Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO XAVIER | ||
Descritores: | INTERVENÇÃO DE TERCEIROS LEGITIMIDADE REQUISITOS OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
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Data do Acordão: | 07/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) a legitimidade das intervenientes tem que ser apreciada tendo em conta que, em face do despacho que deferiu liminarmente o pedido de intervenção, as mesmas foram admitidas a intervir nos autos a título principal, e não a título meramente acessório, como resulta do referido despacho, pelo que há que atender ao disposto nos artigos 316º, n.º 3, alínea a) e 317º do Código de Processo Civil. ii) para além dos casos de litisconsórcio necessário, o próprio réu pode promover o chamamento de terceiros para a lide, quando haja outros sujeitos passivos da relação material controvertida objeto dos autos e pretenda fazer intervir, em regime de litisconsórcio voluntário e a si associados, os demais sujeitos. iii) para tal, exige-se que o réu revele “interesse atendível na intervenção” ou que o autor primitivo não seja o único titular da pretensão deduzida em juízo e o réu queira que estejam nos autos os demais contitulares que deverão associar-se ao autor . iv) não se mostram reunidos os pressupostos da sua aplicação se os chamados não são titulares da relação material controvertida, que tem que se aferir nos termos em que a mesma é configurada pelo autor, e se o A. não imputa às intervenientes quaisquer factos suscetíveis de revelar a responsabilidade daquelas na produção do evento danoso, estas são parte ilegítima. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1. J… instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Heliportugal – Trabalhos e Transporte Aéreo, Representações, Importação e Exportação, S.A., e Axa Corporate Solutions Assurance, S.A., (seguradora de responsabilidade civil daquela), pedindo a condenação no pagamento da quantia de € 79.676,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento, em consequência dos danos sofridos, decorrentes do acidente ocorrido com o helicóptero ao serviço da Heliportugal, onde seguia o A., que embateu numa linha de alta tensão, por desatenção e inexperiência do piloto da Heliportugal, que não planificaram cautelarmente o voo, a fim de poderem detectar obstáculos ao mesmo.2. Na contestação veio a R. AXA, imputando “condutas ilícitas e culposas” à Labelec e à EDP – Distribuição, S.A., requerer a intervenção provocada das mesmas, nos termos dos artigos 316º, n.º 3, alínea a) e 317º do Código de Processo Civil, e 497º do Código Civil “de forma a ser reconhecido o direito de regresso da aqui Ré sobre aquelas para reembolso das quantias que possa vir a ser condenada a pagar (sem conceder) ao Autor.” 3. Cumprido o contraditório foi proferido o seguinte despacho: «Tendo em conta o invocado na contestação da R. AXA, afigura-se-nos que poderá efectivamente ser invocado o eventual direito de regresso da mesma sobre as chamadas EDP Distribuição e Labelec, sendo as mesmas, de acordo com o invocado, condevedoras suas (embora não, de acordo com o alegado, em posição que justificaria a respectiva intervenção acessória), pelo que, nos termos dos arts. 316º, nº 3, a) e 317º do CPC, se defere a requerida intervenção principal provocada. De igual modo, atento o invocado, e nos termos do artº 316º, nº 3 do CPC, por a seguradora Fidelidade se poder encontrar em posição de paralelismo com a do A., defere-se a respectiva intervenção principal provocada. Cite os chamados.» (sublinhado nosso) 4. Citadas, as chamadas Labelec e EDP vieram contestar invocando a sua ilegitimidade. 5. No despacho saneador o Tribunal pronunciou-se sobre a alegada excepção de ilegitimidade das chamadas, julgando-as parte ilegítimas, com os seguintes fundamentos: «As intervenientes Labelec e EDP vieram contestar invocando a sua ilegitimidade. Afigura-se-nos que lhes assiste razão. Tendo sido deferida a respectiva intervenção principal provocada, o saneamento é a fase processual em que se torna possível apreciar as excepções deduzidas pelos intervenientes nas respectivas contestações, uma vez que os intervenientes não são ouvidos antes de ser autorizada a sua intervenção. Assim, só nesta fase o tribunal tem a possibilidade de se pronunciar sobre os argumentos pelos mesmos invocados. Como se referiu quando se decidiu a respectiva intervenção, entendemos que a mesma não poderia ser uma intervenção acessória, como inicialmente pretendeu a R. AXA. E isto porque não existe verdadeiramente um direito de regresso desta R. sobre as chamadas Labelec e EDP. Efectivamente, de acordo com a matéria de facto alegada pela própria AXA em sua defesa (e tendo em conta as consequências em matéria de direito que a mesma implica), as responsabilidades da R. e das chamadas são exclusivas, no sentido de responsabilidade de uma excluir a das outras. Ou seja, se a R. ganhar a causa, nada terá a pagar ao autor. Tal poderá suceder, designadamente, por se demonstrar que a responsabilidade na produção do acidente não coube ao piloto do helicóptero, mas a entidades terceiras. Tal poderia inclusivamente excluir responsabilidade da Heliportugal a título objectivo. Assim, restaria ao autor a demanda autónoma dos terceiros, enquanto responsáveis pela produção do acidente. Porém, tal responsabilização é indiferente para a ré AXA. Deste modo, se a R. obtiver ganho de causa nada tem a reclamar das chamadas. Mas se, pelo contrário, perder, é porque se terá demonstrado que o seu segurado tinha culpa na produção do acidente e os terceiros, no caso EDP e a Labelec não a têm. Assim, nada teriam de pagar à R., não existindo direito de regresso. Note-se que, mesmo em caso de se demonstrar que existiu concorrência de culpas, tal direito de regresso não existe, uma vez que a responsabilidade da R. terminará onde começam as responsabilidades dos terceiros, não havendo qualquer sobreposição entre as responsabilidades. O Tribunal procurou assim convolar a intervenção para intervenção principal, já que a intervenção acessória não se afigurava viável. Todavia, como referem a Labelec e a EDP, afigura-se nos agora que mesmo a intervenção principal não podia ter lugar. Efectivamente, a Labelec e a EDP, de acordo com o alegado na petição inicial, não eram partes responsáveis pela produção do acidente, seja a que título for. Ora, não é possível perder de vista o alegado na petição inicial e, ainda que seja para responsabilização de terceiros chamados, o que continua a relevar para efeitos de legitimidade é a relação material controvertida tal como o autor a configurou nessa petição inicial. Efectivamente, o que é possível fazer é chamar ao processo quem tem uma posição igual à do réu na relação material controvertida que é trazida a juízo pelo autor e não noutra diferente, nomeadamente a alegada pelo réu. Deste modo, conforme refere a jurisprudência citada pelas chamadas nos respectivos artigos 30º e 32º da contestação da EDP e 29º e 31º da contestação da Labelec, designadamente os acórdãos de Relação de Coimbra de 21 de Fevereiro de 2006 e da Relação de Évora de 5 de maiô de 2016, no sentido de que a permissão de chamamento contida no artigo 316º do Código de Processo Civil tem que ser balizada pela legitimidade, aferida de acordo com o artigo 30º do mesmo diploma, ou seja de acordo com a relação material controvertida tal como o autor a configurou na petição inicial. Assim, uma vez que as chamadas sequer são referidas na petição inicial, pela forma como o autor configurou a petição, as mesmas são parte ilegítima nos presentes autos. Tal implica igualmente e ilegitimidade das seguradoras Fidelidade e Ocidental, apenas enquanto seguradoras de responsabilidade civil (responsáveis por garantir as eventuais indemnizações que à EDP e à Labelec coubesse pagar). Deste modo, ao abrigo do artigo 278º, nº 1, al. d) do CPC, decide-se julgar as chamadas EDP e Labelec, bem como a seguradora Fidelidade enquanto seguradora de responsabilidade civil, parte ilegítima na presente acção e absolver a mesma da instância. Custas, nesta parte, pela ré AXA.» 6. Inconformada com este despacho veio a R. XL – Insurance Company SE (anteriormente AXA Corporate Solutions Assurance) interpor o presente recurso, que motivou, concluindo do seguinte modo: A. Nos termos do art. 497.º, n.º 1 Cód. Civil, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, responderão todas de forma solidária perante o lesado, havendo direito de regresso entre os co-responsáveis na medida das respectivas culpas (cfr. art. 497.º, n.º 2 Cód. Civil). B. A Ré AXA deixou perfeitamente claro nos autos que apesar de refutar toda e qualquer responsabilidade da sua segurada (Heliportugal) pelo acidente, por cautela de patrocínio, para a eventualidade de ser outro o entendimento do Tribunal e devir a AXA (e a sua segurada) a ser condenada no pagamento de uma indemnização ao Autor, deduziu aquela um incidente de intervenção principal provocada da EDP Distribuição e da Labelec enquanto co-devedoras solidárias e de forma a poder exercer o direito de regresso que (nesse caso) lhe competirá, nos termos do art. 497.º Cód. Civil. C. Daí resultando um inequívoco litisconsórcio voluntário passivo entre a EDP Distribuição, a Labelec, a Heliportugal e a AXA (enquanto seguradora de responsabilidade civil desta), nos termos do art. 32.º CPC e do já mencionado art. 497.º, n.º 1 Cód. Civil. D. Tal ficou devidamente consignado no art. 85.º da Contestação da Ré AXA, onde se diz expressamente que a intervenção provocada se destina a permitir o exercício do direito de regresso da AXA sobre a EDP Distribuição e a Labelec, na eventualidade de aquela seguradora vir a ser condenada a 18 pagar uma indemnização ao Autor. E. E nesse mesmo artigo 85.º da Contestação da AXA se faz expressa e inequívoca referência ao artigo 497.º do Cód. Civil que, como é sabido, consiste na norma que consagra o regime de solidariedade passiva e o direito de regresso entre co-responsáveis. F. Ou seja, com a expressa referência a essa norma jurídica fica afastada qualquer hipótese de se entender o chamamento requerido na Contestação da AXA como tendo por base qualquer responsabilidade exclusiva, pois se o fundamento de tal chamamento consiste na co-responsabilidade pelos danos (art. 497.º Cód. Civil), não se pode obviamente falar de uma qualquer responsabilidade exclusiva. G. Essa posição foi também devidamente clarificada pela Ré AXA no seu requerimento de 18/10/2019 (ref.ª 33749874) pelo qual exerceu o direito ao contraditório às excepções invocadas nas Contestações da EDP Distribuição e da Labelec. H. Salvo o devido respeito por mais douta opinião, ao afirmar no douto despacho recorrido que mesmo em caso de concorrência de culpas não haverá direito de regresso entre a Ré AXA e as co-responsáveis EDP Distribuição e Labelec, o Tribunal a quo fez uma interpretação claramente contra legem e não permitida da Lei, por violação directa do art. 497.º, n.º 2 Cód. Civil que consagra o direito de regresso entre os co-responsáveis, na medida das respectivas culpas. I. Acresce que, os próprios factos invocados na P.I. seriam já suficientes para co-responsabilizar as Intervenientes pelo acidente descrito nos autos, se bem que o Autor acabou por não retirar as necessárias conclusões desses factos alegados na referida P.I. J. Na verdade, o Autor fundamenta o seu pedido de indemnização nos danos derivados do acidente resultante da colisão do helicóptero operado pela Heliportugal (segurada da AXA) com uma linha de alta tensão que não se encontrava balizada, pintada ou de qualquer forma assinalada (cfr. arts. 1.º, 2.º e 17.º da P.I.). K. Ainda segundo os factos descritos na P.I., o helicóptero estava a ser operado pela Heliportugal ao abrigo de um contrato de disponibilização de meios aéreos celebrado com o empregador do Autor, a empresa Labelec, tendo o acidente ocorrido enquanto o Autor prestava o seu trabalho para o referido empregador (cfr. arts. 4.º, 5.º e 9.º da P.I.). L. Contudo, apesar dos factos em causa dizerem também respeito a outras partes (i.e. as aqui Intervenientes), o Autor optou por apenas propor a acção contra a Ré Heliportugal e a sua seguradora AXA. M. O que originou que a Ré AXA tenha suscitado a intervenção principal provocada da Labelec (entidade patronal do Autor) e da EDP Distribuição (entidade responsável pela instalação, gestão e manutenção da linha de alta tensão na qual o helicóptero embateu), enquanto co-responsáveis pelo acidente e solidariamente solidárias com as Rés Heliportugal e AXA pelos danos eventualmente causados ao Autor, tendo por base, nomeadamente: - A violação dos deveres de formação profissional e segurança no trabalho por parte da Labelec, entidade patronal do Autor; - A ausência de marcações nos postes de electricidade e na linha de alta tensão, sendo essa omissão imputável à EDP Distribuição; e - Ausência de uma faixa de segurança / desmatação da área em redor dos postes de electricidade e da linha aérea de electricidade, sendo essa omissão igualmente imputável à EDP Distribuição. N. Não há, assim, uma verdadeira alteração da causa de pedir tal como configurada pelo Autor, se bem que se possa considerar que os factos que fundamentam o chamamento resultam num desenvolvimento ou concretização de tal causa de pedir. O. Face ao exposto, existe uma íntima e directa ligação entre os factos invocados pelo Autor na P.I. e aqueles que são invocados na Contestação da Ré AXA, e daí resulta, conforme abundantemente já se referiu, a solidariedade passiva entre os diversos co-responsáveis e, consequentemente, uma relação de litisconsórcio voluntário entre os mesmos (art. 32.º CPC). P. Pelo que, as Intervenientes EDP Distribuição e Labelec têm legitimidade passiva nesta acção, já que têm um interesse directo em contradizer a P.I. e os factos invocados pela Ré AXA na sua Contestação (art. 30.º CPC). Q. O próprio Autor reconheceu que existem válidos motivos para co-responsabilizar as Intervenientes pelos danos que aquele invoca nestes autos, razão pela qual não manifestou o Autor qualquer oposição ao pedido de intervenção principal provocada deduzida pela aqui Ré AXA, tendo antes se conformado com tal intervenção, isto apesar de aquele bem saber que essa intervenção principal, ainda que perfeitamente adequada e totalmente desejável para a boa descoberta da verdade, traria delongas adicionais ao processo. R. Igualmente se refuta que os factos alegados na Contestação da Ré AXA não poderão ser tomados em consideração para aferir da legitimidade passiva das Intervenientes. S. É que sendo o chamamento deduzido pelo Réu para chamar outros co-devedores aos autos, os factos invocados pelo Réu para fundamentar tal chamamento serão também eles relevantes e passam a fazer parte da relação material controvertida, sendo este um dos casos previstos na Lei em que a relação material controvertida não é apenas configurada com base nos factos invocados pelo Autor na sua P.I., conforme se permite nos arts. 30.º, n.º 3, 316.º, n.º 3, al. a) e 317.º CPC. T. E mesmo aceitando-se uma qualquer ilegitimidade passiva das Intervenientes para actuarem como Partes Principais, isso apenas significaria que essas Intervenientes passariam a intervir como Partes Acessórias (sendo a ilegitimidade a pedra de toque para se distinguir a intervenção principal da intervenção acessória), nos termos do art. 321.º, n.º 1 CPC e para que a Ré AXA possa contra elas exercer o direito de regresso que lhe compete e que resulta directamente do art. 497.º, n.º 2 Cód. Civil. U. Em qualquer dos casos, as Intervenientes EDP Distribuição e Labelec não deverão ser absolvidas da instância, devendo antes permanecer como partes nos autos, podendo apenas questionar-se em que qualidade intervirão (se enquanto Partes Principais ou se enquanto Partes Acessórias). V. E reconhecendo-se a legitimidade das Intervenientes EDP Distribuição e Labelec para serem partes principais do lado passivo, igualmente se tem de reconhecer a legitimidade da sua seguradora de responsabilidade civil, a companhia de seguros Fidelidade (se bem que possam existir outros fundamentos para a ilegitimidade desta seguradora, mas essas questões terão ainda de ser apreciadas pelo Tribunal de primeira instância, não cabendo na matéria deste recurso). W. Pelo que, salvo o devido respeito por mais douta opinião, mal esteve o Tribunal a quo em absolver as Rés da instância com base numa alegada ilegitimidade, pois mesmo que entendesse que as Intervenientes não têm legitimidade para actuar como Partes Principais (no que não se concede), sempre lhe caberia convolar oficiosamente a intervenção principal provocada em intervenção acessória, ao abrigo dos poderes-deveres a que está adstrito e em cumprimento do princípio da adequação formal, nos termos do art. 6.º CPC, o que desde já se requer a título subsidiário. X. Salientamos, contudo, que a boa doutrina é a que reconhece a legitimidade das Intervenientes EDP Distribuição e Labelec para actuarem como partes principais enquanto associadas da Ré AXA, pois a admissão da sua intervenção a título meramente acessório (por não terem legitimidade para actuar como partes principais) levaria a que se tivesse de admitir o direito de regresso da Ré AXA sobre tais Intervenientes (direito esse que resulta directamente da Lei, nos termos do art. 497.º, n.º 2Cód. Civil), mas ao mesmo tempo se negaria a existência de um litisconsórcio voluntário passivo entre a Ré AXA, a sua segurada Heliportugal e as Intervenientes. Y. Resultado esse que seria incompatível com o regime legal consagrado no art. 497.º Cód. Civil, pois o direito de regresso da Ré AXA é indissociável da solidariedade passiva entre co-responsáveis, não se podendo ter um sem o outro. Z. E essa solidariedade passiva plenamente justifica o litisconsórcio voluntário passivo que, por sua vez, confere legitimidade passiva às Intervenientes para intervirem como partes principais nestes autos. Pelo que, deve este Venerando Tribunal julgar o recurso totalmente procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que reconheça a legitimidade passiva das Intervenientes para actuar como partes principais ou, subsidiariamente, que faça convolar a intervenção principal em intervenção acessória, fazendo, em qualquer caso, proceder a acção contra as Intervenientes EDP Distribuição e Labelec e a seguradora de responsabilidade civil destas (a companhia de seguros Fidelidade). 7. Contra-alegaram as intervenientes Lebelec e EDP, apresentando articulados de resposta em separado, mas substancialmente idêntico, concluindo pela manutenção do despacho recorrido. 8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo. Cumpre agora apreciar e decidir. * O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.II – Objecto do recurso Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se as chamadas, cuja intervenção principal provocada foi admitida, têm legitimidade para a causa * III – Fundamentação Fáctico-Jurídica 1. Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos. 2. No caso em apreço importa referir que a questão de (i)legitimidade das intervenientes tem que ser apreciada tendo em conta que, em face do despacho que deferiu liminarmente o pedido de intervenção, as mesmas foram admitidas a intervir nos autos a título principal, e não a título meramente acessório, como resulta do referido despacho, pelo que há que atender ao disposto nos artigos 316º, n.º 3, alínea a) e 317º do Código de Processo Civil. Ora, no n.º 3 do artigo 316º do Código de Processo Civil, prevê-se que, para além dos casos de litisconsórcio necessário (a que se reporta o n.º 1), o próprio réu pode promover o chamamento de terceiros para a lide, em duas situações. A primeira, ocorre quando haja outros sujeitos passivos da relação material controvertida objecto dos autos e pretenda fazer intervir, em regime de litisconsórcio voluntário e a si associados, os demais sujeitos. Para tal, exige-se que o réu revele “interesse atendível na intervenção” (cf. alínea a)). A segunda tem lugar quando o autor primitivo não seja o único titular da pretensão deduzida em juízo e o réu queira que estejam nos autos os demais contitulares que deverão associar-se ao autor (alínea b). No caso, não é esta última situação que se discute nos autos, mas sim a primeira. E, como refere Salvador da Costa, “[e]ste normativo veicula uma mera especialidade de procedimento em relação ao regime geral do incidente de intervenção principal, cuja motivação deriva do facto de se tratar de intervenção passiva suscitada pelo réu substitutiva do velho incidente de chamamento à demanda. Coloca-se no processo, como réu, ao lado do réu primitivo, um dos sujeitos passivos da relação jurídica material controvertida que à acção serve de causa de pedir. O referido interesse é susceptível de se consubstanciar, por exemplo, na defesa conjunta, no acautelamento do direito de regresso ou de sub-rogação legal ou na formação de caso julgado contra o chamado” (Os Incidentes da Instância, 2016 – 8.ª edição, Almedina, pp. 92). Contudo, não se mostram reunidos os pressupostos da sua aplicação, pela simples razão de que os chamados não são titulares da relação material controvertida, que tem que se aferir nos termos em que a mesma é configurada pelo autor. Como se diz, entre outros, no acórdão desta Relação de Évora, de 05/05/2016 (proc. n.º 697/15.7T8FAR-A.E1), disponível, como os demais citados sem outra referência em www.dgsi.pt: «É condição de admissibilidade do chamamento, na perspectiva do chamante ser o réu, ter este interesse atendível em ver o chamado no processo, quer seja, com vista à defesa conjunta, quer seja, para acautelar o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que entenda assistir-lhe, sendo que a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.» (sublinhado nosso) 3. De facto, ao contrário do que quer fazer crer a R. AXA, o A. não imputa às intervenientes quaisquer factos susceptíveis de revelar a responsabilidade daquelas na produção do evento danoso, pois, a causa de pedir em que funda a acção decorre apenas entre si e a R. Heliportugal, bastando, para tanto, atentar no teor dos artigos 10º, e 19º a 25º da petição inicial, onde se imputa o acidente à falta de experiência do piloto e desatenção do mesmo, bem como à falta de prévia preparação e planeamento do voo pelo piloto e pela R. Heliportugal. E, não obstante a R. AXA ter requerido a intervenção da Labelec e EDP – Distribuição, SA., invocando o disposto nos artsº 316º, n.º 3, alínea a) e 317º do Código de Processo Civil, e 497º do Código Civil, “de forma a ser reconhecido o direito de regresso da aqui Ré seguradora sobre aquelas para reembolso das quantias que possa vir a ser condenada a pagar (e sem conceder) ao Autor”, certo é que tal pretensão até se nos afigura contraditória com a defesa feita na contestação, pois conclui no artigo 57º da contestação que “… a Labelec é responsável (isoladamente ou em conjunto com a EDP – Distribuição, SA, … por todos os danos causados, quer ao A., quer à Heliportugal, seu piloto e a seguradora da Heliportugal, ora Ré”. E não tem aqui aplicação a norma do artigo 317º do Código de Processo Civil, a qual prevê no n.º 1 a exigência da prestação a algum dos condevedores solidários, e estatui que o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir se tiver de realizar a totalidade da prestação. Como refere Salvador da Costa, “[t]rata este normativo da situação em que o autor faz valer na acção uma obrigação solidária, mas acciona na petição de réu apenas um ou alguns dos devedores, caso em que o chamamento para a intervenção pode visar a condenação do chamado ou dos chamados na conformidade do respectivo direito de regresso que ao accionado possa vir a assistir se realizar a totalidade da prestação. Assim, como o devedor solidário pode ser singularmente demandado pela totalidade da dívida, a lei permite-lhe fazer intervir os condevedores a seu lado na acção. Assim, no caso de se tratar de obrigação solidária, o chamamento pode visar não só a defesa conjunta, como também que o réu obtenha o reconhecimento do seu direito de regresso se for condenado a pagar a totalidade do débito, assim se munindo, desde logo, de um título executivo contra o chamado” (ob. cit., pp. 94-95). Ora, no caso, tal como é configurada a acção, não estamos perante qualquer obrigação solidária passiva, pela qual sejam responsáveis as intervenientes. Note-se que a situação prevista no artigo 317º do Código de Processo Civil, não se confunde com a que pode suscitar o incidente de intervenção acessória provocada, nos termos do artigo 321º, o qual foi gizado para casos em que exista uma relação de dependência entre a condenação do réu ao abrigo de uma determinada relação jurídica e o exercício do direito de regresso sustentado noutra relação jurídica (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., pp. 390). 4. Deste modo, com os demais fundamentos constantes do despacho recorrido, são as chamadas parte ilegítima na acção, pelo que se impunha que se conhecesse da excepção no saneador, com a consequente absolvição das mesmas da instância, bem como da seguradora Fidelidade enquanto seguradora de responsabilidade civil, como se decidiu. Por conseguinte, improcede a apelação, confirmando-se o despacho recorrido. * Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.IV – Decisão Custas a cargo da apelante. * Évora,14 de Julho de 2021 Francisco Xavier Maria João Sousa e Faro Florbela Moreira Lança (documento com assinatura electrónica) |