Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1288/21.9T8STR.E1
Relator: MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
SOCIEDADE COMERCIAL
OBJECTO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
LITERALIDADE
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Em caso de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, as custas serão sempre da responsabilidade do A., salvo nas circunstâncias a que alude o artigo 536.º, n.os 1 e 2, do CPC ou quando seja possível concluir que a impossibilidade ou inutilidade é imputável ao réu;
- O objeto de uma sociedade comercial corresponde às atividades económicas concretas e claramente definidas, de natureza comercial, que os sócios pretendem desenvolver por meio da sociedade e que estão identificadas no ato da sua constituição.
- A interpretação de um ato de constituição de sociedade está sujeita às regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos, previstas no artigo 236.º e seguintes do CC;
- Só quando o sentido literal das cláusulas for duvidoso, pode adotar-se uma interpretação mais restrita ou mais ampla, conforme resulte da vontade presumível dos sócios.
- Um acordo parassocial, podendo ser um elemento relevante na interpretação do pacto, não tem a virtualidade de limitar ou contrariar o ato de constituição da sociedade, designadamente quanto à definição do objeto social.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1288/21.9T8STR.E1 – Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 1
Recorrente – ENDESA GENERACIÓN, S.A.
Recorrida – TEJO ENERGIA – PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELECTRICA, S.A.
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Sumário: (…)

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Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO
“Endesa Generación, S.A.” instaurou contra “Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.” ação de processo comum.
Pede que:
1) Seja judicialmente declarado que o objeto social da Ré é a exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego.
2) Seja judicialmente declarado que os atos praticados pela administração da Ré com o objetivo de implementar a produção de energia elétrica a partir de outra fonte que não o carvão são inválidos ou, pelo menos, ineficazes.
3) Seja judicialmente declarado que com o fim do contrato de aquisição de energia (CAE) e a extinção da licença de produção, em 30.11.2021, e na ausência de acordo entre os acionistas quanto a uma nova atividade da Ré, a mesma dissolver-se-á automaticamente, pela realização completa do objeto contratual, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais.
4) Seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora e condenando-se a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000, a título de reservas distribuíveis.
Subsidiariamente, que
a) – sejam declarados nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta de distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis, do ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou,
Ainda, subsidiariamente, que
b) – seja declarada nula ou anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis – e condenada a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.
5) Sejam declarados nulos os votos emitidos pelas acionistas TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta de dissolução da Ré, constante do ponto 3 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, subsidiariamente, declarada nula ou (subsidiariamente) anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 3 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a dissolução da Ré.
6) Complementarmente, seja determinada a alteração da matrícula da Ré no sentido de dela passar a constar que o seu objeto é, como referido, a exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego.

Para fundamentar os pedidos supra identificados em 1 a 3 e 6, alega que a Ré nasceu de uma joint venture, constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, sendo que essa foi a única atividade da Ré desde 1993 e ao longo de quase 30 anos, tendo os acionistas sempre entendido que o objeto social da Ré estaria limitado a tal propósito. Considera, consequentemente que o termo do Contrato de Aquisição de Energia determina a realização integral do objeto social da Ré que, por isso, não poderá dedicar-se a outra atividade, nomeadamente a produção de eletricidade a partir da biomassa, e bem assim que se verificou a instrumentalização da Ré, por parte do acionista maioritário, tendo em vista a alteração do objeto social, contra a vontade da Autora, impondo-lhe a participação e investimento num projeto que não pretende.
Para fundamentar os pedidos constantes supra identificados em 4 (a e b) e 5, considera que as deliberações em causa são contrárias ao objeto social da Ré, tendo sido tomadas em manifesto abuso de direito (atenta a invocada instrumentalização da Ré, por parte do acionista maioritário), sendo que os direitos de voto pela acionista maioritária, pela TrustEnergy, S.A. e por (…), foram também exercidos em violação dos estatutos da Ré, da lei e dos limites da boa fé.

A Ré contestou.
Em síntese, considera que o objeto social da Ré não se limita apenas à produção de energia elétrica a carvão, e que esta não age somente em execução do CAE, sendo que desde 2005 que prossegue outras atividades com as quais os acionistas (incluindo a aqui Autora) concordaram.
Sustenta que os votos exercidos pela acionista maioritária na reunião da Assembleia Geral de 23.04.2021, vão no sentido de garantir que a Ré não seria colocada na posição de incumprir as suas obrigações presentes e futuras, não é descapitalizada nem são tomadas decisões com impactos relevantes que destruam todos os atos e o investimento da Ré na sua continuidade operacional após a cessação do CAE. Afirma que a Administração da Ré tem competência, ao abrigo da lei e dos Estatutos, para implementar todas as medidas necessárias a prosseguir a produção de energia elétrica a partir de outra fonte que não o carvão, não sendo tais atos inválidos ou ineficazes, não tendo, por isso, a deliberação de distribuição de reservas sido aprovada em violação da lei ou dos estatutos nem tendo um conteúdo abusivo. Do mesmo modo, a deliberação de não dissolução da Ré não padece de qualquer vício, não tendo sido aprovada em violação da lei ou dos estatutos nem tendo um conteúdo abusivo. Alega ainda que não é legalmente admissível a conversão judicial de propostas de deliberação rejeitadas pelos acionistas em deliberações adotadas.
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APENSO C
“Endesa Generación, S.A.” intentou ainda, em 11.06.2021, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra “Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.”, pedindo que:
1) seja declarada nula, ou, subsidiariamente, seja anulada a deliberação aprovada no conselho de administração da Ré de 01.06.2021 no sentido de :
(i) ser por esta requerida a emissão de licença de produção para alteração de combustível de carvão para biomassa;
(ii) continuar a mesma a desenvolver as ações e estudos necessários para desenvolver um projeto estratégico e integrado em linha com as políticas de transição energética;
(iii) passar à TrustEnergy todos os custos decorrentes do que antecede.
2) seja declarada nulo, ou pelo menos ineficaz, o pedido de atribuição de licença de produção para a central termoeléctrica do Pego, por alteração de combustível de carvão para biomassa instruído pela Ré em 02.06.2021 junto da Direcção-Geral de Energia e Geologia e qualquer ato que venha a ser praticado neste processo ou para execução da deliberação impugnada, prevista no ponto 1.

Em síntese, alega que na ausência de acordo unânime dos seus acionistas quanto à sua continuidade depois da cessação do CAE, a Ré não pode continuar a prosseguir a sua atividade de produção de energia elétrica. O objeto social da Ré cinge-se à atividade de produção de energia elétrica a carvão, pelo que a prossecução da atividade pela Ré configura uma alteração material dessa atividade, matéria que só poderia ter sido deliberada pela assembleia geral, violando as normas de atribuição de competências dos órgãos societários e sendo, em qualquer caso, abusiva, por contrária aos deveres de lealdade e princípios de boa-fé que regem a conduta dos administradores.

A Ré contestou. Defende que as deliberações adotadas pelo Conselho de Administração da Ré em 01.06.2021 não padecem de qualquer vicio, uma vez que este tem plena competência, ao abrigo da lei e dos Estatutos, para a deliberar sobre as matérias que constituem seu objeto, sendo que tais deliberações apenas visam obter o licenciamento da Ré para a continuação da sua atividade produtiva, através de um combustível diverso cuja utilização é permitida pela infraestrutura produtiva da Ré sem necessidade de alterações de monta, e garantir que a Ré está na posse de todos os elementos que sejam necessários para a sua continuidade após o termo do CAE, sem com isso sequer afetar patrimonialmente a acionista, Autora. Argumenta que a primeira deliberação relativa ao pedido de licenciamento tem por objetivo salvaguardar o mais relevante ativo da Ré – o ponto de ligação à rede –, sem o qual todos os seus demais ativos (com destaque para a infraestrutura produtiva e os terrenos) se desvalorizariam relevantemente. Ao deliberar como deliberou, o Conselho de Administração limitou-se a respeitar a vontade dos acionistas – não dissolver a Ré – e a salvaguardar o interesse social, os ativos da Ré, bem como a posição de todos os seus stakeholders, sempre dentro dos limites do objeto social e da sua competência, não existindo nenhum preceito legal que determine (ou sequer permita, sem que o Conselho de Administração o solicite) a intervenção da Assembleia Geral nesta matéria de gestão.
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APENSO B
“Endesa Generación, S.A.” intentou ainda, em 06.09.2021, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra “Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.”, pedindo que seja:
1) declarada nula, ou, subsidiariamente, seja anulada a deliberação aprovada na sessão de 05.08.2021 da assembleia geral anual da Ré, no ponto 5 da ordem de trabalhos, de redução do conselho de administração a seis membros e eleição dos seis administradores (…), (…), (…), (…), (…) e (…).

Em síntese, alega ter direito, por estar estipulado em acordo parassocial, a indicar um administrador por cada porção inteira de 10% do capital social da Ré que detém, sendo que a acionista maioritária a afastou da administração da Ré, sem motivo ou justificação atendível, revelando o seu plano de tomar a Ré e colocá-la ao serviço dos seus exclusivos interesses, forçando a Autora a seguir esse mesmo plano ou sair da sociedade, sob pena de ter que manter o seu investimento na sociedade sem conseguir ter qualquer influência na respetiva gestão. Diz que a deliberação é nula, ou pelo menos anulável na medida em que é abusiva por contrária aos princípios de boa-fé e aos deveres de lealdade dos acionistas e por ser apropriada ao propósito de atribuir à acionista maioritária que a tomou uma vantagem especial, em prejuízo da Ré e da Autora.

A R. contestou. Afirma que não existe qualquer direito à indicação de membros do Conselho de Administração, uma vez que tal não resulta nem da lei nem dos Estatutos da Ré. O facto de a Autora ter tido a oportunidade de indicar administradores em mandatos anteriores não o suporta e o Acordo Parassocial, além de irrelevante e inoponível à Ré, encontra-se suspenso e sujeito a arbitragem, o que sempre determinaria a incompetência absoluta deste Tribunal a esse respeito.
Mais alega que a acionista maioritária apresentou uma justificação para a rejeição da proposta da Autora quanto à composição do Conselho de Administração, pelo que os votos emitidos que aprovaram a deliberação em apreciação foram no sentido de garantir que a R. não se veria na contingência de ter um Conselho de Administração composto por membros cuja atuação (como sucedeu no mandato anterior) não se oriente pela prossecução dos melhores interesses da Ré e dos seus stakeholders.

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APENSO D
“Endesa Generación, S.A.” intentou também, em 16.02.2022, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra “Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.”, pedindo que sejam:
1) Declaradas nulas, ou, subsidiariamente, sejam anuladas as deliberações aprovadas na reunião do conselho de administração de 17.01.2022, nos dois pontos da ordem de trabalhos, que são no seguinte sentido, sumariamente:
- apresentação pela Ré da proposta no concurso público para atribuição de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público de eletricidade no Pego (ponto 1 da ordem de trabalhos);
- constituição de um depósito caução no montante de € 2.450.000,00 a favor do Estado Português no âmbito daquele concurso (ponto 2 da ordem de trabalhos).
2) Declarados nulos, ou pelo menos ineficazes, a candidatura da Ré ao concurso público para atribuição do ponto de rede elétrica do Pego e qualquer ato que foi ou venha a ser praticado pela Ré nesse concurso para execução da deliberação impugnada, prevista no ponto 1.

Em síntese, no seguimento do que alega nas restantes ações, considera que na ausência de acordo unânime dos seus acionistas quanto à sua continuidade depois da cessação do CAE, a Ré não pode continuar a prosseguir a sua atividade de produção de energia elétrica, O objeto social da Ré cinge-se à atividade de produção de energia elétrica a carvão, pelo que qualquer ato praticado após 30 de novembro de 2021 pela Ré que não caiba no plano de desmantelamento e desativação da central, para além de violar o objeto social, extravasa manifestamente os poderes do conselho de administração. Do mesmo modo, o exercício dos votos dos administradores, e as consequentes deliberações de apresentação da Ré a concurso e prestação de caução para o efeito violam os deveres de lealdade impostos pelo artigo 64.º do CSC e enfermam de abuso de direito por manifesta violação dos limites impostos pela boa fé, incluindo os respeitantes à tutela da confiança.

A Ré contestou. Sustenta que as deliberações adotadas pelo Conselho de Administração e o sentido dos votos que as sustentaram, são plenamente justificados pelas circunstâncias da Ré, não tendo esta violado nem a lei nem os Estatutos.
Alega que o Conselho de Administração da Ré tem competência para adotar as deliberações em crise, que a adoção de tais deliberações corresponde ao estrito cumprimento dos deveres fiduciários dos administradores e que, em todo o caso, nunca poderiam os atos de execução de tais deliberações (a apresentação de candidatura no concurso e a prestação de caução) ser invalidados (ou declarados ineficazes).

Por despachos transitados em julgado, foi determinada a apensação de todas as ações acima indicadas.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que:
- Quanto ao processo principal
1) Declarou a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, quanto aos pedidos de que:
(a) - Seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis e condenando-se a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. Subsidiariamente,
(b) – Sejam declarados nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, ainda subsidiariamente,
(c) seja declarada nula ou anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis.
(d) – seja condenada a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.

- Quanto ao apenso B
2) Declarou a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, quanto ao pedido de que seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada na sessão de 05.08.2021 da assembleia geral anual da Ré, no ponto 5 da ordem de trabalhos, de redução do conselho de administração a seis membros e eleição dos seis administradores (…), (…), (…), (…), (…) e (…).

- Quanto ao processo principal e aos apensos C e D,
3) Julgou totalmente improcedentes os restantes pedidos deduzidos no processo principal e nos apensos C e D, absolvendo-se a Ré do peticionado.

4) Condenou a Autora no pagamento das custas processuais respeitantes aos apensos C e D – artigo 527.º do CPC.
5) Condenou a Autora no pagamento das custas processuais respeitantes ao apenso B – artigo 536.º, n.º 3, do CPC.
6) Condenou a Autora no pagamento das custas processuais respeitantes ao processo principal – artigos 527.º e 536.º, n.º 3, do CPC.
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A Autora, inconformada com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
I. O presente recurso tem como objeto as decisões referidas nas alíneas 3) a 6) da Decisão proferida pelo Tribunal a quo, ou seja, as decisões de mérito e consequente atribuição de custas nos autos principais (exceto quanto ao pedido referido na alínea 1) – pedido 4 da petição inicial), no Apenso C e no Apenso D, II. e contém um pedido de reforma quanto à decisão de custas decorrentes da inutilidade superveniente da lide nos autos principais e no Apenso B, referidas nas alíneas 5) e 6) da decisão recorrida.
III. A Recorrente conforma-se, assim, com as decisões de inutilidade superveniente da lide constantes das alíneas 1) da decisão recorrida, quanto ao pedido 4) dos autos principais, e 2) da decisão recorrida, relativa ao apenso B.
IV. Porém, a Recorrente não se conforma com a decisão de atribuição das custas a seu cargo decorrente da inutilidade superveniente do pedido 4) dos autos principais, tomada ao abrigo do artigo 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (alínea 6) da Decisão da sentença recorrida).
V. Ao remeter para o referido artigo 536.º, n.º 3, o Tribunal a quo estará a aplicar a primeira parte da norma, enquanto a Recorrente entende que se aplica a segunda parte, pois a inutilidade decorre de facto integralmente praticado pela Ré, aqui Recorrida: a distribuição de € 17.323.000,00 ocorreu em 16 de julho de 2021, quase três meses depois da assembleia geral que é objeto dos autos principais e cerca de dois meses após a entrada da petição inicial (de 14 de maio de 2021), e foi realizada pela Recorrida. O facto relevante, que determinou a inutilidade da lide, foi praticado pela sociedade Recorrida, e só à mesma pode ser imputável.
VI. A distribuição superveniente das reservas tem um cariz semelhante ao cumprimento voluntário da obrigação previsto no n.º 4 do artigo 536.º do Código de Processo Civil, que resulta igualmente na regra de que o Réu suporta as custas.
VII. Subsidiariamente, mesmo que se considerasse não ser a inutilidade imputável à Recorrida, deveria aplicar-se o n.º 1 do mesmo artigo 536.º, que determina a repartição de custas em partes iguais.
VIII. Não é admissível imputar as consequências económicas da inutilidade superveniente da lide à Recorrente, que votou contra a deliberação de 16 de julho de 2021 (que determinou essa inutilidade), por não concordar com o pressuposto de continuidade que presidiu à aprovação das contas subjacente à distribuição aos acionistas (factos provados 142 e 144).
IX. O pedido declarado inútil corresponde ao valor de € 18.800.000, a totalidade do valor atribuído à causa. Desconsiderando esse pedido, teria sido atribuída à causa o valor de € 30.000,01, o mesmo valor que foi atribuído a cada uma das ações apensadas e que representa menos de 1% do primeiro valor, não tendo expressão.
X. Assim, deve ser revogada a decisão quanto a custas quanto ao pedido identificado sob a alínea 4) do processo principal (pág. 1 da sentença recorrida), constante da alínea 6) da última página da sentença recorrida, sendo a decisão de custas substituída por outra que atribua à Recorrente a responsabilidade pelas custas nos autos principais apenas na parte em que decaiu, isto é, apenas nos pedidos sob as alíneas 1) a 3), 5) e 6), tudo sem prejuízo do recurso que se interpõe da decisão sobre os mesmos.
XI. Subsidiariamente, devem as custas ser repartidas em partes iguais, tudo sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente requerida a 3 de setembro de 2024 nos autos principais.
XII. A Recorrente também não se conforma com a decisão de atribuição das custas a seu cargo decorrente da inutilidade superveniente dos pedidos formulados no apenso B, tomada ao abrigo do artigo 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (alínea 5) da Decisão na sentença recorrida).
XIII. A inutilidade da lide resultou de o mero decorrer do tempo, sendo irrelevante saber se a composição do conselho de administração posterior ao período do ano de 2021 foi ou não impugnada. A inutilidade apontada surge do mero facto de atualmente o período em causa já ter cessado. Mesmo que a composição do conselho de administração fosse a mesma hoje, já estaria em causa outro período, com outra deliberação de nomeação.
XIV. Assim, a inutilidade não é imputável a qualquer das partes. Deve aplicar-se o artigo 536.º, n.º 1, que determina a repartição de custas em partes iguais, em vez do 536.º, n.º 3, Cód. Processo Civil referido na alínea 5) da Decisão da sentença recorrida.
XV. E ser revogada a decisão quanto a custas quanto ao apenso B, constante da alínea 5) da última página da sentença recorrida, sendo a mesma substituída por decisão que condene em custas ambas as partes, em partes iguais.
XVI. O Tribunal a quo julgou erradamente matéria de facto que, sendo julgada provada, como a Recorrente defende, determina a procedência dos pedidos 1) a 3), 5) e 6) dos autos principais e de todos os pedidos dos Apenso C e D.
XVII. Nas decisões tomadas, o Tribunal a quo desviou-se do essencial: a falta de consenso acionista para alterar o escopo e a atividade estruturais da Recorrida, para mudar o investimento comum que as acionistas, concorrentes entre si, fizeram na Recorrida.
XVIII. O Tribunal decidiu manter vivo um casco jurídico, assente na literalidade de um pacto social standard, em detrimento da vontade dos acionistas que presidiu à formação, e que determina o destino, da Recorrida, em prejuízo da Recorrente, que se vê presa aos desígnios que a sócia maioritária, sua concorrente no mercado da energia, ditará para esse caso jurídico.
XIX. A causa de pedir das quatro ações não se relaciona apenas com a interpretação do objeto social, mas com aquilo que foi o acordo dos acionistas ao longo da vida da sociedade Recorrida e a efetiva atividade da mesma, bem como o conhecimento de todos estes aspetos pelo conselho de administração.
XX. O Tribunal a quo também não teve em devida conta o teor de meios de prova relevantes, como o acordo parassocial existente nos autos e que consubstancia a joint venture Recorrida, e desconsiderou completamente todos os depoimentos prestados na audiência, por os considerar subjetivos e defensivos, o que não tem fundamento.
XXI. Todas as testemunhas arroladas pela Recorrente depuseram com serenidade e objetividade, respondendo às perguntas que lhe foram colocadas pelos advogados de ambas as partes e pelo Tribunal.
XXII. Ao contrário do que o Tribunal a quo aponta, não é, de forma alguma, anormal que o teor dos depoimentos das testemunhas seja coincidente com a factualidade vertida nos articulados.
XXIII. Tendo erradamente desconsiderado a prova testemunhal, e justificando a decisão essencialmente numa suposta falta de prova documental que também é errónea, o Tribunal a quo deu erradamente como não provados quatro grupos de factos nucleares:
(i) a Recorrida é uma joint venture exclusivamente para a produção de energia através do carvão (factos não provados a) e f));
(ii) o objeto social dos estatutos da Recorrida tem uma letra mais ampla do que objeto que os acionistas acordaram, que era a de produção de energia através do carvão, prevendo a dissolução da Recorrida após a conclusão desse projeto empresarial (factos não provados b) a e) e j));
(iii) o acordo parassocial foi celebrado entre todos os acionistas da Recorrida (ou seja, é um acordo omnilateral) e a TrustEnergy SGPS, S.A. e (…) atuam por conta e seguindo instruções da acionista TrustEnergy, B.V., relativamente à qual não têm autonomia (factos não provados g) e h)); e
(iv) a acionista maioritária pretende iniciar na Recorrida um projeto de outra fonte de energia que não o carvão, capturando os capitais da Recorrida e deixando-a sem as prerrogativas do acordo parassocial (facto não provado k)).
XXIV. Quanto à existência da joint-venture, o Tribunal a quo deu os factos a) e f) como não provados por não ter sido junta prova documental da existência de tal joint venture.
XXV. Está provado que são/foram partes do acordo parassocial as entidades referidas no facto f) – cfr. o vertido nos factos provados 13, 14 e 47 a 48 da sentença recorrida.
Assim, o que o Tribunal (erroneamente) não julgou provado é que estas empresas constituíram, concretamente nos termos regulados nesse acordo parassocial, uma joint venture.
XXVI. O contrato de joint venture não é um contrato formal e não tem de ser reduzido a escrito, nem nos termos da lei, nem segundo os usos comerciais.
XXVII. Em qualquer caso, a existência da joint venture Recorrida e os termos que a regem têm suporte documental: (i) na carta com papel timbrado da joint venture junta como Doc. 48 da petição inicial do Apenso D; (ii) no acordo parassocial, junto como Doc. 4 com a petição inicial do Apenso D, que contém disposições de regulação dessa joint venture (cfr. os factos provados 14 a 18 e 49 e as cláusulas 1.1, 6.1 a 6.5, 7.1, 7.2 e 10 do acordo parassocial) e (iii) no contrato de aquisição de energia, em que fundou a atividade da Recorrida e para o qual a Recorrida operava (cfr. factos provados 26 a 30), entre outros sobre a atividade da Recorrida, de produção de energia a partir do carvão, a que se referem os factos provados 19 a 39, e a licença vinculada de produção a que respeitam os factos provados 40 a 45.
XXVIII. Devem ser considerados provados os factos constantes das alíneas a) e f) do elenco de factos não provados, louvando-se a Recorrente nos seguintes meios probatórios: (i) nos documentos 4 e 48 juntos com a petição inicial do Apenso D e 6 e 9 juntos com a petição inicial do Apenso B; no contrato de aquisição de energia – factos provados 26 a 30 – e na licença vinculada; (ii) nos depoimentos das seguintes testemunhas: (…), na sessão de julgamento de 14 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:02:57 a 00:10:10 da gravação; (…), na sessão de julgamento de 31 de janeiro de 2024, aos minutos 00:05:53 a 00:14:32 da gravação; (…), na sessão de julgamento de 7 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:04:06 e seguintes, 00:06:41 e seguintes, 00:12:21 e seguintes e 00:18:00 e seguintes da gravação; (iii) ao que acresce que nenhuma testemunha, nem a representante da Recorrida, negaram a existência da joint venture.
XXIX. O Tribunal a quo julgou não provado um acervo de factos relativos ao escopo do objeto social e da atividade da Recorrida pretendidos pelos acionistas e a intenção dos mesmos de dissolver a Recorrida após a cessação da atividade da mesma de produção de energia através do carvão: factos constantes das alíneas b), c), d), e) e j) do elenco de factos não provados da sentença recorrida.
XXX. A decisão de julgar esses como não provados assentou na alegada inexistência de prova documental e na desconsideração de qualquer prova testemunhal e por se terem perspetivado outras atividades, o que não tem fundamento.
XXXI. Resultou da prova documental produzida, concretamente de atas do conselho de administração da Recorrida, que qualquer solução que passasse pela continuação da atividade da Recorrida após novembro de 2021 teria de ser objeto de acordo prévio dos acionistas.
XXXII. Face à prova documental e testemunhal produzida (i) nos documentos 14 a 17 juntos com a petição inicial do Apenso D; (ii) nos depoimentos das seguintes testemunhas: (…), na sessão de julgamento de 24 de janeiro de 2024, aos 00:44:37 a 00:48:49 minutos; (…), na sessão de julgamento de 7 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:25:27 e seguintes; e (…), na sessão de julgamento de 31 de janeiro de 2024, aos minutos 00:15:27 a 00:22:12, 00:34:52 a 00:41:23 e 01:33:00 a 01:39:56, devem ser considerados provados os factos constantes das alíneas b), c), d), e) e j) do elenco de factos não provados da sentença recorrida.
XXXIII. E deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto: “historicamente foi sempre claro tanto para os acionistas como para os administradores da Recorrida que qualquer solução que uma nova atividade da Recorrida após novembro de 2021 teria de ser objeto de acordo prévio dos acionistas”, como alegado nas petições iniciais (117º a 133º do Apenso B e 47º a 58º do Apenso D) e dos artigos 38º do requerimento de 27.9.2021 nos autos principais (ref.ª Citius 8051097) e 41º do requerimento de 4.10.2021 no Apenso C (ref.ª Citius 8071824).
XXXIV. O facto a aditar é relevante para a decisão da causa porque respeita ao conhecimento que não só os acionistas, como o conselho de administração, tinham da necessidade de consenso acionista e do consequente desrespeito dos deveres de diligência e boa-fé do conselho de administração (matéria relevante para todos os processos, incluindo os apensos C e D).
XXXV. O Tribunal a quo julgou não provados os factos g) e h), respeitantes ao acordo parassocial celebrado pelas acionistas da Recorrida e à atuação das acionistas TrustEnergy SGPS, S.A. e (…), que atuam por conta e seguindo instruções da acionista TrustEnergy, B.V., matéria esta com relevância para aferir do caráter omnilateral do referido acordo. O Tribunal assim concluiu por ter valorizado as participações singulares na Recorrida, o que é completamente infundado.
XXXVI. À data da celebração do acordo parassocial (10 de novembro de 2023, cfr. factos provados 12 e 14), a Recorrida tinha cinco acionistas, elencados no facto 7 (ii) provado. O acordo parassocial foi subscrito por 4 acionistas (as acionistas pessoas coletivas, cfr. facto provado 14 e Doc. 4 junto com a petição inicial dos autos principais).
XXXVII. A existência de uma ação singular, com esta expressão insignificante, tratou-se de um mecanismo que visou apenas a função de cumprimento do número legal mínimo de acionistas – que nos termos do artigo 273.º do Código Sociedades Comerciais é de cinco – sem, contudo, corresponder a uma efetiva assunção da qualidade de sócio.
XXXVIII. Essa ação singular, tanto inicialmente como após transmissão a outros titulares, esteve sempre associada a uma acionista pessoa coletiva, conforme resulta do anexo I do acordo entre acionistas, no qual a participação de 1 ação do referido (…) aparece junta com a da acionista National Power e entre parêntesis (cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial dos autos principais).
XXXIX. Apesar das cessões de participações sociais detidas pelas acionistas no capital social da Recorrida, bem como as respetivas posições contratuais no acordo parassocial (factos provados 7 e 47), como resulta dos factos provado 7, alínea (xii) e 49, a Recorrente e a TrustEnergy, B.V. mantêm-se vinculadas ao acordo parassocial, sem que este tenha sofrido qualquer alteração desde a data da sua subscrição (10 de novembro de 1993).
XL. A própria (…) afirmou que a sua qualidade de titular de uma ação era inerente ao cargo que assumiu de administradora e que deixará de ser quando em 2024 deixar esse mesmo cargo.
XLI. Também resulta dos documentos juntos aos autos que as acionistas TrustEnergy, S.A. e (…), titulares de 1 ação cada uma, sempre votaram no mesmo sentido, incluindo da ata da assembleia geral de 23 de abril de 2021, junta como Doc. 35 da petição inicial do Apenso D.
XLII. Assim, devem ser considerados provados os factos constantes das alíneas g) e h) da sentença recorrida, de acordo com os seguintes meios probatórios: (i) doc. 4 junto com a petição inicial apresentada nos autos principais; (ii) documento 35 da petição inicial do Apenso D; (iii) declarações de parte de (…), na sessão de julgamento de 3 de abril de 2024, aos minutos 01:19:55 a 01:20:50; (iv) depoimento da testemunha (…), na sessão de julgamento de 7 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:12:21 e segs..
XLIII. O Tribunal a quo deu como não provado o facto constante da alínea k) do elenco de factos não provados, relativo ao propósito da acionista maioritária TrustEnergy, B.V., por considerar que não foi apresentada prova testemunhal (tendo em conta que o Tribunal desconsiderou todos os depoimentos), nem documental sobre estes factos.
XLIV. Esse facto reúne conclusões de outros factos já considerados provados: (i) do vertido no facto provado 124, 133, 135, 170 e 178, fica patente que a TrustEnergy, B.V. pretende usar a Recorrida para desenvolver a produção de energia através de biomassa; (ii) do vertido no facto provado 18, resulta que o acordo parassocial vigorou até novembro de 2021, o que significa que a partir dessa data a Recorrente perde os direitos de voto, indicação de administradores outros sobre o destino da Recorrida previstos no facto provado 17, entre outros descritos no Doc. 4 junto com a petição inicial dos autos principais; (iii) do vertido nos factos provados 124 e 125 resulta que a alternativa da Recorrente, dada pela acionista TrustEnergy, B.V., seria vender a sua participação ao preço de liquidação, ficando a TrustEnergy, B.V. com o direito de usar o “casco jurídico” da Recorrida, nomeadamente concorrendo contra a Recorrida com o ativo e condições da Recorrida para as quais a própria Recorrente contribuiu (como fez, quando se apresentou a concurso – facto provado 170), ao “desbarato”, ou seja, sem que a Recorrida por tal fosse minimamente compensada.
XLV. Não obstante se admitir que se está perante um facto conclusivo e na medida em que o Tribunal ad quem o considere relevante, deve ser considerado provado o facto constante da alínea k) da sentença recorrida pelo mesmo decorrer e estar em coerência com os factos provados 18, 124, 125, 133, 135, 170 e 178 da sentença recorrida.
XLVI. Atenta a respetiva relevância para a decisão da causa, devem também ser aditados à matéria de facto provada constante da sentença recorrida seis factos:
XLVII. Consta da matéria provada as cláusulas de vigência do contrato de aquisição de energia e que com este contrato cessam os demais (factos provados 28 a 30 e 165).
XLVIII. Para melhor clareza, deve ser aditado ao elenco de factos provados o seguinte: “O contrato de aquisição de energia terminou a sua vigência no dia 30 de Novembro de 2021, data em que cessou também a licença de produção”.
XLIX. Este facto está aceite por acordo (artigo 112.º da petição inicial e artigo 26.º ii) da contestação, ambos do Apenso B) e é relevante para a decisão da causa, uma vez que o contrato de aquisição de energia é o contrato fundamental para a atividade da joint-venture Recorrida.
L. A falta de acordo sobre o futuro das relações entre acionistas na Recorrida – e especificamente as recusas da acionista maioritária em chegar a tal acordo – é mencionada em vários pontos do elenco de factos provados, incluindo os 100 a 102.
LI. Devem ser aditados ao elenco da matéria provada, autonomamente, os seguintes factos, no seguimento do facto 102, por revelarem a intenção da acionista TrustEnergy de subjugar a Recorrida aos seus interesses e gestão exclusivos e a má-fé e o abuso dessa acionista e dos administradores pela mesma indicados nas decisões tomadas nos órgãos sociais da Recorrida e, nessa medida, serem relevantes para a decisão da causa: (i) “A acionista TrustEnergy nunca aceitou verdadeiramente discutir a relação acionista futura, como parte destas negociações”; (ii) “A TrustEnergy rejeitou as negociações entre as equipas jurídicas e eliminou sistematicamente todas as referências propostas pela Autora relativas à necessidade de alcançar um acordo mútuo sobre o futuro da sua relação enquanto acionistas da Ré”, LII. factos estes que resultam provados dos: (i) Doc. 40 da petição inicial do Apenso B (email enviado pela Recorrente à TrustEnergy em 14 de janeiro de 2021); (ii) depoimentos das testemunhas … (sessão de julgamento de 7 de fevereiro 2024, aos minutos 02:04:32 e seguintes e 02:06:51 e seguintes ) e … (sessão de 31 de janeiro de 2024, aos minutos 01:00:19 a 01:09:46); e (iii) depoimento da testemunha … (sessão de julgamento de 13 de março de 2024, aos minutos 00:37:56 e seguintes e 00:39:32 e seguintes).
LIII. Há também um acervo de factos sobre os processos e procedimentos administrativos que são relevantes para a decisão da causa pois revelam que o entendimento dos tribunais sobre os processos referidos na sentença recorrida, e por isso também relevantes para este Tribunal, é coincidente com o da Recorrente.
Nomeadamente, os tribunais entenderam que a Recorrida tinha uma licença vinculada e não os respetivos direitos à exploração da central do Pego, essenciais à respetiva atividade, que não subsistem após a extinção do contrato de aquisição de energia.
LIV. Sobre o indeferimento liminar do pedido de atribuição da licença para produção de energia através da biomassa (factos provados 136 e 150 a 152 do elenco da matéria provada na sentença recorrida), deve acrescentar-se ao elenco de factos o facto “O pedido referido no facto 136 foi indeferido liminarmente e foi proposta uma ação de impugnação dessa decisão de indeferimento liminar perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – Unidade Orgânica 1, sob o processo n.º 1507/21.1BELRA, que foi julgada improcedente por sentença, estando o respetivo recurso pendente”.
LV. Este facto está assente por acordo (facto da Contestação [art. 162.º, Apenso D]), conforme o requerimento da Recorrente de 22 de fevereiro de 2024 dos autos principais – ref.ª Citius 10437034) e pela sentença junta como Doc. 2 com o requerimento da Recorrente de 22 de junho de 2023 de resposta ao articulado superveniente, nos autos principais – ref.ª Citius 9799004.
LVI. Face ao teor da carta de 28 de julho de 2021, parcialmente transcrito no facto 151 da matéria provada da sentença recorrida, deve acrescentar-se o seguinte facto: “A rejeição do pedido de licenciamento deveu-se ao facto de a extinção do contrato de vinculação (CAE), em 30 de Novembro de 2021, implicar a extinção das licenças de exploração e produção, ao mesmo associadas, não podendo assim a licença de produção ser objeto da alteração requerida, o que leva a que Ponto de Ligação à rede eléctrica de serviço público fique liberto para nova atribuição”.
LVII. Este facto está assente por acordo (artigo 26.º da contestação do Apenso B, em que se aceita os artigos 264.º e 265.º da petição inicial do mesmo Apenso) e, em qualquer caso, provado pelo Doc. 44 da petição inicial do Apenso D.
LVIII. Sobre o procedimento cautelar relativo ao concurso, referido nos pontos 168 e 169 da matéria provada, deve acrescentar-se o seguinte facto: “O procedimento cautelar referido nos pontos 168 e 169 dos factos provados foi rejeitado por sentença confirmada por acórdão”.
LIX. Este facto está provado pela sentença junta como Doc. 1 com a resposta às exceções no Apenso D (requerimento de 23.5.2022, ref.ª Citius 8728709) e pelo acórdão junto como Doc. 1 com o requerimento da Recorrente de 22.6.2023 de resposta ao articulado superveniente, nos autos principais (ref.ª Citius 9799004).
LX. Em matéria de direito, o Tribunal a quo centrou as decisões tomadas neste processo na interpretação do objeto social, para que contribuíram fundamentalmente 4 ideias-chave: (i) não ficou demonstrada a existência de uma joint venture, e, se ficasse, era irrelevante para a interpretação dos estatutos; (ii) o acordo parassocial existente não é omnilateral e também não é relevante para a interpretação dos estatutos; (iii) da efetiva atividade da Recorrida também não se pode retirar qualquer restrição do escopo do objeto social face à letra do mesmo nos estatutos da Recorrida; (iv) o elemento literal da interpretação é ponto de partida e limite interpretativo, sendo praticamente inabalável – « tendo sido afastados os 3 elementos supra, o elemento literal mantém-se.
LXI. Concretamente, quanto à joint venture, o Tribunal decidiu que ainda que a joint venture existisse, não justificaria a interpretação restritiva dos estatutos, o que é errado.
LXII. O Tribunal a quo viu a joint venture como necessariamente decorrente, limitada e sujeita aos estatutos da sociedade. Porém, a joint venture é mais abrangente e é base da Recorrida e do respetivo escopo. A sociedade Recorrida foi construída no âmbito e para a joint venture. Assim, a definição do objeto da sociedade, bem como a atuação do conselho de administração da Recorrida, não podem deixar de ser interpretados à luz dos termos dessa joint venture.
LXIII. De acordo com a doutrina citada na motivação, e conforme analisado por (…) no parecer junto a este processo, há 8 ideias-chave a reter:
LXIV. (i) a joint venture é um contrato legalmente atípico, mas socialmente típico;
LXV. (ii) a joint venture nasce sobre um empreendimento comum já acordado pelas partes e não para um empreendimento a decidir posteriormente e, muito menos, à margem das partes;
LXVI. (iii) a Recorrida é uma joint venture societária por oposição a uma joint venture estritamente obrigacional;
LXVII. (iv) o recurso à sociedade é apenas um passo na execução da joint venture necessariamente plasmada a outro nível e que reside nos contratos que as partes estabeleceram entre si, entre outros, o acordo entre acionistas.
LXVIII. (vii) A joint-venture Recorrida está regulada no acordo parassocial.
Sucede frequentemente as partes não levarem aos estatutos formais da sociedade o conteúdo integral da relação base de joint venture e não publicitam todos os seus aspetos.
LXIX. (viii) A Recorrida não é, nem nunca foi, efetivamente e no plano da primazia da materialidade subjacente, uma sociedade comercial constituída por tempo indeterminado para fins genéricos no sector da energia, como uma interpretação puramente literal e farisaica do artigo 3.º dos estatutos da Recorrida poderia erroneamente sugerir. Pelo contrário, a Recorrida é um projeto empresarial conjunto, isto é, uma joint venture, constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoelétrica do Pego de que a Recorrente fez parte, na qualidade de acionista, desde a sua fase inicial.
LXX. Na decisão que desconsiderou a existência e os termos em que a joint venture foi fundada para efeitos de interpretação do objeto estatutário da Recorrida e determinação da competência da administração da Recorrida, o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação e aplicação da lei aplicável, nomeadamente dos artigos 9.º e 236.º a 238.º do Código Civil e na aplicação do direito quanto ao conceito e ao funcionamento das joint ventures, decidindo contra a melhor doutrina, nomeadamente plasmada no parecer de (…)junto aos autos.
LXXI. Quanto ao acordo parassocial existente e em matéria de direito, no pressuposto factual (errado) de que o acordo não era omnilateral mas ainda que esse pressuposto não existisse, o Tribunal a quo decidiu que o acordo parassocial não justifica a interpretação restritiva dos estatutos, pois só os acionistas são parte do acordo parassocial, enquanto nos estatutos estão em causa interesses do tráfico jurídico e do público em geral.
LXXII. O Tribunal a quo não tem razão porque, conforme desenvolvido na motivação deste recurso e apoiado no parecer de (…) junto ao processo e na doutrina no mesmo citada:
LXXIII. (i) o acordo parassocial é omnilateral;
LXXIV. (ii) não existem outros sócios nem terceiros que careçam de tutela – ao contrário do que o Tribunal a quo parece admitir, embora em teoria e sem concretizar, e o acordo produz eficácia perante terceiros;
LXXV. (iii) o acordo parassocial apresenta-se como um acordo análogo ao contrato de sociedade, na sua estrutura e perfil funcional, o que resulta desde logo do universo de cláusulas de funcionamento da sociedade, direitos de voto e outros dos sócios.
LXXVI. Como também explica (…) no mesmo parecer, o acordo parassocial deve ser qualificado como estatutos, visto que: (i) regula aspetos da vida da sociedade, versando sobre matérias de natureza social (e não parassocial); (ii) respeita a forma escrita (deliberação unânime por escrito) exigida para as alterações estatutárias; (iii) é (objetivamente) manifesto o propósito das partes de o conteúdo do acordo parassocial ser respeitado e cumprido na esfera social.
LXXVII. Assim, o acordo produz efeitos relativamente a todos os sócios e à própria sociedade Recorrida.
LXXVIII. Na esteira do mesmo parecer e da doutrina ali citada, mesmo que se rejeitasse a tese de que o acordo parassocial deve ser qualificado como “estatutos em sentido amplo”, produzindo efeitos em relação à sociedade, deve admitir-se que o parassocial contribui para a interpretação dos estatutos. Verificam-se os elementos definidores de uma deliberação unânime por escrito e, no acordo parassocial, os sócios definiram “as actividades compreendidas no objeto contratual que a sociedade efectivamente exercerá”, nos termos do artigo 11.º, n.º 3, Código Sociedades Comerciais.
LXXIX. Assim, neste pressuposto, os sócios definiram a atividade que concretamente seria exercida e, portanto, para que a sociedade passe a exercer outra atividade, seria necessária uma deliberação positiva que fixe essa outra atividade, que não existiu.
LXXX. Ainda que assim não se entendesse, o teor do acordo parassocial assume, para além de uma função interpretativa dos estatutos, que designadamente deve ser respeitada na definição do objeto social da Recorrida, a função de constituir ou reforçar o dever de lealdade dos acionistas, concretamente em sede do exercício do direito de voto (ao abrigo do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, entre outros).
LXXXI. Os administradores sabiam que os acionistas não chegaram a acordo – quanto a um futuro da Recorrida, concretamente a produção de energia de biomassa, para além de conhecerem a vontade expressa dos acionistas em acordo parassocial omnilateral: a de que a Recorrida existia para explorar a central do carvão, vontade essa que só podia ser alterada com os votos favoráveis dos titulares de pelo menos 95% das ações emitidas pela sociedade presentes ou representados em assembleia geral.
LXXXII. Aliás, os administradores sabiam que, ainda que tal acordo parassocial não fosse tido em causa, está em causa uma alteração da atividade da sociedade que exigiria uma maioria legal qualificada de 2/3 dos votos emitidos, nos termos dos artigos 383.º, n.º 2 e 386.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.
LXXXIII. Porém, à revelia da lei, da vontade acionista expressa em acordo e na própria assembleia geral de 23 de abril de 2021, os administradores, todos nomeados pela TrustEnergy, e pela mesma instrumentalizados, votaram a proposta favoravelmente, em desconsideração dessa vontade, com a manifesta intenção de implementar o propósito da acionista TrustEnergy de subtrair este tema à assembleia geral de acionistas, na qual aquela, face à maioria qualificada necessária, não conseguiria aprovar as deliberações.
LXXXIV. Os administradores, todos indicados pela TrustEnergy, votaram em deslealdade para com a Recorrida, a sua acionista minoritária, os seus trabalhadores, clientes e credores, em violação dos princípios de boa-fé e do previsto pelo artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, com o objetivo de executarem um plano da acionista TrustEnergy, destinado a (i) implementar uma nova atividade da sociedade, além do mais à margem do respetivo objeto, (ii) para além do termo da necessária data de cessação da respetiva atividade e (iii) capturando o investimento da Recorrente para o desviar para um projeto que nunca foi acordado entre as acionistas.
LXXXV. Em face do exposto, o exercício dos votos dos administradores, e as consequentes deliberações de pedido de licença de biomassa e de apresentação da Recorrida a concurso e prestação de caução para o efeito, foram emitidos em violação dos deveres de lealdade impostos pelo artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais e enfermam de abuso de direito, por manifesta violação dos limites impostos pela boa fé, incluindo os respeitantes à tutela da confiança (artigo 334.º do Código Civil), o que fere de nulidade as deliberações, ou pelo menos, de anulabilidade nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.
LXXXVI. Este entendimento é válido quer se entenda que (i) O acordo parassocial deve ser qualificado como estatutos em sentido amplo – caso em que releva como instrumento de interpretação do objeto social e, portanto, como limite à atuação dos órgão sociais; (ii) ou que, sendo qualificável como acordo parassocial, está sujeito a um regime distinto do artigo 17.º do Código das Sociedades Comerciais, por ser omnilateral – caso em que pode produzir efeitos sobre a sociedade; (iii) ou por constituir um acordo parassocial que, dado ser a base de uma joint venture e instituir uma especial relação com a sociedade, se sujeita a um regime distinto do artigo 17.º do Código das Sociedades Comerciais; (iv) ou ainda que a situação concreta impõe aos sócios e aos administradores um especialmente denso dever de lealdade.
LXXXVII. Na decisão que desconsiderou a existência e os termos do acordo parassocial para efeitos de interpretação do objeto estatutário da Recorrida e determinação da competência e deveres da administração da Recorrida, o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação e aplicação da lei aplicável, nomeadamente dos artigos 9.º e 236.º a 238.º e 334.º do Código Civil, dos artigos 17.º, 58.º, n.º 1, alínea b) e 64.º, Código Sociedades Comerciais, e não aplicou a melhor doutrina, nomeadamente plasmada nos pareceres de (…) e (…) junto a este processo.
LXXXVIII. Quanto à efetiva atividade da Recorrida, o Tribunal a quo desconsiderou o facto de a atividade da Recorrida, ao longo de 30 anos, ser a produção de energia através do carvão, tendo cessado definitivamente em novembro de 2021, data em que também cessou o contrato de aquisição de energia e a licença vinculada.
LXXXIX. Para além de não atribuir à atividade efetiva, ao longo de 30 anos, qualquer valor interpretativo dos estatutos, o que é errado, o Tribunal a quo concluiu que a Recorrida desenvolveu outras atividades para além da exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, referindo-se à prestação de serviços à Elecgás, e ao facto de os acionistas terem ponderado “a possibilidade de a Ré exercer a atividade de produção elétrica a partir de outra fonte de energia que não o carvão (biomassa / compensador síncrono/solar)”.
XC. Porém, a existência de estudos para fontes de energia, complementares ou alternativas, ao carvão é irrelevante para determinar o objeto social da Recorrida, de alterar o objeto da joint-venture Recorrida, sendo, ao invés, determinante que os acionistas nunca chegaram a acordo para desenvolverem outra atividade que não a produção de energia através do carvão após novembro de 2021.
XCI. A Recorrente nunca objetou a que se analisassem outras fontes de produção de energia, mas o Tribunal a quo confunde (i) fontes complementares com fontes alternativas e a (ii) disponibilidade da Recorrente para estudos com prescindir do seu consentimento para implementar uma concreta fonte alternativa. A explicação destas distinções foi feita por várias testemunhas, entre elas (…).
XCII. A esmagadora maioria dos estudos e reuniões citados na sentença reporta-se antes à utilização complementar de fontes e, além do mais, em percentagens muito reduzidas face ao carvão.
XCIII. Nomeadamente, nos factos provados 71 e 72 refere-se que o Plano da Empresa para 2007-2009 continha referências à biomassa e que a Recorrida prosseguiu a avaliação de recorrer à biomassa em conjugação com o carvão. Este plano ponderava efetivamente a utilização de biomassa como energia complementar.
Em qualquer caso, o mesmo não continha um acordo de acionistas para que a Central do Pego passasse a produzir energia por biomassa, que nunca chegou a existir.
XCIV. Concomitantemente, foi equacionado substituir 10% da energia produzida através do carvão por energia fotovoltaica (facto provado 74).,
XCV. Quanto à discussão da prorrogação da licença de exploração a partir do ano de 2021, ocorrida na reunião de Junho de 2012, e ao estudo da “triple watt” (facto provado 75) para aproveitamento da energia solar, não houve acordo acionista, como aliás atestado pelas testemunhas (…) e pelos documentos por si apresentados e pela testemunha (…) referidos na motivação deste recurso.
XCVI. A efetiva atividade da Recorrida ao longo de 30 anos, de produção de energia através do carvão, não pode deixar de ser um elemento relevante para a interpretação do respetivo objeto social.
XCVII. Da fundamentação de facto da sentença recorrida consta a aquisição pela Recorrida dos terrenos onde está implantada a Central do Pego em 2007 (factos provados 21 a 25).
XCVIII. Embora o Tribunal a quo não tenha extraído qualquer consequência destes factos, não se olvida que a Recorrida apresentou como argumento da sua posição que tais terrenos teriam sido adquiridos com a contrapartida de manutenção do contrato de aquisição de energia (o “CAE”) após 2021, como explicado inclusive por diversas testemunhas e resultante dos documentos referidos na motivação deste recurso.
XCIX. Trata-se de uma alegação que não ficou provada e que, na verdade, é contrariada pela prova produzida e não tem, em qualquer caso, cabimento no direito aplicável. Com efeito, a aquisição dos terrenos às Redes Energéticas Nacionais (“REN”) e a consequente obrigação de desmantelamento não foi voluntária, não alterou a atividade da Recorrida, nem teve como contrapartida a manutenção do ponto de ligação à rede após o termo do CAE.
C. A compra dos terrenos pela Recorrida ocorreu no contexto de reorganização do sector energético e por força do disposto na lei, mais precisamente dos DL 185/2003 e 198/2003.
CI. Para além de decorrer de uma imposição legal, essa aquisição não teve, nem nunca poderia ter, o efeito de garantir a atribuição de uma licença e a manutenção do ponto de ligação, seja para produção de energia elétrica a partir do carvão ou qualquer outra fonte, desde logo porque os terrenos foram adquiridos à REN e esta não tinha (nem tem) competência no âmbito do licenciamento da atividade de produção, designadamente para atribuir ou alterar licenças, ou de qualquer forma garantir que a Recorrida poderia continuar a operar após o termo do CAE e manteria o acesso ao ponto de ligação.
CII. Do aditamento ao CAE celebrado em 14 de maio de 2007, junto como Doc. 12 da petição inicial do apenso D, também não resulta – nem poderia resultar – qualquer garantia.
CIII. A inexistência do direito da Recorrida ao ponto de ligação foi confirmada no parecer do Prof. Doutor (…) junto ao processo e pelos próprios tribunais administrativos nas decisões descritas na motivação deste recurso.
CIV. A Recorrida intentou uma ação administrativa contra o Ministério do Ambiente e Ação Climática (Processo n.º 1507/21.1BELRA), visando impugnar o ato praticado pela DGEG datado de 19 de julho de 2021 que indeferiu liminarmente o pedido formulado pela Recorrida de alteração substancial da licença de produção de energia e, nessa ação, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria rejeitou os vícios imputados pela Recorrida ao ato impugnado, sustentando, nomeadamente, que a licença atribuída à Recorrida se encontrava necessariamente dependente da celebração de um contrato de vinculação, o qual veio a ser efetivamente celebrado no dia 24 de novembro de 1993 e cujo termo, de acordo com a cláusula 1.1. sob a epigrafe “Definições”, coincidiria com a data em que terminaria o prazo de 18 anos, a contar da Data de Exploração da primeira Unidade a entrar em funcionamento, sem prejuízo da respetiva prorrogação (factos provados 26 a 30 da sentença recorrida).
CV. Os Tribunais Administrativos também rejeitaram, por decisão transitada em julgado, o procedimento cautelar requerido pela Recorrida contra o lançamento do concurso para o ponto de ligação, confirmando que a licença da Recorrida era vinculada e que não havia qualquer “direito ao ponto de ligação” da mesma.
CVI. O CAE foi objeto de aditamento em 14 de maio de 2007, não tendo, contudo, a matéria relativa ao prazo e respetivo termo sido objeto de qualquer alteração (facto provado 58).
CVII. É aplicável ao caso concreto o regime previsto no artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, que, por sua vez, remete para o regime do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de julho, nos termos do qual não é possível converter a sua licença vinculada numa licença não vinculada, porquanto esta possibilidade (vertida no art. 13.º do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de julho) apenas poderia ocorrer nos casos em que a entidade concessionária da RNT mantém reserva sobre o sítio respetivo com vista à sua futura utilização num novo centro electroprodutor vinculado, o que à luz do atual regime jurídico não se mostra possível, pois já não existe possibilidade de produção de energia vinculada.
CVIII. Por conseguinte, no caso concreto, o CAE extinguiu-se por decurso do prazo (artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de julho), sendo que a licença se extinguiu em virtude da extinção do CAE (artigos 22.º e 23.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de julho).
CIX. A caducidade da licença de produção e do CAE implica a perda do ponto de injeção na RESP, pois, apesar de a Recorrida ter o direito de solicitar emissão de nova licença, sempre teria de se submeter ao procedimento previsto à data no Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, e adquirir, em primeiro lugar, e nas mesmas condições que qualquer outro operador, o título de reserva de capacidade de injeção na RESP.
CX. Durante anos, a Recorrida nunca sustentou ter qualquer direito a manutenção do ponto de ligação após 2021; bem pelo contrário, conforme consta daquela que a Recorrente entende ser a factualidade dada como provada, sempre foi claro tanto para os acionistas como para os administradores da Recorrida que: (i) o único cenário certo era o encerramento da atividade; (ii) qualquer solução que passasse pela continuação da atividade da Recorrida após novembro de 2021 para além de incerta teria de ser objeto de acordo prévio dos acionistas, conforme atas referidas na motivação deste recurso (e.g. Doc. 17 da petição inicial do Apenso D) e Doc. 25 da petição inicial do apenso D).
CXI. Embora não houvesse qualquer contrapartida quanto ao ponto de ligação, a aquisição dos terrenos, ao contrário do sustentado pela Recorrida ao longo desta ação, fez todo o sentido e foi vantajosa do ponto de vista económico.
CXII. A aquisição dos terrenos permitiu implementar o projeto da Elecgás e o preço pago pela Recorrida pela aquisição dos terrenos e cobrado pela subsequente constituição do direito de superfície de uma parcela foi muito favorável para a Recorrida, que adquiriu a propriedade dos terrenos com área de 302,71 ha por um preço de 23 M€ e recebeu da Elecgás o preço de 20 M€ pelo direito de superfície de uma parcela com área de 5,47 ha; além do mais, a Recorrida passou a receber uma contrapartida pecuniária paga pela Elecgás ao abrigo do contrato de serviços partilhados celebrado com esta sociedade – tudo conforme apoiado nas atas, contratos e depoimentos referidos na motivação deste recurso.
CXIII. Quanto à Elecgás, o Tribunal a quo vê este projeto como uma atividade da Recorrida para além da exploração e manutenção da central a carvão, o que não tem qualquer fundamento.
CXIV. O projeto da Elecgás é exatamente uma demonstração que o respetivo objeto era unicamente a produção de energia a carvão e que qualquer outra atividade dependeria da aprovação dos acionistas.
CXV. A Elecgás tratou-se de um projeto que mereceu, desde o início, a aprovação dos acionistas (cfr. designadamente o facto provado 62 da sentença recorrida e documentos referidos na motivação deste recurso),
CXVI. e a pretensão das acionistas da Recorrida sempre foi que esta atividade fosse explorada por uma sociedade distinta, com o objeto diferente (cfr. Factos provados 59 (v), (viii), (ix) e (x) da sentença recorrida) e não pela joint venture Recorrida, que se dedicou exclusivamente à produção de energia através do carvão.
Assim, a Recorrida nunca operou a central combinada, nem tal pretendia.
CXVII. Para além disso, todas as licenças relevantes ficaram na Elecgás.
CXVIII. Os serviços prestados pela Elecgás são acessórios, não sendo a atividade da Elecgás de forma alguma impeditiva da liquidação e dissolução da Recorrida.
CXIX. A dissolução da Recorrida não impede a transição atempada dos serviços à Elecgás para outras empresas, pois a mesma não determina a extinção da sociedade, mas apenas a sua entrada em liquidação, período durante o qual a Recorrida, já em liquidação, deverá negociar com a Elecgás o fim dos contratos/transmissão das infraestruturas necessárias à Elecgás.
CXX. Por essa razão, apesar de se ter previsto expressamente no contrato de serviços partilhados (Doc. 24 junto com a contestação do Apenso D) o termo do CAE da Recorrida (em novembro de 2021), não se associou o mesmo à cessação da operação da central da Elecgás, nem a qualquer incumprimento contratual, estabelecendo-se, ao invés, o que acontece no termo do CAE, incluindo que o contrato pode terminar e o regime de transição aplicável (cláusula 20.2 do contrato junto como documento 24 com a contestação do Apenso D).
CXXI. A Recorrente e os administradores por si indicados sempre defenderam –
como a própria Recorrida até determinado tempo! – a necessidade de acordo dos acionistas para uma eventual atividade da Recorrida distinta da produção de energia a carvão, sem o que necessariamente esta terá de se extinguir. Se tivesse havido acordo dos acionistas para uma nova atividade da Recorrida, uma nova joint venture, poderia equacionar-se a manutenção da sociedade, e daí esse cenário ter sido discutido ao longo de vários anos da vida da Recorrida (sobre esta matéria versam os factos provados 100 a 102, entre outros, e secção 3.6.2 supra da matéria de facto).
CXXII. Porém, e apesar dos sucessivos esforços e tentativas da Recorrente, esse acordo não foi possível, desde logo porque a acionista TrustEnergy nunca aceitou verdadeiramente discutir a relação acionista futura, como parte destas negociações, bem sabendo que é impensável para Recorrente entrar num projeto de longo prazo sem ter garantias de participação na gestão.
CXXIII. A Recorrida infletiu a sua conduta, avançando para propostas junto de entidades públicas, pedidos de licença para produção de energia por biomassa e uma candidatura ao concurso para o ponto de ligação sem o acordo da Recorrente. A TrustEnergy, ao contrário do caminho seguido pela Recorrente, unilateralmente e fazendo uso de um conselho de administração por si indicado e nomeado, decidiu apresentar a sua candidatura não através de recursos próprios, mas servindo-se da Recorrida e dos seus ativos.
CXXIV. A acionista maioritária da Recorrida está, assim, a travestir os seus interesses de interesses da Recorrida para usar a seu exclusivo favor o ativo da Recorrida, constituído por fundos de um seu concorrente, a Recorrente.
CXXV. O facto da acionista maioritária se disponibilizar a suportar determinados custos com estudos a implementação do seu projeto na Recorrida (cfr. facto provado 133) não demonstra que não há prejuízo da Recorrida, como o Tribunal a quo refere.
Pelo contrário, só demonstra que a acionista maioritária está a instrumentalizar a Recorrida para fazer valer os seus interesses, retendo na mesma os capitais da Recorrida, incluindo os investidos pela Recorrente, para desenvolver exclusivamente os projetos dessa acionista.
CXXVI. Esses custos de estudos são insignificantes quando comparados com o investimento da Recorrida na implementação do projeto da acionista maioritária caso tivesse ganho o concurso, que seria ilicitamente feito à custa do ativo da joint venture constituída com a Recorrente e que já cessou e tem de ser liquidada.
CXXVII. Concretamente quanto aos pedidos 1) e 6) dos autos principais, devem ser julgados procedentes face a tudo o que antecede, concretizando-se ainda que nunca as acionistas da Recorrida pretenderam ou acordaram que esta exercesse qualquer outra atividade empresarial, na área da energia ou fora dela, que não a aquisição e exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego.
CXXVIII. Estão em causa apenas os interesses dos atuais acionistas da sociedade - pretende-se decidir sobre o futuro da sociedade, sendo irrelevante para terceiros ou futuros acionistas o processo decisório que conduziu a determinado ramo empresarial, pelo que a interpretação dos estatutos deve procurar o sentido do negócio para essas partes, devendo ser interpretados nos termos do artigo 236.º e ss. do Código Sociedades Comerciais, e não de acordo com as regras da interpretação da lei (artigo 9.º do CSC).
CXXIX. A vontade real dos acionistas é a de aquisição e exploração de uma central termoelétrica a carvão, conforme atestado: (i) pelo facto de ter sido essa a atividade da Recorrida desde a sua constituição e ao longo de quase 30 anos; (ii) pelas receitas geradas pela Recorrida ao logo dessas décadas praticamente provenientes das contrapartidas previstas no CAE para a produção de energia a carvão (facto provado 46); (iii) pelo pacote contratual acordado pelos acionistas fundadores da joint venture, incluindo os múltiplos contratos outorgados pela Recorrida em execução desse seu escopo de atividade, nomeadamente o contrato de aquisição de energia, e o acordo parassocial celebrado pelas quatro sociedades que constituíram a joint venture e na qual sucederam as atuais acionistas e que estabelece com clareza que o objeto da Recorrida é a operação e manutenção da central a carvão.
CXXX. Em suma, embora no texto do artigo 3.º dos estatutos da Recorrida não tenha sido especificada a fonte da produção de energia, essa especificação como sendo o carvão resulta inequivocamente da vontade dos acionistas plasmada nos vários contratos que aprovaram e assinaram e na atuação da Recorrida ao longo de quase 30 anos.
CXXXI. A decisão do Tribunal a quo de improcedência do pedido (1) incorre em erro na interpretação e aplicação dos estatutos da Recorrida e da lei, nomeadamente dos artigos 9.º e 236.º a 238.º e 224.º do Código Civil e 17.º do Código das Sociedades Comerciais, entre os demais de direito aplicáveis, devendo, conforme sustenta a ampla doutrina citada nestas alegações e nos pareceres aqui citados, decidir-se conforme peticionado pela Recorrente na petição inicial.
CXXXII. Concretamente quanto ao pedido 2) dos autos principais, deve ser julgado procedente pois resulta do supra exposto que os atos em causa não tinham cabimento no objeto da sociedade Recorrida e que, em qualquer caso, representavam uma alteração estrutural da atividade da Recorrida que implicava o acordo acionista, como, aliás, sempre vinha sendo o entendimento dos acionistas e dos administradores da Recorrida, até a acionista maioritária e os administradores pela mesma nomeados infletirem as respetivas condutas em benefício exclusivo dessa acionista maioritária.
CXXXIII. A decisão do Tribunal a quo de improcedência do pedido (2) incorre em erro/omissão na interpretação e aplicação dos artigos 9.º e 236.º a 238.º e 224.º do Código Civil e 17.º e 405.º do Código da Sociedades Comerciais, entre os demais de direito aplicáveis, devendo, conforme sustenta a ampla doutrina citada nestas alegações e nos pareceres aqui citados, decidir-se conforme peticionado pela Recorrente na petição inicial.
CXXXIV. Concretamente quanto ao pedido 3) dos autos principais, deve ser julgado procedente, pois a dissolução não está necessariamente associada a uma alteração do objeto nos estatutos e porque o objeto da Recorrida terminou em 30 de novembro de 2011, estando cumpridos os requisitos para a sociedade se dissolver automaticamente ao abrigo do artigo 141.º, n.º 1, alínea c), do Código Sociedades Comerciais.
CXXXV. Após a dissolução, a sociedade entra em liquidação, mantendo a personalidade jurídica e tendo um período de 2 anos até à liquidação (146.º/1 e 2, do CSC). O ativo e o passivo podem ser transmitidos e a liquidação não torna imediatamente exigíveis as dívidas (artigo 153.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais).
CXXXVI. A realização completa do objeto social não implica que a sociedade não tenha já qualquer atividade e as operações que resta ainda à Recorrida realizar, designadamente de desmantelamento da central e cessação de contratos, não põem em causa a realização completa do objeto social.
CXXXVII. Assim, a respetiva decisão de improcedência do pedido (3) incorre em erro/omissão na interpretação e aplicação do artigo 141.º, n.º 1, alínea c), do CSC, entre os demais de direito aplicáveis, devendo, conforme sustenta a ampla doutrina citada nestas alegações e nos pareceres aqui citados, decidir-se conforme peticionado pela Recorrente na petição inicial.
CXXXVIII. Concretamente quanto ao pedido 5) dos autos principais, deve ser julgado procedente, pois foi com manifesta má fé e em execução de um plano já traçado, que a acionista TrustEnergy pretendia capturar a Recorrente para o seu projeto, mas sem lhe dar quaisquer garantias de participação, eximindo-se, assim, a todos os compromissos que assumiu perante a Recorrente para a constituição da Recorrida e para o exercício em comum da atividade empresarial societária, passando para a esfera da sua exclusiva arbitrariedade as decisões futuras da Recorrida.
CXXXIX. A continuidade da atividade implicaria a alteração do objecto social, matéria que só pode ser deliberada por 2/3 dos votos emitidos (artigos 383.º, n.º 2 e 386.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais), o que concretamente implicaria o acordo dos dois acionistas, a Recorrente e a TrustEnergy, o qual, conforme já indicado, não existiu.
CXL. Assim, há uma impossibilidade decorrente de circunstâncias internas da Recorrida, que bloqueia definitivamente o funcionamento da sociedade, com relevância para a aplicação do artigo 142.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.
CXLI. Os votos emitidos contra a proposta de deliberação de dissolução da sociedade têm verdadeiramente como fundamento a pretensão das acionistas que os emitiram de continuar a actividade da sociedade à margem do seu objecto social, seguindo um projecto próprio e à revelia da vontade da Recorrente, capturando o investimento desta.
CXLII. O exercício dos votos contra a proposta do ponto 3 da ordem de trabalhos incorreu em abuso de direito, por violação dos limites impostos pela boa-fé (artigo 334.º do Código Civil), o que fere de nulidade os próprios votos ou a deliberação (negativa), nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais.
CXLIII. Subsidiariamente, está a deliberação visada ferida de anulabilidade, ao abrigo do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, desde logo por a deliberação ser apta a conseguir uma vantagem especial para os acionistas que, não votando a dissolução, pretendem prosseguir a atividade da sociedade fora do seu objeto social e em seu benefício próprio.
CXLIV. Os votos emitidos pela acionista TrustEnergy são inválidos e, como tal, deve reconhecer-se que cai a deliberação negativa de não dissolução da sociedade, sendo validamente tomada uma deliberação de dissolução voluntária da sociedade com os votos emitidos pela Recorrente, pois está reunida a maioria de dois terços dos votos emitidos exigida pelos artigos 386.º, n.º 3 e 383.º, n.º 2, para a dissolução da sociedade por deliberação dos sócios nos termos previstos no artigo 141.º/1, b), todos do Código das Sociedades Comerciais.
CXLV. Assim, a decisão do Tribunal a quo de improcedência do pedido (5) incorre em erro/omissão na interpretação e aplicação dos artigos dos artigos 334.º do Código Civil, dos artigos 56.º, n.º 1, d), 58.º, n.º 1, alínea b), 386.º, n.º 3 e 383.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, entre os demais de direito aplicáveis, devendo, conforme sustenta a ampla doutrina citada nestas alegações e nos pareceres aqui citados, decidir-se conforme peticionado pela Recorrente na petição inicial.
CXLVI. Concretamente quanto aos pedidos dos Apensos C e D, devem ser julgados procedentes, desde logo porque, ao contrário do que o Tribunal a quo entende, as deliberações dos acionistas tomadas na assembleia geral de 23 de abril de 2021 são inválidas, não legitimam as deliberações do conselho de administração em causa e os administradores têm disso pleno conhecimento. A não dissolução votada naquela assembleia geral não serve de directriz e falha no essencial: o acordo dos acionistas, que é inexistente.
CXLVII. Todas as deliberações do conselho de administração em crise encerram uma decisão de alteração estrutural da Recorrida e no investimento na mesma realizado, que só poderia caber à assembleia geral, que, para mais, sobre esta matéria teria de deliberar com maioria qualificada.
CXLVIII. Existe uma competência implícita dos acionistas para deliberar em assuntos que interferem de forma decisiva com a (i) estrutura societária; (ii) os direitos sociais dos sócios; (iii) a identidade material da sociedade; (iv) o perfil material e risco do investimento; (v) a continuidade direta ou indireta da empresa.
CXLIX. Assim, o conselho de administração não tem competência para as deliberações tomadas, sendo as mesmas nulas, ou subsidiariamente anuláveis, por violação de norma de atribuição de competências, ao abrigo dos artigos 411.º, n.º 1, alíneas c) e b) (ou, subsidiariamente, 411.º, n.º 3), 373.º, n.º 2, 405.º, do Código das Sociedades Comerciais).
CL. As deliberações do conselho de administração de 1 de junho de 2021 e 17 de janeiro de 2022 estão também feridas pela violação dos deveres de lealdade dos administradores dos deveres de boa-fé.
CLI. O exercício dos votos pelos administradores que as aprovaram, e as consequentes deliberações de aprovação, incorreram em abuso de direito, por violação dos limites impostos pela boa-fé, incluindo os respeitantes à tutela da confiança (artigo 334.º, Código Civil), o que fere de nulidade a deliberação de 1 de junho de 2021, ou de nulidade e anulabilidade (artigo 58º, n.º 1, als. a) e b), Código Sociedades Comerciais).
CLII. Relativamente às deliberações de 17 de janeiro de 2022, tendo a Recorrida sido constituída para adquirir e operar a central termoelétrica do Pego a carvão e tendo sido essa a atividade que sempre exerceu, é forçoso concluir que as deliberações do conselho de administração impugnadas violam não só as normas supra citadas a respeito da deliberação de 1 de junho de 2021, mas também o objeto social da Recorrida (artigo 9.º, n.º 1, al. d), Cód. Soc. Comerciais), estando feridas de nulidade ou anulabilidade.
CLIII. Sendo inválidas as deliberações do conselho de administração, são também inválidos o pedido de licença e a apresentação da candidatura da Recorrida no concurso público, bem como os atos jurídicos da Recorrida concomitantes ou subsequentes que tenham como pressuposto essa candidatura.
CLIV. Do ponto de vista do direito procedimental, no concurso público, a invalidade traduzir-se-á desde logo na falta de legitimação da Recorrida para ser destinatária dos efeitos do ato, concretamente a sua candidatura. A falta de uma autorização juridicamente exigida dos acionistas para a apresentação da proposta a concurso para o desenvolvimento de uma nova atividade equivale à ausência de uma “qualificação específica no caso concreto” da Recorrida, sendo certo que qualquer ato de adjudicação, a ser emitido, seria inelutavelmente inválido.
CLV. E ainda que a candidatura da Recorrida não fosse inválida, a mesma, bem como os respetivos atos da Recorrida, seriam pelo menos ineficazes, pois os administradores que instruíram o pedido atuaram fora dos poderes de representação que a lei lhes atribuiu, sendo violada a competência da assembleia geral, conforme desenvolvido no Parecer de (…) junto ao processo.
CLVI. Em qualquer caso, sofreriam de um vício intrínseco, pois violam as normas de competência do conselho de administração e o artigo 334.º do Código Civil, o que os fere de nulidade à luz do artigo 294.º do Código Civil, também conforme o Parecer de (…) junto ao processo.
CLVII. Assim, as decisões do Tribunal a quo de improcedência dos pedidos dos apensos C e D incorrem em erro/omissão na interpretação e aplicação dos artigos 294.º e 334.º do Código Civil, dos artigos 9.º, n.º 1, 58.º, n.º 1 a) e b), 64.º, 411.º, n.º 1, alíneas c) e b) (ou, subsidiariamente, 411.º, n.º 3), 373.º, n.º 2 e 405.º do Código das Sociedades Comerciais, entre os demais de direito aplicáveis, devendo, conforme sustenta a ampla doutrina citada nestas alegações e nos pareceres aqui citados, decidir-se conforme peticionado pela Recorrente na petição inicial.

Pede que, seja “concedido provimento ao recurso, nos seguintes termos:
- Quanto aos autos principais, deve alterar-se as decisões contidas nas alíneas 3) e 6) da Decisão da sentença recorrida:
(i) Revogando-se a decisão de improcedência dos pedidos 1 a 3, 5 e 6, substituindo-a por decisão de procedência desses pedidos, com a consequente atribuição de custas a cargo da Recorrida;
(ii) Revogando-se a decisão de condenação da Recorrente em custas relativamente à decisão de extinção por inutilidade superveniente da lide do pedido 4) dos autos principais, substituindo-se por decisão que determine que as custas são a cargo da Recorrida ou, subsidiariamente, que as custas são repartidas em partes iguais.
- Quanto ao apenso B, deve alterar-se a decisão contida nas alíneas 5) da Decisão da sentença recorrida, revogando-se a decisão de condenação da Recorrente em custas relativamente à decisão de extinção por inutilidade superveniente da lide, substituindo-se por decisão que determine que as custas são repartidas em partes iguais.
- Quanto aos apensos C e D, deve alterar-se as decisões contidas nas alíneas 3) e 4) da Decisão da sentença recorrida, revogando-se a decisão de improcedência dos pedidos e substituindo-a por decisão de procedência dos mesmos, com a consequente atribuição de custas a cargo da Recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça!”.

A Recorrida apresentou resposta.
Pede que o recurso seja julgado inadmissível ou, assim não se entendendo, ser julgado totalmente improcedente e, em qualquer caso, que o pedido de reforma de custas seja julgado improcedente.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com a conclusão II, “A Recorrente conforma-se, assim, com as decisões de inutilidade superveniente da lide constantes das alíneas 1) da decisão recorrida, quanto ao pedido 4) dos autos principais, e 2) da decisão recorrida, relativa ao apenso B”.
Assim, perante as conclusões das alegações da Recorrente, as questões que importa apreciar são as seguintes:
- responsabilidade pelas custas decorrente da inutilidade superveniente do pedido 4) dos autos principais;
- responsabilidade pelas custas decorrente da inutilidade superveniente dos pedidos formulados no apenso B;
- reapreciação da decisão de facto;
- reflexo da eventual alteração da decisão de facto na decisão de direito.

*
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na decisão recorrida, o Tribunal considerou provados os seguintes factos:
A) Factos provados do processo principal e dos apensos C, B e D:
«1. Em 1987 a “EDP – Electricidade de Portugal” deu início à construção da chamada Central Termoelétrica do Pego, e que se prolongou até 1995.
2. Trata-se de uma central para produção de energia elétrica a partir do carvão, localizada na margem esquerda do rio Tejo, nas freguesias do Pego e Concavada, a cerca de 8 km da cidade de Abrantes.
3. A Central do Pego possui dois grupos geradores de energia elétrica, cada um equipado com um gerador de vapor, um grupo turbina-alternador e um transformador principal, tendo o primeiro grupo entrado em serviço industrial em Março de 1993 e o segundo grupo em Outubro de 1995.
4. A Central do Pego utiliza carvão para produzir eletricidade, o qual é descarregado no porto de Sines, seguindo depois por caminho-de-ferro até à Central, efetuando-se o acesso ferroviário a partir da linha da Beira Baixa, através de um ramal ferroviário construído para esse fim.
5. Em 1990, como parte de uma iniciativa do Governo para reestruturar a referida EDP e incentivar o investimento do sector privado no sector da eletricidade, a Central do Pego foi sinalizada para venda.
6. A Ré foi constituída por escritura pública celebrada em 15-10-1992, sendo uma sociedade anónima de duração por tempo indeterminado e constando do artigo segundo do documento complementar à escritura pública de constituição da Ré que constitui objeto da sociedade a produção, transporte e distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão, bem como todas as atividades conexas ou afins.
7. A estrutura acionista da Ré evoluiu, até à presente data, do seguinte modo:
(i) No momento fundacional:
a. National Power PLC, titular de quatro mil novecentas e noventa e seis ações;
b. (…), titular de uma ação;
c. (…), titular de uma ação;
d. (…), titular de uma ação; e
e. (…), titular de uma ação.
(ii) Em novembro de 1993:
a. A National Power PLC, titular de quatrocentas e cinquenta mil ações;
b. A Empresa Nacional de Eletricidade, S.A. (ENDESA) titular de trezentas e cinquenta mil ações;
c. A E.D.F. International, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
d. A EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
e. (…), titular de uma ação.
(iii) Em março de 1999:
a. A National Power PLC, titular de quatrocentas e cinquenta mil ações;
b. A Endesa Desarollo, S.A. titular de trezentas e cinquenta mil ações;
c. A E.D.F. International, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
d. A EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
e. (…), titular de uma ação.
(iv) Em fevereiro de 2002:
a. A National Power International Holdings BV, titular de quatrocentas e cinquenta mil ações;
b. A Endesa Internacional, S.A. titular de trezentas e cinquenta mil ações;
c. A E.D.F. International, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
d. A EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
e. (…), titular de uma ação.
(v) Em março de 2006:
a. A National Power International Holdings BV, titular de quatrocentas e cinquenta mil ações;
b. A Endesa Europa, SL, titular de trezentas e cinquenta mil ações;
c. A E.D.F. International, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
d. A EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., titular de cem mil e quinhentas ações;
e. (…), titular de uma ação.
(vi) Em março de 2007:
a. A National Power International Holdings BV, titular de quinhentas e duas mil, quatrocentas e noventa e oito ações;
b. A Endesa Generación, S.A. titular de trezentas e noventa mil, oitocentas e trinta e três ações;
c. A EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., titular de cento e onze mil e seiscentas e sessenta e sete ações;
d. (…), titular de uma ação; e
e. (…), titular de uma ação.
(vii) Em março de 2009:
a. A National Power International Holdings BV, titular de quinhentas e duas mil, quatrocentas e noventa e oito ações;
b. A Endesa Generación, S.A. titular de trezentas e noventa mil, oitocentas e trinta e três ações;
c. A EDP – Gás, SGPS, S.A., titular de cento e onze mil e seiscentas e sessenta e sete ações;
d. (…), titular de uma ação; e
e. (…), titular de uma ação.
(viii) Em março de 2010:
a. A National Power International Holdings BV, titular de quinhentas e duas mil, quatrocentas e noventa e oito ações;
b. A Endesa Generación, S.A titular de trezentas e noventa mil, oitocentas e trinta e três ações;
c. A EDP – Gestão da Produção de Energia, S.A., titular de cento e onze mil e seiscentas e sessenta e sete ações;
d. (…), titular de uma ação; e
e. (…), titular de uma ação.
(ix) Em março de 2012:
a. A National Power International Holdings BV, titular de quinhentas e duas mil, quatrocentas e noventa e oito ações;
b. A Endesa Generación, S.A titular de trezentas e noventa mil, oitocentas e trinta e três ações;
c. A EDP – Gestão da Produção de Energia, S.A., titular de cento e onze mil e seiscentas e sessenta e sete ações;
d. (…), titular de uma ação; e
e. International Power Portugal Holdings, SGPS, S.A., titular de uma ação.
(x) Em março de 2016:
a. A TrustEnergy BV, titular de quinhentas e sessenta e cinco mil, trezentos e dez ações;
b. A Endesa Generación, S.A. titular de trezentas e noventa mil, oitocentas e trinta e três ações;
c. A EDP – Gestão da Produção de Energia, S.A., titular de quarenta e oito mil, oitocentas e cinquenta e cinco ações;
d. (…), titular de uma ação; e
e. TrustEnergy, SGPS, S.A., titular de uma ação.
(xi) Em março de 2017:
a. A TrustEnergy BV, titular de quinhentas e sessenta e cinco mil, trezentos e dez ações;
b. A Endesa Generación, S.A. titular de quatrocentas e trinta e nove mil, seiscentos e oitenta e oito ações;
c. (…), titular de uma ação; e
d. TrustEnergy, SGPS, S.A., titular de uma ação.
(xii) Em novembro 2018 e à presente data:
a. A TrustEnergy BV, titular de quinhentas e sessenta e cinco mil, trezentos e dez ações;
b. A Endesa Generación, S.A. titular de quatrocentas e trinta e nove mil, seiscentos e oitenta e oito ações;
c. (…), titular de uma ação; e
d. TrustEnergy, SGPS, S.A., titular de uma ação.
8. Os estatutos da Ré foram alterados, pela primeira vez, em 16-06-1993, tendo o n.º 2 do artigo primeiro passado a estipular que a sede da Ré passava a ser a central termoelétrica situada no Pego em Abrantes (a “central”) e que o seu Conselho de Administração a poderia alterar dentro do mesmo concelho ou concelho limítrofe, bem como estabelecer delegações, filiais, agências e outras formas de representação em território nacional e estrangeiro, mantendo-se no mais inalterados.
9. Consta do Relatório e Contas de 1993 da R. que o referido em 6) teve “em vista a compra das Unidades 1 e 2 da Central Termoelétrica do Pego à EDP – Eletricidade de Portugal, S.A.” e que “em Novembro de 1992, a sociedade inglesa “National Power PLC” foi declarada a única concorrente (à aquisição da Central do Pego) e, com o apoio da Endesa – Empresa Nacional de Electricidad, S.A. e da Electricité de France iniciou negociações com a EDP”.
10. Os estatutos da Ré foram novamente alterados em 10-11-1993, visando refletir nos estatutos o aumento de capital social deliberado pelos acionistas, nos seguintes termos: o capital social foi aumentado para mil e cinco milhões de escudos, através da emissão de um milhão de novas ações ordinárias, cada uma com o valor nominal de mil escudos.
11. Quanto ao mais os estatutos mantiveram-se inalterados.
12. Em 10 de Novembro de 1993 as quatro sociedades referidas em (7) ii) celebraram, entre si e a Ré, um Acordo de Subscrição de Capital (Equity Subscription Agreement).
13. O aumento de capital referido em 10) foi subscrito nos seguintes termos:
(i) A National Power PLC subscreveu quatrocentas e cinquenta mil ações correspondentes a quatrocentos e cinquenta milhões de escudos;
(ii) A Empresa Nacional de Eletricidade, S.A. (Endesa) subscreveu trezentas e cinquenta mil ações correspondentes a trezentos e cinquenta milhões de escudos;
(iii) A EDF International, S.A. subscreveu cem mil ações, correspondentes a cem milhões de escudos;
(iv) A EDP – Eletricidade de Portugal, S.A. subscreveu cem mil ações, correspondentes a cem milhões de escudos.
14. Na mesma data foi celebrado entre as sociedades acionistas da Ré um acordo parassocial, tendo por objeto regular as suas relações, enquanto acionistas da Ré.
15. Nos considerandos deste acordo consta que “a sociedade (…) foi constituída para a aquisição, locação, operação e manutenção da central de carvão em curso de construção e situada no Pego, na região de Abrantes em Portugal”.
16. Na cláusula 1.1 do acordo parassocial consta que “o negócio de locação, operação e manutenção da Central Termoelétrica”, a qual por sua vez é definida como a “central de carvão situada no Pego, na região de Abrantes em Portugal”.
17. Nos termos da cláusula 7.1 do acordo parassocial consta que “nenhuma ação seria tomada ou nenhuma deliberação aprovada pela Ré, sem os votos favoráveis dos titulares de pelo menos 95% das ações emitidas pela sociedade presentes ou representados em assembleia geral, a respeito das seguintes matérias: (…) 7.1.4. Qualquer modificação material na natureza do Negócio da Sociedade 7.1.5. Qualquer alteração material nos Estatutos da Sociedade (…)”.
18. De acordo com a cláusula 10.3 do acordo parassocial, este vigora pelo período de 28 anos a partir da data da sua assinatura (10 de Novembro de 1993) ou por período mais extenso, em caso de prorrogação da vigência do Contrato de Aquisição de Energia e do Contrato de Entrega de Carvão.
19. A Ré celebrou no final de Novembro de 1993, um conjunto de contratos incluindo:
• Contratos celebrados com a EDP – Eletricidade de Portugal, SA a 24.11.1993:
- Contrato de compra e venda e construção da Central termoelétrica
- Contrato de constituição de direito de superfície a favor da Ré dos terrenos
onde se situam a Central
- Contrato de Aquisição de Energia
• Contratos celebrados com outras entidades:
- Contrato de Transporte de Carvão, em 22.11.1993
- Contrato de Descarga e Movimentação de Carvão, em 23.11.1993
- Contrato de Entrega de Carvão com a CarboPego, em 24.11.1993.
20. Em 24.11.1993 a Ré celebrou com a “EDP – Eletricidade de Portugal, S.A.” um Contrato de Compra e Construção da Central, nos termos do qual esta última acordou vender e concluir a construção da central.
21. A Ré adquiriu ainda o direito de superfície sobre os terrenos onde se localiza a Central, através de escritura pública celebrada com a EDP a 24 de Novembro de 1993.
22. Nos termos da referida escritura pública, nomeadamente da cláusula 1.ª do documento complementar, consta que o objeto do direito de superfície consistia na “continuação da construção e na manutenção da Central Termoelétrica a Carvão, destinada à produção de energia elétrica (…)”.
23. De acordo com a cláusula 2ª do documento complementar, a superficiária não poderia dar aos prédios sobre os quais incidia o direito de superfície, nem às instalações nos mesmos, qualquer uso diferente ao referido no artigo anterior, salvo disposição imperativa da lei ou consentimento prévio da EDP.
24. Nos termos da cláusula 8ª, o direito de superfície extinguir-se-ia no termo do prazo de vigência do contrato de aquisição de energia.
25. De acordo com a cláusula 3.1. do contrato de aquisição de energia, no momento da respetiva cessação, a Ré teria a obrigação de transmitir para a EDP os seus direitos de superfície sobre o local onde se encontra a Central, bem como os direitos sobre os bens imóveis e ativos nele presentes e todos os bens móveis e ativos necessários para a operação ou manutenção da Central e do local.
26. Em 24 de Novembro de 1993, a Ré, na qualidade de produtora, celebrou com a “EDP – Eletricidade de Portugal, S.A.”, na qualidade de compradora, um contrato de vinculação, mais conhecido por contrato de aquisição de energia – comummente designado pela sigla CAE ou, na terminologia anglo-saxónica pela sigla PPA (Power Purchase Agreement).
27. De acordo com o referido contrato, e nos termos aí previstos, a referida EDP comprometeu-se a comprar à Ré a totalidade da energia elétrica produzida pela Central.
28. Nos termos da cláusula 2.1. do contrato de aquisição de energia, este iniciou a sua vigência na data da sua assinatura, produzindo efeitos até à Data de Caducidade, salvo em caso de cessação por qualquer outra disposição prevista no contrato.
29. Nos termos da cláusula 1.1., “Data de Caducidade” define-se como um período de 28 anos a contar da “Data da Exploração” do primeiro grupo gerador.
30. A “Data de Exploração”, por sua vez, define-se como a data referida na Licença da Exploração, sendo a data da licença de exploração 30 de Novembro de 1993.
31. Em 22 de Novembro de 1993, a Ré celebrou um Contrato de Transporte de Carvão, com a CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. (atual Medway).
32. O referido Contrato destina-se a regular o transporte ferroviário do carvão a efetuar pela CP, entre o terminal do Porto de Sines e o terminal da Central.
33. De acordo com a cláusula 18 do Contrato de Transporte de Carvão, este cessará a sua vigência após o prazo de 28 anos a contar da data de aquisição da Central pela Ré, sem prejuízo de, nos termos da cláusula 18.3, a Ré poder resolver o contrato em qualquer uma das seguintes situações:
(i) caso deixe, por qualquer motivo, de ser titular da licença de produção relativa à Central;
(ii) caso deixe de vigorar, por qualquer motivo, o contrato de fornecimento de energia elétrica pela Central.
34. A Ré, em 23 de Novembro de 1993, celebrou um Contrato de Descarga e Movimentação de Carvão com a Portsines – Terminal Multipurpose de Sines, S.A..
35. O referido contrato destina-se a regular a prestação de serviços pela PortSines das operações portuárias e complementares relativas à descarga e movimentação de carvão, conforme as necessidades da Central.
36. De acordo com a respetiva cláusula 19, o contrato entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1993 e será válido por todo o período da concessão do Terminal de Sines à PortSines, sem prejuízo de, nos termos da cláusula 19.3, a Ré poder resolver o contrato em qualquer uma das seguintes situações:
(i) caso deixe, por qualquer motivo, de ser titular da licença de produção relativa à Central;
(ii) caso deixe de vigorar, por qualquer motivo, o contrato de fornecimento de energia elétrica pela Central.
37. Em 24 de Novembro de 1993, a Ré celebrou um Contrato de Entrega de Carvão com a CarboPego, sociedade detida pela Autora e pela acionista TrustEnergy que é responsável pelo fornecimento de carvão – compra do combustível no mercado internacional e toda a logística até à entrega na central termoelétrica do Pego.
38. O referido contrato destina-se a regular a prestação de serviços pela CarboPego de fornecimento e entrega de carvão à Central.
39. Nos termos da cláusula 2.1 do Contrato de Entrega de Carvão, este cessará a sua vigência na “Data de Cessação”, a qual, conforme o disposto na cláusula 1.1., número 34, do referido contrato, corresponde às 00h do dia do 28.º aniversário do contrato ou à data de cessação do contrato de aquisição de energia, conforme ocorra antes ou depois daquela data.
40. Em 23 de Novembro de 1993, a Ré obteve licença de produção de energia elétrica, a partir da Central Termoelétrica do Pego, emitida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março, e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 100/91, de 2 de Março, e da Portaria n.º 1195/91, de 12 de Dezembro.
41. De acordo com o artigo 1.º do título da licença, a licença de produção foi emitida enquanto licença vinculada, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março, estando sujeita ao contrato de fornecimento de energia celebrado entre a Ré e a EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., à data concessionária da Rede Nacional de Transporte.
42. Consta do n.º 2 do artigo 1.º que a licença de produção foi emitida a par com a transmissão das instalações da central termoelétrica do Pego, que se encontravam licenciadas a favor da EDP.
43. Nos termos do artigo 11.º, a licença de produção foi concedida pelo prazo de 35 anos a contar da data da sua entrada em vigor, prevista no artigo 14.º, isto é, da última das datas de celebração dos contratos de vinculação de fornecimento de energia e de constituição do direito de superfície, extinguindo-se, porém, pela inexistência do contrato de vinculação, como resulta do artigo 12.º do respetivo título.
44. A Ré obteve a licença definitiva de exploração, emitida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, em 30 de Novembro de 1993, relativamente ao grupo de geradores 1, e em 29 de Setembro de 1995, com alteração em 14 de Dezembro de 1995, relativamente ao grupo de geradores 2, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de Julho de 1936, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 446/76, de 5 de Junho.
45. Celebrados os contratos supra descritos e obtidas as necessárias licenças de produção e de exploração acima indicadas, a Ré passou a operar a Central Termoelétrica do Pego, enquanto produtor vinculado.
46. As receitas da Ré consistiam em “receitas de capacidade”, provenientes da faturação mensal à EDP e depois à REN por manter a Central disponível para produzir eletricidade, conforme previsto no contrato de aquisição de energia, em “receitas de energia” relativamente à produção de eletricidade e provenientes da faturação à REN do investimento para redução de emissões; e outras receitas como as provenientes da venda de cinzas.
47. Ao longo do tempo, as participações sociais detidas pelas acionistas no capital social da Ré, bem como as respetivas posições contratuais no acordo parassocial, foram cedidas, quer entre as próprias acionistas, como sucedeu com a venda da totalidade das participações detidas pela EDF em 12.12.2005 e pela EDP em 2016, quer para sociedades do mesmo grupo, como sucedeu com a Endesa e com a National Power.
48. Fruto dessas sucessivas transmissões, quer das ações, quer da posição contratual, atualmente, o capital social da Ré, no valor de € 5.025.000,00 e representado por 1.005.000 ações, no valor nominal de € 5,00, está atualmente distribuído da seguinte forma:
(i) a Autora é titular de 439.688 ações representativas de 43,75% do capital social;
(ii) a TrustEnergy, B.V. é titular de 565.310 ações representativas de 56,25%;
(iii) a TrustEnergy, SGPS, S.A. é titular de 1 ação representativa de 0,0001%;
(iv) (…) é titular de 1 ação representativa de 0,0001%.
49. A Autora e a TrustEnergy, B.V. mantiveram-se vinculadas ao acordo parassocial nos mesmos termos em que este foi assinado, sem que este tenha sofrido qualquer alteração desde essa data.
50. (…) desempenha o cargo de CEO da Ré, isto é, é administradora executiva e com poderes delegados para a gestão diária da sociedade, estando também a exercer funções de presidente do conselho de administração, na sequência da morte em 10.2.2020 do Eng. …, anterior titular desse cargo e na falta de nomeação dum substituto.
51. Tal como acontecia inicialmente, as acionistas da Ré são concorrentes entre si.
52. A Autora é uma multinacional do sector energético que tem como principais objetivos o desenvolvimento das energias renováveis, a eletrificação da economia e a Responsabilidade Social Corporativa. É o segundo maior comercializador de eletricidade e gás natural em Portugal, onde desenvolve um negócio integrado da produção à comercialização de energia, e também oferece serviços de valor acrescentado que visam a descarbonização de utilizações energéticas em residências, empresas, indústrias e Administrações Públicas.
53. A TrustEnergy baseia a sua atividade na produção de eletricidade através da exploração de um portfólio diversificado de fontes de energia renovável, gás natural e carvão, sendo o segundo maior player no sector elétrico nacional e o quarto no segmento eólico e uma joint-venture (50%/50%) entre a “Engie” e a “Marubeni”, também duas concorrentes da Autora.
54. No âmbito do processo de reestruturação da EDP e da sua cisão, por força do Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 134/94, de 19 de Maio, foi transmitida para a REN (enquanto concessionária da exploração da RNT) a posição contratual da EDP no contrato de aquisição de energia celebrado com a Ré.
55. No mesmo contexto, foram transmitidos para a REN alguns bens imóveis, incluindo os terrenos do sítio afeto à Central do Pego, explorados pela Ré ao abrigo do referido contrato e do direito de superfície que havia sido constituído a seu favor.
56. Desde Fevereiro de 2005 a Ré começou a estudar a aquisição da central e dos terrenos, sendo que nenhum dos administradores da Ré pretendeu que assim não fosse ou se opôs.
57. Essa aquisição veio-se a concretizar em 14 de Maio de 2007, antecedido pela celebração dum contrato promessa a 31 de Maio de 2005, pelo preço de € 23.000.000,00.
58. Na sequência do referido em compra 57), também em 14 de Maio de 2007, a Ré celebrou com a REN um aditamento ao contrato de aquisição de energia, nos termos do qual, entre outras obrigações:
(i) Em caso de resolução do CAE (independentemente do motivo, incluindo por incumprimento do produtor), a central elétrica não é transmitida à REN e a eleição da REN deixa de ser aplicável;
(ii) A Ré conserva todos os direitos sobre a central e os respetivos bens e ativos imobiliário e sobre todos os bens e ativos mobiliários (tangíveis ou não) necessários para a continuidade da exploração ou manutenção da central elétrica e do local, sem qualquer pagamento adicional de uma ou outra parte;
(iii) A Ré continua a ter o direito de ser ligado à rede de transporte de energia (o sistema REN) e de vender a terceiros toda a energia ativa produzida na central elétrica e a REN (a) é obrigada a permitir a utilização do seu sistema para essa vendas a terceiros em conformidade com a lei, (b) não pode desligar a central elétrica do seu sistema após o CAE e (c) deve oferecer condições de utilização e ligação do seu sistema de forma não discriminatória e tal com exigido por lei ou regulamentação;
(iv) A Ré é responsável pela desativação e desmantelamento da central elétrica, cabendo-lhe suportar todos os custos associados.
59. Desde 2005, a Ré:
(i) Aprovou a celebração de um contrato promessa para aquisição dos terrenos da central.
(ii) Obteve a renovação da Declaração de Impacto Ambiental para a central combinada, a autorização para o ponto de interligação definitivo (2x400MW) para essa central combinada e acordado os termos do contrato promessa para aquisição dos terrenos da central.
(iii) Apresentou junto da Direção Geral competente o pedido de licença de estabelecimento da central combinada a gás.
(iv) Reagiu contra as ações dos concorrentes contra a atribuição à Ré do ponto de interligação definitivo (2x400MW) para a central combinada a gás.
(v) Solicitou a licença ambiental para a produção de energia elétrica da central combinada e submeteu o relatório para demonstrar a conformidade entre as soluções técnicas e o plano de construção e as restrições ambientais.
(vi) Obteve, novamente, a adjudicação do ponto de interligação para a central combinada, sujeito ao reforço de rede através da construção de dois painéis fotovoltaicos e da prestação de uma garantia bancária.
(vii) Obteve a licença de emissões de CO2 e requereu e obteve para a central combinada a licença de produção.
(viii) Constituiu a Tejo Energia II, atualmente denominada ElecGás, S.A., a quem seriam transmitidas todas as licenças e autorizações obtidas.
(ix) Celebrou com a Tejo Energia II/ElecGás um contrato promessa de constituição de direito de superfície dos terrenos onde seria implantada a central combinada e dirigiu pedidos à Direção Geral competente para proceder à transmissão das licenças e das autorizações relativas a essa central.
(x) Procedeu à venda à acionista maioritária e à Autora do capital social da Tejo Energia II/ElecGás e à celebração, com esta, do Contrato de Serviços Partilhados, do Contrato de Constituição de Direito de Superfície e à transmissão de todas as posições contratuais da Ré para a Tejo Energia II/ElecGás no âmbito do contrato de engenharia, aquisição e construção relativo à central combinada, por si negociadas e celebradas.
60. Nos termos do Contrato de Serviços Partilhados, vigente entre a Ré e a Tejo Energia II/ElecGás, as partes assumiram as seguintes obrigações:
(i) A Ré assumiu a obrigação de prestar os serviços designados (que incluem, entre outros, o fornecimento de água para uso industrial, o fornecimento de água desmineralizada, o fornecimento de água potável, a disponibilização do vapor auxiliar de arranque da central e o tratamento de efluentes e sistemas de combate de incêndio);
(ii) A Ré assumiu a obrigação de disponibilizar a sua estrutura administrativa (que inclui, entre outros, os seus escritórios, os seus serviços de segurança, as suas instalações e serviços de armazenamento de resíduos, as suas instalações sanitárias, as suas oficinas e respetivo equipamento, os seus laboratórios e a sua cantina);
(iii) A Tejo Energia II/ElecGás assumiu a obrigação de proceder ao pagamento da contrapartida dessas prestações.
61. Quanto ao prazo de vigência do contrato de serviços partilhados este prevê que sob reserva do disposto na Cláusula 2 (Condições Suspensivas), o mesmo será válido desde a Data de Entrada em Vigor e permanecerá plenamente válido e eficaz até ao momento em que ocorra (o que acontecer em primeiro lugar): (a) a cessação do presente Contrato em conformidade com o previsto no mesmo; (b) o encerramento permanente da Central Termoelétrica a Gás; ou (c) o termo, ou resolução, do Contrato de Tolling.
62. A celebração do Contrato de Serviços Partilhados e do Contrato de Constituição de Direito de Superfície entre a Ré e a Tejo Energia II/Elecgás foi aprovada quer pela própria Ré, quer pelos seus acionistas, mantendo-se à presente data em vigor.
63. O contrato de constituição de Direito de Superfície celebrado entre a Ré e a Tejo Energia II/ElecGás prevê que o direito de superfície e as servidões e passagem vigoram por um período de 30 anos contados da data da sua celebração.
64. À Ré foi ainda atribuída a Licença Ambiental n.º 5/2005, emitida em 16 de Fevereiro de 2005, pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), consequentemente substituída pela Licença Ambiental n.º 42/2007, de 01 de Outubro, emitida pela mesma APA, a qual seria válida até 1 de Outubro de 2017, tendo sido sujeita a diversos aditamentos.
65. Atualmente, vigora o 6º Aditamento à Licença Ambiental n.º 42/2007, de 01 de Outubro, que substitui na íntegra a sua redação, bem como os anteriores aditamentos à mesma, consubstanciado no título único ambiental (TUA), emitido em benefício da Autora pela APA, em 27 de Maio de 2020 e com validade até 30-11-2021.
66. Nos termos do TUA, a Ré deverá cumprir com um conjunto de medidas / condições gerais relativas ao encerramento e desativação da Central, a saber, (a) submeter para aprovação plano de desativação total ou parcial da instalação com prazo de implementação de no mínimo 6 meses antes da cessação da exploração; (b) submeter para aprovação o relatório final de conclusão do plano de desativação total ou parcial da instalação com prazo de implementação aquando da conclusão da desativação de acordo com o plano previamente acordado.
67. Praticamente desde a constituição da Ré e até à deliberação da assembleia geral de 05.08.2021 a Ré foi administrada por um Conselho de Administração composto por nove administradores, dos quais dois são administradores executivos.
68. Nos termos do acordo parassocial, cada acionista tem direito a designar 1 administrador por cada 10% do capital que detém na Ré.
69. Nos termos das cláusulas 7.2, 7.2.2 e 7.3.3 do acordo parassocial “nenhuma ação seja tomada ou nenhuma deliberação aprovada pela Ré, sem os votos favoráveis dos titulares de pelo menos 70% das acções emitidas pela sociedade presentes ou representados em assembleia geral, a respeito das seguintes matérias:
(…)
7.2.2 a eleição de qualquer Administrador;
7.2.3 a alteração do número de Administradores que compõem o conselho de administração".
70. Nos termos do acordo parassocial, a Autora indicou quatro administradores, um deles administrador executivo, e a outra acionista, a TrustEnergy, indicou cinco administradores, um deles administrador executivo.
71. O Plano da Empresa para 2007-2009, focado na redução de emissões, continha referências à biomassa, incluídas na sua “Secção de Desenvolvimento Empresarial”.
72. Em 2007, a Ré prosseguiu a avaliação da possibilidade de recorrer à biomassa como combustível, em conjunção com o carvão, tendo começado a analisar a disponibilidade de resíduos florestais na região e respetivas opções de transporte.
73. A pedido do Governo/GDGEG, a REN pediu à Ré, em 2008, que apresentasse um estudo de viabilidade sobre a combustão de biomassa na central, cujas conclusões preliminares apontavam para a viabilidade da combustão parcial e mista, para a existência de resíduos suficientes da região e para a possibilidade técnica da combustão, sendo necessário fazer um estudo mais aprofundado para avaliar os efeitos da combustão da biomassa no Pego.
74. Concomitantemente, a Ré começou também a realizar estudos tendentes a analisar a possibilidade de desenvolver um projeto solar nos terrenos que havia adquirido, tendo em vista substituir 10% da energia produzida através da combustão de carvão por energia fotovoltaica.
75. Em 2019, a Ré contratou a Triple Watt para realizar um estudo relativo à viabilidade de potenciais projetos de produção de energia elétrica com base no aproveitamento de energia solar, tendo, de seguida, lançado um concurso para a construção de infraestrutura produtiva.
76. Em reunião de Conselho de Administração de 27 de Setembro de 2019, os administradores da Ré indicados pela acionista TrustEnergy informaram que haviam iniciado a preparação de estudos e de um plano para a instalação duma central de produção de eletricidade através da queima de resíduos florestais, isto é, de biomassa.
77. Em tal reunião, (…) administrador da Ré indicado pela A. questionou o motivo pelo qual os representantes da Endesa na Ré e na Pegop não tinham nenhuma informação acerca do projeto de biomassa, nomeadamente o relatório Poyry solicitado pela Tejo Energia para uma análise da questão, tendo (…) informado que o relatório Poyry tinha vários erros e que seria circulado quando fosse revisto, sendo que seguidamente (…) sugeriu que era necessário trabalhar em estreita colaboração com ambos os acionistas.
78. Em reunião de Conselho de Administração de 19 de Dezembro de 2019, (…) fez uma apresentação sobre o projeto de biomassa.
79. Nessa reunião, o administrador (…) transmitiu o interesse da Autora em discutir o desenvolvimento de um projecto de energia solar fotovoltaica com compensador síncrono, e sistema de armazenamento.
80. Tendo o administrador da Trust Energy na Ré, (…) resumido a situação indicando que ambas as alternativas deveriam ser consideradas e que seria necessário elaborar um orçamento de forma a que as acionistas pudessem tomar uma decisão.
81. Em reunião do conselho de administração de 20 de Janeiro de 2020, os administradores aprovaram por unanimidade uma nova versão do Plano de Negócios referente aos anos de 2020/2021 que contemplava, por um lado, a necessidade de desmantelamento da Central, no momento da cessação do contrato de aquisição de energia e, por outro, a possibilidade de prolongar a operação da Central, para além daquele momento, com base na implementação de alternativas de exploração da Central.
82. O plano de Empresa para 2020-2021 contém a aprovação de um orçamento para a realização de estudos atualizados para a reconversão da central para combustão de biomassa e para o desenvolvimento de um projeto renovável síncrono, no montante global de € 1.315.000,00.
83. Em Fevereiro de 2020, a Ré apresentou à REN e à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) os projetos de conversão da central para combustão de biomassa e de instalação de produção fotovoltaica acoplada a um compensador síncrono.
84. Em 20 Fevereiro de 2020 teve lugar uma reunião do Steering Committee da Ré – instância que alberga representantes da Ré e dos seus acionistas – na qual foi abordada a continuidade da produção de energia elétrica da Ré para além do termo do CAE.
85. No âmbito da estratégia de transição para uma economia descarbonizada e do cumprimento das metas do Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030), que viria a culminar na aprovação do Plano Nacional do Hidrogénio, conforme Resolução do Conselho n.º 63/2020, de 14 de Agosto, em 17 de Junho de 2020 o Governou mediante Despacho n.º 6403-A/2020, da mesma data, abriu um período para manifestação de interesse para participação no futuro Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI) Hidrogénio.
86. Por email datado de 14 de Julho de 2020, a administradora delegada da Ré, (…) informou os restantes administradores de que a Ré deveria participar nessa manifestação de interesse, por estar alinhada com as opções em estudo para uma mudança da atividade da Ré, concretamente, a instalação da central a biomassa e os projetos renováveis.
87. Por email datado de 15 de Julho de 2020, a administradora (…) comunicou a (…) que estava a ser informada desta iniciativa com dois dias de antecedência.
88. Tendo solicitado informação sobre a proposta de manifestação de interesse, tal informação foi-lhe enviada no próprio dia em que a mesma foi apresentada, no dia 17 de Julho de 2020, que era o último dia do prazo.
89. Por email de 21 de Julho de 2020, a mesma administradora (…) manifestou o seu desacordo quanto à participação da Ré nesta iniciativa do Governo indicando a manifestação de interesse não havia sido discutida pelo Conselho de Administração da Ré nem pelos acionistas.
90. Por email datado de 24 de Julho de 2020, a administradora (…) indicou que a manifestação de interesse no projeto de hidrogénio não era vinculativa e inseria-se na procura de um futuro para Ré, considerando que os seus “proprietários” não haviam escolhido um caminho.
91. Por cartas datadas de 22 de Setembro de 2020, enviadas para a referida (…), com conhecimento da restante administração da Ré e para a acionista TrustEnergy, que se juntam como, a Autora enfatizou que qualquer decisão sobre o possível futuro da Ré teria de ser tomada de forma consensual e unânime pelas suas acionistas, não podendo ser tomada por um ou mais administradores sob pena de ultrapassarem os seus poderes, violando os seus deveres para com a Ré e os seus stakeholders.
92. Mais referiu a Autora que seria urgente decidir sobre a redefinição do futuro da Ré, tendo em conta a cessação do contrato de aquisição de energia em Novembro de 2021, o que apenas poderia ocorrer de forma consensual por ambas as acionistas sendo que, caso tal não fosse possível, seguir-se-ia a dissolução e liquidação da Ré.
93. Seguiu-se em resposta a carta da TrustEnergy de 9 de Outubro de 2020 que não abordou o tema da discussão e negociação, entre os acionistas, sobre a definição do futuro da Ré.
94. Em 23 de Outubro de 2020, a Autora enviou nova carta à TrustEnergy, apelando a que trabalhassem conjuntamente numa solução a respeito do futuro da Ré.
95. Em 17 de Dezembro de 2020, reuniu o Conselho de Administração da Ré, para, entre outras matérias, aprovar o Plano de Negócios de 2021.
96. A administradora (…) apresentou uma declaração tendo chamado a atenção para o facto de a TrustEnergy não ter respondido à carta enviada pela Autora em 22 de Setembro de 2020 e ainda não terem sido tomadas quaisquer decisões, de forma consensual pelas acionistas da Ré, sobre o seu futuro, tendo em conta o fim eminente do referido contrato.
97. Na sua declaração voltou a alertar que quaisquer iniciativas relacionadas com a prossecução de um futuro para Ré, nomeadamente a obtenção de uma nova licença de produção, exigiria a prévia aprovação por parte das suas acionistas.
98. Nessa mesma reunião, os administradores da Ré, designados pela Autora, propuseram que o Plano de Negócios de 2021 fosse apenas votado após as acionistas da Ré terem oportunidade de tomar uma decisão relativamente ao seu futuro, tendo em conta as opções disponíveis, devendo esse mesmo plano refletir, por um lado, os custos associados ao desmantelamento da central e, por outro, os custos associados ao investimento num novo projeto caso o mesmo viesse a ser aprovado pelos acionistas, proposta que acabou por ser aceite por todos os administradores, tendo sido adiada a votação do Plano de Negócios de 2021.
99. Os custos respeitantes ao desmantelamento foram estimados em cerca de 44 milhões de euros.
100. Em e-mail datado de 17 de Dezembro de 2020, a Autora, representada pela administradora (…), propôs a assinatura de um acordo, entre a Autora e a TrustEnergy, sobre o futuro da Ré e a sua relação enquanto acionistas, após a cessação do contrato de aquisição de energia, sugerindo a negociação dos seus termos pelas equipas jurídicas de cada uma das partes.
101. Por e-mail datado de 14 de Janeiro de 2021, a Autora enviou a primeira versão de um memorando de entendimento (MoU), a celebrar entre a Autora e a TrustEnergy, nos termos do qual as partes comprometer-se-iam a negociar e a alcançar o referido acordo mútuo, por escrito, sobre o futuro da Ré e a sua relação enquanto acionistas, após a cessação do contrato de aquisição de energia e do acordo parassocial.
102. Apesar dos vários e-mails e reptos enviados pela Autora, entre Dezembro de 2020 e Março de 2021, e propostas de negociações entre as equipas técnicas e jurídicas de ambas as acionistas, não foi possível alcançar um acordo entre as partes em negociar uma proposta conjunta, para um novo projeto para o futuro da Ré, após o fim da central a carvão.
103. Por e-mail de 3 de Março de 2021, a Autora interpelou uma vez mais a TrustEnergy para a celebração do memorando de entendimento, advertindo-a de que se o mesmo não viesse a ser assinado até ao dia 10 de Março, a Autora consideraria que a negociação entre acionistas com vista à submissão de uma proposta conjunta junto do Governo como definitivamente gorada.
104. No dia 11 de Março de 2021, a TrustEnergy enviou um e-mail à Autora insistindo na implementação do projeto de biomassa, sugerindo uma revisão do memorando de entendimento.
105. No mesmo dia 11 de Março, a Autora reencaminhou nova versão do memorando de entendimento com ligeiras revisões, o qual deveria ser assinado pelas partes até às 16:00 horas (hora de Lisboa) do dia seguinte.
106. Nesse mesmo e-mail a Autora indicou ainda:
• Que os acionistas teriam de chegar a acordo relativamente a uma proposta conjunta sobre o futuro da Ré até ao dia 2 de Abril, para que esta fosse apresentada na nova reunião com o Governo programada para esse mês;
• Que se as partes não assinassem o memorando de entendimento até ao dia seguinte, a Autora considerava as negociações definitivamente encerradas.
107. Não tendo a TrustEnergy respondido no prazo indicado nem solicitado qualquer prorrogação do mesmo, a Autora, por carta de 12 de Março de 2021, comunicou-lhe que, tendo fracassado todas as tentativas de alcançar um acordo para uma nova atividade da Ré após a cessação do contrato de aquisição de energia, tinha chegado o momento de dar início ao processo de dissolução da Ré, planeando-se cuidadosamente a respetiva liquidação.
108. A Autora requereu, em 16.3.2021, a convocação da Assembleia Geral da Ré, para deliberar sobre as seguintes matérias:
“Ponto Um: Apreciar as consequências, para a Sociedade e para os acionistas, da cessação do contrato de aquisição de energia, datado de 24 de Novembro de 1993.
Ponto Dois: Deliberar sobre a distribuição de reservas livres.
Ponto Três: Deliberar sobre a dissolução da Sociedade, tendo designadamente em conta a impossibilidade de exercício da atividade que constitui o objeto contratual da Sociedade.
Ponto Quatro: Caso a deliberação do ponto três não seja aprovada, reconhecer, nos termos do n.º 2 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais, que a Sociedade se dissolverá no momento da cessação do contrato de aquisição de energia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 141.º do mesmo Código”.
109. A Assembleia Geral da Ré foi convocada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral para o dia 14 de Abril de 2021.
110. Por carta de 25.3.2021, a acionista TrustEnergy, B.V. informou a Autora que deu instruções à sua advogada para contactar os advogados da Autora para discutir os temas elencados na troca de correspondência entre as partes.
111. Na sequência da referida carta, seguiram-se ainda mais alguns contactos entre os advogados dos acionistas, tendo estes requerido o adiamento da reunião da Assembleia Geral que foi reagendada para o dia 23 de Abril de 2021.
112. Entrando-se no primeiro ponto da ordem de trabalhos, a Autora sublinhou que “Atendendo à iminente cessação do contrato de aquisição de energia, datado de 24 de Novembro de 1993, no dia 30 de Novembro deste ano, e à rutura definitiva das negociações entre acionistas quanto à sua relação e a um eventual futuro para a Sociedade, impõe-se agora extrair todas as consequências jurídicas, financeiras e empresariais dessa situação, nomeadamente deliberar sobre a distribuição de reservas livres, deliberar sobre a dissolução da Sociedade (tendo designadamente em conta a impossibilidade de exercício da atividade que constitui o objeto contratual da Sociedade) e, caso esta última deliberação não seja aprovada, o que só abusivamente poderia ser deliberado, reconhecer que a Sociedade se dissolverá no momento de cessação do contrato de aquisição de Energia”.
113. A TrustEnergy retorquiu que “a Sociedade foi constituída por tempo indeterminado e o seu objeto compreende, nos termos do artigo terceiro dos seus estatutos, a produção, transporte e distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão, bem como todas as atividades conexas ou afins, não se circunscrevendo, por conseguinte, à mera exploração da central termoelétrica a carvão do Pego”.
114. Entrando-se no segundo ponto da ordem de trabalhos, e conforme resulta da referida ata, a Autora apresentou uma proposta no sentido de ser distribuída aos acionistas a quantia de € 38.800.000,00 de reservas distribuíveis, contrapropondo a acionista TrustEnergy, B.V. que dessas reservas fosse apenas distribuída a quantia de € 20.000.000,00.
115. A acionista TrustEnergy, B.V. indicou na assembleia geral que tal concreto montante foi determinado tendo em conta “a necessidade de a Sociedade manter liquidez suficiente para assegurar todas as suas responsabilidades presentes e futuras, nomeadamente: (i) no âmbito da execução do CAE até ao seu termo, (ii) para com os seus credores, nos termos dos diversos Contratos em vigor entre a Sociedade e a Pegop, Medway, PortSines, Carbopego, (iii) para com o Estado a nível previdencial e tributário”.
116. Colocadas à votação, a referida proposta da Autora foi recusada, tendo obtido o voto favorável daquela e os votos contra das restantes acionistas, tendo sido aprovada a proposta apresentada pela acionista TrustEnergy, B.V., que obteve os votos favoráveis da própria e o voto contra da Autora.
117. A Ré dispunha, a 31 de Dezembro de 2019, de € 97.296.000 de resultados transitados e, a 31 de Dezembro de 2020, de € 99.898.000 de resultados transitados, e uma caixa disponível a 31 de Março de 2021 de € 82.800.000.
118. No ano de 2021, a Ré só em matéria tributária, no presente ano, suportará: (i) um custo mensal de € 632.027,93 respeitante ao mecanismo de financiamento da tarifa social da eletricidade; (ii) um custo de € 2.772.161,30, acrescido de juros, relativos à liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (“CESE”) relativos ao ano de 2016.
119. As liquidações da CESE relativos aos anos de 2018 a 2021, mantendo-se o princípio aplicado pela Autoridade Tributária para cálculo das liquidações anteriores, deverão ser em montante que excederá os € 6.300.000,00.
120. Entrando-se no ponto terceiro da ordem de trabalhos, a Autora apresentou a seguinte proposta:
[O] objeto da sociedade – que resulta do acordo parassocial celebrado entre todos os acionistas no dia 10 de Novembro de 1993 e foi sendo reafirmado ao longo de quase três décadas de atividade da Sociedade – tornar-se-á impossível e ficará completamente realizado no momento de cessação do contrato de aquisição de energia datado de 24 de Novembro de 1993.
Atendendo à complexidade do processo de dissolução e liquidação da Sociedade, é importante discutir e planificar cuidadosamente, a partir de hoje, todos os passos a adotar. Conforme foi referido anteriormente, é muito importante que os próximos meses sejam diligentemente planeados em benefício dos interesses de todos os stakeholders, devendo as acionistas dotar o Conselho de Administração de um mandato que legitime os administradores a começarem, de imediato, a praticar todos os atos necessários ou convenientes à dissolução e liquidação da Sociedade. Quanto mais cedo se iniciar esse processo, menores serão os custos e maior será a transparência perante todos os stakeholders.
Por estes motivos, a Endesa propõe dissolver a Sociedade nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais”.
121. Colocada à votação, foi a proposta apresentada pela Autora de dissolver a Ré nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais, reprovada, com os votos a favor da Autora e os votos contra da TrustEnergy B.V e das restantes acionistas.
122. Passando ao quarto e último ponto da ordem de trabalhos, e conforme resulta ainda da ata, o representante da Autora apresentou a seguinte proposta:
“Atendendo a que a deliberação do ponto 3 da ordem de trabalhos não foi aprovada, a Endesa propõe o reconhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais, que a Sociedade se dissolverá no momento da cessação do contrato de aquisição de energia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 141.º do mesmo Código”.
123. Colocada à votação, a referida proposta apresentada pela Autora no sentido do reconhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais, de que a Sociedade se dissolverá no momento da cessação do contrato de aquisição de energia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 141.º do mesmo Código, foi recusada, tendo obtido os votos a favor da Autora e os votos contra da TrustEnergy, B.V. e das restantes acionistas.
124. A TrustEnergy remeteu à Autora em 5 de Maio de 2021 uma carta em que refere que face às propostas apresentadas pela Autora na Assembleia Geral de 23.04.2021, esta não está interessada em continuar na sociedade Ré e indica que mantém o seu compromisso com a Ré e acredita nela como um projeto com viabilidade de continuidade comercial e bem assim que está disponível a adquirir a participação da Autora na Ré avaliada num cenário em que a Ré já não fosse titular da licença de produção nem do Ponto de Ligação e considerando todos os custos associados.
125. A Autora comunicou à TrustEnergy por carta de 24.5.2021 que não estava disponível para discutir a proposta desta para aquisição da sua participação social por considerar não se tratar de uma proposta de boa-fé face aos termos e ao contexto em que foi formulada.
126. Por carta de 17 de Maio de 2021 dirigida à Ré e endereçada também à Autora e à TrustEnergy, o Ministério do Ambiente insistiu pela apresentação de uma proposta conjunta, informando que “o Governo lançará, previsivelmente no início de Setembro, um novo leilão paralelo e específico, incluirá o ponto de capacidade de receção de eletricidade na RESP afeto a esta central.
127. Em 27 de Maio 2021 a TrustEnergy enviou à Autora uma carta fixando-lhe um prazo de 21 dias para desistir dos pedidos de dissolução da Ré formulados na presente ação judicial (processo principal), sob pena de considerar incumprido o acordo parassocial, invocando que tal constitui uma violação da cláusula 7.2.5 de tal acordo.
128. Em 14 de Junho de 2021 a Autora respondeu à carta da TrustEnergy rejeitando qualquer incumprimento do acordo parassocial da sua parte e referindo que se limitou a exercer os seus direitos pelos meios legais próprios e que é a TrustEnergy que não está a cumprir esse acordo, por atuar fora do escopo da atividade da Ré.
129. No dia 29 de Junho de 2021, a TrustEnergy enviou uma carta a notificar a Autora de que, não tendo esta desistido dos pedidos de dissolução da Ré formulados na ação judicial, considerava os direitos da Autora ao abrigo do acordo parassocial suspensos até ser sanado o suposto incumprimento, invocando a cláusula 9.1.1. do acordo parassocial.
130. Em 30 de Junho de 2021 a TrustEnergy enviou à Autora uma carta em que comunicou que na assembleia geral anual de 16 de Julho de 2021 estaria disponível para aprovar os 4 membros propostos pela Autora "desde que a Autora assegure que os mesmos vão estar empenhados em prosseguir os melhores interesses da Tejo Energia, preservando o valor dos seus activos, incluindo o direito da Tejo Energia ao ponto de conexão à rede elétrica nacional".
131. Em 17.5.2021 os administradores nomeados pela TrustEnergy (…) e (…) convocaram o conselho de administração para deliberar sobre a análise e definição dos próximos passos relativamente à continuação da atividade da Ré.
132. Nessa sequência, o conselho de administração da Ré reuniu em 1.6.2021.
133. Iniciados os trabalhos, o administrador (…), um dos administradores indicados pela TrustEnergy, apresentou uma proposta, para que a Ré:
(i) requeira junto da DGEG a emissão de licença de produção para alteração de combustível de carvão para biomassa;
(ii) continue a desenvolver as ações e estudos necessários para desenvolver um projeto estratégico e integrado em linha com as polícias de transição energética;
(iii) devendo todos os custos decorrentes do que antecede ser suportados pela TrustEnergy, aproveitando a disponibilidade por esta manifestada para os assumir.
134. Foi, ainda, proposto pelo mesmo administrador que a Ré responda à carta enviada pelo Ministério do Ambiente de 17.5.2021, com a indicação que a Ré está a trabalhar num projeto para converter a central de energia para biomassa de forma a ter a central pronta a produzir energia logo após o fim do contrato de aquisição de energia, mitigando o risco de paragem do ponto de conexão, sem prejuízo dos desenvolvimentos necessários para desenvolver um projeto integrado e estratégico de acordo com os objetivos de descarbonização e transição energética.
135. As propostas foram aprovadas com os votos favoráveis dos administradores (…), (…), (…), (…) e (…), indicados pela acionista TrustEnergy, tendo os demais administradores votado contra.
136. Em execução dessa deliberação, no dia 2 de Junho de 2021 a Ré apresentou junto da DGEG um pedido de atribuição de licença de produção para a Central Termoelétrica do Pego, por alteração de combustível de carvão para biomassa.
137. E, no mesmo dia, enviou ao Ministério do Ambiente uma carta a dar nota da referida deliberação do conselho de administração e de que a Ré deu entrada do pedido de atribuição de licença de produção, tendo também sugerido o agendamento de uma reunião com o Ministério.
138. No dia 15 de Junho de 2021 teve lugar uma reunião convocada pela Secretaria de Estado da Energia, no Ministério do Ambiente, na qual os representantes deste Ministério transmitiram a Autora e a TrustEnergy que na falta de acordo entre os acionistas e uma vez que a licença de produção atribuída à Ré caduca com o fim do Contrato de Aquisição de Energia, a 30 de Novembro de 2021, seria lançado em breve um concurso público para a atribuição do ponto de injeção atualmente atribuído à Ré.
139. No dia imediatamente seguinte, 16 de Junho de 2021, a Ré enviou uma carta dirigida ao Secretário de Estado da Energia manifestando o seu desacordo quanto à posição comunicada.
140. Em conformidade com o que havia sido transmitido à Autora e à TrustEnergy na reunião de 15 de Junho, no dia 15 de Julho de 2021 o Gabinete do Ministro do Ambiente emitiu um comunicado divulgando que em Setembro desse ano o Governo lançaria o concurso público referido, "com vista à atribuição do ponto de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público (RESP) atualmente ocupado pela Central Termoelétrica a carvão do Pego" e referindo expressamente que "considerando que o Contrato de Aquisição de Energia da Tejo Energia, S.A. cessa a 30 de Novembro de 2021, tendo como consequência a caducidade das licenças correspondentes e a subsequente perda da capacidade de injeção na RESP, importa proceder à atribuição deste ponto de injeção, mediante um procedimento concorrencial aberto, transparente e não discriminatório".
141. No dia 16 de Julho de 2021 teve início a assembleia geral anual da Ré, convocada pelo presidente da mesa em 24 de Junho de 2021, com a seguinte ordem de trabalhos:
"Um. Analisar e votar o Relatório de Gestão e as contas relativas ao exercício de dois mil e vinte;
Dois. Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados relativos ao exercício de dois mil e vinte;
Três. Aprovar um voto de confiança nos titulares dos órgãos sociais da Sociedade, de acordo com o disposto no artigo quatrocentos e cinquenta e cinco do Código das Sociedades Comerciais;
Quatro. Ratificar a cooptação dos membros do Conselho de Administração nos termos do artigo 393.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais;
Cinco. Nomear os órgãos da Sociedade para o mandato de dois mil e vinte e um e deliberar sobre a sua remuneração e prestação de caução".
142. As deliberações relativas ao ponto um e ao ponto dois foram aprovadas com os votos favoráveis das acionistas TrustEnergy, B.V., TrustEnergy, S.A. e (…), representativos de 56,25% do capital da Sociedade, e com o voto contra da Autora.
143. A deliberação aprovada respeitante ao ponto dois determinou a distribuição aos acionistas de € 17.323.000,00.
144. A Autora emitiu declaração de voto indicando que o fundamento para o seu voto contra assenta no facto de considerar que as contas foram elaboradas no pressuposto erróneo de que a Ré prosseguirá a sua atividade no futuro, quando deviam ter sido elaboradas no pressuposto de que a sociedade será, necessariamente, dissolvida e liquidada.
145. No âmbito do ponto quatro da ordem de trabalhos, foram aprovadas por unanimidade as cooptações para o cargo de administrador, que ocorreram durante o mandato de 2020, de (…) e (…).
146. De seguida foi proposta pela acionista maioritária a suspensão da assembleia, para retomar em 5 de Agosto de 2021, para se dar "uma derradeira oportunidade [aos administradores designados pela Autora] para conformarem a sua atuação com o interesse social da Tejo Energia, no cumprimento dos seus deveres de diligência e de lealdade”.
147. A proposta apresentada mereceu os votos favoráveis das acionistas TrustEnergy, BV., TrustEnergy, S.A. e (...) e por isso foi aprovada, tendo a Autora ter votado contra os fundamentos que deixou exarados em ata: “Todos os administradores da sociedade têm conhecimento que: a) a sociedade é uma joint venture que tem como propósito específico e exclusivo a exploração da Central a Carvão do Pego; b) não tendo havido acordo entre a Endesa Generación, S.A. (“Endesa”) e a TrustEnergy quanto ao futuro da sociedade, o conselho de administração não tem competência para aprovar um projeto alternativo à exploração da Central a Carvão, nem para praticar quaisquer atos preparatórios tendentes à aprovação de um projeto dessa natureza, devendo, por conseguinte, circunscrever a sua atuação à administração corrente da sociedade, em particular ao cumprimento das obrigações referentes ao desmantelamento da Central a Carvão. Apesar de terem pleno conhecimento destes factos, os srs. administradores (…), (…), (…), (…) e (…) têm reiteradamente praticado vários atos que exorbitam as competências do conselho de administração, bem como prestado a terceiros informações que não refletem a situação catual da sociedade com a transparência e exatidão que se impunham. Por conseguinte, a Endesa repudia veementemente as afirmações constantes da proposta de suspensão apresentada pela TrustEnergy e se existe alguma necessidade de alinhamento com as decisões dos acionistas ou com a falta delas é por parte dos srs. administradores indicados pela TrustEnergy. Em suma, a Endesa não vê qualquer vantagem em adiar as restantes decisões que têm de ser tomadas nesta assembleia”.
148. Assim, os pontos 3 e 5 da ordem de trabalhos não foram discutidos nem votados em 16 de Julho de 2021, mas só em 5 de Agosto.
149. Por carta de 23 de Julho de 2021 a Ré apresentou ao Ministério do Ambiente o “Projeto Pego Pós Carvão”.
150. Por carta de 28 de Julho de 2021 a DGEG deu conhecimento à Ré do indeferimento liminar do pedido de alteração da licença de produção referida em 136.
151. Em tal carta indicou que a rejeição do pedido de licenciamento deveu-se ao facto de “a pretensão de alteração do funcionamento do centro electroprodutor [ter] associadas as seguintes questões: a) a existência de um contrato de vinculação (CAE) que se extinguirá no dia 30 de novembro de 2021; b) a extinção do contrato implica a extinção das licenças que lhe estão associadas , ou seja, da licença de produção e da licença de exploração; c) a extinção das licenças liberta o ponto de injeção na RESP que fica, desde 30 de novembro, disponível para nova atribuição, nos termos da legislação em vigor, pelo que a partir dessa data o requerente não possui a capacidade de injeção na RESP”, concluindo que “não será possível atender ao pedido de alteração da licença de produção por não se encontrar acautelado o cumprimento de um dos requisitos para obtenção de capacidade de injeção na RESP, previsto nos artigos 5.º-A e 5.º-B do diploma acima mencionado, nem esta não conformidade poderá ser afastada em tempo útil previsto no artigo 9.º (30 dias úteis).
152. A ré reagiu contra esta decisão de indeferimento interpondo recurso hierárquico da mesma.
153. No dia 5 de Agosto de 2021 teve lugar a continuação da assembleia geral anual da Ré que havia tido início em 16 de Julho de 2021.
154. No âmbito do ponto três da ordem de trabalhos referida supra em 141), a TrustEnergy propôs um voto de louvor aos membros do conselho de administração (…), (…), (…), (…) e (…), e um voto de desconfiança a todos os administradores indicados pela Autora – (…), (…), (…) e (…), porque, alegadamente, "pela sua atuação, sistematicamente tentaram – particularmente no exercício transato — bloquear a atividade da Tejo Energia e impedir que a administração praticasse os atos necessários, dentro das suas competências, à defesa do seu património e no âmbito do interesse social”.
155. Por sua vez, a Autora apresentou um voto de louvor aos 4 administradores por si indicados e um voto de desconfiança dos restantes 5 administradores, acima referidos, essencialmente por estes, não obstante terem conhecimento que (i) "a sociedade é uma joint venture que tem como propósito específico e exclusivo a exploração da Central a Carvão do Pego" e que (ii) sem o acordo dos acionistas quanto ao futuro da sociedade o conselho de administração não tem competência para aprovar ou praticar atos para a aprovação de um projeto alternativo à exploração da Central a Carvão, terem "reiteradamente praticado vários atos que exorbitam as competências do conselho de administração, bem como prestado a terceiros informações que não refletem a situação catual da sociedade com a transparência e exatidão que se impunham".
156. Colocadas a votação as propostas apresentadas pelas duas acionistas, foi aprovada a primeira com os votos a favor das acionistas TrustEnergy, B.V., TrustEnergy, S.A. e (…), representativos de 56,25% do capital da Sociedade, e contra da Autora.
157. E recusada a proposta apresentada pela Autora, a qual mereceu os votos a favor da Autora, representativos de 43,75%, e os votos contra das demais acionistas.
158. De seguida, no ponto cinco da ordem de trabalhos, sobre a composição dos órgãos da Ré, a TrustEnergy, B.V. e a Autora propuseram a eleição dos mesmos membros da mesa da assembleia geral e do conselho fiscal, bem como o mesmo revisor oficial de contas efetivo e suplente, que foi aprovada.
159. Já quanto ao conselho de administração para o mandato de 2021, que termina a 31 de Dezembro de 2021, a TrustEnergy, B.V. propôs reduzi-lo (de 9) para 5 membros, reelegendo os 5 administradores já anteriormente indicados pela TrustEnergy e que se encontravam em funções: (i) …; (ii) …; (iii) …; (iv) …; (v) ….
160. Por sua vez, a Autora, sem prejuízo das reservas apontadas no ponto três da ordem de trabalhos quanto aos administradores referidos nos pontos (i) e (iii) a (vi) propôs manter o mesmo conselho de administração em funções a essa data: (i) Administradora Executiva: (…); (ii) Administradora Executiva: (…); (iii) Administrador: (…); (iv) Administrador: (…); (v) Administrador: (…); (vi) Administrador: (…); (vii) Administrador: (…); (viii) Administrador: (…); (ix) Administrador: (…).
161. A representante da acionista (…), concordando em geral com a proposta apresentada pela acionista TrustEnergy B.V., propôs eleger também … para o cargo de administradora, indicando que tal tinha como objetivo assegurar a "estrutura orgânica" do conselho de administração e a "fluidez da atividade da Sociedade", passando o conselho de administração a ser composto por seis membros: (i) …; (ii) …; (iii) …; (iv) …; (v) …; e (vi) …, proposta que foi aprovada com os votos a favor de todos os acionistas exceto a Autora, que representam 56,25% do capital social da Ré, passando portanto o conselho de administração a ter a composição referida para o mandato de 2021.
162. No ponto 5 da ordem de trabalhos foi ainda aprovada, por unanimidade, a não remuneração dos membros dos órgãos sociais e a remuneração dos Revisores Oficiais de Conta e a dispensa de caução quanto a administradores não executivos.
163. Por carta de 6 de Setembro de 2021 dirigida à Ré, (…) não aceitou a sua nomeação como administradora.
164. No decurso do ano de 2022 realizou-se a Assembleia Geral anual que deliberou a composição do Conselho de Administração entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2022, deliberação esta que não foi impugnada.
165. Com a cessação do contrato de aquisição de energia cessaram também os diversos contratos operacionais celebrados pela Ré, nomeadamente o Contrato de Transporte de Carvão, o Contrato de Descarga e Movimentação de Carvão e o Contrato de Entrega de Carvão.
166. A Ré antecipou alguns dias a cessação da sua atividade e, no dia 19 de Novembro de 2021, quando se esgotou a matéria-prima, deixou de produzir eletricidade, encerrando-se o capítulo da produção de energia a carvão em Portugal, tal como noticiado na comunicação social.
167. Em 17 de Setembro de 2021, o Governo lançou o concurso público para atribuição do ponto de ligação à rede em causa, ou seja, para atribuição de reserva de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público de eletricidade produzida exclusivamente a partir de fontes de energia renovável em centro electroprodutor com ou sem armazenamento integrado, tudo conforme o Despacho n.º 9241-C/2021, publicado no Diário da República n.º 182/2021, 3º Suplemento, Série II.
168. A Ré intentou uma providência cautelar de suspensão do concurso público lançado para leiloar o ponto de ligação.
169. A Autora deduziu, no dia 7 de dezembro de 2021, uma oposição ao procedimento cautelar.
170. A Ré apresentou, no dia 17 de Janeiro de 2022, a sua candidatura no concurso público para atribuição do ponto de ligação à rede.
171. Tendo o conselho de administração da Ré em tal data a composição indicada em 161.
172. O júri do concurso público apresentou, no dia 22 de março de 2022, o seu relatório final, em que a Autora ficou classificada em primeiro lugar, tendo obtido, para uso exclusivo, um direito de ligação à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP) de 224 MVA para instalar 365 MWp de energia solar, 264 MW de energia eólica com armazenamento integrado de 168,6 MW e um eletrolisador de 500 kW para a produção de hidrogénio verde.
173. A Ré ficou classificada em segundo lugar.
174. A Ré reagiu contra este concurso através do processo estando pendente ação nos tribunais administrativos.
175. A Autora pediu à Ré que disponibilizasse, até ao dia 2 de Fevereiro de 2022, prova da deliberação social sobre a participação no concurso e dos poderes conferidos para esse efeito.
176. No dia 2 de Fevereiro de 2022, a Ré respondeu que estava a preparar a informação e que a forneceria “no prazo legal para o efeito”.
177. A ata do conselho de administração, de 17 de Janeiro de 2022, foi enviada à Autora no dia 11 de Fevereiro de 2022.
178. O conselho de administração, composto pelos 6 administradores identificados supra, reuniu na data de 17.01.2022 e aprovou, por unanimidade, as propostas apresentadas pela administradora delegada constantes dos dois pontos da ordem de trabalhos dessa reunião:
“1. Aprovação da proposta a submeter ao concurso para atribuição de capacidade de injeção no Pego (designado por “atribuição de reserva de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público de eletricidade produzida exclusivamente de fontes de energia renovável em Centro Electroprodutor com ou sem armazenamento integrado” (“o Concurso”), de acordo com a documentação respeitante à proposta disponibilizada em 15 e 16 de Janeiro 2022.
2. Aprovação da caução exigida nos termos do artigo 15 dos documentos do Concurso (Programa de Procedimento), a constituir mediante depósito caução no montante de € 2.450.000,00 a favor do Estado Português (através da DGEG)”.»
*
E considerou como não provados os seguintes factos:
B) Factos não provados do processo principal e dos apensos C, B e D
«a) A Ré é um projeto empresarial conjunto (joint venture) constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, sendo que todos os que através da aquisição de participações sociais na Ré, o fizeram cometendo à Ré como únicas atividades a compra e subsequente exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego.
b) Cada uma dessas entidades que se tornou acionista da Ré sabia que os demais acionistas atribuíam aos atos pelos quais a Ré foi constituída e dotada dos seus estatutos o sentido de que o seu objeto se traduzisse única e exclusivamente na concretização e exploração de um projeto empresarial específico: a compra e a exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego.
c) Nunca as acionistas da Ré pretenderam ou acordaram que esta exercesse qualquer outra atividade empresarial, na área da energia ou fora dela, que não a aquisição e exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego, nunca tendo sido acordada, ao longo de quase três décadas da vida da Ré, uma mudança dessa atividade.
d) E, como tal, esteve sempre previsto entre os acionistas, com conhecimento de várias entidades, designadamente do Estado, que, quando a Ré deixasse de produzir eletricidade a partir do carvão, a mesma dissolver-se-ia, por ter realizado completamente o respetivo objeto, isto é, por ter concluído o projeto empresarial para que fora constituída.
e) Da letra dos estatutos da Ré só ficou a constar um objeto mais lato do que aquele em que os seus acionistas acordaram por ser prática habitual redigir o objeto das sociedades de modo amplo, para evitar os potenciais efeitos negativos das redações que se limitam a enunciar o propósito real dos sócios, designadamente que se levantem dúvidas quanto a saber se certa atividade está compreendida no objeto social.
f) Fruto das negociações referidas em 9), as referidas National Power PLC, Endesa – Empresa Nacional de Eletricidad, S.A., EDF International, S.A., a que se juntou a EDP – Eletricidade de Portugal, S.A., todas concorrentes entre si, acordaram fazer uma joint venture em Portugal especificamente para a compra, locação, operação e manutenção da referida Central Termoelétrica a carvão e que vieram a formalizar através da Ré.
g) O acordo referido em 14) foi celebrado entre todos os acionistas da Ré.
h) As acionistas TrustEnergy, SGPS S.A. e (…) atuam por conta e seguindo instruções da acionista TrustEnergy, B.V., relativamente à qual não têm qualquer autonomia.
i) O preço indicado em 57) foi fixado tomando em consideração, entre outros fatores, um desconto em face do valor de mercado dos terrenos, tendo em vista a assunção da obrigação pela Ré da desativação e desmantelamento da central.
j) A vontade real dos acionistas aquando da redação da cláusula constante em 6) quanto ao objeto social foi a de aquisição e exploração de uma central termoelétrica a carvão.
k) A acionista TrustEnergy, B.V. preparou um plano – que a Ré está já a implementar – com o objetivo de, assim que termine a atividade da Ré de produção de energia a carvão, iniciar um projeto com outra fonte de produção de eletricidade tendo em vista forçar a Autora a escolher entre duas possibilidades: ou ser capturada, com os seus capitais que investiu na Ré, para esse novo projeto, necessariamente de longo prazo, do qual será acionista minoritária e já sem quaisquer das prerrogativas conferidas pelo acordo parassocial, entretanto extinto, maxime o direito de nomear administradores; ou vender ao desbarato a sua participação na Ré à TrustEnergy, sua concorrente.
l) Por e-mail datado de 8 de Janeiro de 2021, (…), administrador da Ré e representante da TrustEnergy, disse concordar com a celebração de um acordo, entre a Autora e a TrustEnergy, sobre o futuro da Ré e a sua relação enquanto acionistas, após a cessação do contrato de aquisição de energia.
m) Segundo uma estimativa conservadora e prudente sobre o nível de despesas em que a Ré deverá incorrer para efeito da sua dissolução e liquidação (incluindo as despesas necessárias para desmantelar a Central a Carvão do Pego), essas despesas não excederão € 44.000.000,00, de acordo com a melhor estimativa incluída na proposta de plano de negócios apresentada pela própria Ré, acrescida de 10% de contingências.
n) Adicionalmente, é expectável que a Sociedade gere um valor significativo de caixa em 2021, não tendo subsistido dívidas junto de terceiros, ou que pelo menos que não possam ser integralmente satisfeitas mediante disponibilidades de caixa e com recurso ao referido montante de € 44.000.000,00.
o) A Ré dispõe de € 38.800.000,00 em excesso de caixa e de que não precisa para fazer face às suas despesas, incluindo de dissolução e de liquidação.
p) O contrato de tolling ao abrigo do qual a Tejo Energia II/Elecgás opera tem o seu termo em Março de 2036.
q) Na carta referida em 94) a Autora mencionava a expressão “alternativa à respetiva dissolução”.
r) O referido em 68) foi uma regra essencial para a constituição e gestão da joint
venture.»

*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1.
Da responsabilidade por custas
Nos termos do disposto no artigo 616.º, n.º 1, do CPC, “A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3”.
Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação” – n.º 3.
A Recorrente começa por pedir a “reforma quanto à decisão de custas decorrentes da inutilidade superveniente da lide nos autos principais e no Apenso B, referidas nas alíneas 5) e 6) da decisão recorrida”.

Dos pontos 5) e 6) da decisão recorrida resulta a condenação da Recorrente nas custas processuais respeitantes ao apenso B e ao processo principal.
No que respeita ao apenso B, está em causa a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, quanto ao pedido de que fosse declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada na sessão de 5.8.2021 da assembleia geral anual da Ré, no ponto 5 da ordem de trabalhos, de redução do conselho de administração a seis membros e eleição dos seis administradores.
O Tribunal Recorrido fundamentou, assim, a extinção da instância. “(…) a deliberação aprovada na sessão de 5.8.2021 da assembleia geral anual da Ré, no ponto 5 da ordem de trabalhos, de redução do conselho de administração a seis membros e eleição dos seis administradores (…), (…), (…), (…), (…) e (…), diz respeito à composição do Conselho de Administração para o período entre 1 de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2021.
Porém, resultou provado que no decurso do ano de 2022 realizou-se a Assembleia Geral anual que deliberou a composição do Conselho de Administração para o período entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2022, deliberação esta que não foi impugnada.
Face ao exposto, e uma vez que a composição do Conselho de Administração impugnada pela Autora já não é a que se encontra em vigor, sendo que, quanto a que se encontra atualmente em vigor a mesma não foi impugnada, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido supra indicados em (e) constante do apenso B”.

Vejamos.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide ocorre quando sobrevém uma circunstância na pendência da ação que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, com o que deixa de ter interesse a solução propugnada e há lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.
A Recorrente não põe em causa a decisão que declarou a inutilidade da lide nem os fundamentos em que assentou tal decisão.

Quanto a custas, o artigo 536.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Repartição das custas”, dispõe que “Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais”.
O n.º 2 diz que se considera que existe uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência”.
Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas” – n.º 3 do artigo 536.º.
Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas” – n.º 4 do mesmo preceito.

Portanto, em matéria de custas em situações de inutilidade / impossibilidade superveniente da lide, a regra é de que correm por conta do autor.
A regra cede em dois casos:
- quando exista uma alteração das circunstâncias não imputável às partes, nos termos definidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 536.º;
- quando a inutilidade/impossibilidade seja imputável ao réu, o que ocorre, entre outras hipóteses, esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

No caso do pedido formulado no apenso B, a instância foi extinta porque a composição do conselho de administração impugnada pela Autora não era já a mesma, sendo que não houve impugnação da deliberação de onde resultou a composição que ditou a inutilidade.
Ou seja, o facto de onde resulta a inutilidade superveniente é o mero decurso do tempo – recordemos que a deliberação aprovada em 05.08.2021 respeitava à composição do conselho de administração da Recorrida para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2021 e resultou provado que no decurso do ano de 2022 realizou-se a Assembleia Geral anual que deliberou a composição do conselho de administração para o período compreendo entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2022, deliberação esta que não foi impugnada.
E é precisamente por isso que a responsabilidade por custas é imputável à Autora.
Como se afirma na decisão de 10.04.2025, que tomou posição sobre o pedido de reforma quanto a custas “não se incluindo o decurso do tempo no n.º 2 do artigo 536.º do CPC e não sendo o decurso do tempo imputável à Ré, deverá ser a Autora a suportar as custas”.
Portanto, quanto à responsabilidade pelas custas resultante da extinção da instância por inutilidade superveniente relativamente ao apenso B, improcede o recurso.
*
Analisemos agora a pretensão da recorrente no que se reporta à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto a alguns dos pedidos formulados no processo principal e à responsabilidade pelas custas daí resultante.
Estão em causa os seguintes pedidos:
a) Que seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis, e condenando-se a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.
Subsidiariamente:
b) que sejam declarados nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta de distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis, do ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta.
Ainda subsidiariamente:
c) que seja declarada nula ou anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis;
d) que a Ré seja condenada a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.

Uma vez mais, a Recorrente não põe em causa a decisão que declarou a inutilidade da lide.
Analisemos, então, os fundamentos dessa decisão.
Um dos fundamentos para a extinção da instância é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide que ocorre manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida (…)
Assim, a solução do litígio perde o interesse no primeiro caso por já não ser mais possível atingir o resultado visado e no segundo por o resultado já ter sido atingido por outro meio. (…)
Revertendo ao caso em apreço, e quanto aos pedidos supra identificados em (a) a (d), resultou provado que após a deliberação impugnada consistente na aprovação do ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o vez do valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, foi aprovado o ponto dois da assembleia geral de 16 de Julho de 2021 que determinou a distribuição aos acionistas de € 17.323.000,00.
Ou seja, em data posterior à deliberação impugnada foi aprovada outra deliberação que distribuiu a quase totalidade do montante reclamado pela Autora aos acionistas (incluindo a Autora), sendo que esta última deliberação de 16 de Julho de 2021 respeitante à distribuição de lucros não foi impugnada.
Face ao exposto, e uma vez que já não é possível distribuir os montantes que a A. peticiona verifica-se a inutilidade superveniente da presente lide quanto aos pedidos supra indicados em (a) a (d) constantes do processo principal”.

Damos aqui por reproduzidas as considerações que acima tecemos quanto às regras de tributação em situações de extinção de instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
A Recorrente defende que “A distribuição superveniente das reservas tem um cariz semelhante ao cumprimento voluntário da obrigação previsto no n.º 4 do artigo 536.º do Código de Processo Civil, que resulta igualmente na regra de que o Réu suporta as custas.” e que “Subsidiariamente, mesmo que se considerasse não ser a inutilidade imputável à Recorrida, deveria aplicar-se o n.º 1 do mesmo artigo 536.º, que determina a repartição de custas em partes iguais” – Conclusões VI e VII.
O artigo 536.º, n.º 1, do CPC – repartição das custas em partes iguais – como vimos, só tem aplicação nas circunstâncias tipificadas no n.º 2 do mesmo preceito. Não é o caso, razão por que não pode aqui haver lugar à repartição de custas entre Autora e Réu em partes iguais.

Vejamos, pois, se estamos perante uma situação em que a inutilidade superveniente da lide é imputável à Ré.
Estão em causa os pedidos de declaração de nulidade ou anulação da deliberação de distribuição de reservas tomada a 23 de abril de 2021 pela assembleia geral da Recorrida, e de distribuir de mais € 18.800.000,00 do que o valor distribuído nessa deliberação.
Na decisão de 10.04.2025, o Tribunal Recorrido indeferiu o pedido de reforma da decisão quanto a custas, com dois fundamentos.
Em primeiro lugar – ainda que não nesta ordem – diz que a Ré havia já no decurso do processo invocado (requerimento de 17.10.2022) a impossibilidade/inutilidade deste pedido, tendo a Autora pugnado pela improcedência da existência da inutilidade superveniente da lide, dando causa assim à necessidade de apreciação, em sede de Sentença, desta questão.
Não cremos que assim seja. O que está em causa no apuramento da responsabilidade quanto a custas são apenas dois aspetos: (i) que circunstância deu causa à inutilidade superveniente da lide e (ii) se essa circunstância pode ser imputada à R.. Não constitui fundamento relevante para a decisão da responsabilidade quanto a custas, por um lado, o momento em que ocorre a declaração de inutilidade e, por outro, se foi em função da posição assumida pela Autora que a questão foi apreciada em sede de decisão final e não anteriormente. Ademais porque os factos em que o Tribunal assenta a decisão de extinção da instância são aquele que a Ré havia invocado em 17.10.2022 – e, de resto, resultavam já dos documentos juntos com a petição inicial do apenso B (cfr. o doc. 69, que corresponde à ata da reunião da assembleia geral da Ré de 16.07.2021, onde foi aprovada a distribuição dos dividendos).
Em segundo lugar, o Tribunal recorrido diz que a “(…) inutilidade resultou do facto de após a deliberação impugnada consistente na aprovação do ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, foi aprovado o ponto dois da assembleia geral de 16 de Julho de 2021 que determinou a distribuição aos acionistas de € 17.323.000,00. Ou seja, em data posterior à deliberação impugnada foi aprovada outra deliberação que distribuiu a quase totalidade do montante reclamado pela Autora aos acionistas (incluindo a Autora), sendo que esta última deliberação de 16 de Julho de 2021 respeitante à distribuição de lucros não foi impugnada.
Ora, ao contrário do alegado pela Autora a causa da inutilidade não foi determinada por conduta da Ré, mas sim dos seus acionistas, aí se incluindo a Autora tendo a Ré apenas cumprido a deliberação aprovada pelos acionistas (neles se incluindo a Autora)”.
Não acompanhamos este argumento.
A assembleia geral deliberou em matéria da sua competência (artigos 374.º a 376.º do CSC), vinculando o órgão de gestão da sociedade (artigo 405.º). Não deixa, contudo, de estar em causa um ato da própria sociedade e não dos sócios.
Por outro lado afigura-se-nos que a distribuição das reservas, que resultou de deliberação da Ré, traduz a satisfação voluntária da pretensão deduzida pela Autora, com um resultado que correspondia, quase na totalidade, ao pedido formulado.
Por esta razão, procede, nesta parte, o recurso interposto.
*
3.2.2.
Da reapreciação da matéria de facto
O recurso vem interposto também da matéria de facto da decisão de primeira instância, considerando a recorrente que foram incorretamente apreciados factos dados como provados e não provados.
Prevê o artigo 640.º do C.P.C.:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

No caso concreto, a Recorrente entende que:
(…) o Tribunal a quo deu erradamente como não provados quatro grupos de factos nucleares: (i) a Recorrida é uma joint venture exclusivamente para a produção de energia através do carvão (factos não provados a) e f)); (ii) o objeto social dos estatutos da Recorrida tem uma letra mais ampla do que objeto que os acionistas acordaram, que era a de produção de energia através do carvão, prevendo a dissolução da Recorrida após a conclusão desse projeto empresarial (factos não provados b) a e) e j)); (iii) o acordo parassocial foi celebrado entre todos os acionistas da Recorrida (ou seja, é um acordo omnilateral) e a TrustEnergy SGPS, S.A. e (…) atuam por conta e seguindo instruções da acionista TrustEnergy, B.V., relativamente à qual não têm autonomia (factos não provados g) e h)); e (iv) a acionista maioritária pretende iniciar na Recorrida um projeto de outra fonte de energia que não o carvão, capturando os capitais da Recorrida e deixando-a sem as prerrogativas do acordo parassocial (facto não provado k))”.

Quanto aos factos não provados a) e f), a Recorrente entende que estão demonstrados, baseando-se para tanto nos seguintes elementos de prova:
(i) nos documentos 4 e 48 juntos com a petição inicial do Apenso D e 6 e 9 juntos com a petição inicial do Apenso B; no contrato de aquisição de energia – factos provados 26 a 30 – e na licença vinculada;
(ii) nos depoimentos das seguintes testemunhas:
- (…), na sessão de julgamento de 14 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:02:57 a 00:10:10 da gravação;
- (…), na sessão de julgamento de 31 de janeiro de 2024, aos minutos 00:05:53 a 00:14:32 da gravação;
- (…), na sessão de julgamento de 7 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:04:06 e seguintes, 00:06:41 e seguintes, 00:12:21 e seguintes e 00:18:00 e seguintes da gravação;
(iii) ao que acresce que nenhuma testemunha, nem a representante da Recorrida, negaram a existência da joint venture.

As als. a) e f) da matéria de facto não provada têm o seguinte teor:
a) A Ré é um projeto empresarial conjunto (joint venture) constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, sendo que todos os que através da aquisição de participações sociais na Ré, o fizeram cometendo à Ré como únicas atividades a compra e subsequente exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego”;
f) Fruto das negociações referidas em 9), as referidas National Power PLC, Endesa Empresa Nacional de Eletricidad, S.A., EDF International, S.A., a que se juntou a EDP Eletricidade de Portugal, S.A., todas concorrentes entre si, acordaram fazer uma joint venture em Portugal especificamente para a compra, locação, operação e manutenção da referida Central Termoelétrica a carvão e que vieram a formalizar através da Ré”.

O Tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma a resposta negativa às alíneas acima indicadas.
Assim, e especificamente no que diz respeito aos factos não provados a) e f), nenhuma prova documental foi feita da existência de uma joint venture, já que não foi junto qualquer documento da mesma (sendo que quanto às testemunhas e declarações de parte pelas razões acima expostas não foram tidos em conta os seus depoimentos). Ora, tal empreendimento conjunto (tal joint venture) a existir teria um documento a suportá-lo, face não só aos seus intervenientes (multinacionais experientes da área da energia), como à necessidade de regular os seus precisos termos (atento até o facto de as sociedades em causa serem concorrentes entre si no mesmo mercado). Sendo que o acordo parassocial não pode constituir a formalização de tal joint venture (pois que é coisa diversa e de âmbito mais limitado). Mais, num empreendimento conjunto da dimensão económica invocada nos presentes autos, e não obstante ser aplicável quanto a tal eventual acordo o principio de liberdade de forma, previsto no artigo 219.º do CC, não se mostra de acordo com regras de lógica e experiência comum que o mesmo, a existir, não tenha sido reduzido a escrito.
Do mesmo modo, tais factos não podem resultar provados da mera circunstância de constar no papel timbrado ou nos websites das sociedades, ou ainda em planos de negócios ou outros documentos, a referência a joint venture pois que, muitas das vezes tal termo é utilizado em sentido não estritamente jurídico, mas antes empresarial.
Assim, não tendo sido junta prova documental da existência de tal joint venture foram os factos a) e f) dados como não provados”.

Ouvidos os depoimento das testemunhas indicadas na conclusão XXVIII, é possível afirmar, sem hesitação, que vão no sentido preconizado pela Autora. Referem, claramente, a criação de uma joint venture, com um objeto limitado, assente no acordo parassocial, no contrato de aquisição de energia e na licença de produção. Sucede que, a par dos depoimentos das testemunhas indicadas pela Recorrente, outros foram produzidos em sentido diverso.
Ora, mais do que um conhecimento direto e adquirido em simultâneo com os eventos que determinaram a criação da Ré, os depoimentos das testemunhas indicadas pela Autora – aqueles que sustentam o pedido de reapreciação da prova – acabaram por traduzir, no essencial, uma interpretação, uma forma de ver os acontecimentos e a convicção que resultou da análise de matéria que mais tarde viria a chegar ao seu conhecimento durante o período em que, em virtude das funções que exerceram, estiveram ligados à Autora. Convicção que respeitamos mas que não corresponde à nossa ou à do Tribunal Recorrido.

Por isso, considerarmos que as razões invocadas pelo Tribunal a quo encontram respaldo nas regras da experiência comum. Considera – e quanto a nós bem – que não está em linha com os critérios de normalidade que pautam a apreciação da prova que a criação de uma joint venture com a dimensão da Ré e com a experiência e dimensão dos sujeitos cooperantes não esteja inequivocamente demonstrada em prova documental que, de forma cabal demonstre os termos em que iria funcionar.
Num ramo de negócio amplo e estruturante como o da produção, transporte, transformação, distribuição ou comercialização de energia, caracterizado pela movimentação de capitais muito significativos e também por uma marcada intervenção do Estado, em que as empresas envolvidas são, em regra, multinacionais ou grupos públicos/privados com forte capitalização, operando em diversos mercados, surpreende que se pretenda que as balizas em que se vai desenvolver a atividade de uma sociedade criada, na perspetiva da Autora, com uma finalidade muito circunscrita, não estejam definidas de forma cristalina nos documentos de constituição da sociedade.
Estão e é, por isso, compreensível que o Tribunal a quo tenha desconsiderado os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência. Explicou as razões por que o fez – cfr. fls. 49 da decisão final –, razões que se afiguram atendíveis e merecem, portanto, ser sancionadas.
Ademais, o caminho percorrido pelo Tribunal é consentâneo com uma apreciação da prova baseado em critérios de plausibilidade. Confrontado com duas versões incompatíveis trazidas pelas testemunhas indicadas por Autora e Ré – que como por hábito sucede, surgem alinhadas, respetivamente, com a versão da parte que as indicou – o Tribunal assentou a sua convicção por se basear numa análise cuidada dos documentos que foram postos à sua disposição, concluindo que se demonstrou uma realidade que não convém à A. mas é aquela para que aponta a prova documental produzida.

Quanto aos factos não provados b) a e) e j), a Recorrente entende que estão demonstrados, baseando-se para tanto nos seguintes elementos de prova:
(i) nos documentos 14 a 17 juntos com a petição inicial do Apenso D;
(ii) nos depoimentos das testemunhas:
- (…), na sessão de julgamento de 24 de janeiro de 2024, aos 00:44:37 a 00:48:49 minutos;
- (…), na sessão de julgamento de 7 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:25:27 e seguintes; e
- (…), na sessão de julgamento de 31 de janeiro de 2024, aos minutos 00:15:27 a 00:22:12, 00:34:52 a 00:41:23 e 01:33:00 a 01:39:56.

As alíneas b) a e) e j) da matéria de facto não provada têm o seguinte teor:
“b) Cada uma dessas entidades que se tornou acionista da Ré sabia que os demais acionistas atribuíam aos atos pelos quais a Ré foi constituída e dotada dos seus estatutos o sentido de que o seu objeto se traduzisse única e exclusivamente na concretização e exploração de um projeto empresarial específico: a compra e a exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego.
c) Nunca as acionistas da Ré pretenderam ou acordaram que esta exercesse qualquer outra atividade empresarial, na área da energia ou fora dela, que não a aquisição e exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego, nunca tendo sido acordada, ao longo de quase três décadas da vida da Ré, uma mudança dessa atividade.
d) E, como tal, esteve sempre previsto entre os acionistas, com conhecimento de várias entidades, designadamente do Estado, que, quando a Ré deixasse de produzir eletricidade a partir do carvão, a mesma dissolver-se-ia, por ter realizado completamente o respetivo objeto, isto é, por ter concluído o projeto empresarial para que fora constituída.
e) Da letra dos estatutos da Ré só ficou a constar um objeto mais lato do que aquele em que os seus acionistas acordaram por ser prática habitual redigir o objeto das sociedades de modo amplo, para evitar os potenciais efeitos negativos das redações que se limitam a enunciar o propósito real dos sócios, designadamente que se levantem dúvidas quanto a saber se certa atividade está compreendida no objeto social.”
“j) A vontade real dos acionistas aquando da redação da cláusula constante em 6) quanto ao objeto social foi a de aquisição e exploração de uma central termoelétrica a carvão”.

O Tribunal fundamentou da seguinte forma a resposta negativa às alíneas acima indicadas.
Quanto aos factos b) a d) também nenhuma prova documental ou testemunhal (a testemunhal pelas razões acima explanadas nela se incluindo as declarações de parte) foi feita nesse sentido, sendo que dos documentos juntos resultou inclusive provado que a determinada altura da vida da sociedade ré ambas as acionistas sociedades comerciais (ou seja, a Autora incluída) perspetivaram a hipótese de a ré produzir energia através de outra fonte de energia, divergindo apenas na sua fonte (biomassa ou outra).
O mesmo se diga quanto aos factos não provados e), h), j) e k): nenhum dos documentos juntos aos autos permite a prova destes factos, sendo que a prova testemunhal e declarações de parte não foram tidas em conta pelas razões já indicadas”.

Valem, aqui, as considerações que acima tecemos quanto às als. a) e f) dos factos não provados. Não ignoramos, portanto, que alguma da prova produzida permite concluir no sentido indicado pela Autora. Diferente é que imponha essa conclusão.
De resto, o que dos documentos invocados pela Recorrente resulta é justamente a possibilidade de a Ré prosseguir a sua atividade para além de 2021 (data do termo do CAE), o que contraria a pretensão da Ré de que seja considerado demonstrado que “esteve sempre previsto entre os acionistas, com conhecimento de várias entidades, designadamente do Estado, que, quando a Ré deixasse de produzir eletricidade a partir do carvão, a mesma dissolver-se-ia, por ter realizado completamente o respetivo objeto, isto é, por ter concluído o projeto empresarial para que fora constituída”.
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Quanto aos factos não provados g) e h), a Recorrente entende que estão demonstrados, baseando-se para tanto nos seguintes elementos de prova:
(i) documento 4 junto com a petição inicial apresentada nos autos principais;
(ii) documento 35 da petição inicial do Apenso D;
(iii) declarações de parte de (…), na sessão de julgamento de 3 de abril de 2024, aos minutos 01:19:55 a 01:20:50;
(iv) depoimento da testemunha (…), na sessão de julgamento de 7 de fevereiro de 2024, aos minutos 00:12:21 e seguintes.

As als. g) e h) da matéria de facto não provada têm o seguinte teor:
g) O acordo referido em 14) foi celebrado entre todos os acionistas da Ré.
h) As acionistas TrustEnergy, SGPS, S.A. e (…) atuam por conta e seguindo instruções da acionista TrustEnergy, B.V., relativamente à qual não têm qualquer autonomia”.

O acordo referido em 14) é o acordo parassocial celebrado em 10.11.1993 entre as sociedades acionistas da Ré, tendo por objeto regular as suas relações, nessa qualidade.

O Tribunal fundamentou assim a resposta negativa às alíneas acima indicadas:
Quanto à alínea h), referiu que “nenhum dos documentos juntos aos autos permite a prova destes factos, sendo que a prova testemunhal e as declarações de parte não foram tidas em conta pelas razões já indicadas”.
No que concerne ao facto g) o mesmo foi dado como não provado, uma vez que o acordo parassocial foi subscrito apenas pelas acionistas pessoas coletivas, sendo que a ré tinha aquela data (e continua a ter) um acionista pessoa singular”.

Insurge-se a Recorrente contra a circunstância de o Tribunal “ter valorizado as participações singulares na Recorrida” mas o que o Tribunal fez foi apenas valorizar o que dos documentos resulta, designadamente ao nível da composição da Ré.
Por outro lado, como salienta a Recorrida na sua resposta, “(…) o facto de as acionistas votarem no mesmo sentido não pode ser sequer considerado um indício de falta de autonomia ou de que seguem instruções umas das outras”.
Não vemos, por isso, razão que imponha a alteração da matéria de facto no segmento indicado.

Quanto aos factos não provados k), a Recorrente defende que deve ser considerado provado por decorrer e estar em coerência com os factos provados 18, 124, 125, 133, 135, 170 e 178 da sentença.

A alínea k) da matéria de facto não provada têm o seguinte teor:
k) A acionista TrustEnergy, B.V. preparou um plano que a Ré está já a implementar com o objetivo de, assim que termine a atividade da Ré de produção de energia a carvão, iniciar um projeto com outra fonte de produção de eletricidade tendo em vista forçar a Autora a escolher entre duas possibilidades: ou ser capturada, com os seus capitais que investiu na Ré, para esse novo projeto, necessariamente de longo prazo, do qual será acionista minoritária e já sem quaisquer das prerrogativas conferidas pelo acordo parassocial, entretanto extinto, maxime o direito de nomear administradores; ou vender ao desbarato a sua participação na Ré à TrustEnergy, sua concorrente”.

Dos pontos 18, 124, 125, 133, 135, 170 e 178 dos factos provados consta o seguinte:
18. De acordo com a cláusula 10.3 do acordo parassocial, este vigora pelo período de 28 anos a partir da data da sua assinatura (10 de Novembro de 1993) ou por período mais extenso, em caso de prorrogação da vigência do Contrato de Aquisição de Energia e do Contrato de Entrega de Carvão”;
124. A TrustEnergy remeteu à Autora em 5 de Maio de 2021 uma carta em que refere que face às propostas apresentadas pela Autora na Assembleia Geral de 23.04.2021, esta não está interessada em continuar na sociedade Ré e indica que mantém o seu compromisso com a Ré e acredita nela como um projeto com viabilidade de continuidade comercial e bem assim que está disponível a adquirir a participação da Autora na Ré avaliada num cenário em que a Ré já não fosse titular da licença de produção nem do Ponto de Ligação e considerando todos os custos associados.
125. A Autora comunicou à TrustEnergy por carta de 24.5.2021 que não estava disponível para discutir a proposta desta para aquisição da sua participação social por considerar não se tratar de uma proposta de boa-fé face aos termos e ao contexto em que foi formulada”;
133. Iniciados os trabalhos, o administrador (…), um dos administradores indicados pela TrustEnergy, apresentou uma proposta, para que a Ré:
(i) requeira junto da DGEG a emissão de licença de produção para alteração de combustível de carvão para biomassa;
(ii) continue a desenvolver as ações e estudos necessários para desenvolver um projeto estratégico e integrado em linha com as polícias de transição energética;
(iii) devendo todos os custos decorrentes do que antecede ser suportados pela TrustEnergy, aproveitando a disponibilidade por esta manifestada para os assumir”;
135. As propostas foram aprovadas com os votos favoráveis dos administradores (…), (…), (…), (…) e (…), indicados pela acionista TrustEnergy, tendo os demais administradores votado contra”;
170. A Ré apresentou, no dia 17 de Janeiro de 2022, a sua candidatura no concurso público para atribuição do ponto de ligação à rede”; e
178. O conselho de administração, composto pelos 6 administradores identificados supra, reuniu na data de 17.01.2022 e aprovou, por unanimidade, as propostas apresentadas pela administradora delegada constantes dos dois pontos da ordem de trabalhos dessa reunião:
«1. Aprovação da proposta a submeter ao concurso para atribuição de capacidade de injeção no Pego (designado por “atribuição de reserva de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público de eletricidade produzida exclusivamente de fontes de energia renovável em Centro Electroprodutor com ou sem armazenamento integrado” (“o Concurso”), de acordo com a documentação respeitante à proposta disponibilizada em 15 e 16 de Janeiro 2022.
2. Aprovação da caução exigida nos termos do artigo 15 dos documentos do Concurso (Programa de Procedimento), a constituir mediante depósito caução no montante de € 2.450.000,00 a favor do Estado Português (através da DGEG)»”.

A Recorrente atribui à alínea k) dos factos não provados a natureza de “facto conclusivo”. Pretendia, no entanto, que o Tribunal, em linha com os factos elencados sob os pontos 18, 124, 125, 133, 135, 170 e 178, desse como demonstrado o teor constante da alínea k).
A este respeito, uma de duas: ou a alínea k) dos factos não provados é uma conclusão, caso em que não deve figurar, nem na matéria de facto provada, nem na matéria de facto não provada; ou, constituindo um facto, revelado nos pontos 18, 124, 125, 133, 135, 170 e 178 dos factos provados, o Tribunal Recorrido incorreu em contradição ao considerar provada e não provada matéria que impunha uma resposta coincidente.
Pois bem, entendemos que a alínea k) integra um facto. A existência de uma intenção da Ré – traduzida num plano cujo objetivo era iniciar um projeto com outra fonte de produção de eletricidade e obrigar a Autora a escolher entre permanecer nesse novo projeto sem condições que lhe permitissem exercer adequadamente os seus direitos ou vender a sua participação na Ré à Trust Energy, sua concorrente, por um valor inferior ao valor real – é um facto.
Não cremos é que seja uma realidade imposta pelos pontos 18, 124, 125, 133, 135, 170 e 178 dos factos provados, razão por que também nesta parte improcede a impugnação da matéria de facto.

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Ainda no domínio da reapreciação da matéria de facto, nas conclusões XLVI a LIX, a Recorrente pretende ver aditados à matéria de facto provada constante da sentença recorrida seis factos:
1- “O contrato de aquisição de energia terminou a sua vigência no dia 30 de Novembro de 2021, data em que cessou também a licença de produção”.
2- “A acionista TrustEnergy nunca aceitou verdadeiramente discutir a relação acionista futura, como parte destas negociações”.
3- “A TrustEnergy rejeitou as negociações entre as equipas jurídicas e eliminou sistematicamente todas as referências propostas pela Autora relativas à necessidade de alcançar um acordo mútuo sobre o futuro da sua relação enquanto acionistas da Ré”.
4- “O pedido referido no facto 136 foi indeferido liminarmente e foi proposta uma ação de impugnação dessa decisão de indeferimento liminar perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – Unidade Orgânica 1, sob o proc. nº 1507/21.1BELRA, que foi julgada improcedente por sentença, estando o respetivo recurso pendente”.
5- “A rejeição do pedido de licenciamento deveu-se ao facto de a extinção do contrato de vinculação (CAE), em 30 de Novembro de 2021, implicar a extinção das licenças de exploração e produção, ao mesmo associadas, não podendo assim a licença de produção ser objeto da alteração requerida, o que leva a que Ponto de Ligação à rede eléctrica de serviço público fique liberto para nova atribuição”.
6- “O procedimento cautelar referido nos pontos 168 e 169 dos factos provados foi rejeitado por sentença confirmada por acórdão”.

Vejamos.
O facto 1 é redundante.
Os pontos 28 a 30 dos factos provados têm o seguinte teor:
“28. Nos termos da cláusula 2.1. do contrato de aquisição de energia, este iniciou a sua vigência na data da sua assinatura, produzindo efeitos até à “Data de Caducidade”, salvo em caso de cessação por qualquer outra disposição prevista no contrato.
29. Nos termos da cláusula 1.1., “Data de Caducidade” define-se como um período de 28 anos a contar da “Data da Exploração” do primeiro grupo gerador.
30. A “Data de Exploração”, por sua vez, define-se como a data referida na “Licença da Exploração”, sendo a data da licença de exploração, 30 de Novembro de 1993.
Resulta, portanto, da conjugação dos pontos 28 a 30 dos factos provados que “O contrato de aquisição de energia terminou a sua vigência no dia 30 de Novembro de 2021”, razão por que não se vislumbra qualquer interesse em aditar tal facto.

O mesmo se diga quanto aos factos 2 e 3. É pacífico que houve negociações entre as partes no sentido de definir e encontrar uma solução para a atividade futura da Ré e para a “relação acionista”, como também não oferece discussão que se frustrou esse entendimento. Diferente é, a partir dos factos provados, imputar à Ré a responsabilidade pela falta de entendimento, como se a Ré tivesse de aceitar qualquer solução proposta pela Autora. O que da prova produzida resulta é que, num dado momento, as negociações entre Autora e Ré chegaram a um impasse, sem que apesar de disso a Ré tivesse fechado completamente a porta à possibilidade de ser encontrada uma solução consensual.
De resto, pretender que “A Ré nunca aceitou verdadeiramente discutir a relação acionista futura” significa que aceitou discutir, ainda que não nos termos tidos por interessantes pela Autora.

Quanto ao facto 4, não se vislumbra que relevância possa ter para a decisão. Relevante é a existência do pedido referido no ponto 136 dos factos provados – de atribuição de licença de produção para a Central Termoelétrica do Pego, por alteração de combustível de carvão para biomassa – também incontestada.

Quanto ao facto 5, decorre claramente dos factos 150 e 151 a razão que levou ao indeferimento do pedido de atribuição de licença, não se reconhecendo interesse ou relevância no seu aditamento.

O mesmo se diga quanto ao facto 6, que se reputa de irrelevante para a decisão.
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Ainda no que se reporta à impugnação da matéria de facto, “Cumpre recordar aqui, e para além do que acima deixamos dito, outras regras e limites a observar quanto à reapreciação pelo Tribunal da Relação da matéria de facto. Consagra o artigo 655.º do C.P.C. o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Segundo este princípio, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
“O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (...): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
Representando, tal como os outros princípios referidos, uma conquista que se tem vindo a desenvolver desde a Revolução Francesa, a livre apreciação implantou-se historicamente em substituição dum sistema de prova legal em que os próprios depoimentos testemunhais eram valorados em função de factores meramente quantitativos. Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova.” (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, pág. 668, em anotação ao artigo 655.º).
Sobre o recurso da matéria de facto diz-se, por outro lado, no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...”.
Verificamos, assim, que a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior há-de ser apenas justificada por manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, não pela leitura e convicção que estas geram no julgador – que é livre, não sendo determinada por qualquer hierarquização das provas, como dissemos – mas pela clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja, os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto estão reconduzidos aos casos de flagrante desadequação entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão.
É esta, aliás, a posição defendida no Ac. da RC de 22.1.08 (Proc. 738/04.TBTMR, in www.dgsi.pt): “... a existência de um sistemático novo julgamento no âmbito factual, sempre circunscrito aos elementos - audíveis e documentais - disponíveis para a instância de recurso, acabaria por implicar, para os próprios recorrentes, uma inevitável diminuição de base qualitativa nas decisões assim proferidas. Com efeito, toda a indescritível panóplia de elementos visualizáveis que necessariamente rodeia a imediação da apreciação da prova na 1ª instância estaria então absolutamente ausente na instância de recurso. Permitir um segundo julgamento sem a riqueza de um tal cenário de análise seria o mesmo que deliberadamente retirar ao novo julgador um considerável número de instrumentos para uma conscienciosa formação da respectiva convicção, porventura tão ou mais determinantes do que os facultados pelo mero registo magnético, amputando-se o processo decisório da possibilidade de crítica dos elementos genéticos globalmente nele influentes, com um natural e acrescido risco de erro para o resultado final. De forma que, sem prejuízo do indispensável cotejo com todo o sustentáculo fundamentador da decisão impugnada, só limitando a intervenção do tribunal de recurso à detecção de flagrantes e excepcionais situações de inadequação ou irrazoabilidade do juízo e convicção que integram aquele sustentáculo, sindicados no confronto com o peso de certos e discriminados elementos probatórios (a que o recorrente atribui uma relevância desprezada pela instância recorrida) se consegue o desiderato de um melhor julgamento do ponto ou pontos em questão”.
O Ac. do STJ de 10.5.07 (Proc. 06B1868, relatado pelo Conselheiro J. Pires da Rosa) sintetizou, de forma particularmente expressiva, os poderes do Tribunal da Relação sobre a reapreciação da matéria de facto: “O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. Claro – repete-se – que por mais sugestiva ou adequada que seja ou pareça a fundamentação do tribunal recorrido, o tribunal tem de conhecer as provas produzidas, tem de ouvir as cassetes (nos pontos indicados, ao menos) sempre, porque só a partir dessa audição – e do confronto dela com as mais provas – pode aferir dessa adequação ou razoabilidade. Mas se esta existe não há que alterar o que quer que seja, não há que substituir a razoabilidade afirmada por uma outra razoabilidade à qual necessariamente faltariam alguns elementos de suporte – já se falou nisso acima - que ajudaram a estruturar a primeira. Estaria a substituir-se uma razoabilidade por uma outra, todavia mais débil”.
Em suma: no recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância, e apenas deve determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão.
É nos moldes descritos que tem de compreender-se a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior, na certeza de que não pode o tribunal ad quem substituir-se, pura e simplesmente, na convicção formada pelo Juiz no tribunal a quo” – Ac. da Relação de Guimarães de 13.01.2011, em www.dgsi.pt,

Pelas razões descritas, consideramos ser de manter inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal recorrido.

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Debrucemo-nos, agora, sobre a questão de direito.
A Recorrente diz que “Em matéria de direito, o Tribunal a quo centrou as decisões tomadas neste processo na interpretação do objeto social, para que contribuíram fundamentalmente 4 ideias-chave: (i) não ficou demonstrada a existência de uma joint venture, e, se ficasse, era irrelevante para a interpretação dos estatutos; (ii) o acordo parassocial existente não é omnilateral e também não é relevante para a interpretação dos estatutos; (iii) da efetiva atividade da Recorrida também não se pode retirar qualquer restrição do escopo do objeto social face à letra do mesmo nos estatutos da Recorrida; (iv) o elemento literal da interpretação é ponto de partida e limite interpretativo, sendo praticamente inabalável – «tendo sido afastados os 3 elementos supra, o elemento literal mantém-se” – Conclusão LX.

A (in)existência de uma joint venture
O contrato de empreendimento comum (joint venture) corresponde a um conjunto de relações entre dois ou mais sujeitos titulares de empresas que acordam a realização de um empreendimento ou empresa e estabelecem os termos em que cada um coopera para a sua consecução. Mas como também já referimos, nem sempre o contrato joint venture tem carácter contratual, ficando-se muitas vezes por um mero entendimento comum. Estes entendimentos podem ser meras orientações gerais ou podem chegar a ser verdadeiros acordos entre as partes, apesar de não vincularem juridicamente as partes. Ora, nos sistemas que adoptam um conceito mais amplo de sociedade o contrato de joint venture tratar-se-á de um contrato de sociedade (ou partnership); noutros, em que se adopta um conceito mais restrito de sociedade, far-se-á apelo a categorias que abrangem o contrato de sociedade e outros contratos de cooperação económica” – Ana Filipa das Neves Martins de Sousa – O Contrato de Joint Venture, pág. 30, https://estudogeral.uc.pt

Salvo melhor opinião, não temos por decisiva a qualificação da Ré como uma joint-venture.
Ainda que fosse denominada como tal, tendo as acionistas constituído uma sociedade através da qual formaram uma parceria, o importante é perceber qual o seu objeto e que finalidade esteve subjacente à sua criação: se, como diz a Autora, foi constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoeléctrica a carvão do Pego ou, como diz a Ré, tem uma atividade que vai para além da execução do CAE e prossegue desde 2005 outras atividades, que implementou à margem da produção de energia elétrica a carvão tendo em vista a prossecução de outras atividades e a procura de um futuro após a cessação do Contrato de Aquisição de Energia.
No fundo, interpretar a vontade das partes no ato de constituição da sociedade.

A propósito desta questão, acompanhamos a fundamentação da decisão Recorrida, onde se lê: “A argumentação da A. quanto à interpretação que faz da disposição do pacto social respeitante ao objeto social passa pela interligação/articulação do pacto social, por um lado com a joint venture que alegou existir constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego (que não resultou provada) e por outro com o acordo parassocial celebrado entre as pessoas coletivas que eram acionistas da Ré à data de celebração de tal acordo (factos 14 e segs.).
No que à joint venture diz respeito (…), não resultou provada a sua existência, sendo que, ainda que assim não fosse tal não alteraria a conclusão a que chegaremos em sede de interpretação da norma do pacto social respeitante ao objeto social”.
Com efeito, a expressão Joint Ventures significa, num sentido amplo usado especialmente no comércio internacional, qualquer empreendimento comum criado por dois ou mais participantes para um fim específico de natureza comercial, financeira ou técnica ou, dito de outro modo, qualquer organização ou relação contratual que tenha por objeto o desenvolvimento de atividades de duas ou mais empresas para o cumprimento de uma obra ou a prestação de um serviço (Carlos Ferreira de Almeida, “Contratos III – Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco, 2ª Ed. Almedina).
Assim, as joint ventures apresentam as seguintes características:
a) O empreendimento ficará sobre recíproco controlo de ambos;
b) Cada associado fará uma contribuição substancial para a empresa comum;
c) Prosseguimento e prossecução de uma atividade, projeto ou negócio único, em vez de um negócio duradouro;
d) Criação de capacidade produtiva, nova tecnologia ou produto, bem como a entrada num novo mercado.
No caso de formação de uma sociedade comercial nova o sistema jurídico reconhece o nome de incorporated joint ventures, podendo estas formar-se pela a) Criação de uma sociedade, cujo capital é repartido, em partes iguais ou não, por uma empresa estrangeira e uma ou várias empresas locais; b) Tomada de participação estrangeira no capital de uma sociedade já existente.
São motivos de ordem puramente financeira e económica que sustentam as Joint Ventures: redução do risco; realização de economias de escala e/ou racionalização da produção; internacionalização; obtenção e combinação de recursos tecnológicos; aproveitamento de vantagens financeiras (Lima Pinheiro, Contrato de empreendimento comum (joint-venture) em direito internacional privado Lisboa: Edições Cosmos).
Uma vez que este tipo de acordos interempresariais (joint ventures) pressupõe a união de esforços de empresas muitas das vezes concorrentes entre si, para reduzir este risco, é frequente a estipulação de cláusulas contratuais onde se atribui, no caso de sociedades anónimas, direito de voto a uma entidade ou participação, em detrimento de outra, ou ainda poderes especiais para assuntos ou questões fundamentais, como seja o direito de veto ou a designação de um managing director. Ou seja, face à complexidade destes acordos interempresariais e à necessidade de um plano estrutural organizado, as partes tendem a formalizar tais acordos onde se define o objeto ou empreendimento comum; suas formas e modalidades de realização; direitos, deveres e obrigações; bem como todas as cláusulas que as partes considerem de especial relevância ou fundamentais, como sejam, a duração do empreendimento comum, a resolução ou a extinção do mesmo”.
Assim, a joint venture mesmo que tivesse resultado provada (o que reitera-se não foi o caso) consistiria fundamentalmente num negócio jurídico bilateral tendo em vista a prossecução de um empreendimento/projeto comum, sendo que a prossecução de tal empreendimento comum passaria pela participação (enquanto acionistas) na sociedade Ré. Ou seja, um contrato sujeito à respetiva disciplina e às regras de interpretação previstas nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.
Ora, o ato de constituição da sociedade está sujeito a forma especial, a registo e, as mais das vezes, a publicação, estando sujeita a sua interpretação, no que às normas respeitantes ao objeto social concerne, às regras gerais de interpretação e integração das leis, previsto nos artigos 9.º a 11.º do Código Civil.
Daqui resulta que as disposições de eventual joint venture (que reitera-se não resultou provada pelos motivos explanados em sede de motivação da matéria de facto) nunca poderiam servir para fundamentar uma interpretação restritiva da literalidade do que consta no pacto social: tal subverteria a própria finalidade da existência de um objeto social definido e constante de um registo público, possibilitando a sua restrição através de um contrato existente entre apenas duas partes”.
*
O acordo parassocial
Os acordos parassociais são convenções celebradas entre todos ou alguns sócios de uma sociedade, com o objetivo de regular aspetos da relação societária que não se encontram, ou não podem encontrar-se, no contrato de sociedade. Diferem, assim, do contrato social, que constitui a sociedade e vincula todos os sócios, já apenas produzem efeitos apenas entre os signatários.
Têm natureza contratual ou obrigacional, e não orgânica. Ou seja, criam deveres pessoais entre os sócios que os subscrevem mas não alteram diretamente o regime jurídico da sociedade.
Estão sujeitos a limites materiais e funcionais, não podendo contrariar normas imperativas da lei societária, afetar a organização e funcionamento interno da sociedade de modo a subverter o regime legal ou estatutário ou impor obrigações diretamente à própria sociedade, salvo se esta também for parte no acordo.
Ainda que coexistam com o contrato de sociedade e os estatutos, não os substituem nem os modificam. São acordos de natureza obrigacional celebrados em paralelo com o contrato social e funcionalmente conexos com este. Enquanto os estatutos têm natureza orgânica e erga omnes, o acordo parassocial tem natureza obrigacional e são apenas eficazes entre as partes subscritoras.
Em caso de conflito entre o acordo e o contrato social, prevalece, naturalmente, o contrato de sociedade, em virtude da sua eficácia erga omnes. O acordo parassocial não pode, portanto, alterar validamente o regime estatutário.
Por outro lado, o acordo parassocial não pode também ser oposto à sociedade ou a terceiros, exceto nos casos em que estes tenham aderido ou tomado conhecimento e aceitado expressamente o conteúdo do acordo. A sua violação gera unicamente responsabilidade civil entre os sócios signatários, e não a invalidade das deliberações sociais. Daí que a violação do acordo parassocial não afete o ato societário, salvo se este for, ele próprio, contrário à lei ou aos estatutos.
O contrato de sociedade pode subsistir sem o acordo parassocial, mas este último não pode subsistir sem o contrato de sociedade: os acordos parassociais são estipulações acessórias do pacto social e não o oposto (Pedro Pais de Vasconcelos, “A participação social nas sociedades comerciais, 2.ª edição, Almedina, ac. do TRG de 03-11-2016, proc. n.º 1762/13.0TJVNF-A.G1, ac. do TRP de 30-01-2024, proc. n.º 1140/22.0T8AMT.P3, disponíveis em www.dgsi.pt, citados na decisão recorrida.

Como refere o Tribunal a quo, os acordos parassociais estão sujeitos aos marcos interpretativos dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, sendo que, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CSC, “O conteúdo dos acordos parassociais é irrelevante para efeitos de impugnação dos atos da sociedade ou atos dos sócios para com a sociedade: nem do incumprimento de um acordo parassocial válido, nem do cumprimento de um acordo parassocial inválido se podem retirar consequências que atinjam o plano societário” – Carolina Cunha, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, em anotação ao artigo 17.º do CSC, Almedina).
Por tal motivo, as estipulações do acordo parassocial não podem ser utilizadas como elemento para proceder à interpretação restritiva do pacto social no que concerne ao objeto social.
Ademais, no caso concreto, o acordo parassocial em causa não é omnilateral, uma vez que apenas as acionistas pessoas coletivas são parte do mesmo – à data existia e ainda existe um acionista pessoa singular.
E, ainda que assim não fosse – sempre estariam em causa interesses do tráfico jurídico e do público em geral (limites habitualmente apontados à possibilidade de eficácia alargada dos acordos parassociais), já que o objeto social manifestamente não diz respeito apenas aos interesses das partes do acordo social.
Estão em causa limites de ordem pública, subjetivos e funcionais que restringem o âmbito de eficácia do acordo parassocial.
Por outro lado, o argumento de que a atividade da Ré foi, desde 1993 e ao longo de 30 anos, apenas a exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego também não poderá conduzir à conclusão de que é apenas este o seu objeto social. Na verdade, a concreta atividade que em cada momento da vida da Ré esta decidiu levar a cabo não se confunde com o seu objeto social, sobretudo, como é o caso em apreço, quando a definição de tal objeto social foi realizada de forma ampla – recordemos que a ré foi constituída por escritura pública celebrada em 15-10-1992, como uma sociedade anónima de duração por tempo indeterminado, constando do artigo segundo do documento complementar à escritura pública de constituição da Ré que constitui objeto da sociedade a produção, transporte e distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão, bem como todas as atividades conexas ou afins.
E nem se diga que a enunciação ampla do objeto social resulta de prática comum e que não foi o pretendido pelas partes subscritoras do pacto social ou assim entendido pelos seus acionistas (factos que para além do mais resultaram não provados). Na verdade, como supra referido, na interpretação do objeto social o elemento literal é sempre o ponto de partida e o limite da tarefa interpretativa, sendo que apenas quando razões ponderosas, baseadas noutros elementos interpretativos, conduzem a conclusão contrária, deve o intérprete preterir o sentido que se retira do elemento literal.
Acresce que, caso os acionistas (empresas multinacionais experientes na área da produção de energia) entendessem que o objeto social da Ré se cingia à exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, sempre poderiam ter alterado o pacto social da Ré tendo em vista tal restrição (o que não fizeram), sendo manifesto que o que consta do pacto social como sendo o objeto social da Ré a saber, a produção, transporte e distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão, bem como todas as atividades conexas ou afins é clara e literalmente mais amplo do que a exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, não tendo a interpretação realizada pela Autora, da cláusula respeitante ao objeto social constante do pacto social, correspondência com a letra da mesma.
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A atividade da Recorrida
Quanto à efetiva atividade da Recorrida, diz a Recorrente que “o Tribunal a quo desconsiderou o facto de a atividade da Recorrida, ao longo de 30 anos, ser a produção de energia através do carvão, tendo cessado definitivamente em novembro de 2021, data em que também cessou o contrato de aquisição de energia e a licença vinculada”.
E, “Para além de não atribuir à atividade efetiva, ao longo de 30 anos, qualquer valor interpretativo dos estatutos, o que é errado, o Tribunal a quo concluiu que a Recorrida desenvolveu outras atividades para além da exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego, referindo-se à prestação de serviços à Elecgás, e ao facto de os acionistas terem ponderado “a possibilidade de a Ré exercer a atividade de produção elétrica a partir de outra fonte de energia que não o carvão (biomassa / compensador síncrono / solar)” – Conclusões LXXXVIII e LXXXIX.
Ora, não só a Ré desenvolveu outras atividades (compreendidas no objeto social) mas que não se restringiam à exploração e manutenção da central termoelétrica a carvão do Pego (a saber prestação de serviços à Elecgás), como a partir de determinada altura os acionistas ponderaram a possibilidade de a Ré exercer a atividade de produção elétrica a partir de outra fonte de energia que não o carvão (biomassa/compensador síncrono/solar) – factos 59 a 63.
E, estivessem em causa fontes complementares ou fontes alternativas de energia, o que daqui verdadeiramente se retira é que em consonância com o objeto social, nunca deixou de ser ponderada a possibilidade de desenvolvimento de atividades incluídas naquele objeto. Por isso, nunca a circunstância de a Ré se ter dedicado, ao longo de 30 anos, à produção de energia através do carvão foi tida pelos envolvidos como um obstáculo ao exercício de outras atividades, naturalmente conexas ou contidas no objeto social.

Ainda a respeito da definição da abrangência do objeto social, como também se lê na decisão recorrida, são irrelevantes – face aos critérios supra enunciados que presidem à interpretação das normas do pacto respeitantes ao objeto social – as considerações / opiniões dos administradores da Ré (designadamente as que ficaram plasmadas nas atas das reuniões do Conselho de Administração da Ré).

A decisão recorrida fez um correto enquadramento dos factos provados, não merecendo por isso censura, designadamente no segmento em que “julga improcedente o pedido da Autora de que seja declarado que o objeto social da Ré é a exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego” e às consequências que daí resultam para as demais pretensões deduzidas pela Autora, concretamente o pedido de que seja declarado que – com o fim do contrato de aquisição de energia e a extinção da licença de produção, em 30.11.2021, e na ausência de acordo dos sócios quanto a uma nova atividade da Ré – a mesma dissolver-se-á automaticamente, e de que seja determinada a alteração da matrícula da Ré no sentido de dela passar a constar que o seu objeto é, como referido, a exploração de uma central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego (pontos 1, 3 e 6 do pedido).

Como se lê na decisão recorrida, «Nos termos do artigo 141.º, n.º 1, alínea c), do CSC, a sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato e ainda pela realização completa do objeto contratual, ou seja, quando a atividade-objeto é “de tal modo específica que materialmente haja possibilidade da sua realização completa” (Raúl Ventura, “Dissolução e liquidação de Sociedades. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993).
Estão assim em causa situações em que o objeto social é de tal forma concretizado/delimitado que materialmente se verifique a sua realização completa. Sendo que, se só uma ou mais das várias atividades ou empreendimentos da atividade global ou complexa da sociedade foram realizadas, isso não permite considerar que o objeto estatutariamente definido pelos sócios se realizou completamente.
Ora, atento o acima exposto quanto ao objeto social da Ré, manifesto é que o mesmo não é de tal forma concretizado / delimitado que implique que se verifique a sua realização completa: o objeto social não consiste na exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego (como pretendido pela Autora), mas sim, tal como consta literalmente dos seus estatutos, a produção, transporte e distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão, bem como todas as atividades conexas ou afins”.
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Debrucemo-nos agora sobre o ponto 2 do pedido (“Que seja judicialmente declarado que os actos praticados pela administração da Ré com o objectivo de implementar a produção de energia eléctrica a partir de outra fonte que não o carvão são inválidos ou, pelo menos, ineficazes”).
Antes, porém, importa dizer que é transversal à formulação de todos os pedidos o fundamento de que a Ré foi constituída exclusivamente para a compra, exploração e manutenção da central termoeléctrica a carvão do Pego, estando, nessa medida, feridos de invalidade todos os atos e deliberações que tenham em vista a prossecução e execução de outras atividades não compreendidas nesse objeto.
Ora, tendo o Tribunal concluído pela improcedência do pedido “de que seja declarado que o objeto social da Ré é a exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego”, a apreciação das outras pretensões deduzidas pela A. fica, de alguma forma, simplificada.

Vejamos então o ponto 2 do pedido formulado no processo principal.
O conselho de administração é o órgão executivo e de gestão da sociedade, cabendo-lhe, genericamente, a administração e representação da sociedade e a condução global dos negócios sociais.
O artigo 405.º, n.º 1, do CSC, sob a epígrafe “Competência do conselho de administração” dispõe que “Compete ao conselho de administração gerir as atividades da sociedade, devendo subordinar-se às deliberações dos acionistas ou às intervenções do conselho fiscal ou da comissão de auditoria apenas nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o determinarem”.
Do artigo 405.º, n.º 1, do CSC decorre que as competências do conselho de administração são de gestão e representação, abrangendo todos os atos necessários à prossecução do interesse social, salvo os que a lei ou o contrato de sociedade reservem a outro órgão.
Essa competência genérica de gestão, afirmada no artigo 406.º do CSC, confere ao conselho de administração ampla margem de decisão.
Com efeito, resulta do n.º 1 do artigo 406.º que compete ao conselho de administração “praticar todos os atos e operações compreendidos no objeto social”, excetuando aqueles que a lei ou os estatutos atribuam à assembleia geral ou a outros órgãos.
Entre esses atos, destacam-se, com interesse para o caso concreto, a definição da estratégia empresarial e a aprovação de planos de atividade, a aquisição e alienação de bens e a celebração de contratos necessários à atividade da sociedade.

Os atos concretos impugnados pela Autora compreendem-se na atividade de gestão da Ré na prossecução do objeto social, o qual, como vimos, não tem a abrangência limitada pretendida pela Autora. São, portanto, competência do conselho de administração, nos termos do artigo 405.º do CSC e, nesse sentido, válidos e eficazes.
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Analisemos agora o ponto 5 do pedido.
Pretende a Autora que sejam declarados nulos os votos emitidos pelas acionistas TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta de dissolução da Ré, constante do ponto 3 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, subsidiariamente, que seja declarada nula ou (subsidiariamente) anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 3 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a dissolução da Ré.
O pedido que a Autora formula a este respeito está em linha com o argumento de que o objeto da Recorrida terminou em 30 de novembro de 2011.
Sustenta que a continuidade da atividade implicaria a alteração do objeto social, matéria que só pode ser deliberada por 2/3 dos votos emitidos (artigos 383.º, n.º 2 e 386.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais), o que concretamente implicaria o acordo dos dois acionistas, a Recorrente e a TrustEnergy, acordo que não existiu.
Os votos emitidos contra a proposta de deliberação de dissolução da sociedade têm verdadeiramente como fundamento a pretensão das acionistas que os emitiram de continuar a atividade da sociedade à margem do seu objeto social, seguindo um projeto próprio e à revelia da vontade da Recorrente, capturando o investimento desta.

Vejamos.
Nas sociedades anónimas, o órgão deliberativo é a assembleia geral, composta pelos acionistas, à qual compete decidir sobre as matérias fundamentais da vida societária, como a aprovação de contas, a proposta da aplicação de resultados, a eleição de administradores e membros do órgão de fiscalização, ou a alteração do contrato de sociedade (artigos 374.º e 376.º do CSC).
As deliberações estão sujeitas a um controlo de legalidade, podendo ser declaradas nulas ou anuladas quando violem a lei ou o contrato de sociedade, designada e respetivamente, nos casos previstos nos artigos 56.º e 58.º do CSC.
A nulidade ocorre quando as deliberações violam gravemente a lei ou a ordem pública, o que acontece, com interesse para o caso concreto, quando o seu conteúdo:
(i) não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios, ou,
(ii) seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.

A anulabilidade (artigo 58.º CSC) atinge as deliberações que enfermam de vícios menos graves, como irregularidades procedimentais ou violações de normas dispositivas.
São anuláveis as deliberações que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.

Como se escreveu no ac. do STJ de 14-04-1999, proc. n.º 99B059, disponível em www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida, “(…) para que haja abuso do direito de voto são necessários dois requisitos cumulativos: um pressuposto objectivo, traduzido na adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados; e um pressuposto subjectivo que pode aparecer na variante da intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou terceiros, ou na de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios.
Vejamos como a doutrina vem tratando esta questão:
O CSC adotou, "ainda que numa fórmula um pouco mais ampla, ou se se quiser menos restritiva" (Dr. Taveira da Fonseca, Deliberações sociais, suspensão e anulação, Textos do CEJ e do CD do Porto da OA, pág. 148) a posição perfilhada pelo Prof. Ferrer Correia, que entendia, para se poder falar de abuso do direito de voto, ser necessário aparecerem cumulados dois requisitos: determinar-se o sócio por motivos extra-sociais; e resultar daí prejuízo para a sociedade. Qualquer dos requisitos, de per si, não bastava para se poder falar de abuso do direito de voto. "A invocação da mera desconformidade do conteúdo da deliberação com o interesse social, não pode ser, de per si, fundamento da impugnação da validade daquela. Um sócio discordante não é admitido a fazer valer a sua própria interpretação do interesse social, alegando que a maioria não o avaliou bem e pedindo ao juiz que aprecie a deliberação quanto ao mérito. Por outro lado, não diremos, com certa orientação, que há vício de voto ou de deliberação, só porque os sócios com o seu voto, visaram interesses extra-sociais – se determinaram por motivos alheios ao bem da sociedade" (ibidem, pág. 405).
Já para Pinto Furtado, mesmo faltando na norma a componente ético-jurídica presente no artigo 334.º do CC, "não será, pois, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso do direito" (ibidem, pág. 389).
Na óptica deste autor, para se considerar abusiva a deliberação, seria necessário que ela se traduzisse, em relação aos outros sócios, numa situação de manifesta injustiça, "num excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé ou pelo fim social ou económico do seu direito" (ibidem, pág. 406); ou então, encarada sob o ângulo do prejuízo da sociedade ou dos outros sócios, "à existência da vantagem deve corresponder, quase automaticamente uma perda, principalmente no património social" (ibidem, pág. 408).
Para Moitinho de Almeida, na esteira dos Profs. M. Andrade (RLJ, 87, págs. 305-306) e Vaz Serra (RLJ 113, pág. 7) "o abuso do direito existe nas deliberações sociais quando a deliberação não é imposta pelo interesse social e excede manifestamente os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito a uma razoável conciliação do interesse social e do interesse dos sócios, tornando-se escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico. E apura-se através das circunstâncias concretas do voto, demonstrativas de que a deliberação é em proveito exclusivo dos sócios que a aprovam ou de terceiros, conferindo vantagens especiais àqueles ou aos terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios como agentes de uma função social" (Anulação e suspensão de deliberações sociais, 2ª ed., pág. 101).
Posto isto, voltemos ao artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC. Com Pinto Furtado (obra cit. pág. 387) vamos decompô-lo, obtendo-se "um espectro com as características que passamos a apontar.
É anulável, por abuso do direito dos votos através dos quais foi aprovada:
a) a deliberação apropriada para a satisfação do propósito de um dos sócios;
b) de conseguir através do exercício do direito de voto;
c) vantagens especiais para si ou para terceiros;
d) em prejuízo da sociedade ou de outros sócios".

O artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC prevê duas modalidades de deliberações abusivas (ac. do STJ de 11-07-2023, proc. n.º 65/22.4T8LGA.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt):
a) – deliberações que revelem o intuito do sócio de conseguir vantagens especiais para si, ou para terceiros, em detrimento de outros sócios ou da própria sociedade, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios, de conseguirem, através do exercício do direito do voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios;
b) – deliberações que revelem o intuito do sócio em prejudicar a sociedade ou os outros sócios, através do exercício do seu direito de voto, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou os outros sócios.

A Autora fundamenta o abuso de direito dos votos emitidos contra a proposta de deliberação de dissolução da sociedade (constante do ponto 3 da ordem de trabalhos), no facto de considerar que os mesmos tinham como objetivo continuar a atividade da sociedade à margem do seu objeto social, seguindo um projeto próprio e à revelia da vontade da Autora, capturando o investimento desta.
Quanto ao objeto social da Ré, já deixamos expressa a nossa posição a esse respeito, com o que se conclui não ser válido o argumento de que a deliberação tem como objetivo continuar a atividade da sociedade à margem do seu objeto social.
Acresce que não se provou que a deliberação – sendo contrária à posição manifestada pela Autora – foi tomada tendo em vista a obtenção de vantagens para os sócios que a aprovaram ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, nem que tais votos tiveram como propósito prejudicar a sociedade ou outros sócios. Recordemos que não se provou que “A acionista TrustEnergy, B.V. preparou um plano que a Ré está já a implementar com o objetivo de, assim que termine a atividade da Ré de produção de energia a carvão, iniciar um projeto com outra fonte de produção de eletricidade tendo em vista forçar a Autora a escolher entre duas possibilidades: ou ser capturada, com os seus capitais que investiu na Ré, para esse novo projeto, necessariamente de longo prazo, do qual será acionista minoritária e já sem quaisquer das prerrogativas conferidas pelo acordo parassocial, entretanto extinto, maxime o direito de nomear administradores; ou vender ao desbarato a sua participação na Ré à TrustEnergy, sua concorrente” (facto não provado k).
Do mesmo modo, e pelos mesmos motivos, inexiste qualquer violação dos limites impostos pela boa fé ou bons costumes ou violação do dever de lealdade dos acionistas, invocado pela Autora.
Nada na factualidade provada permite concluir pela existência de abuso: é de admitir que a prossecução da atividade da Ré continue a gerar lucros que possam ser distribuídos por todos os acionistas, sem qualquer prejuízo para a sociedade, sendo que, para além disso a acionista maioritária se predispôs a suportar os custos incorridos pela Ré com todos os atos e diligências necessárias para garantir que a Ré permanece apta a prosseguir a sua atividade de produção de energia após o termo do CAE (facto 133).

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Entremos agora na apreciação dos pedidos formulados do apenso C.
A Autora pedia:
a) a declaração de nulidade ou anulação a deliberação aprovada no conselho de administração da Ré de 01.06.2021 no sentido de:
(i) ser por esta requerida a emissão de licença de produção para alteração de combustível de carvão para biomassa;
(ii) continuar a mesma a desenvolver as ações e estudos necessários para desenvolver um projeto estratégico e integrado em linha com as polícias de transição energética;
(iii) passar à TrustEnergy todos os custos decorrentes do que antecede; e
b) a declaração de nulidade ou ineficácia do pedido de atribuição de licença de produção para a central termoeléctrica do Pego, por alteração de combustível de carvão para biomassa instruído pela Ré em 02.06.2021 junto da Direcção-Geral de Energia e Geologia e qualquer ato que venha a ser praticado neste processo ou para execução da deliberação impugnada.

A Recorrente diz, em síntese, que:
i) as deliberações tomadas na assembleia geral de 23 de abril de 2021 são inválidas e não legitimam as deliberações do conselho de administração, facto que é do conhecimento dos administradores. A não dissolução votada naquela assembleia geral não traduz o acordo dos acionistas.
ii) As deliberações do conselho de administração representam uma decisão de alteração estrutural da Recorrida e no investimento na mesma realizado, da competência da assembleia geral, com necessidade de maioria qualificada.
iii) Existe uma competência implícita dos acionistas para deliberar em assuntos que interferem de forma decisiva com a estrutura societária, os direitos sociais dos sócios; a identidade material da sociedade, o perfil material e risco do investimento, e a continuidade direta ou indireta da empresa.
iv) O conselho de administração não tem competência para as deliberações tomadas, sendo as mesmas nulas, ou subsidiariamente anuláveis, por violação de norma de atribuição de competências.
v) As deliberações violaram os deveres de lealdade dos administradores, que incorreram em abuso de direito, por violação dos limites impostos pela boa-fé,

Quanto à questão do objeto social, já tudo ficou dito. O objeto da Ré não se circunscreve à exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego, razão por que improcede o fundamento invocado, no sentido de que não foi tomada por parte do Conselho de Administração qualquer deliberação de onde tenha resultado uma alteração estrutural da Recorrida e no investimento na mesma realizado ou da identidade material da sociedade.
Por outro lado, as deliberações de 01.06.2021, de onde resulta a aprovação da possibilidade de serem desenvolvidas diligências tendo em vista a manutenção da atividade da Ré – ou, melhor dizendo, da Ré em atividade – é consonante com a não aprovação em Assembleia Geral, da deliberação de 23.04.2021, de dissolução da sociedade.
Como se lê na decisão de recorrida, “A Autora invoca ainda o desrespeito pelos Administradores dos seus deveres de lealdade, uma vez que teriam agido contra o princípio da boa fé por terem visado salvaguardar os interesses individuais exclusivos da acionista maioritária, que os indicou.
Porém, uma vez que o objeto social da Ré não se cinge à exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego, tendo ainda resultado improcedentes os pedidos de que “sejam declarados nulos os votos emitidos pelas acionistas TrustEnergy BV, TrustEnergy SA e (…) contra a proposta de dissolução da Ré, constante do ponto 3 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, subsidiariamente, declarar-se nula ou (subsidiariamente) anular-se a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 3 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a dissolução da Ré” (processo principal), a deliberação ora em apreciação do conselho de administração limitou-se a respeitar as deliberações dos acionistas tomadas na Assembleia Geral de 23.04.2021, não violando a lei, os estatutos da sociedade ou qualquer dever de lealdade”.

Quanto à competência do conselho de administração, o artigo 405.º, n.º 1, do CSC estabelece que “Compete ao conselho de administração gerir as atividades da sociedade, devendo subordinar-se às deliberações dos acionistas ou às intervenções do conselho fiscal ou da comissão de auditoria apenas nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o determinarem”.
O 406.º do CSC, sob a epígrafe “Poderes de gestão”, concretiza as competências do Conselho de Administração nessa matéria, estabelecendo, a título exemplificativo, que “Compete ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente sobre:
a) Escolha do seu presidente, sem prejuízo do disposto no artigo 395.º;
b) Cooptação de administradores;
c) Pedido de convocação de assembleias gerais;
d) Relatórios e contas anuais;
e) Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis;
f) Prestação de cauções e garantias pessoais ou reais pela sociedade;
g) Abertura ou encerramento de estabelecimentos ou de partes importantes destes;
h) Extensões ou reduções importantes da atividade da sociedade;
i) Modificações importantes na organização da empresa;
j) Estabelecimento ou cessação de cooperação duradoura e importante com outras empresas;
l) Mudança de sede e aumentos de capital, nos termos previstos no contrato de sociedade;
m) Projetos de fusão, de cisão e de transformação da sociedade;
n) Qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho”.

A assembleia geral é o órgão deliberativo e soberano, onde os acionistas exercem o seu direito de voto e de participação nas decisões fundamentais da sociedade. Compete-lhe, designadamente, aprovar o relatório de gestão e as contas do exercício, deliberar sobre a aplicação dos resultados, eleger e destituir os membros dos órgãos sociais, alterar os estatutos, decidir sobre aumentos ou reduções de capital e autorizar operações de especial relevo, como a fusão, cisão, transformação ou dissolução da sociedade. A assembleia geral é, assim, o órgão que define as grandes linhas de orientação e de controlo da vida societária.

É ao conselho de administração que pertence a competência para praticar todos os atos que se enquadrem na capacidade de gozo da sociedade e que não sejam exclusivos de outros órgãos sociais, estando aqui incluídas todas as medidas relativamente ao desenvolvimento da atividade da empresa social e à consecução dos fins sociais” por seu turno “é à assembleia geral de acionistas que a lei atribui competência exclusiva para deliberar em matéria de alteração do contrato de sociedade, exceto nos casos em que, cumulativamente, tal poder seja legal ou contratualmente atribuído ao órgão de administração, para autorizar a aquisição de ações próprias (artigo 316.º), para deliberar sobre a destituição dos administradores (artigo 376.º, n.º 1, alínea d) e 403.º), para impor ou permitir a amortização de ações (artigo 347.º, n.º 5) e, bem assim para, anualmente, deliberar sobre a aprovação do relatório de gestão, balanço e contas de exercício e sobre a aplicação dos resultados, designadamente sobre a sua afetação aos acionistas, sob a forma de lucros distribuídos (artigo 376.º).
Para além dessas competências específicas que a lei atribui à assembleia geral, o n.º 2 do artigo 373.º do CSC, permite que à última sejam atribuídas outras competências, tal como o ter de prestar o seu consentimento a um determinado ato societário que por lei seria da competência de outro órgão social.
À assembleia geral de acionistas assiste ainda, nos termos daquele n.º 2, competência para deliberar sobre matérias que não estejam compreendidas nas atribuições de outros órgãos da sociedade, ou seja, que não caibam, legal ou contratualmente, na atribuição de outros órgãos sociais, o que significa que à semelhança do que acontece com o conselho de administração, a competência da assembleia geral é também ela residual.
Do que se acaba de dizer, resulta que, em relação a todos os aspetos que legal ou estatutariamente caibam a outos órgãos sociais, como por exemplo, os que nos termos do artigo 406.º do CSC, competem ao conselho de administração, a assembleia geral não pode interferir espontaneamente, mas apenas na medida em que a intervenção dos acionistas for feita expressamente a pedido do órgão de gestão” – Ac. da Relação de Guimarães de 23.01.2020, proc. n.º 4387/19.3T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt,

No caso concreto, uma vez que o contrato de sociedade nada estabelece em contrário, a competência para a deliberação sobre a matéria em apreço pertence do conselho de administração, não se mostrando a mesma, como acima indicado, desconforme à lei, aos estatutos ou a qualquer dever de lealdade.
Assim, improcede também a apelação no que respeita aos pedidos formulados no apenso C.
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Entramos, finalmente, na apreciação dos pedidos formulados do apenso D.
A Autora pedia que fossem declaradas nulas, ou, subsidiariamente, anuladas as deliberações aprovadas na reunião do conselho de administração de 17.1.2022, nos dois pontos da ordem de trabalhos: (i) apresentação pela Ré da proposta no concurso público para atribuição de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público de eletricidade no Pego; e (ii) constituição de um depósito caução no montante de € 2.450.000 a favor do Estado Português no âmbito daquele concurso; e ainda que fosse declarada nula, ou pelo menos ineficaz, a candidatura da Ré ao concurso público para atribuição do ponto de rede elétrica do Pego e qualquer ato que foi ou venha a ser praticado pela Ré nesse concurso para execução da deliberação impugnada.
A este propósito, a Recorrente, segue a mesma linha de argumentação. Sustenta que tais deliberações – tendo a Recorrida sido constituída exclusivamente para adquirir e operar a central termoelétrica do Pego a carvão e tendo sido essa a atividade que sempre exerceu – violam não só as normas supra citadas a respeito da deliberação de 01.06.2021, mas também o objeto social da Recorrida (artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do CSC), estando feridas de nulidade ou anulabilidade.
E, sendo inválidas as deliberações do conselho de administração, são também inválidos o pedido de licença e a apresentação da candidatura da Recorrida no concurso público, bem como os atos jurídicos da Recorrida concomitantes ou subsequentes praticados com esse pressuposto.

Pois bem, no que diz respeito à conclusão CLIV, é matéria que não contende com o objeto deste processo. Saber se falta legitimidade à Ré para a candidatura – se a falta de uma autorização juridicamente exigida dos acionistas para a apresentação da proposta a concurso para o desenvolvimento de uma nova atividade equivale à ausência de uma “qualificação específica no caso concreto” – e que efeito tem essa ausência de legitimação no processo de candidatura é questão que deve ser apreciada nesse específico procedimento. Aqui está apenas em causa a apreciação da validade das deliberações do conselho de administração da Ré, devendo eventuais consequências de um vício que seja declarado em relação a tais atos ser extraído ao nível do concurso público a que se apresentou a Recorrida.
Ainda que assim não se entendesse, tendo-se concluído supra pela improcedência do pedido da Autora quanto à restrição do objeto social à exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego, improcede o fundamento invocado relativo ao desrespeito do objeto social.
Como se lê na decisão recorrida, “(…) uma vez que o objeto social da Ré não se cinge à exploração da central de produção de eletricidade a partir do carvão, situada no Pego, tendo ainda resultado improcedentes os pedidos de que “sejam declarados nulos os votos emitidos pelas acionistas TrustEnergy BV, TrustEnergy SA e (…) contra a proposta de dissolução da Ré, constante do ponto 3 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, subsidiariamente, declarar-se nula ou (subsidiariamente) anular-se a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 3 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a dissolução da Ré” (processo principal), a deliberação ora em apreciação do conselho de administração limitou-se a respeitar as deliberações dos acionistas tomadas na Assembleia Geral de 23.04.2021, não violando a lei, os estatutos da sociedade ou qualquer dever de lealdade.
As deliberações tomadas pelo Conselho de Administração foram adotadas no âmbito e em respeito do disposto no artigo 405.º do CSC que, como acima indicamos, é o órgão a que pertence a competência para praticar todos os atos que se enquadrem na capacidade de gozo da sociedade e que não sejam exclusivos de outros órgãos sociais, estando aqui incluídas todas as medidas relativamente ao desenvolvimento da atividade da empresa social e à consecução dos fins sociais. Pelo que, não se encontrando o objeto social restringindo nos termos peticionados pela Autora, a atividade do conselho de administração enquadra-se plenamente nas suas competências legalmente estabelecidas, respeitantes ao desenvolvimento da atividade da empresa social e à consecução dos fins sociais, não violando os deveres de lealdade, nem enfermando de abuso de direito por violação dos limites impostos pela boa fé”.

Improcede, por isso, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em:
- julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, condenar a Ré no pagamento das custas resultantes da decisão que declarou a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, quanto aos pedidos de que:
(a) - Seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis e condenando-se a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. Subsidiariamente,
(b) – Sejam declarados nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, ainda subsidiariamente,
(c) seja declarada nula ou anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.
(d) – seja condenada a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.
- julgar, no mais, improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelas Recorrente e Recorrida, respetivamente, na proporção de 9/10 e 1/10.
Notifique.
Évora, 30.10.2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Maria Domingas Simões
Maria Emília Melo e Castro