Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO BENTO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ASSEMBLEIA DE CREDORES RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
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Data do Acordão: | 01/24/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Em processo de insolvência, a deliberação da Assembleia de Credores de encerramento da empresa e liquidação da devedora não impede nem prejudica, por inutilidade, a marcação posterior de uma assembleia de credores para discutir e votar um plano de insolvência apresentado pela devedora, a menos que este pressuponha a continuação da actividade da empresa. II - Mesmo que não tenham reclamado créditos nos prazos legalmente definidos, os credores laborais não estão impedidos de o fazer ulteriormente, em sede de reclamação tardia, nos termos do art. 146° do CIRE, não tendo que ser especialmente notificados para o fazer. | ||
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Decisão Texto Integral: | * No Tribunal Judicial de … corre termos o processo de insolvência de “A” requerido pela própria devedora e no qual ela apresentou um plano de insolvência. PROCESSO Nº 3144/07 – 3 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * RELATÓRIO Na Assembleia de Credores foi deliberado, por maioria, o encerramento da empresa e a liquidação do respectivo património. Foi então requerido pela insolvente a notificação dos seus trabalhadores para virem aos autos apresentar a reclamação dos seus créditos, caso existam, uma vez que não o fizeram até à data por ser convicção da insolvente que o plano de recuperação por si apresentado seria viável. Posteriormente, foram proferidos despachos, um indeferindo este requerimento e o outro, convocando a assembleia de credores para 12-11-2007 a fim de discutir e votar a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora. Contra estes se insurge a devedora em agravo oportunamente interposto e alegado, sintetizando ela as razões da sua discordância nas seguintes conclusões: A) O despacho recorrido viola o sentido do art. 1º do CIRE e a própria conceptualização do processo de insolvência, ao marcar uma Assembleia de Credores quando estes já se pronunciaram anteriormente noutra Assembleia pela outra única opção existente em sede de processo de insolvência, ou seja a liquidação da entidade devedora e declarada insolvente, em geral por natureza incompatível na sua existência com um plano de insolvência. B) Por ter já sido devidamente decidido o encerramento e liquidação da insolvente na Assembleia de Credores do passado dia 20 de Setembro de 2007, torna-se pois materialmente desnecessária a reunião de Assembleia de Credores marcada pela Meritíssima Juíza a quo para o próximo dia 12 de Novembro, que, a manter-se, certamente não contribuirá para a clarificação deste processo de insolvência, desnecessariamente protelando as imagináveis e penosas consequências que um processo desta natureza sempre acarreta. C) A recusa da reclamação de créditos a apresentar por cada um dos trabalhadores, consignada no douto despacho, tem de ser entendida como não impedimento à apresentação por parte de cada um dos trabalhadores em causa de acção de verificação ulterior de créditos, nos termos do arte 146 do CIRE; Conclui, pedindo a anulação da marcação da Assembleia de Credores para 12-11-2007 e a confirmação da possibilidade de os trabalhadores recorrerem ao mecanismo da verificação ulterior de créditos. O MP contra-alegou, em defesa das decisões recorridas. Instruído o recurso, foram os respectivos autos remetidos a esta Relação. No despacho preliminar, foram dispensados os vistos. FUNDAMENTAÇÃO Deliberada em assembleia de credores o enceramento e a liquidação da empresa, as questões trazidas até esta Relação no presente agravo resumem-se a duas: - se se justifica a ulterior marcação de uma assembleia de credores para apreciar o plano de insolvência apresentado pela devedora; - se os credores laborais devem ser notificados para reclamarem os seus créditos. A 1ª instância respondeu afirmativamente àquela e negativamente a esta. A devedora insolvente insurge-se. 1 - Quanto à primeira, alega que o encerramento e a liquidação da empresa inviabiliza definitivamente a manutenção da sua exploração. Mas não tem razão. O art. 1º do CIRE define o processo de insolvência como um processo de execução universal destinado à liquidação do património de um devedor insolvente e à repartição do produto obtido pelos credores ou à satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente. A finalidade do processo de insolvência é, pois, sempre a satisfação dos credores, mas esta pode ser obtida pelas regras legais comuns, seja pela forma prevista num plano de insolvência. A satisfação dos credores pode ser alcançada por uma de duas vias alternativas, a saber: a liquidação universal do património do devedor, concretizada de acordo com o modelo supletivo definido na lei e consequente repartição do produto obtido pelos credores; ou pela forma prevista num plano de insolvência por eles aprovado, o qual, na expressão do art. 1º do CIRE pode, nomeadamente, basear-se na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (Cfr. Carvalho Fernandes, 1. Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. II, p. 37-38). Ao invés do que acontecia com as medidas de recuperação do CPEREF, o plano de insolvência, no domínio do CIRE, não constitui um mecanismo de recuperação de empresas, muito embora não exclua a possibilidade de, por via dele, se viabilizar tal recuperação. Com efeito, "é possível a adopção de um plano de insolvência que não integre a adopção de medidas tendentes a assegurar a continuidade da empresa, podendo, V.g., constituir simplesmente um esquema de liquidação da massa insolvente por um modo diferente do que se acha supletivamente fixado na lei". "Por outro lado, mesmo quando o plano se reconduz a uma ou a um conjunto de providências recuperatórias da empresa do devedor, elas revestem um carácter instrumental, enquanto meio predominantemente dirigido à realização dos interesses dos credores, e é em razão da sua apetência para alcançar esse objectivo que o próprio plano deve ser apreciado ... " (Cfr. ob. loco cit., negrito nosso). No caso em apreço, não obstante, a sociedade insolvente haver requerido a sua própria insolvência e apresentado um plano de insolvência, a assembleia de credores deliberou, por maioria, o encerramento do estabelecimento e a liquidação da empresa. Poderia deliberar a suspensão da liquidação e da partilha se cometesse ao administrador da insolvência o encargo de elaborar um plano de insolvência (art. 156° nº 3 CIRE). Contudo, nem tal deliberou nem cometeu ao administrador da insolvência esse encargo. O plano de insolvência contém o regulamento do pagamento dos créditos sobre a insolvência, da liquidação da massa insolvente e da sua repartição pelos credores e pelo devedor bem como da responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência; como tal derroga as normas do CIRE (art. 192° n0 1 do CIRE). "Ao lançar mão de um plano de insolvência como meio de auto-regulação de interesses, nos termos permitidos pela própria lei, os credores exercem, simplesmente, a faculdade que lhes é concedida de afastar, no caso concreto, o desencadeamento da solução supletiva legal, mas não abolem nem eliminam, ainda que parcialmente, nenhuma norma do Código., .. " (Cfr. ob. cit.p. 39). Tendo deliberado o encerramento e a liquidação da empresa, a assembleia não se pronunciou nem sobre o modo de liquidação nem sobre o modo de satisfação dos credores; e se estes podem ter lugar, segundo as normas supletivas do Código (no caso de nenhuma deliberação ser adoptada) também podem cumprir-se de harmonia com as regras constantes de plano de insolvência (que, segundo o despacho recorrido, teria sido apresentado pela insolvente e cujos termos nestes autos de recurso se desconhecem). A menos que, subjacente a tal plano, estivesse pressuposta a manutenção da laboração da empresa .... (o que igualmente também se desconhece). Daí, em princípio, a pertinência da convocação da assembleia de credores para apreciar e deliberar sobre este. 2 - Quanto à segunda questão: Entendendo prejudicada a viabilidade do plano de recuperação apresentado pela deliberação tomada pela assembleia de credores de encerramento e liquidação e justificando com a suposição dessa viabilidade a ausência de reclamações de créditos pelos seus trabalhadores, requereu a insolvente a notificação destes para reclamarem os seus créditos, o que foi indeferido. Sem atacar directamente a decisão, a insolvente pretende salvaguardar a possibilidade de reclamação ulterior de créditos oportunamente não reclamados, cujos pressupostos e requisitos constam do art. 146° do CIRE. A decisão recorrida, porém, não se pronunciou - nem tinha que se pronunciar - sobre esta questão: o que foi pedido foi a notificação dos credores laborais para reclamarem os seus créditos e o que foi decidido foi o indeferimento de tal requerimento por falta de suporte legal para tal notificação ad-hoc. Tudo o mais seria informação e aconselhamento jurídico vedado ao Tribunal. Mas se no despacho recorrido se escreveu: "Findos os prazos supra referidos apenas é possível reconhecer outros créditos por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor e a intentar nos termos do disposto no artigo 1460 do CIRE”, que mais pretende a recorrente? Pelo exposto, improcedem as conclusões do agravo. Em síntese: I - Em processo de insolvência, a deliberação da Assembleia de Credores de encerramento da empresa e liquidação da devedora não impede nem prejudica, por inutilidade, a marcação posterior de uma assembleia de credores para discutir e votar um plano de insolvência apresentado pela devedora, a menos que este pressuponha a continuação da actividade da empresa. II - Mesmo que não tenham reclamado créditos nos prazos legalmente definidos, os credores laborais não estão impedidos de o fazer ulteriormente, em sede de reclamação tardia, nos termos do art. 146° do CIRE, não tendo que ser especialmente notificados para o fazer. ACÓRDÃO Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao agravo e em confirmar o despacho recorrido. Custas pela massa insolvente. Évora e Tribunal da Relação, 24/01/2008 |