Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
976/07-3
Relator: ALMEIDA SIMÕES
Descritores: IMPUGNAÇÃO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO CÍVEL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - A defesa por impugnação é uma defesa directa, um ataque frontal ao pedido, contradizendo o réu, quer por negação directa (negação rotunda), quer por negação indirecta ou motivada (apresentação de uma versão diferente), os factos alegados pelo autor como constitutivos do seu direito, ou o efeito jurídico que deles pretende tirar o autor.

II - A defesa por excepção consiste num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 976/07 - 3

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A” e “B” instauraram, no Tribunal da comarca de …, uma acção de inabilitação, por anomalia psíquica, de “C”.
Em síntese, vieram dizer que são tias do inabilitando e que este não se encontra em condições físicas e psíquicas de viver sozinho, revelando frequentes alterações de memória, com sinais de dificuldade na interpretação de conversas que obriguem à abstracção do pensamento, ao mesmo tempo que mostra disponibilidade para dar o seu acordo a actos e procedimentos contrários aos seus interesses, não reunindo condições psíquicas e de sentido de responsabilidade para a prática de actos correntes de administração dos seus bens e cumprimento das obrigações fiscais.
O requerido contestou no sentido da improcedência da acção, salientando que tem raciocínio lógico, capacidade para entender e discernir, faz juízos críticos sobre tudo o que o rodeia, tem vontade própria, tem liberdade de determinação, tem sensibilidade, sabe ler, escrever e contar, memoriza, realiza operações mentais, reage aos estímulos e fala com naturalidade (fls. 47 e segs.).
Juntou ainda dois documentos.
Apresentaram, então, as autoras um articulado que apelidaram de réplica, pretendendo responder aos artigos 4° a 10° da contestação, por consubstanciarem defesa por excepção, tecendo ainda diversas considerações acerca dos documentos apresentados com a contestação (fls. 59 e segs.).
Mas a senhora juiz determinou o desentranhamento do articulado de réplica, por não ser admissível, por entender que o requerido contestou apenas por impugnação (fls. 3 e segs.).
Inconformadas, as requerentes agravaram, tendo alegado e formulado as seguintes conclusões:
1ª. A réplica tem lugar quando na contestação o réu se defenda por excepção, quer esta seja apresentada nos termos do art. 488° do CPC quer por forma simples e muitas vezes escondida, mas que está prescrita no art. 487º nº 2 do CPC.
2ª. O requerido/recorrido invoca na réplica a existência de factos que a serem verdadeiros ou a terem o fundamento legal que se lhes pretende imprimir constituiriam causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito invocado pelas recorrentes/requerentes.
3ª. Nos autos, o requerido/recorrido defende-se, desde logo, por excepção, nomeadamente, ao invocar a existência de documentos (procurações), a propósito dos quais é alegado que existe no requerido uma vontade normal para o exercício, desde logo, dos poderes inerentes ao contrato de mandato com representação.
4ª. O Tribunal descurou uma análise criteriosa da defesa por excepção deduzida na contestação, o que é confirmado pela fundamentação genérica do mesmo despacho impugnado.
5ª. A decisão recorrida é nula, pois apesar de citar Ilustres mestres do Direito Processual Civil, não aplica o direito aos factos, limitando-se a afirmações genéricas, ainda que verdadeiras, mas desenquadradas dos factos que, assim, ficaram por analisar.
6ª. O despacho recorrido não decide sobre um único dos factos concreto alegados na contestação, ainda que não apresentados com a sistematização prescrita no art. 4880 do CPC, ou seja, não respeita a garantia constitucional da motivação consagrada na letra do art. 158 do CPC.
7ª. A decisão de desentranhamento da réplica viola também o princípio do contraditório e o princípio da economia processual porque a contestação contém questões às quais as autoras/recorrentes têm direito a responder, e porque foram juntos documentos na contestação, os quais foram impugnados na peça objecto de desentranhamento.
8a. Mesmo considerando, sem conceder, que não haveria lugar à réplica, nunca o referido articulado deveria ter sido objecto da decisão recorrida uma vez que o mesmo contém questões que a Meritíssima Juíza "a quo" não poderia nem pode deixar de apreciar.
9a. O julgador, mesmo concluindo pela total defesa por impugnação por banda do requerido, deveria limitar-se a considerar como "não escritas" as alegações da réplica que, em seu entender, não se enquadrassem no disposto nos art. 487° n° 2 (2a parte) e art. 502°, ambos do CPC, já que na resposta das aqui recorrentes consta a posição por estas tomada perante os documentos juntos pelo requerido na contestação.
10ª. A decisão de total desentranhamento da resposta das autoras retira dos autos a posição das mesmas perante os documentos, recusando desse modo, o exercício do contraditório e toma uma posição definitiva sobre factos novos alegados pelo requerido, julgando, por essa via, parcialmente, os autos, fora do despacho saneador, alterando, ou podendo alterar, desse modo, substancialmente, uma apreciação global e unitária de todos os factos e documentos.
11ª. Normas violadas: artigos 3°, 3°-A, 158° n° 2, 487° n° 2, 488º. 502º nº 1 e 510º nº 1 do CPC.

O requerido não apresentou contra-alegações.
Os Exmos Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos.

Em face das conclusões das agravantes, a questão central a dilucidar consiste em saber se o requerido contestou também por excepção e, consequentemente, se é admissível a réplica.
Importa, previamente, deixar esclarecido que o despacho recorrido não enferma da nulidade também arguida, uma vez que se mostra muito bem fundamentado de facto e de direito, como é patente, sendo que a discordância manifestada pelas agravantes consubstancia erro na aplicação do direito, por parte do tribunal "a quo", e não nulidade processual.
Para mais facilmente se percepcionar a razão da discordância das recorrentes, transcrevem-se os artigos da contestação que se entendem constituir defesa por excepção:
Quando o requerido tinha quarenta e sete anos de idade os seus pais conferiram-lhe todos os poderes necessários para, com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os bens deles, receber quaisquer importâncias em dinheiro, valores ou rendimentos certos ou eventuais, vencidos ou a vencer, que já lhes pertenciam ou que viessem a pertencer-lhes por qualquer via ou título, passar recibos e dar quitações, dar ou tomar de arrendamento quaisquer prédios de qualquer natureza, no todo ou em parte, pelos prazos, rendas e condições que entendesse convenientes, pagar e receber rendas, passar e assinar recibos, despedir e admitir inquilinos, renovar, prorrogar ou rescindir os respectivos contratos, para os representar junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, designadamente nas Repartições de Finanças, liquidar impostos ou contribuições, reclamar dos indevidos excessivos, receber títulos de anulação e as suas correspondentes importâncias, fazer manifestos, alterá-los ou cancelá-los, requerer avaliações fiscais e inscrições matriciais, apresentar reclamações de bens ou mapas de inquilinos, prestar quaisquer declarações complementares, proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos, representá-los em juízo, usando para o efeito de todos os poderes forenses em direito permitidos, podendo substabelecer esses poderes total ou parcialmente e devendo substituir-se por advogado ou procurador habilitado sempre que tivesse de estar em juízo - doc. nº 1 que se junta e dá por reproduzido.
Por óbito do pai do requerido sucederam ao mesmo, como seus únicos e universais herdeiros, o requerido e sua mãe.
5° (repetida a numeração)
Após esse óbito o requerido continuou a administrar todos os bens do acervo da herança assim aberta e a administrar os seus próprios bens.
De facto, desde há mais de vinte anos que o requerido é proprietário e possuidor de bens, móveis e imóveis.
A partir de Janeiro de 1988 foi o requerido quem administrou os seus bens e os de seus pais e quem programou os trabalhos e avanços culturais dos prédios rústicos.
E também foi ele quem sempre negociou os contratos de compra e venda de pastagens dos prédios rústicos e as rendas dos arrendamentos dos prédios urbanos, que igualmente sempre lhe têm sido pagas directamente e pelas quais sempre emitiu recibos.
Há cerca de meses, mais concretamente em 22.11.2004, portanto pouco antes de o contestante completar sessenta e quatro anos de idade, sua mãe constituiu-o seu bastante procurador e concedeu-lhe os poderes necessários para, com livre administração civil, ele reger e gerir todos os bens dela, dar ou tomar de arrendamento quaisquer prédios de qualquer natureza no todo ou em parte, pelos prazos rendas e condições que entendesse passar e assinar recibos, despedir inquilinos, renovar, prorrogar ou rescindir os respectivos contratos, receber quaisquer importâncias em dinheiro, valores ou rendimentos certos ou eventuais, vencidos ou vincendos, que lhe pertencessem por qualquer via ou título, passar recibos e dar quitações; nas Repartições de Finanças, Câmaras Municipais, Conservatórias do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos, e, também, poderes para vender ou prometer vender, no todo ou em parte, quaisquer prédios sitos no concelho de …, nos termos e condições que achasse convenientes, ajustar e receber preços, dar quitações, celebrar contratos promessa, passar recibos, outorgar e assinar as correspondentes escrituras, proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos junto das Conservatórias do Registo Predial, e de um modo geral, requerer, praticar e assinar tudo quanto necessário fosse aos indicados fins - doc. n° 2 que se junta e dá por reproduzido.
10º
O requerido foi sempre muito cioso dos seus bens, muito poupado e até conhecidamente pessoa muito "agarrada" aos seus bens e em especial ao seu dinheiro.

Vejamos, então:
Como se sabe, a contestação é a peça processual que permite ao réu - ou requerido - apresentar a sua defesa, respondendo à petição inicial, cabendo tanto a defesa por impugnação como por excepção (art. 4870 n° 1 CPC).
Dispõe o n° 2 do art. 487° do CPC que o réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
Assim, a defesa por impugnação é consensualmente considerada uma defesa directa, um ataque frontal ao pedido, contradizendo o réu, quer por negação directa (negação rotunda), quer por negação indirecta ou motivada (apresentação de uma versão diferente), os factos alegados pelo autor como constitutivos do seu direito, ou o efeito jurídico que deles pretende tirar o autor.
A defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição. Como escreveu Alberto dos Reis, o réu, para se defender, desloca-se para campo diverso daquele em que se encontra o autor e procura, por via transversal, obter o fracasso da acção (CPC anotado, vol. III, pg. 25).
Em muitos casos, a diferenciação da defesa por impugnação e por excepção não é de fácil percepção, como sucede na situação equacionado no presente recurso.
Crê-se, no entanto, que nos artigos da contestação anteriormente transcritos, o requerido alegou factos relativos ao seu percurso de vida demonstrativos da capacidade de administração de bens e interesses próprios e de seus pais, o que integra defesa por excepção, na medida em que são susceptíveis, no entendimento de quem os aduz, de afastar a pretensão das autoras de obter a inabilitação do requerido, por anomalia psíquica.

Assim, a réplica é de admitir, nos termos dos artigos 502° n° 1 (1ª parte) e 948° do CPC.
Deste modo, dando provimento ao agravo, acorda-se em revogar o despacho recorrido que mandou desentranhar a réplica das autoras.
Sem custas.
Évora, 28 de Junho de 2007