no artigo 29.º, n.º 1 da C.R.P.
CXXVI) Com efeito, o artigo 29.º, n.ºs 1 e 3 da Lei Fundamental submete a intervenção penal ao princípio da legalidade, no sentido preciso de que não pode haver crime, nem pena ou medida de segurança que não resultem de lei prévia, escrita, certa e estrita, estando proibido o recurso à analogia.
CXXVII)Efectivamente, a questão que ora se coloca não se circunscreve à interpretação e aplicação da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P. que é feita pelo Tribunal a quo, como também à própria letra da Lei Penal, a qual não tipifica de modo suficiente os elementos objectivos do crime de violência doméstica.
CXXVIII)A expressão ou conceito de maus-tratos psíquicos constitui um conceito indeterminado, que incorpora um juízo valorativo, o qual só pode ser admissível na Lei Penal Substantiva desde que seja possível a concretização dos factos objectivos que integram o tipo de crime.
CXXIX) No caso concreto, verifica-se a enunciação de um conceito indeterminado sem a devida e necessária concretização factual e objectiva para o preenchimento deste conceito indeterminado, levando, contudo, tal falta de concretização a que o conceito de maus-tratos psíquicos seja susceptível de diversas e subjectivas interpretações, não podendo o destinatário da Lei adquirir o seu âmbito e limites.
CXXX) Nesta conformidade, desde já se invoca a inconstitucionalidade material da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P., no segmento relativo aos maus-tratos psíquicos, quando interpretada e aplicada no sentido propugnado pelo Tribunal recorrido de não serem concretizadas objectivamente quais as acções ou omissões puníveis, por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
CXXXI) Por seu turno, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou a norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P., relativamente ao segmento de maus-tratos psíquicos, no sentido de integrar a prática do crime de violência doméstica as condutas adoptadas pelo Arguido, quando da prova produzida em sede de julgamento não se permitiu apurar uma imagem global do facto especialmente violadora do bem jurídico plúrimo tutelado por este tipo incriminador.
CXXXII) (…)
CXXXIII)Com efeito, o Tribunal a quo efectuou uma interpretação e aplicação do artigo 152.º, n.º 1 do C.P., designadamente no que respeita ao segmento dos maus-tratos psíquicos, de forma desproporcional, demasiado ampla e generalizadora, violando ainda o princípio da subsidiariedade e de ultima ratio do Direito Penal.
CXXXIV)Aqui chegados, a interpretação e aplicação da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P., no segmento relativo a maus-tratos psíquicos, efectuada pelo Tribunal recorrido, no sentido de integrar este conceito indeterminado condutas que antes devem ser reconduzidas a outros tipos de crime, é materialmente inconstitucional, por violar o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, consagrado no artigo18.º,n.º 2 da C.R.P., bem como o princípio da subsidiariedade e de ultima ratio do Direito Penal, a qual se deixa desde já invocada para todos os efeitos legais.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogada a sentença de 1.ª Instância, sendo substituída por outra que decrete a suspensão da execução da pena que foi aplicada ao Recorrente, sujeita a regime de prova e ao cumprimento de deveres e regras de conduta, assim e como sempre se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!
Por conseguinte, desde já se invoca a inconstitucionalidade material da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P., no segmento relativo aos maus-tratos psíquicos, quando interpretada e aplicada no sentido propugnado pelo Tribunal recorrido de não serem concretizadas objectivamente quais as acções ou omissões puníveis, por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
Por sua vez, a interpretação e aplicação da norma do artigo 152.º, n.º 1 do C.P., no segmento relativo a maus-tratos psíquicos, efectuada pelo Tribunal recorrido, no sentido de integrar este conceito indeterminado condutas que antes devem ser reconduzidas a outros tipos de crime, é materialmente inconstitucional, por violar o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da C.R.P., bem como o princípio da subsidiariedade e de ultima ratio do Direito Penal, a qual se deixa desde já invocada para todos os efeitos legais.
3.O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença proferida, apresentando as seguintes conclusões:
1.O recurso a que ora se responde é sobre matéria de direito e tem por objecto a sentença proferida nos presentes autos, no dia 07/11/2022, pelo tribunal ad quo e que condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva.
2.Considera o Ministério Público que a sentença recorrida não é passível de qualquer censura e não viola quaisquer disposições legais, concordando-se integralmente com a mesma.
3.As declarações do arguido não correspondem a uma “confissão sem reservas” dos factos da acusação e, muito menos, a um “arrependimento sincero”, uma vez que o arguido se limitou a confirmar a sua versão dos factos e a expressar, de forma vaga, que estava arrependido por tudo o que fez, sem precisar sobre o que estava arrependido ou de se tal arrependimento se motivar única e exclusivamente ao facto de ter sido submetido a uma medida coacção privativa da liberdade.
4.O arguido mais não fez do que, após finda a totalidade da produção de prova, alegar que estava arrependido, o que, salvo, melhor opinião não consubstancia qualquer confissão ou arrependimento relevante para efeitos do 72.º, n.º 2, a c) do Código Penal, uma vez que tal acto de alegada “contrição” foi desacompanhado de quaisquer actos materiais relevantes que colocassem em debate a hipótese de arrependimento para efeitos de atenuação especial da pena.
5.Tal conduta é absolutamente inócua para efeitos de apreciação da moldura abstracta e da medida da pena se não for acompanhada de factos objectivos que demonstrem (ou não) o arrependimento.
6.Não deveria constar na matéria dada como provada em sede de sentença (ou como não provada) qualquer apreciação sobre o arrependimento do arguido, uma vez que tal ponto de facto nunca esteve realmente em causa na discussão.
7.A douta sentença recorrida deu como provado factos aptos e suficientes para fundamentar a decisão de direito, in casu, a condenação do arguido, inclusivamente para efeitos do afastamento da hipótese de suspensão da execução da pena de prisão.
8.Foram dados também como provados factos que evidenciam que não se tratou de uma “situação infeliz”, mas uma continuação da actividade criminosa, que só foi interrompida pela condenação anterior do arguido e, mais recentemente, pela sua detenção à ordem dos presentes autos.
9.O recorrente, além do “arrependimento” não ofereceu outro ponto de facto alternativo que devesse constar na sentença, o que o Ministério Público compreende, uma vez que também não o alcança.
10.O que se alcança, isso sim, com uma forte convicção, é de que o sistema judicial já deu todas as oportunidades possíveis ao arguido para que este alterasse a sua postura como forma de obstar à aplicação do regime de prisão efectiva.
11.Agora, e após ser confrontado com as consequências dos seus actos e de lhe ver aplicada uma pena justa, necessária, adequada e proporcional, tenta o arguido refugiar-se num alegado arrependimento completamente incompatível com a sua postura dentro e fora do Tribunal, e que não é mais do que uma estratégia de defesa planeada, com o único objectivo de tentar evitar uma pena de prisão efectiva.
12.Quando a questão da contradição entre a fundamentação e a decisão, tendo a nulidade já sido suprida pelo Tribunal ad quo em sede de despacho de admissão de recurso, considera-se que tal vício já se encontra sanado.
13.Em virtude da reparação do lapso, considera-se que tal nulidade não deverá ter como consequência a decisão de declaração de nulidade da sentença, uma vez que tal decisão corresponderia a um acto inútil e sem qualquer efeito prático na aplicação do Direito, acto esse proibido pelo ordenamento jurídico (artigo 130.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 3.º do Código de Processo Penal).
14.O arguido foi condenado, no âmbito do processo n.º 1/20...., por sentença transitada em julgado a 15-03-2021, pela prática, no mês 07-2018 e no dia 08-01-2020, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de violência doméstica, nas penas de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz o total de 900,00 €, e na pena de prisão de 2 anos e 8 meses, suspensa pelo mesmo período, com a obrigação de frequência de programas de prevenção de violência doméstica, e com a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, pelo mesmo período.
15.Tal condenação é demonstrativa de que a integração da factualidade dada como provada no crime de violência doméstica foi acertada, uma vez que demonstra uma relação de dominância do arguido para com a vítima, relação essa pré-existente e próxima da data dos factos em apreciação nos presentes autos.
16.Dificilmente se poderá defender que a relação de dominância que existia no processo anterior não continua patente nos presentes autos, sendo que a única razão pelo qual o arguido vem acusado novamente de um crime de violência doméstica é porque a continuidade criminosa cessou com o transito em julgado do processo anterior.
17.Em todo o caso, a restante factualidade dada como provada fornece-nos um conjunto de episódios, que transcendem uma “normal discussão de casal” ou sequer uma “igualdade de posições” entre arguido e vítima.
18.O fenómeno da violência doméstica, e por sua vez, os elementos objectivos do crime, não se subsumem a agressões físicas, englobando também outro tipo de comportamentos ilícitos (ameaças, exercício de controlo, injúrias, etc) que, em conjunto, colocam em causa a própria dignidade da vítima de forma, fazendo da sua vida um autêntico inferno.
19.Ao dar uma segunda oportunidade ao arguido, a vítima não se predispôs a submeter-se aos factos descritos na acusação, e, muito menos, se deverá entender que tal conduta como uma “contribuição” para a prática de qualquer ilícito.
20.A vítima não deverá ser tida como “culpada” por factos que são da inteira responsabilidade do arguido ou facilitadora dos mesmos, devendo tais considerações serem consideradas, no mínimo, arcaicas e obsoletas à luz dos valores civilizacionais actuais.
21.A suspensão da execução da pena de prisão não acautelaria de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, já que, tendo em conta a gravidade dos factos e a personalidade do arguido, não é possível formular um juízo de prognose favorável de que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão incutisse no arguido um temor que levasse a que este se inibisse de praticar novos ilícitos, não se mostrando, assim, como preenchidos os pressupostos do artigo 50.º do Código Penal.
22.Atendendo ao lapso temporal próximo em que correu a prática dos crimes objectos dos presentes autos e os do processo n.º 1/20.... (tendo os primeiros sido, inclusive, praticados durante o período de suspensão da pena de prisão do processo n.º 1/20....), devem, neste caso concreto, os antecedentes criminais do arguido adquirirem uma particular relevância para efeitos de aferição da não suspensão da pena de prisão.
23.Acresce, ainda, o facto do arguido ter sido condenado em ambos os processos por crimes praticados na pessoa da vítima DD.
24.Nunca poderia o Tribunal ad quo deixar de valorar tais factores em desfavor do arguido, considerando-se que bem andou a MM.ª Juíza de Direito ao condenar numa pena de prisão efectiva, aplicando de forma correcta os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
25.Acresce que os factos em apreciação são altamente gravosos e censuráveis, os quais revelam que o arguido tem uma personalidade pautada pela violência, possessividade, imponderação, propensão para o ciúme e de desejo de manter uma relação de dominância de terceiros que lhe são vulneráveis.
26.É também guiado por um absoluto sentimento desprezo pela dignidade, vida, saúde física, psíquica e emocional da vitima, pessoa que deveria proteger invés de sujeitar aos males descritos nos factos dados como provados.
27.Prática criminosa essa que só cessou com a sua detenção e sujeição a uma medida de coação privativa de liberdade, não sendo, em nosso, entender de confiar numa súbita e milagrosa alteração da psique do arguido e da sua forma de se relacionar com terceiros que fará com que o mesmo se abstenha da prática de novos factos semelhantes.
28.É manifesto que a suspensão da execução da pena de prisão no processo anterior de pouco de serviu para levar o arguido a abster-se da prática de novos ilícitos e em tudo semelhantes aos que havia praticado anteriormente, sendo altamente duvidoso de que a resposta adequada seja uma nova suspensão.
29.Os factos invocados pela defesa para atenuar as necessidades de prevenção especial são insuficientes para formular um juízo de prognose favorável e no qual se conclua que o mesmo não irá praticar ilícito semelhantes caso a pena de prisão seja suspensa na sua execução.
30.O arguido estar socialmente, profissional e familiarmente inserido não pode, por si só, servir de fundamento para obstar à aplicação de prisão efectiva, uma vez que isso não o inibe de praticar crimes semelhantes. Caso contrário, só os desempregados, solitários e sem família cumpririam penas em estabelecimento prisional.
31.A eventual destabilização socioeconómica causada pelo cumprimento da prisão efectiva, embora onerosa para o arguido, é uma consequência necessária e da responsabilidade exclusiva deste, não podendo, agora, escudar-se nela como forma de obstar a uma pena que se impõe cumprir e que tem a finalidade fazer cessar a prática criminosa em definitivo.
32.Claramente o simples receio da aplicação de uma pena de prisão não é suficiente intimidar o arguido, uma vez este já anteriormente decidiu praticar factos ilícitos semelhantes àqueles que já lhe valeram a condenação anterior já mencionada.
33.Seria incompreensível para a generalidade de população que o arguido beneficiasse de uma nova suspensão da sua pena de prisão, após praticar ilícitos da mesma natureza e no período de uma suspensão de execução da pena de prisão a que havia sido anteriormente condenado, o que colocaria em causa a confiança nos órgãos de justiça.
34.Deixar o arguido beneficiar de uma nova suspensão da execução da pena de prisão não incutirá no mesmo o altíssimo desvalor da suas acções, impedindo-o de entender as consequências que advirão da prática de actos semelhantes, pelo que tal decisão corresponderia a um risco temerário, inútil e suportado não em factos objectivos palpáveis, mas num desejo/esperança de que, desta vez, o arguido, por só, tenha interiorizado tal desvalor e actue no futuro conforme o Direito.
35.Entende o Ministério Público que a pena de prisão efectiva, a cumprir em estabelecimento prisional, é a única pena que pode ser considerada justa, necessária, adequada e proporcional a assegurar as finalidades preventivas em causa nos presentes autos, pelo que se concorda integralmente com a sentença recorrida.
36.Eventuais vícios de formalidades do despacho a que alude o artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal deveriam ter sido arguidas em sede de audiência de julgamento, nos termos dos artigos 120.º, n.º 3 e 123.º do Código de Processo Penal, dado que o arguido e Il. mandatário estavam presentes no momento da prática do acto.
37.Pelo que, em bom rigor, tal vício processual, a existir, já teria sido sanado com a inação do sujeito processual afectado, nos termos do artigo 121.º do Código de Processo Penal (nestes termos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/02/2003, Processo n.º 03P373, relator: Pereira Madeira, disponível em www.dgsi.pt).
38.A MM.ª Juíza de Direito não se limitou a proferir o despacho em causa, tendo, em sede de audiência de julgamento pormenorizando oralmente os concretos pontos de facto que considerou ser necessário efectuar a alteração não substancial dos factos.
39.No despacho não é obrigatório que conste a enunciação dos meios de prova ou motivação.
40.Do teor do recurso também não se compreende que outra prova poderia o arguido eventualmente oferecer que colocasse em causa a alteração não substancial dos factos e que viesse a contrariar a matéria de facto objecto da alteração não substancial.
41.Inexistiu qualquer violação dos seus direitos de defesa ou derrogação do princípio do acusatório, tendo em conta que os factos objecto da comunicação do artigo 358.º do Código de Processo Penal decorreram única e exclusivamente da produção de prova em sede de julgamento.
42.Exigir a formalidade de elencar os meios de prova e uma motivação para efeitos da comunicação do 358.º do Código de Processo Penal, são exigências que não constam na lei processual, sendo, portando insusceptíveis de imposição para efeitos de nulidade de actos processuais.
43.A ausência de tais formalidades não implica uma derrogação dos direitos de defesa do arguido.
44.O princípio da legalidade e de intervenção mínima do Direito Penal obsta a que um comportamento humano possa ser considerado crime sem lei anterior, escrita, estrita, certa e necessária que o consagre na ordem jurídica como tal (Nullum crimem, nulla poena sine lege scripta stricta praevia i certa), conforme artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
45.A expressão “maus tratos físicos ou psíquicos” que consta no artigo 152.º. n.º 1 do Código Penal não é um conceito de tal forma vago e indeterminado que deva ser considerado inconstitucional.
46.Tal como todas as outras expressões que constam na letra da lei, é um conceito a que cabe ao aplicador da lei a tarefa de interpretação da norma jurídica, nos moldes já descritos, tarefa essa que, aliás, igualmente se realiza para o conceito de maus tratos físicos, visto que nem todo o contacto físico ou agressão corresponderá a maus tratos.
47.E também manifesto que com a conjunção alternativa “ou”, os maus tratos não terão de conter necessariamente agressões físicas para que as condutas possam consubstanciar a prática do ilícito penal.
48.Maus tratos psíquicos poderão ser definidos como um mal-estar emocional ou psicológico (ansiedade, sofrimento, inquietação, medo, angústia) que surge na psique da vítima devido a factores externos à sua pessoa e provocados por terceiro, in casu, o arguido.
49.Foi intenção expressa do legislador que a dignidade da pessoa humana deveria ser protegida pelo tipo penal do artigo 152.º, n.º 1 do Código Penal mesmo em casos que não existissem agressões físicas consumadas por parte do agente do crime na pessoa da vítima, o que é compatível com o bem jurídico complexo protegido pelo tipo legal, que transcende a saúde e integridade física da vítima.
50.A aplicação e interpretação do artigo 152.º do Código Penal efectuada pelo Tribunal ad quo não foi inconstitucional nem violou quaisquer normas da Lei Fundamental, devendo o recurso improceder, nessa parte, mantendo-se a sentença nos seus precisos termos.
Pelo que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, devendo a douta sentença ser integralmente confirmada nos seus precisos termos, o que se requer aos Venerandos Desembargadores.
Assim sendo feita a costumada Justiça.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de CPPenal), emitiu parecer pronunciando-se também no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, salientando que a decisão recorrida, contrariamente ao propugnado pelo arguido recorrente, se pronunciou sobre a sua postura (…) de onde resulta claramente não ter atribuído credibilidade ao invocado arrependimento[2].
Não houve resposta ao parecer.
5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1.Questões a decidir
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Partindo de todo o elenco de fundamentos do recurso interposto pelo arguido – os quais nem sempre se mostram claros e por vezes são contraditórios na argumentação, atentando na motivação e nas desnecessariamente extensas conclusões apresentadas - e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
- inadequada subsunção da matéria dada como assente à norma incriminadora pois, a mesma não é suscetível de integrar a prática do crime de violência doméstica, e violação do princípio ne bis in idem.
- inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do artigo 152º, nº 1 do CPenal, levada a cabo pelo tribunal recorrido.
- inobservância das exigências consignadas no artigo 358º, nº 1 do CPPenal;
- inconstitucionalidade da norma do artigo 358º, nº1 do CPenal, na interpretação de que a alteração não substancial dos factos não carece de qualquer explicitação ou concretização dos meios de prova que a sustentam;
- nulidade da sentença proferida por violação do disposto no artigo 379.º, nº 1 alínea a) do CPPenal;
- vícios das alíneas a) e b), do nº 2 do artigo 410º do CPPenal.
- pena aplicada.
2. Apreciação
2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)
A. Factos provados
Da produção de prova efectuada na audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação pública
1. Em data não concretamente apurada do ano de 2008, o arguido AA e DD iniciaram um relacionamento amoroso, tendo contraído matrimónio entre si no dia 28 de Setembro de 2015.
2. Tal relacionamento amoroso perdurou até 08 de Janeiro de 2020, tendo nessa data terminado a relação entre ambos e DD abandonado a residência comum.
3. Fruto dessa relação amorosa entre o arguido e DD nasceu, em .../.../2014, II.
4. Fruto de um relacionamento anterior de DD, nasceu em .../.../2002, JJ, e em .../.../ de 2004 nasceu KK.
5. Entre, pelo menos, Abril de 2014 e 08 de Janeiro de 2020, o arguido e DD fixaram residência comum na habitação sita na Estrada ..., ..., em ....
6. Desde, pelo menos, Janeiro de 2018, o arguido passou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso.
7. Por sentença, transitada em julgado em 15 de Março de 2021, no processo n.º 1/20...., foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de violência doméstica cometido contra DD, nas penas de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, e de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, condicionada tal suspensão a regime de prova.
8. Mais foi o arguido condenado, no âmbito da aludida decisão, na pena acessória de proibição de contactos com DD, por qualquer meio, pelo período de 2 anos e 8 meses, com a obrigação de o arguido não se aproximar da residência, nem do local de trabalho da mesma, nos termos do disposto nos artigos 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
9. O período da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com DD, iniciou-se em 15 de Março de 2021, tendo termo previsto para o dia 15 de Novembro de 2023.
10. Não obstante a condenação na pena acessória de proibição de contactos, em diversas ocasiões, situadas entre Março de 2021 e Março de 2022, o arguido continuou a contactar DD, deslocando-se inclusivamente à residência desta.
11. Por diversas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, situadas entre Janeiro de 2022 e Março de 2022, o arguido efectuou diversas chamadas telefónicas a partir do seu telemóvel para o telemóvel de DD e enviou-lhe mensagens escritas, no âmbito das quais lhe disse “se não ficas comigo, não ficas com mais ninguém”.
12. Em data não concretamente apurada, mas após o dia .../.../2022, na presença do filho em comum, II, o arguido efectuou uma chamada telefónica do seu telemóvel para o telemóvel de DD, questionando-a sobre qual o motivo para não estar em casa, onde estava e com quem estava.
13. Nessa sequência, o arguido iniciou uma discussão, motivada por ciúmes, com DD, no âmbito da qual lhe disse que “lhe ia dar um tiro na cabeça”.
14. Nessa data, na presença do filho em comum II, o arguido efectuou várias chamadas telefónicas a partir do seu telemóvel para o telemóvel de DD, no âmbito das quais lhe disse “onde andas?”, “o que andas a fazer?”, “andas a brincar comigo”, “se não ficas comigo, não ficas com mais ninguém”, “eu mato-te. Dou-te um tiro na cabeça”.
15. Nos dias seguintes, após regressar à casa da progenitora, DD, o filho comum II disse-lhe “mãe, o pai diz que te mata. Diz que te dá um tiro na cabeça”.
16. No dia 07 de Fevereiro de 2022, pelas 01h54, o arguido redigiu e enviou para o telemóvel de DD as seguintes mensagens “o meu filho esteve aí um dia enteiro nem os trabalhos de casa vez e uma vergonha e por isso que ele não gosta de estar ai ele já conta muito caixas que vem” e “era para ir dia 15 ao tribunal sobre o divorcio não vou vou tratar das coisas de outra maneira visto que tens a mania de esperta.”.
17. Nessa ocasião o arguido redigiu e enviou para o telemóvel de DD as seguintes mensagens com o teor “visto que tens dinheiro para pagar a um advogado sera”, “levas noites inteiras na NET”, “posso ir a merda mas tu também Vaz nao brinca comigo ti aproveitarem de mim para estares ca se nao fosse eu nao estavas ca agora a musica vai ser outra vamos ver quem ganha.” e “tens feito de mim um burro agora vamos ver nem o teu filho gosta de ti e uma vergonha um anjinho com 7 anos”.
18. No dia 27 de Março de 2022, pelas 20h00, o arguido deslocou-se, no seu veículo, ao restaurante denominado «O...», sito na ..., n.º ..., em ....
19. Nessa ocasião, o arguido, ao avistar que DD que se encontrava sentada na esplanada daquele estabelecimento, parou o seu carro e dirigiu-se a DD.
20. Temendo o que o arguido lhe pudesse fazer, DD entrou dentro daquele estabelecimento.
21. De seguida, DD, receando pela sua integridade física e pela sua vida, abandonou aquele espaço comercial.
22. Nessa ocasião, quando se encontrava na esplanada do referido estabelecimento, o arguido disse, em tom de voz elevado, “Puta. Eu mato-te”, dirigindo-se a DD, acreditando que a mesma se encontrava no interior do mencionado estabelecimento e que tinha ouvido aquelas expressões.
23. De seguida, o arguido deslocou-se até à entrada daquele estabelecimento, tentando entrar no mesmo com a finalidade de abordar e confrontar DD, pensando que a mesma se encontrava no interior do mesmo.
24. No dia 28 de Março de 2022, entre as 18h00 e as 19h00, o arguido efectuou diversas e constantes chamadas telefónicas a partir do seu telemóvel para o telemóvel de DD, as quais não foram atendidas pela mesma.
25. Pelas 19h00, DD atendeu uma chamada telefónica efectuada pelo arguido, no âmbito da qual o mesmo lhe disse: “se não ficas comigo, não ficas com mais ninguém” e “eu mato-te”.
26. Nesse dia, 28 de Março de 2022, pelas 20h50, o arguido deslocou-se à habitação de DD, sita na ..., n.º 6, em ....
27. Nessa ocasião, o arguido aproximou-se da porta de entrada daquela habitação e desferiu vários murros e pontapés naquela porta, com vista a arrombá-la e a introduzir-se no interior da casa de DD, enquanto proferia contra a mesma, em tom de voz elevado, as seguintes expressões “abre a porta senão eu mato-te”, “eu mato-te”, “ou sais de ... ou eu mato-te”, “eu vou preso, mas tu vais para debaixo da terra” e “prefiro ver-te morta do que com outra pessoa”.
28. Nessa ocasião, DD, receando pela sua integridade física e pela sua vida, refugiou-se no interior do seu quarto e fechou a porta.
29. De seguida, o arguido agarrou num vaso de barro de DD e atirou-o contra a porta da casa daquela, tendo assim partido a fechadura e o vidro da porta, logrando abri-la.
30. Acto contínuo, o arguido entrou no interior da habitação de DD, apesar de saber que o fazia contra a sua vontade.
31. De seguida, o arguido desferiu diversas pancadas na televisão, candeeiros, cortinados e em vários objectos decorativos, que se encontravam na sala, no corredor e na casa de banho da casa de DD, cujos bens eram da propriedade desta.
32. Com tais actos, o arguido partiu a televisão, candeeiros, cortinados e vários objectos decorativos de DD.
33. Nessa ocasião, enquanto partia os objectos que se encontravam no interior da casa de DD, o arguido proferiu contra esta as expressões “eu mato-te, dormes com todos os homens de ...”.
34. Após, o arguido deslocou-se até à porta do quarto de DD e aí chegado, o mesmo desferiu várias pancadas naquela porta, tentando arrombá-la, enquanto proferia, contra a mesma, em tom de voz alto e agressivo, as expressões “eu mato-te”.
35. Nesse momento, o arguido, após se aperceber que DD tinha solicitado auxílio policial, abandonou de imediato a habitação da mesma, deslocando-se para parte incerta.
36. No dia 01 de Maio de 2022, pelas 20h30, o arguido, acompanhado do filho comum II, deslocou-se ao restaurante denominado «O...», sito na ..., n.º ..., em ....
37. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, DD encontrava-se no interior daquele estabelecimento comercial.
38. Nessa ocasião, ao avistar DD, o arguido aproximou-se da mesma e disse-lhe as seguintes expressões “não brincas comigo”, “fui eu que te meti aqui” e “faço-te a folha”.
39. Tais expressões foram proferidas pelo arguido contra DD, na presença do filho comum II, que ali se encontrava.
40. Após escutar tais expressões, DD temeu pela sua vida e pela sua integridade física, tendo abandonado de imediato o local, dirigindo-se para a sua residência.
41. Em consequência do comportamento do arguido e das expressões por si proferidas, nesse dia e nos dias seguintes, DD sofreu ataques de ansiedade e viveu num profundo estado de ansiedade, temor e sobressalto, receando que o arguido pudesse penetrar na sua residência a qualquer momento e viesse a concretizar as palavras que lhe dirigiu, pondo termo à sua vida.
42. Em consequência dos actos supra referidos praticados pelo arguido, DD sentiu-se injuriada, humilhada, importunada e enxovalhada com as expressões proferidas por aquele.
43. Em virtude dos actos praticados e das expressões proferidas pelo arguido, supra referidas, DD sentiu medo e inquietação pela sua integridade física e pela sua vida.
44. O arguido sabia que a sua conduta e as expressões supra referidas que proferiu eram aptas a fazer DD recear pela sua integridade física e pela sua vida, o que quis e conseguiu.
45. Ainda ao proferir as supra citadas expressões previu e quis o arguido agir do modo acima descrito com o intuito concretizado de amedrontar DD, e de a perturbar no seu sentimento de segurança, e na sua liberdade de movimentação e actuação, bem sabendo que as palavras por si proferidas, alusivas a morte, revestiam carácter de seriedade e eram susceptíveis de causar temor e insegurança na visada, como efectivamente causaram.
46. O arguido agiu com o propósito de maltratar e molestar a saúde psíquica e emocional de DD, que sabia ser seu cônjuge, não se inibindo de o fazer e bem sabendo que o fazia, pelo menos em algumas das ocasiões supra referidas, na presença de II, filho comum e menor de idade, pretendendo com tais actos submeter DD aos seus desígnios, humilhá-la, molestar a sua integridade moral, diminuir a sua dignidade e consideração pessoal, coarctar a sua liberdade de decisão, acção e movimento, e assim, causar-lhe perturbação emocional, tristeza, receio, insegurança, intranquilidade, medo humilhação e angústia, querendo assim ofendê-la na sua dignidade de pessoa humana, com pleno conhecimento de que as suas condutas eram idóneas e adequadas a alcançar tais resultados, o que tudo quis e logrou concretizar.
47. Mais sabia o arguido que sobre o mesmo impediam especiais deveres de respeito e assistência em relação ao seu cônjuge, decorrentes do vínculo que os uniu.
48. O arguido agiu sempre no intuito concretizado de afectar e perturbar constantemente a sua esposa, através da prática dos referidos actos ofensivos e expressões que proferiu, pelo menos, desde Janeiro de 2022 até 01 de Maio de 2022, e estando ainda ciente de, pelo menos após 15 de Março de 2021, ter contactado e maltratado a mesma de forma reiterada e violando a regra de conduta e a pena acessória a que estava sujeito por força da condenação no âmbito do processo n.º 1/20...., revelando não possuir respeito pelo seu cônjuge, nem pela decisão judicial, o que logrou alcançar.
49. O arguido actuou ainda com o propósito concretizado de desferir pontapés e pancadas nos objectos e bens supra referidos de DD, existentes no interior da residência desta, e nas portas da casa da mesma e assim degradar as suas estruturas e revestimentos exteriores, que sabia não serem seus, o que logrou alcançar.
50. O arguido actuou com o propósito concretizado de entrar no interior da residência de DD, bem sabendo que o fazia sem autorização e contra a sua vontade, violando, deste modo, a privacidade de DD.
51. O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Da contestação
52. Por sentença proferida no dia 16-05-2022, no processo n.º 1537/21...., transitada em julgado no dia .../.../2022, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre o arguido e DD, tendo sido declarado dissolvido o seu casamento.
Dos factos trazidos pelo arguido
53. Após o trânsito em julgado da sentença referida em 7., o arguido e DD reataram, durante um período de tempo não concretamente apurado, a relação amorosa, não tendo, contudo, voltado a residir juntos.
Das condições pessoais e socioeconómicas
54. O arguido é ....
55. Em virtude de estar a cumprir a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação à ordem dos presentes autos, não se encontra a exercer a sua actividade laboral.
56. O arguido celebrou, no dia 18 de Agosto de 2022, um acordo denominado “Promessa de contrato de trabalho sem termo”, com HH, para desempenhar a categoria profissional de pedreiro, sendo que este acordo entrará em vigor “logo que haja disponibilidade por parte do trabalhador”.
Do relatório social
57. Consta do relatório social do arguido, nomeadamente, que:
“AA apresenta outros contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, tendo sido condenado, em pena de multa, por crime de condução sob o efeito do álcool. Foi também condenado numa pena de prisão de 2 anos e 8 meses de prisão, por crime de violência doméstica, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, no processo nº 1/20...., à ordem do qual AA registou dificuldade de adesão, não comparecendo às entrevistas de acompanhamento agendadas pelo técnico da DGRSP, até à instauração do presente processo judicial.
(…)
AA considera que o atual processo teve forte impacto na sua vida, designadamente a nível psicológico. Relativamente aos factos de que se encontra acusado, o arguido apresenta um discurso de atribuição de causalidade externa, tendencialmente defensivo, evidenciando fraca capacidade de descentração e de reflexão crítica. A intimidação que o arguido evidenciou perante a ação do sistema de justiça, resultou na desvinculação deste face à ofendida, cessando qualquer contacto e/ou aproximação da mesma desde que iniciou a medida de OPHVE, realidade que foi confirmada pela ofendida.
O arguido refuta qualquer problemática aditiva, assumindo consumir bebidas alcoólicas apenas em contexto social/recreativo que desvaloriza e descreve como esporádico e inofensivo. AA foi encaminhado para acompanhamento/tratamento no ... (...), no âmbito do nº 1/20...., embora tenham sido agendadas várias consultas médicas, pela equipa de tratamento, apenas comparecendo à consulta de acolhimento.
AA apresenta motivação para a execução de uma medida na comunidade, em caso de condenação.
(…)
Identificam-se como necessidades de intervenção relevantes, algumas características pessoais de AA, ao nível do sentido crítico, da gravidade e censurabilidade dos seus comportamentos e subsequente minimização do impacto dos mesmos, bem como os seus hábitos de consumo excessivo de álcool que o mesmo desvaloriza, mas que poderão constituir fator de risco, na medida em que podem acentuar a dificuldade do controlo dos impulsos e reduzir a resistência à frustração com recurso à agressividade.
Na eventualidade de AA vir a ser condenado e a medida concreta da pena permita a sua execução na comunidade, considera-se necessário que a mesma inclua acompanhamento da DGRSP, que contemple a obrigatoriedade de frequência do PAVD - Programa para Agressores de Violência Doméstica - com duração mínima de 18 meses, de modo a interiorizar o desvalor de condutas violentas em contexto doméstico, bem como na aprendizagem de estratégias alternativas e preventivas do comportamento violento. Concomitantemente, considera-se ainda necessário que AA retome o acompanhamento/tratamento à sua adição no ... (...).”.
Dos antecedentes criminais
58. O arguido foi condenado:
a. No processo n.º 1/20...., por sentença transitada em julgado a 15-03-2021, pela prática, no mês 07-2018 e no dia 08-01-2020, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de violência doméstica, nas penas de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz o total de 900,00 €, e na pena de prisão de 2 anos e 8 meses, suspensa pelo mesmo período, com a obrigação de frequência de programas de prevenção de violência doméstica, e com a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, pelo mesmo período.
b. No processo n.º 27/21...., por sentença transitada em julgado a 31-05-2021, pela prática, no dia 10-04-2021, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, o que perfaz o total de 330,00 €, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 3 meses e 15 dias. * B. Factos não provados
Da produção de prova efectuada na audiência de julgamento não resultaram provados os seguintes factos:
a) O facto 6. ocorria com frequência diária.
b) Na circunstância referida em 11., o arguido disse a DD “vou-te lixar a vida”.
c) Na circunstância descrita em 14., o arguido proferiu as seguintes expressões “vou-te lixar a vida” e “não me importo de ir preso, mas mato-te”.
d) Na circunstância referida em 21., DD saiu por uma porta lateral, sem que o arguido se tivesse apercebido.
e) Em 22., o arguido disse a seguinte expressão “é para isto que queres o divórcio?”.
f) Nesse momento, foi barrada a sua entrada no estabelecimento por LL, tendo nessa ocasião o arguido afirmado o seguinte “são só putas, que nunca viram uma preta, mas esta preta é minha, vou a casa buscar a espingarda e mato-te”, referindo-se a DD.
g) Posteriormente, o arguido após constatar que DD já não se encontrava naquele estabelecimento comercial, abandonou o local.
h) Em 31. e 34., o arguido desferiu diversos pontapés.
i) Em 33., o arguido proferiu a expressão “puta”.
j) Em 35., o arguido proferiu a expressão “não brincas comigo”.
2.2. Fundamentação da matéria de facto: (transcrição)
A decisão sobre o elenco dos factos dados como provados e não provados, resulta da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento (cfr. artigo 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), tendo a mesma sido apreciada à luz das regras da lógica e da experiência comum, segundo o princípio da livre apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Ora vejamos.
O arguido esteve presente na audiência de julgamento e quis prestar declarações que, apesar de estarem em consonância com as que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial, se afiguraram pouco condizentes com as regras da experiência comum, não tendo sido, por isso, atribuída credibilidade às mesmas (à excepção das declarações acerca das suas condições socioeconómicas, conforme infra se verá, e do facto de ter reatado a relação com DD).
Para além disso, o discurso do arguido foi sempre voltado para a atribuição de culpas à ofendida, desresponsabilizando-se das suas atitudes.
Refira-se que o arguido admitiu a prática dos factos n.ºs 16 e 17, sendo certo que os mesmo sempre estariam provados através da prova documental junta aos autos, em concreto, os prints das mensagens a fls. 81 e 82.
Ademais, o arguido também admitiu ter ido estado no café «O...», nos dias 27 de Março de 2022 e 01 de Maio de 2022, embora tivesse negado a prática dos factos descritos no elenco dos factos provados.
Diga-se ainda que o arguido admitiu, igualmente, a prática dos factos n.ºs 26, 29, 31, 32 (estes dois parcialmente), embora tenha justificado as mesmas, mais uma vez, com condutas de DD, referindo que a mesma lhe tinha dado com um ferro na cabeça e tinha ficado com a cabeça a sangrar.
Da mesma forma de foi arquivada a queixa do arguido, também aqui se consideram insuficientes as declarações do arguido, tanto mais que as testemunhas que estiveram no local não viram nenhum sangue no chão.
Por seu turno, as declarações para memória futura de DD consideram-se claras, objectivas, emocionadas, espontâneas, sem grandes hesitações e, por isso, credíveis.
Aliás, diga-se que DD até adoptou um discurso algo desculpabilizante da conduta do arguido, atribuindo ao álcool todos os motivos para este praticar os factos que acima se provaram, referindo que a relação tinha sido muito feliz em Angola, e em parte quando viveram em Portugal.
Desta forma, considera-se que DD não empolou quaisquer factos, porquanto tanto declarou coisas más do arguido, como aspectos positivos do mesmo e da relação que perdurou entre ambos.
Assim, deram-se como provados os factos n.ºs 1 a 6, 10 a 15, 18 a 21, 24 a 43.
Refira-se ainda que também se atribuiu relevância às declarações para memória futura da criança II, filha do arguido e da ofendida, que se mostraram espontâneas, apesar da timidez habitual para a sua tenra idade.
O mesmo afirmou ter presenciado o episódio referido nos factos n.ºs 12 a 14, tendo, posteriormente, contado o mesmo à sua mãe (cfr. facto n.º 15).
Para além disso, o menino referiu ter também assistido, depois do Natal de 2021, quando estava no café com o pai (arguido), o mesmo a dizer à mãe (ofendida) que a matava.
Quanto às testemunhas MM e NN, ambos Militares da GNR, depuseram de forma clara e objectiva, e, por isso, credível, sendo que se deslocaram a casa de DD no dia 28 de Março de 2022.
Para além de terem relatado a destruição que ali presenciaram, tiraram as fotografias a fls. 211 e seguintes, sendo que as mesmas são, efectivamente, ilustrativas do estado em que ficou a casa da ofendida.
Ademais, os Militares também depuseram acerca do estado de ansiedade e de nervos em que se encontrava DD quando chegaram à sua habitação.
Diga-se, porém, que estas testemunhas não viram o arguido no local, tendo chegado apenas após a situação ter cessado, o que vai de acordo com as declarações de DD, que mencionou que o mesmo se ausentou quando percebeu que esta solicitou auxílio das forças policiais.
Ademais, considerou-se ainda o depoimento da testemunha KK, filha de DD, que, apesar dessa qualidade, depôs também de forma clara e objectiva, embora algo contida.
Contudo, a mesma mencionou que estava em casa com a sua mãe no dia 28 de Março de 2022, tendo presenciado toda a situação, descrevendo-a com pormenor.
KK afirmou ainda ter ouvido, nesse dia, através do telefone, o arguido a dizer à sua mãe que a matava.
À semelhança dos Militares da GNR, também esta testemunha apontou o estado de ansiedade em que a sua mãe se encontrava, após o ocorrido.
Refira-se que o depoimento desta testemunha foi coerente e coincidente com as declarações para memória futura prestadas por DD, o que conferiu ainda mais credibilidade a uma e a outra.
Quanto às testemunhas OO, amiga de DD, e JJ, filho de DD, entende-se que as mesmas depuseram de forma clara, embora não se recordassem de alguns pormenores, o que é natural atento o lapso temporal decorrido.
Contudo, no essencial, os seus depoimentos foram coerentes e coincidentes entre si, tendo mencionado as expressões descritas no facto n.º 22, bem como presenciado os factos n.ºs 18 a 23.
No que diz respeito à testemunha LL, entende-se que o seu depoimento foi algo confuso e pouco objectivo, não se tendo, por isso, atribuído relevância ao seu teor.
Os factos n.ºs 7 a 9, deram-se como provados através do teor da certidão junta aos autos a fls. 103 a 155.
Quanto aos factos n.ºs 44 a 51, o Tribunal formou a sua convicção através das regras da experiência comum, conjugadas com os restantes factos que se deram como provados.
No que concerne ao facto n.º 52, deu-se o mesmo como provado através da certidão da sentença junta aos autos no dia 28-10-2022 (cfr. referência n.º ...89).
No que diz respeito aos factos n.ºs 53 a 56, os mesmos provaram-se através do teor das declarações do arguido, prestadas em audiência de julgamento, sendo que não existem razões para crer que as mesmas não sejam verdadeiras, uma vez que foram claras e espontâneas.
O facto n.º 53, também se deu como provados através das declarações para memória futura de DD, que confirmou, igualmente, este facto.
Refira-se que o facto n.º 56, também se provou através do documento intitulado por “promessa de contrato de trabalho sem termo”, junto pelo arguido no requerimento datado de 24-08-2022 (cfr. fls. 615 a 617).
O facto n.º 57 provou-se através do teor do relatório social junto aos autos no dia 13-10-2022 (cfr. ref.ª n.º ...66).
O facto provado n.º 58 resulta da prova documental junta aos autos, mais concretamente, do teor do Certificado do Registo Criminal do arguido (junto no dia 10-10-2022).
Por fim, quanto às testemunhas PP e QQ, companheira de JJ, as mesmas não demonstraram conhecimento directo dos factos da acusação pública, não se recordando dos pormenores que presenciaram, pelo que não foi dada relevância aos seus depoimentos.
E ainda, no que concerne aos depoimentos das testemunhas RR, EE, FF, GG, SS, TT e HH, todos amigos/conhecidos do arguido, refira-se que as mesmas não tinham conhecimento directo dos factos em discussão, não tendo presenciado nenhum dos factos que vinham descritos na acusação pública, razão pela qual foi atribuída reduzida relevância a estes depoimentos.
Acrescente-se, quanto ao arguido, o facto de alguém ser afável e simpático, não significa que, em determinado momento da sua vida, não possa praticar factos contrários à sua personalidade habitual.
Diga-se que algumas das testemunhas acima mencionadas, referiram que viram algumas vezes o carro do arguido à porta da casa de DD, dando a entender que os mesmos teriam, a certa altura, reatado a relação.
Porém, veja-se que a própria DD confirmou, conforme se referiu supra, que apesar de não mais terem vivido juntos após o processo que correu termos anteriormente, voltaram a reatar a relação amorosa, estando juntos em algumas ocasiões, pelo que também nesta parte o depoimento destas testemunhas não relevou.
Refira-se, contudo, que a testemunha HH confirmou a celebração do acordo referido no facto n.º 56, bem como o teor do documento junto a fls. 615 a 617 e a sua assinatura, pelo que esta parte do seu depoimento relevou também para a prova do facto referido. * Quanto aos factos não provados, veja-se o seguinte.
Os factos a) a j), deram-se os mesmos como não provados, atendendo à total ausência de prova sobre os mesmos, porquanto nem DD, nem as restantes testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento depuseram sobre os mesmos.
Refira-se, no que concerne ao facto f), que nenhuma das testemunhas relatou a exacta frase que ali vem descrita, sendo que também não foram coincidentes no teor da mesma, nem a quem foi dirigida.
2.3. Das questões a decidir
Em imediato passo, vale destacar que perante uma certa amálgama recursiva, resultando por vezes em pouca clareza e alguma contradição no proposto a decidir, se entende abordar alguns aspetos que se apresentam como cristalinos / evidentes, sem observar a linha traçada no articulado apresentado pelo arguido / recorrente, em termos de “ordem”, sopesando outros em momento posterior.
Cabe, ainda, dizer que de todo o questionamento suscitado pelo arguido, no fundo, o propósito centra-se no crime de violência doméstica, nada sendo referido relativamente aos outros crimes pelos quais foi condenado - crimes de violação de imposições, proibições ou interdições, p.e p. pelo artigo 353º do CPenal, e de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Neste seguimento, rememore-se que foi o arguido recorrente condenado, como autor material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1, alínea a) e 2, alínea a) do CPenal na pena de 3 (três) anos de prisão.
Pretende o arguido recorrente, desde logo, questionar o preenchimento do dito ilícito perante a factualidade dada como assente, sendo que posteriormente, em postura completamente contraditória, vem tentar por em crise a solução tomada em termos de pena, pugnando por sancionamento (…) através da substituição da pena aplicada ao Recorrente pela suspensão da sua execução, acompanhada da observância de regras e deveres, bem como regime de prova, a comunidade consideraria reposta a confiança na validade da norma violada.
Desponta, aqui, salvo melhor e mais avisada opinião, uma das perplexidades da alegação recursiva. Entendendo-se pelo não preenchimento / inexistência do crime apontado ao arguido recorrente, não se vislumbra como pode haver uma pena de prisão a substituir. Não há crime, não há pena, pensa-se.
Todavia, sempre se dirá que, em oposição ao que se propugna, toda a matéria dada como assente, é suscetível de integrar o tipo criminal em causa.
O crime em referência pretende punir a conduta do agente que inflija maus tratos físicos ou psíquicos, ao cônjuge ou ex-cônjuge, sendo que tal atuação pode ser reiterada ou não[3].
Neste conspecto, parece pacífico que os bens jurídicos protegidos são a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade humana, sendo que por força da norma incriminadora apenas se acalentam condutas efetivamente maltratantes, ou seja, todas aquelas que ponham em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos[4].
Perfilha-se, ainda, que no crime violência doméstica, como bem a proteger, desponta a necessidade de salvaguardar a paz e a tranquilidade interiores de molde a que alguém não tenha que sofrer qualquer invasão perturbadora de uma rotina equilibrada, pacífica e apaziguadora.
De outra banda, assinale-se que em termos objetivos este ilícito pressupõe a existência de uma relação de índole familiar / íntima entre o agente e a vítima em que o primeiro, de modo reiterado ou não, inflige mau trato físico, mau trato psíquico – este pode revelar-se por via de humilhações, ameaças, injúrias, difamações, provocações, perseguições, privações de liberdade, ofensas sexuais[5].
Por seu turno, em termos subjetivos, o dolo do agente, integrando a intenção de perpetrar determinado tipo de atos e assim atingir / beliscar a dignidade humana da vítima, incide sobre os diversos fragmentos da situação vivencial de grave afectação de uma vertente do equilíbrio psicossomático, pluridimensional da vítima[6].
Cotejando tais ensinamentos com toda a panóplia factual assente em primeira instância, a qual não surge rebatida pelo arguido recorrente, parece insofismável que não assiste a menor razão para o que se defende.
Na verdade o arguido recorrente, por diversas vezes, nas mais variadas situações e contextos, e aparentemente sem nenhum tipo de estímulo que por algum modo pudesse desencadear determinados comportamentos dirigidos à vítima, agiu insultando, humilhando, ameaçando, perseguindo, aparecendo sorrateira e imprevisivelmente, em postura evidentemente agressiva / invasiva / atemorizadora / rebaixante / vexante / ultrajante.
Por diversas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, situadas entre Janeiro de 2022 e Março de 2022, o arguido efectuou diversas chamadas telefónicas a partir do seu telemóvel para o telemóvel de DD e enviou-lhe mensagens escritas, no âmbito das quais lhe disse “se não ficas comigo, não ficas com mais ninguém” (…) após o dia .../.../2022, na presença do filho em comum, II, o arguido efectuou uma chamada telefónica do seu telemóvel para o telemóvel de DD, questionando-a sobre qual o motivo para não estar em casa, onde estava e com quem estava (…) iniciou uma discussão, motivada por ciúmes, com DD, no âmbito da qual lhe disse que “lhe ia dar um tiro na cabeça” (…) efectuou várias chamadas telefónicas a partir do seu telemóvel para o telemóvel de DD, no âmbito das quais lhe disse “onde andas?”, “o que andas a fazer?”, “andas a brincar comigo”, “se não ficas comigo, não ficas com mais ninguém”, “eu mato-te. Dou-te um tiro na cabeça” (…) após regressar à casa da progenitora, DD, o filho comum II disse-lhe “mãe, o pai diz que te mata. Diz que te dá um tiro na cabeça” (…) vou tratar das coisas de outra maneira visto que tens a mania de esperta (…) o arguido redigiu e enviou para o telemóvel de DD as seguintes mensagens com o teor “visto que tens dinheiro para pagar a um advogado sera”, “levas noites inteiras na NET”, “posso ir a merda mas tu também Vaz nao brinca comigo ti aproveitarem de mim para estares ca se nao fosse eu nao estavas ca agora a musica vai ser outra vamos ver quem ganha.” e “tens feito de mim um burro agora vamos ver nem o teu filho gosta de ti e uma vergonha um anjinho com 7 anos” (…) o arguido disse, em tom de voz elevado, “Puta. Eu mato-te”, dirigindo-se a DD, acreditando que a mesma se encontrava no interior do mencionado estabelecimento e que tinha ouvido aquelas expressões (…) De seguida, o arguido deslocou-se até à entrada daquele estabelecimento, tentando entrar no mesmo com a finalidade de abordar e confrontar DD, pensando que a mesma se encontrava no interior do mesmo (…) No dia 28 de Março de 2022, entre as 18h00 e as 19h00, o arguido efectuou diversas e constantes chamadas telefónicas a partir do seu telemóvel para o telemóvel de DD, as quais não foram atendidas pela mesma (…) Pelas 19h00, DD atendeu uma chamada telefónica efectuada pelo arguido, no âmbito da qual o mesmo lhe disse: “se não ficas comigo, não ficas com mais ninguém” e “eu mato-te” (…) Nesse dia (…) pelas 20h50, o arguido deslocou-se à habitação de DD, sita na ..., n.º ..., em ... (…) o arguido aproximou-se da porta de entrada daquela habitação e desferiu vários murros e pontapés naquela porta, com vista a arrombá-la e a introduzir-se no interior da casa de DD, enquanto proferia contra a mesma, em tom de voz elevado, as seguintes expressões “abre a porta senão eu mato-te”, “eu mato-te”, “ou sais de ... ou eu mato-te”, “eu vou preso, mas tu vais para debaixo da terra” e “prefiro ver-te morta do que com outra pessoa” (…) De seguida, o arguido agarrou num vaso de barro de DD e atirou-o contra a porta da casa daquela, tendo assim partido a fechadura e o vidro da porta, logrando abri-la (…) Acto contínuo, o arguido entrou no interior da habitação de DD, apesar de saber que o fazia contra a sua vontade (…) desferiu diversas pancadas na televisão, candeeiros, cortinados e em vários objectos decorativos, que se encontravam na sala, no corredor e na casa de banho da casa de DD, cujos bens eram da propriedade desta (…) partiu a televisão, candeeiros, cortinados e vários objectos decorativos de DD (…) enquanto partia os objectos que se encontravam no interior da casa de DD, o arguido proferiu contra esta as expressões “eu mato-te, dormes com todos os homens de ...” (…) Após, o arguido deslocou-se até à porta do quarto de DD e aí chegado, o mesmo desferiu várias pancadas naquela porta, tentando arrombá-la, enquanto proferia, contra a mesma, em tom de voz alto e agressivo, as expressões “eu mato-te” (…) o arguido, após se aperceber que DD tinha solicitado auxílio policial, abandonou de imediato a habitação da mesma, deslocando-se para parte incerta (…) No dia 01 de Maio de 2022, pelas 20h30, o arguido, acompanhado do filho comum II, deslocou-se ao restaurante denominado «O...», sito na Avenida ..., em ... (…) DD encontrava-se no interior daquele estabelecimento comercial (…) ao avistar DD, o arguido aproximou-se da mesma e disse-lhe as seguintes expressões “não brincas comigo”, “fui eu que te meti aqui” e “faço-te a folha” (…) Tais expressões foram proferidas pelo arguido contra DD, na presença do filho comum II, que ali se encontrava.
Perante todo esta tessitura factual, fica efetivamente por saber, na tese do arguido recorrente, o que mais desejaria o mesmo fazer para se verificar o crime apontado, sendo certo que por vezes, a saúde psíquica e sua integridade é muito mais premente em termos de proteção por, quaisquer atentados às mesmas, imprimirem marcas que se podem prolongar por toda a vida, colorando um estar de constante pânico / medo / angústia dificilmente suportável e gerível.
E não se diga, como propõe o arguido recorrente que se está perante um quadro de bagatela penal, chamando à colação alguma jurisprudência que, salvo melhor e mais avisada opinião, não tem qualquer ancoradouro de semelhança / similitude com o caso em presença[7], tratando de retratos factuais absolutamente distintos e onde, na verdade, não há a carga / dimensão / perseguição / tensão que aqui transparece.
Com efeito, qualquer tentativa de aligeirar / branquear / desvalorizar todo o atuar do arguido recorrente, vertido nos factos dados como assentes, nunca por si questionados, parece caminho não suportável.
A propósito deste vetor recursório, e a dado momento, faz o arguido recorrente uma referência ao princípio ne bis in dem, como pretensamente violado.
Para tanto, argumenta-se o mesmo se diga dos factos provados n.º 28, 29, 30 e 33, quando do seu teor apenas resulta a prática de condutas pelo Arguido de um crime de dano e de violação de domicílio, do qual o mesmo foi absolvido da prática do primeiro e condenado pela prática do segundo, não podendo a prática destas condutas integrar o tipo de violência doméstica, nem podem as mesmas serem duplamente valoradas, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
Esta máxima orientadora do ordenamento penal vigente, radica na figura do caso julgado, proibindo a instauração de um segundo processo, ao mesmo sujeito, pelo mesmo objeto e com o mesmo fundamento.
Por seu turno a exceção do caso julgado tem a sua sede no disposto no artigo 29.º, nº5 da CRP – Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime – ao estabelecer-se a proibição de reviver processos já julgados e com decisão firmada, resultando numa proibição de que o que se decidiu numa sentença, seja atacado no mesmo processo ou noutro[8].
Atentando em todo o alegado e analisando o processado, crê-se não assistir qualquer razão para o defendido pelo arguido recorrente pois não ressalta qualquer condenação pelo crime de dano, apesar de ter sido por tal acusado, dando-se apenas como provados factos que aquele poderiam integrar, sendo que a matéria que se considerara como configuradora do crime de violência doméstica, como decorre do ponto i., III – cfr. fls. 671 vº a 674 -, não integra qualquer traço que o arguido recorrente sustenta em termos de um eventual crime de dano, mas antes e só o que respeita ao que este, ao tempo, foi dizendo, em que contexto, e a intensidade / dimensão do modo como o fez.
Com efeito, os questionados factos, surgem apenas e só como pressuposto de integração da ideia de maltratar e molestar a saúde psíquica e emocional da vítima, humilhar, beliscar a sua integridade moral, diminuir a sua dignidade e consideração pessoal, coartar a sua liberdade de decisão, ação e movimento, afetar e perturbar constantemente aquela.
Assim sendo, não faz qualquer sentido o apelo ao referido princípio, concluindo-se pela falência do recurso nesta parte - inadequada subsunção da matéria dada como assente à norma incriminadora pois, a mesma não é suscetível de integrar a prática do crime de violência doméstica, e violação do princípio ne bis in idem. * Ligado a este segmento, surge a invocada questão da inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do artigo 152º, nº 1 do CPenal, levada a cabo pelo tribunal recorrido.
Em primeiro lugar, colhe denotar que o arguido recorrente, por nenhum momento aduz argumentos que possam sustentar a adiantada inconstitucionalidade, limitando-se à mera conclusão / asserção, sem o menor suporte.
Por seu turno, olhando ao preceito incriminador e todo o seu constitutivo, onde claramente desponta a referência a maus tratos psíquicos, e em alternatividade, emerge como cristalino, crê-se, ter sido intento do legislador consagrar um tipo objetivo incluindo todas as condutas que enverguem violência física, psicológica, verbal e sexual, sendo que o elenco apresentado na normação em referência, sendo exemplificativo, concretiza o conceito de maus-tratos, suficientemente, exibindo bastante mote norteador ao aplicador da lei[9].
O inciso em presença, acalentando a filosofia decorrente do artigo 33º[10] da Convenção de Istambul - Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011-, atentando à sua literalidade, veste suficiente sentido da aplicação normativa, sendo que a previsão maus tratos físicos psíquicos é bastamente clara, discernível, objetiva, definida e certa para os seus destinatários compreenderem o conjunto de condutas proibidas e, em particular, para incluir, sem equívocos, a interpretação segundo a qual pratica o crime correspondente quem age conforme agiu o arguido recorrente, não representando, por isso, qualquer violação do princípio contido no artigo 29º, n.º 1, da CRP[11].
Acresce que se tem entendido que os maus tratos psíquicos correspondem a comportamentos passíveis de integrar crimes de ameaças, injúrias, difamação, coação[12], retratos estes que, no todo provado, in casu, afloram exuberantemente.
Diga-se, ainda, que os maus tratos que aqui se enfrentam, são todos aqueles comportamentos que se perspetivem como uma ameaça de prejuízo sério / pesado / doloroso e potencialmente irreversível, comportando consequências na paz, tranquilidade, sossego e bem-estar espirituais da vítima[13].
Com efeito, com a reforma do regime legal, trazida por via do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, os maus tratos psíquicos passaram a estar contemplados com um leque mais alargado de condutas, como humilhações, provocações, ameaças (de natureza física ou verbal), insultos, privações ou limitações arbitrárias da liberdade de movimentos, ou seja, condutas que revelam desprezo pela condição humana do parceiro, podendo provocar sentimentos de culpa ou de fraqueza, sendo míster que tais maus-tratos psíquicos estejam associados à posição de controlo ou de dominação que o agressor pretenda exercer sobre a vítima, de que decorre uma maior vulnerabilidade desta.
Presentes, todos os aflorados considerandos, também aqui cai por terra o ansiado pelo arguido recorrente.* Seguindo no exame das questões sugeridas pelo arguido recorrente, despontam a inobservância das exigências consignadas no artigo 358º, nº 1 do CPPenal e a consequente inconstitucionalidade deste preceito, na interpretação de que a alteração não substancial dos factos não carece de qualquer explicitação ou concretização dos meios de prova que a sustentam.
De acordo com o arguido recorrente, a mera referência a que o Tribunal recorrido entende que se verificou uma alteração não substancial dos factos, sem qualquer alusão a que tal decorrido da produção de prova em sede de audiência de julgamento, é demasiado vaga e imprecisa, determina a nulidade expressa no artigo 379º, nº 1, alínea b) do CPPenal – condenação por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º.
Importa, desde já, revisitar a decisão em sindicância, onde claramente consta Em sede da supra referida audiência, foi proferido despacho de alteração não substancial dos factos constantes da acusação pública, sendo que o mesmo foi comunicado ao arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não tendo sido requerido prazo para defesa.
De outra banda, considerando a literalidade constante do preceito em ponderação, no caso de alteração não substancial parece que apenas impende sobre o juiz, o dever de comunicar ao defensor os factos que representam alteração relativamente aos que conformam a acusação ou a pronúncia, interrogar o arguido, sempre que possível, sobre tal matéria e conceder o tempo necessário para preparação da defesa[14].
Na realidade, e ainda que de modo indireto / ínvio / subtil, ao que se pensa, a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do que plasma o artigo 358º, nº1 do CPPenal, a indicação de meios de prova, aspeto que se mostra natural, pois, o que aqui está em causa são meramente factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, sempre pode apresentar novos meios de prova para os contraditar / questionar, sendo o suficiente e bastante, dar-se conhecimento à defesa da probabilidade de vir a ser fixada na peça final uma nova factualidade, podendo ela assim arrolar prova nova, podendo até mudar a sua estratégia de defesa, fazendo-o em tempo e a tempo, não ficando, pois, prejudicados os seus direitos[15].
A indicação / sustentação probatória tem é que existir em momento posterior, ou seja, aquando da motivação da decisão de facto. Parece não fazer qualquer sentido, que ainda em tempo da discussão do pleito, o tribunal adiante qual o juízo probatório que está a fazer.
E, nessa senda, é-se de entendimento que não há qualquer inconstitucionalidade na interpretação normativa extraída da conjugação do consignado nos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que aquela se fundamenta[16].
Por fim saliente-se, a incongruência desta linha de defesa, já que tendo o arguido recorrente no momento da alteração não substancial, tomado uma posição de total passividade, nada referindo e nem sequer ter requerido prazo para defesa, vir nesta sede pronunciar-se no sentido da existência de qualquer mácula.
Aparenta-se como um posicionamento não defensável, sucumbindo igualmente esta dimensão recursiva.* Objetiva-se, também, nesta sede, que o tribunal ad quem declare a nulidade da sentença proferida por violação do disposto no artigo 379.º, nº 1 alínea a) do CPPenal.
Ancora o arguido recorrente este posicionamento, recitando diversa jurisprudência que, salvo melhor e mais apurada opinião, não tem qualquer paralelo com o caso dos autos, no facto de o tribunal recorrido não ter dado como provado o seu arrependimento, sendo que, Na realidade, as declarações do Arguido demonstram que o mesmo mostrou arrependimento do comportamento que adoptou e formulou um juízo de auto-crítica, tendo o mesmo se dirigido ao Tribunal recorrido e afirmado por diversas vezes, de modo emocionado, que se encontrava arrependido das condutas que adoptou quanto à Ofendida e reconhecido que não esteve bem.
Elucubrando sobre o inciso em referência, retira-se que tal nulidade ocorre sempre que a sentença “(…) não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374.º (…)”, ou seja, nos casos em que falha “(…) a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações (….), incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação (…) a indicação da razão de ciência de cada pessoa cujo depoimento o tribunal tomou em consideração (…) a indicação dos motivos de credibilidade de testemunhas, documentos ou exames (…) a indicação dos motivos porque se preferiu uma versão dos factos em detrimento de outra”[17].
Com estas exigências pretendeu o legislador concretizar o princípio constitucional expresso no artigo 205.º, nº 1 da CRP, o qual no domínio penal reclama uma fundamentação reforçada, com vista a uma total transparência da decisão.
A clareza da decisão impõe que os seus destinatários a apreendam e entendam nas suas diversas dimensões, postulando que o tribunal para além de indicar com clareza os factos que considerou provados e aqueles que entendeu não provados, aponte também, de forma clara a razão de tal, demonstrando e explicitando o percurso feito para formar a sua convicção, indicando o caminho traçado quanto à valoração que fez das diversas provas e como as interpretou/leu [18].
Em suma, é de exigência legal inalienável que por força da leitura da sentença / acórdão, se perceba a razão que determinou o tribunal decidir num certo sentido e não noutro, também possível.
No caso dos autos, o que se questiona prende-se com dar ou não como provado um facto que no entender do arguido recorrente deveria ter sido considerado assente, por força das suas declarações..
Ora, olhando para todo o decidido na sentença em sindicância não se descortina qualquer vício nesta vertente, sendo até bem transparente / lúcido / claro, todo o trajeto envergado pelo tribunal ad quo.
Basta visitar a motivação da decisão e no que concerne ao posicionamento do arguido recorrente - O arguido esteve presente na audiência de julgamento e quis prestar declarações que, apesar de estarem em consonância com as que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial, se afiguraram pouco condizentes com as regras da experiência comum, não tendo sido, por isso, atribuída credibilidade às mesmas (…) Para além disso, o discurso do arguido foi sempre voltado para a atribuição de culpas à ofendida, desresponsabilizando-se das suas atitudes (…) Refira-se que o arguido admitiu a prática dos factos n.ºs 16 e 17, sendo certo que os mesmo sempre estariam provados através da prova documental junta aos autos, em concreto, os prints das mensagens a fls. 81 e 82 (…) Diga-se ainda que o arguido admitiu, igualmente, a prática dos factos n.ºs 26, 29, 31, 32 (estes dois parcialmente), embora tenha justificado as mesmas, mais uma vez, com condutas de DD, referindo que a mesma lhe tinha dado com um ferro na cabeça e tinha ficado com a cabeça a sangrar (…) o arguido manifestou em sede de audiência de julgamento o seu arrependimento(…) (c)ontudo diga-se que este arrependimento é algo inócuo, vindo de alguém que cometeu, há muito tempo, exactamente, o mesmo tipo de crime (…).
Na verdade, há uma preocupação e cuidado bastantes para justificar porque se entenderam provados determinados factos e outros não, e a linha de pensamento seguida nesse sentido.
A mera circunstância do arguido / recorrente discordar da ponderação probatória realizada e da conclusão dali retirada não preenche a aludida nulidade. O tribunal, dentro da sua livre convicção, em obediência ao plasmado no artigo 127.º do CPPenal, segue o caminho que considera adequado, fundamentado e correto.
O que se reputa necessário, neste patamar, é saber se existe e é suficiente a motivação fáctica apresentada pelo tribunal recorrido, no uso do princípio da livre apreciação da prova[19]. Isto é, o que se questiona é se a fundamentação apresentada é completa e clara quanto aos factos apurados e metodologia utilizada para o seu apuramento, pelo tribunal recorrido.
Olhando todo o processo decisório produzido, entende-se que na verdade, e neste segmento, é transparente, completa e segura a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo, sendo evidente todo o caminho seguido para a sua concretização. Nem sequer invoca o arguido recorrente, o que falha aqui – limita-se a dizer que o tribunal não leu corretamente a manifestação do seu arrependimento sincero pela prática dos factos pelos quais foi acusado[20].
Na decisão propalada explica-se, de modo pormenorizado todo o raciocínio feito em relação às declarações do arguido recorrente e seu peso. Uma coisa é discordar da avaliação feita, outra é inexistir qualquer fundamentação / explicação.
E, na verdade, não se está perante situação decorrente de uma operação meramente subjetiva, irracional, mas antes na presença de um percurso feito pelo tribunal a quo onde transparece uma valoração racional e lógica, compatível com as regras da experiência comum e do raciocínio límpido e entendível. E isto constitui o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova[21].
Desta feita, também aqui falece o argumentário deduzido. * Outro passo recursivo, prende-se com a verificação no caso em apreço, dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b) do CPPenal.
Desta feita, vem insurgir-se o arguido recorrente, recorrendo da matéria de facto pela via mais restrita, ou seja, pelo modo que se convencionou chamar de “revista alargada”.
Aqui, como é consabido, exultam vícios decisórios, de conhecimento oficioso que, não sendo necessário que o recorrente impugne, impõe que demonstre racionalmente a existência dos mesmos. A sua indagação tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos que àquela sejam estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[22].
Primeiramente, considera o arguido recorrente operar a mancha da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois que não teve em conta as suas condições pessoais, sociais e económicas, o seu arrependimento e a sua confissão.
O aludido vício reporta-se essencialmente à existência de hiatos fatuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de um juízo seguro de condenação ou absolvição e não o foram.
Aqui, o que está em causa é saber se a matéria de facto apurada, na sua globalidade (provada e não provada) é ou não capaz e bastante para sustentar a decisão tomada. De outro modo, o que se pretende saber através da verificação deste vício é se o tribunal, tendo em atenção o objeto processual em presença em cada caso, indagou ou não, os factos necessários ao esclarecimento daquele, independentemente do resultado dessa averiguação – confirmativo do objeto processual ou não[23].
O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última -.
E isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre matéria relevante alegada pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão na sua globalidade[24].
Sopesando o processo decisório, mais uma vez aqui parece que não será de alinhar no entendimento do arguido recorrente.
Quanto ao arrependimento e suposta confissão do arguido recorrente, remete-se para todo o supra analisado e já referido, sem necessidade de mais considerandos.
Relativamente ao matiz respeitante às condições pessoais, sociais e económicas, contrariamente ao que aqui se propugna, e como se verá adiante, a existir algum vício, ao que se vem sufragando em diversos arestos proferidos[25], será antes a nulidade expressa no artigo 379º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do CPPenal, na medida em que se pode configurar a ausência de enumeração de factos provados necessários e suficientes para a determinação da medida da pena e, sequentemente, para a escolha da pena em concreto[26] - regista-se que entendem, outros, a presença do quadro defendido pelo arguido recorrente da alínea a) do nº2 do artigo 410º do CPPenal – insuficiência da matéria de facto para a decisão[27].
Assim sendo, neste conspecto, improcede também o pretendido pelo arguido.
Na peça recursiva, aponta-se, igualmente, para o erro expresso na alínea b) do nº2 do artigo 410º do CPPenal, ou seja, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Em suporte, invoca o arguido recorrente que a dado passo da decisão emitida, o tribunal, em termos de fundamentação de direito e no capítulo respeitante à sanção em concreto a impor pelo crime de violência doméstica, entende suspender a pena de prisão aplicada para, logo quase de seguida decidir-se pela denegação da suspensão da execução da pena.
Revisitando o palco decisório é possível ler-se, a certo momento, (…) Note-se que o facto de não possuir antecedentes criminais, apesar de ser relevante, é o expectável num jovem de 19 anos (cfr. facto n.º 21) (…) Porém, considera-se que não seria, de todo, benéfico para a reintegração do arguido na sociedade, nem para evitar o cometimento de novos crimes, um primeiro contacto tão precoce com o sistema prisional (…) Posto isto, acredita-se que, no caso concreto, a censura do facto e a ameaça de prisão ainda realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição do arguido (…) vislumbra-se que a melhor forma de se cumprirem as finalidades de punição no caso concreto é a condenação do arguido numa pena de prisão suspensa na sua execução, para num posterior passo (…) relembre-se que o arguido já tem uma condenação por um crime de violência doméstica contra a mesma vítima dos presentes autos (…) (n)esse processo, foi o arguido condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, suspensão que violou ao cometer os crimes pelos quais vai condenado nos presentes autos (…) claramente que, no caso concreto, a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição do arguido, porquanto o mesmo já foi condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo tipo de crime (violência doméstica), e isso não o dissuadiu o mesmo de continuar a praticar crimes (inclusivamente, o mesmo tipo legal de crime e contra a mesma vítima).
Defronte toda esta estampa ponderativa, e no imediato, é-se tentado a concluir na esteira do que se aduz no recurso – contradição insanável da fundamentação.
Todavia, como parece transparecer de toda a decisão em análise, algumas referências, precisamente as contraditórias, parecem advir de um deficiente tratamento informático do texto, o qual se terá baseado num outro respeitante a outro processo.
Por seu turno, como exuberantemente decorre do despacho proferido em 9/12/2022, referência citius ...24, aquando da admissão do recurso ora em exame, a questão foi tratada, e considerada como decorrendo de um lapso a corrigir:
No que diz respeito ao vício da verificação de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, é evidente que os últimos três parágrafos da página 39, e os dois primeiros da página 40 da sentença proferida foram inseridos na mesma por erro/lapso.
Assim, o arguido nos presentes autos não tem 19 anos, e tem antecedentes criminais registados, pelo que é manifesto que os parágrafos acima apontados estão inseridos na sentença por erro/lapso.
Veja-se que os parágrafos seguintes, na página 40, se referem, sem sombra de dúvidas, ao arguido, porquanto o mesmo tem um antecedente criminal de violência doméstica, contra a mesma ofendida.
Desta forma, corrige-se o erro/lapso da sentença, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, devendo ter-se por não escritos os últimos três parágrafos da página 39, e os dois primeiros da página 40 da sentença.
Aspeto a ponderar, prende-se, com o apurar sobre se a via / forma utilizada pelo tribunal de primeira instância foi a mais certeira e cabível na normação constante do preceito utilizado.
Tem-se por pacífico, crê-se, que o funcionamento do procedimento de correção de sentença, implica não estar em causa quadro de nulidade de sentença, nos termos do disposto no artigo 379º do CPPenal e existir erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não determine modificação essencial do decidido.
Quando se apontam lapsos / erros, estão abrangidos os desacertos, enganos, inexatidões ou mesmo falhas pontuais (…) enganos ou descuidos no processo de elaboração da sentença ou acórdão (…) por exemplo, de erros de escrita ou de cálculo que podem ocorrer quer no relatório (…) nos factos provados ou não provados, na fundamentação jurídica ou mesmo no dispositivo[28].
Soma-se, ainda, na análise a efetuar, indagar sobre o momento / tempo para que se proceda à correção.
Cotejando todos os elementos fornecidos pelos autos, tendo em atenção o despacho proferido em primeira instância e supra inscrito, parece incontornável que esta falha denotada não é mais do que um mero lapso material, sem a menor influência no cerne da decisão.
Importa ainda notar que da leitura de toda a sentença e de todo o trajeto ali realizado é mais do que óbvio que tudo se deveu a uma desatenção / distração, muito comum no uso das ferramentas informáticas que, in casu, não altera em nada a substância do decidido e de todo o raciocínio elaborado na rota decisória.
Assim sendo, conclui-se que está desenhada tela cabível na previsão legal do artigo 380º, nº 1 do CPPenal.
Há então que indagar sobre o momento para proceder à correção.
Não fixando o normativo citado, especificamente, qual o prazo em que se pode proceder aos devidos ajustes, parece defensável que para requerer a correção da sentença / acórdão se deve observar o prazo supletivo de 10 dias, a que alude o artigo 105º, nº 1 do CPPenal.
Em relação à correção oficiosa, como o caso que se apresenta, tendo em atenção o que plasma o nº 2 do dito preceito, sendo o mesmo detetado pelo tribunal e por este reconhecido, entende-se que o erro poderá ser corrigido, até à subida do recurso.
Com efeito, assumindo o tribunal o lapso / falha em que incorreu, e permitindo-se que o tribunal competente para conhecer o recurso sane o erro, por maioria de razão, pensa-se, tal poderá ser feito ainda no tribunal que, cometendo-o, o detete.
Ante este expendido, conclui-se pela inexistência do apontado vício da alínea b), do nº 2 do artigo 410º do CPPenal.* Por fim, perscrute-se o segmento pena, nos diversos contornos apresentados pelo arguido recorrente e aqueles que, oficiosamente possam afluir.
No entendimento do arguido o tribunal ad quo deveria ter optado pela pena de substituição – suspensão da execução da pena -, sendo que Bem vistas as coisas, na sua fundamentação para o afastamento do instituto da suspensão da execução da pena de prisão relativamente ao Recorrente, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo fundou-se mais em considerações ou juízos de culpa e nos antecedentes criminais do Arguido do que nas razões ou fundamentos que presidem à formulação de um juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro.
Colhe então, cotejando todo o alegado pelo arguido recorrente e o emergente da decisão em exame, apurar da existência ou não de falhas que possam inquinar o caminho traçado pelo tribunal recorrido.
Parece cristalino, crê-se, que se extrai de forma expressa da lei - artigos 369.º a 371.º do CPPenal - que em caso de condenação e aplicação de pena é essencial a prova relativa aos antecedentes criminais do arguido, à sua personalidade e às suas condições pessoais. A lei prevê até a possibilidade de produção suplementar de prova, tendo em vista a determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, para o que, sendo necessário, poderá ser reaberta a audiência.
Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71º, nº 1, do CPenal, olhando à respetiva moldura abstrata, e apelando aos critérios da culpa e da prevenção – geral e especial –, há que, de acordo com o seu nº 2, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando-se, entre outras, as condições pessoais do agente e a sua situação económica- alínea d) do nº 2. Fixa, ainda, o nº 3 do mesmo artigo que a sentença tem que expressamente referir os fundamentos da medida da pena.
O CPPenal atribui ao momento da escolha da pena e da determinação da sanção uma certa autonomia, concedendo ao juiz amplos poderes de indagar os factos que julgue necessários à correta determinação da sanção, designadamente com recurso à elaboração de relatório social ou, mesmo à produção de prova suplementar sobre a personalidade do arguido e às suas condições de vida. É o que se retira dos supracitados dispositivos legais – artigos 369.º a 371.º.
Ora, no caso dos autos, para além dos antecedentes criminais do arguido recorrente, referidos em algum detalhe, a sentença condenatória, quanto aos supostos aspetos relativos à sua personalidade, situação económica e social, apenas faz alusão a dois dados concretos – o arguido é ... e tem uma proposta de trabalho -, sendo que no mais, o tribunal recorrido, usando uma técnica de pouco rigor e altamente questionável, na linha do que vem sendo frequentemente seguido pelos tribunais de primeira instância, se limita a referir que consta do Relatório Social determinado conteúdo.
Esta opção - Consta do relatório social do arguido, nomeadamente, que -, o que aponta, no imediato, não é que se provou o teor do relatório, mas sim e apenas que o relatório tem determinado conteúdo.
Acresce que atentando nas partes que se transcrevem, na verdade, o que emerge são uma série de considerações, juízos de valor, opiniões do técnico de reinserção social a respeito de medidas eventualmente a aplicar, referências aos antecedentes criminais e, absolutamente nada que ilustre sobre a situação económica e social do arguido recorrente.
Diga-se, ainda, que recorrendo à motivação da decisão de facto, e neste conspecto, somente desponta, (o) facto n.º 57 provou-se através do teor do relatório social junto aos autos (…), ou seja, o que se retira, de novo, é que se prova que o relatório diz o que se transcreveu no elenco dos factos assentes, ficando por saber o que é que o tribunal considerou provado.
Na verdade, é exigível que todos os factos provados – apenas e só os factos relevantes - com origem no relatório social devem ser elencados de modo claro e inequívoco, não podendo os mesmos ser subtraídos ao contraditório.
Surge cristalino, pensa-se, que consignar nos factos provados que do relatório social consta, seguindo-se uma transcrição, (…) AA considera que o atual processo teve forte impacto na sua vida, designadamente a nível psicológico. Relativamente aos factos de que se encontra acusado, o arguido apresenta um discurso de atribuição de causalidade externa, tendencialmente defensivo, evidenciando fraca capacidade de descentração e de reflexão crítica (…) O arguido refuta qualquer problemática aditiva, assumindo consumir bebidas alcoólicas apenas em contexto social/recreativo que desvaloriza e descreve como esporádico e inofensivo (…) Identificam-se como necessidades de intervenção relevantes, algumas características pessoais de AA, ao nível do sentido crítico, da gravidade e censurabilidade dos seus comportamentos e subsequente minimização do impacto dos mesmos, bem como os seus hábitos de consumo excessivo de álcool que o mesmo desvaloriza não tem o menor valor como facto provado, apenas se prova que no relatório constam tais referências que, como se disse, praticamente nem factos concretos relativos à personalidade, situação social e económica encerram.
Toda esta desconformidade, desenhando retrato lacunar em matéria absolutamente essencial no passo da escolha e determinação da medida da pena, configura, na verdade, a nulidade expressa no artigo 379º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, nº2, ambos do CPPenal, a qual importa colmatar.
E, nessa senda, nesta parte relativa à escolha e determinação da pena – ponto 2. Da medida da pena, tratado na sentença -, anula-se a decisão proferida, devendo o tribunal ad quo proferir nova sentença colmatando os vícios salientados, procedendo às diligências entendidas por necessárias, para tal.
III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência decidem
a) Anular a sentença proferida, na parte supra notada, respeitante à escolha e determinação da medida da pena;
b) Determinar que o tribunal de primeira instância profira nova sentença, nessa parte, superando os vícios notados, procedendo às diligências que se reputem de necessárias e essenciais para tal.
Sem custas pelo arguido/recorrente, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513.º, nº1, última parte do CPPenal.
Évora, 28 de fevereiro de 2023
(o presente acórdão, integrado por vinte e uma páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do CPPenal)
(Carlos de Campos Lobo - Relator)
(Ana Bacelar- 1ª Adjunta)
(Renato Barroso – 2º Adjunto)
_________________________________
[1] Procede-se à transcrição parcial, expurgando todas as reproduções de textos de Acórdãos e de doutrina, por manifestamente desnecessárias na parte respeitante às conclusões.
[2] Cfr. fls.736.
[3] Neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de outubro de 2020, proferido no Processo nº 362/19.6PDCSC.L1-3, do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de setembro de 2022, proferido no Processo nº 820/19.2PAOLH.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Ainda, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2021, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p. 642.
[4] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – Tomo I – Artigos 131º a 201º, 1999, Coimbra Editora, p. 332.
[5] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 333.
[6] MIGUEZ GARCIA, M., CASTELA RIO, J. M., Código Penal – Parte geral e especial- Com Notas e Comentários, 2015 – 2ª Edição, Almedina, p. 651.
[7] Cita o arguido recorrente o Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 14/10/2020, proferido no Processo 749/19.4PBSNT.L1 – 3, onde o que há é apenas um ato isolado de uma ameaça, como claramente se retira de uma leitura, ainda que desatenta do seu sumário; o mesmo se passa com a referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26/01/2021, proferido no Processo nº 229/18.5GBGDL.E1, onde igualmente ressalta um mero ato de agarrar e empurrar a vítima.
[8] Neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/04/2011, proferido no processo nº 250/06.6PCLRS.L1-3 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3/02/2016, proferido no processo nº 64/14.0TAMMV.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 643.
[10] Artigo 33.º
Violência psicológica
As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente lesar gravemente a integridade psicológica de uma pessoa por meio de coação ou ameaças.
[11] Neste sentido a Decisão Sumária nº 211/2022 do Tribunal Constitucional, de 15/03/2022, proferida no Processo n.º 246/2022, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Este amplo entendimento pode ler-se em PEREIRA, Victor de Sá e LAFAYETE, Alexandre, Código Penal – Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2014, 2ª Edição, Quid Juris, p. 439.
[13] Neste sentido, BRANDÃO, Nuno, “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, 12º, 2010, p. 45.
[14] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo IV Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, p. 638.
[15] Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/07/2022, proferido no Processo nº 260/11.1JALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 216/2019, de 2/4/2019, proferido no Processo nº 558/18, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler - a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência.
(…) A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do CPP), com cominação de nulidade do ato judicativo (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
[17] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pg.944-945.
No mesmo sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia Costa, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, p.1120-1121.
[18] No Acórdão do STJ de 10/04/07, proferido no processo nº 83/03.1TALLE.E1.S1, in dgsi.pt, escreveu-se “(…)Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto (…) A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova, no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido (…)”.
[19] Direito constitucional concretizado, “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão”, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 328.
[20] Alegação esta que, de certo modo, é contraditória com a tese de que não cometeu o crime pelo qual foi acusado e condenado.
[21] No mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p.328.
[22] Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª edição, pg. 873, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, pg. 339, ANTUNES, Maria João, Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121.
[23] Neste sentido GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia Costa, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem p. 1274.
[24] Neste sentido os Acórdãos do STJ de 4/10/2006, proferido no processo n.º 06P2678, disponível emdgsi.pt e de 05/09/2007, proferido no processo n.º 2078/07 e de 14/11/2007, proferida no processo n.º 3249/07, sumariados em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais.
[25] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (do ora relator), de 25/10/2022, proferido no Processo nº 274/21.3GCSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[26] Neste sentido o Acórdão do STJ de 8/07/2022, proferido no Processo nº 469/21.0GACSC.S1.
[27] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/04/2022, proferido no Processo nº 381/20.PCSTB.E1.
[28] GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo IV Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, p. 804. |