Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO MANUEL MONTEIRO AMARO | ||
Descritores: | OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA PENA DE MULTA INDEMNIZAÇÃO MONTANTE | ||
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Data do Acordão: | 11/15/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – Tem existido uma acentuada tendência para a elevação das indemnizações a arbitrar em casos como o dos autos, de maneira a ultrapassar uma certa timidez que se tinha instalado na prática dos nossos tribunais e a acompanhar a evolução positiva dos padrões económicos da nossa sociedade, geradora de maiores hábitos de consumo por parte das famílias, pretendendo-se que o lesado atinja prazeres e bem-estar que de algum modo lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão. II – Devem incluir-se entre os danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, e os prejuízos na vida e relação sociais, sobretudo os provenientes de deformações estéticas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular nº 141/07.3PALGS, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, em que é arguido (…), após audiência de discussão e julgamento, foi decidido: “a) Condenar o arguido (…), por autoria material de dois crimes dolosos consumados de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de cento e cinquenta dias de multa à razão diária de 5 euros por cada um dos crimes. b) Condenar o arguido (…), em cúmulo jurídico das penas parcelares escolhidas, na pena única de duzentos e sessenta dias de multa à razão diária de 5 euros, no total de 1.300 euros. c) Condenar o demandado (…) a pagar ao demandante (…) a quantia de mil duzentos e noventa e cinco euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com acréscimo dos juros civis legais calculados sobre ela, e contados desde o dia 22 de Fevereiro de 2010. d) Condenar o demandado (…) a pagar ao demandante (…) a quantia de setecentos e cinquenta euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros civis legais calculados sobre ela, e contados desde o dia 22 de Fevereiro de 2010. e) Condenar o demandado (…) a pagar ao demandante Centro Hospitalar (…) a quantia de duzentos e trinta e sete euros e noventa cêntimos, a título de indemnização por danos patrimoniais, com acréscimo dos juros civis legais calculados sobre ela, e contados desde o dia 22 de Fevereiro de 2010. f) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, de harmonia com os artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, fixando-se no mínimo a taxa de justiça. g) Não condenar no pagamento de custas cíveis, atento o disposto no artigo 523º do Código de Processo Penal e no artigo 4º, nº 1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais”.
Discordando da medida concreta das penas aplicadas e do valor fixado a título de indemnização aos demandantes, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1ª - Apenas se provaram as agressões descritas em 2p (“a certo ponto, o arguido (…) desferiu um empurrão nas costas do ofendido (…), fazendo com que o mesmo fosse embater com a cabeça no balcão do referido estabelecimento comercial”) e 3p (“de seguida, o arguido virou-se para o ofendido (…) e desferiu-lhe um soco na face do lado esquerdo, mais o arranhando no pescoço”) da matéria de facto dada como provada na sentença. 2ª - Dessas agressões resultaram, para o ofendido (…), um dia de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho, e para o ofendido (…) 5 dias de doença, 2 dos quais com afectação da capacidade para o trabalho. 3ª - Não há factos provados demonstrativos das conclusões retiradas pelo tribunal nos pontos C4c (“trata-se no caso, porém, de pessoas manifestamente incapazes de fazerem frente ao arguido, a despeito da sua idade”) e C4d (“…a violência que o arguido utilizou não pode ser ignorada …”), onde tal tribunal pondera e escolhe a pena a aplicar ao arguido. 4ª - Na determinação da medida da pena, o Mmº Juiz a quo faz considerações sem qualquer suporte na matéria de facto dada como provada. 5ª - Não existe qualquer facto integrador e demonstrativo da violência excepcional da agressão, ou da manifesta impossibilidade de defesa dos assistentes. 6ª - Face à factualidade provada, não tendo o arguido antecedentes criminais e gozando de boa reputação na comunidade, as penas aplicadas são exageradas, devendo ser reduzidas nos seguintes termos: 100 dias de multa para a ofensa corporal na pessoa do (…); 120 dias de multa para a ofensa corporal na pessoa do (…); e, em cúmulo jurídico destas duas penas, 170 dias de multa - como pena única (à taxa diária de 5 euros, taxa esta fixada na sentença) -. 7ª - Os montantes de indemnização que o arguido foi condenado a pagar aos demandantes são também exagerados, devendo ser reduzidos, quanto ao primeiro demandante, para 200 euros, e, quanto ao segundo, para 450 euros.
A Exmª Magistrada do Ministério Público na primeira instância apresentou resposta ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento, e concluindo nos seguintes (transcritos) termos: “- A medida concreta da pena determina-se em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (geral e especial). - As circunstâncias e os critérios do art. 71º, do CP, foram ponderados na sentença recorrida para determinação da medida concreta da pena. - Existem necessidades de prevenção geral e especial (que admitimos serem diminutas) mas que, forçosamente, devem ser consideradas, ponderadas e valoradas, o que sabiamente fez o Tribunal a quo, aplicando ao arguido, ora recorrente, pena única de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros)”.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também que o recurso não merece provimento e que, por isso, a sentença recorrida deve ser mantida. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. Não foi exercido qualquer direito de resposta. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
II - FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO SOB RECURSO.
A sentença objecto do recurso é do seguinte teor (quanto à sua fundamentação de facto e de direito): “- II - - F U N D A M E N T O S D E F A C T O - - A - Factos provados - Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1p. No dia 4 de Março de 2007, cerca das 04.00 h, os ofendidos (…) e o arguido (…) encontravam-se no interior do bar (…), sito na Rua (…), em Lagos, tendo na ocasião ocorrido uma discussão entre eles. 2p. A certo ponto, o arguido (…)desferiu um empurrão nas costas do ofendido (…), fazendo com que o mesmo fosse embater com a cabeça no balcão do referido estabelecimento comercial. 3p. De seguida, o arguido virou-se para o ofendido (…) e desferiu-lhe um soco na face do lado esquerdo, mais o arranhando no pescoço. 4p. O ofendido (…), em consequência da conduta descrita, sofreu dores na face e hematoma na região malar, lesão esta susceptível de lhe determinar um período de um dia para a cura, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional. 5p. O ofendido (…), em consequência da conduta descrita, sofreu escoriação na região malar esquerda, escoriação na mucosa do hemilábio esquerdo, duas equimoses na face lateral direita do pescoço e duas equimoses na face interna do joelho esquerdo, lesões estas susceptíveis de lhe determinar um período de cinco dias para a cura, sendo dois dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional. 6p. O arguido (…) agiu de forma livre, voluntária e consciente, pois conseguiu atingir o corpo e a saúde dos ofendidos, apesar de bem saber que a sua conduta era proibida e penalmente punida. 7p. O arguido, que é isento de antecedentes criminais, concluiu o 6º ano e tem vivido de biscates, sendo certo que sua mulher aufere 700 euros mensais e que o casal sustenta dois filhos, de 8 e de 2 anos de idade. 8p. Ambos os Assistentes sentiram dores físicas e sofreram humilhação por causa das agressões. 9p. Na sequência dos factos provados, o Assistente Avelino ficou despojado duma camisa no valor de 45 euros, inutilizada pelo sangue por ele vertido. 10p. O demandante Centro Hospitalar (…) prestou cuidados de saúde a ambos os Assistentes, na sequência dos factos provados, tendo sofrido uma despesa de 237,90 euros.
- B - Matéria não incluída - Não se apuraram outros factos com interesse para a decisão da causa. Não foram consignadas, igualmente, considerações gerais, nem foram incluídos factos implicitamente decorrentes de outros, e já explicitamente provados ou não provados na sede própria.
- C - Provas dos factos e sua análise - 1 - O arguido disse, a respeito dos factos, que “é tudo mentira”, dispondo-se, no entanto, a prestar esclarecimentos sobre as condições da sua vida pessoal. 2 - a - O Assistente (…) declarou que ignora a razão por que o arguido o acometeu, esclarecendo que se recorda apenas de ter acordado dentro do bar onde os factos ocorreram, vindo o Assistente Avelino a explicar-lhe que o arguido é que o empurrara contra o balcão. b - Confirmou o Assistente, ainda, as dores, a humilhação e as lesões sofridas. 3 - a - Também o Assistente (…) declarou que ignora por que razão o arguido praticou os factos que contra ele se provaram, esclarecendo que o viu empurrar o Assistente (…) contra o balcão do bar, após o que o declarante o seguiu para lhe pedir explicações, altura em que o arguido o agrediu sem lhe dar possibilidade de se defender. b - Também confirmou o Assistente, ainda, as dores, a humilhação e as lesões sofridas. 4 - A testemunha (…), casada que foi com o Assistente (…), confirmou que encontrou o então seu marido no hospital, aonde foi ter com ele na noite dos factos, e confirmou as suas dores, bem como as suas lesões. 5 - a - A testemunha (…), irmão do arguido, declarou que os Assistentes estavam à porta do bar e que o impediram de entrar, bem como ao arguido, e daí se iniciou o confronto físico. b - Declara a testemunha que os Assistentes tentaram agredir o arguido, e que a testemunha se limitou a “agarrar-se a um”, enquanto o arguido “se agarrava ao outro”. c - Chegada entretanto a Polícia, a testemunha foi perguntada pelo seu nome, tendo o arguido, no entanto, sido completamente identificado pelos agentes. d - A testemunha não foi agredida, nem agrediu. 6 - a - A testemunha (…), empregado do bar, declarou que dentro deste nada aconteceu, excepto uma troca de palavras azedas entre os envolvidos - um “bate-boca” - e que tudo o mais ocorreu no exterior, onde “houve pancadaria”. b - A testemunha não pôde aperceber-se ao certo do que se passou, porque “foi uma noite com muita gente”, aliás a testemunha não se recorda dos Assistentes, nem se lembra se havia sangue, mas “pensa que sim”. 7 - A testemunha (…), dona do bar, nada viu e prestou declarações em conformidade. 8 - No mais, auxiliam na prova os exames médicos de folhas 6 a 8, 29 a 31, 139 a 141 e 152 a 154, as fotografias de folhas 15, os episódios de urgência de folhas 123 e 125, o certificado do registo criminal de folhas 131 e o relatório social de folhas 322.
- III - - F U N D A M E N T O S D E J U R E - - A - Qualificação jurídico-penal - 1 - Provou-se, pois, que o arguido (…), consciente e voluntariamente, agrediu ambos os ofendidos. 2 - Tal conduta constitui autoria material de crime doloso consumado de ofensa à integridade física simples (dois crimes em concurso real) previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, em abstracto, com pena de prisão até três anos ou multa, jamais ultrapassando, em concurso, a pena de cinco anos de prisão.
- B - Punibilidade - Não emerge da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido não agiu no exercício dum direito ou no cumprimento dum dever, ou coagido por uma situação apta a desculpar a sua conduta, e não ocorrem outras causas, típicas ou atípicas, de não punibilidade.
- C - Ponderação e escolha da pena - 1 - O arguido agiu com dolo directo, porque quis efectivamente agredir os ofendidos. 2 - O grau de ilicitude é moderado, tendo em conta que moderado foi também o dano causado. 3 - O arguido não tem condenações anteriores e é pessoa integrada. 4 - a - Ter-se-ia apreciado, por parte do arguido, outro modo de encarar a sua responsabilidade, algo diferente de “é tudo mentira”. b - Leva-se em conta que, sem recorte bem definido da configuração dos factos, excepto pelo que se provou, fez o arguido frente a dois adversários. c - Trata-se no caso, porém, de pessoas manifestamente incapazes de fazerem frente ao arguido, a despeito da sua idade. d - Por outro lado, a violência que o arguido utilizou não pode ser ignorada, pois que nem mesmo a versão, que as testemunhas de defesa vieram trazer, justifica seja o que for - uma discussão degenera frequentemente em confronto físico, mas haverá então que arcar com as consequências, sobretudo se se excederem os limites do razoável. e - É certo que a lei contempla a hipótese de mero confronto em pé de igualdade - «lesões recíprocas» e «retorsão» - mas nenhuma prova existe de que, no caso, tenha havido uma ou outras. f - Retorsão é um conceito que envolve reciprocidade e proporcionalidade já em si mesmo, e não é o caso, pois o arguido mostrou, isso sim, força e capacidade física para demolir (passe a força de expressão) os Assistentes, muito para lá do que quer que estes tenham pensado fazer. g - Não sofre o homem forte de qualquer diminuição no seu direito de se defender, mas incumbe-lhe a obrigação de moderar a sua força, por forma a que o seu uso, mesmo em contexto defensivo - que não é o caso - não exorbite os limites do razoável. h - Compete à acusação provar os factos que imputa ao acusado; uma vez feita, porém, esta prova, compete por sua vez ao acusado fazer a prova dos factos que o desculpam ou que o justificam. i - Ora, o arguido não sofreu quaisquer lesões, nem vestígio delas; a sua contestação resume-se a negar que as coisas se tenham passado conforme diz a acusação; ao Tribunal, o arguido limitou-se a dizer que “é tudo mentira”; as declarações prestadas pelas testemunhas nada vêm esclarecer, somente confirmam um clima de confronto, nada mais; logo, o Tribunal tem unicamente de sólido as declarações prestadas pelos Assistentes, consentâneas com os documentos juntos. j - Ou seja: não houve qualquer retorsão, ou sequer actuação preventiva justificada, muito menos lesões recíprocas; houve apenas agressões por parte do arguido, e nem a causa delas ficou minimamente explicada. 5 - São mínimas, no entanto, as preocupações suscitadas pelo arguido no plano da prevenção, quer geral, quer especial, pois o seu enquadramento familiar, conjugado com a ausência de passado criminal, oferece garantias suficientes de que reflectirá sobre a sua conduta e será capaz de censurá-la, assim deixando também protegidos os valores tutelados pela norma violada. 6 - As penas adequadas serão, pois, penas de multa, aliás em medida relativamente moderada, e cumular-se-ão nos termos do artigo 77º do Código Penal. 7 - a - Tida assim em conta a matéria em presença, e ponderados os contornos que se definiram, entende-se impor ao arguido Luís Miguel da Silva Martins, por justa e adequada, a pena de cento e cinquenta dias de multa à razão diária de 5 euros por cada um dos dois crimes. b - Em cúmulo jurídico das duas penas, vai o arguido condenado na pena única de duzentos e sessenta dias de multa à razão diária de 5 euros, no total de 1.300 euros.
- D - Pedidos cíveis - 1 - A matéria dos pedidos cíveis encontra-se provada, com excepção do valor de 50 euros de danos patrimoniais, pois apenas se provou o valor de 45 euros. 2 - Os danos não patrimoniais são relevantes e as quantias pedidas quanto a eles serão concedidas, tal como será concedido o pedido do CHBA. 3 - Os juros pedidos serão de igual modo concedidos, designadamente a partir da data de 22 de Fevereiro de 2010 - tudo em conformidade com os artigos 71º, 78º e 113º do Código de Processo Penal, e com os artigos 483º, 495º, 496º, 804º, 805º, 806º e 559º do Código Civil.
- E - Custas - 1 - O arguido, que é também demandado, pagará custas criminais, de harmonia com os artigos 513º, 514º do Código de Processo Penal, fixando-se no mínimo a taxa de justiça. 2 - Não há lugar a pagamento de custas cíveis, atento o disposto no artigo 523º do Código de Processo Penal e no artigo 4º, nº 1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais”.
APRECIAÇÃO DO RECURSO.
1 - Delimitação do objecto do recurso.
De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do C. P. Penal, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, in B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, in B.M.J. 478/242, e Ac. de 3/2/1999, in B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente, e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigos 403º, nº 1, e 412º, nºs 1 e 2, ambos do C. P. Penal.
Resulta da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que não é detectável qualquer um dos vícios a que alude o nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal. E, não se vislumbrando a ocorrência de nenhum dos vícios da sentença a que alude o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, nem vindo impugnados pelo recorrente os factos dados por provados e não provados na mesma sentença, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto dada por assente pelo tribunal a quo. Por outro lado, saliente-se que os factos foram correctamente enquadrados pelo tribunal recorrido, como integrando a prática pelo arguido, como autor material, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. Assim sendo, na apreciação do presente recurso são apenas duas as questões a conhecer: 1ª - Saber qual a medida concreta das duas penas de multa que devem ser aplicadas ao arguido pela prática dos dois crimes em questão (e saber também qual a medida da pena única a aplicar, em cúmulo jurídico das duas penas de multa parcelares). 2ª - Determinar qual o montante que deve ser fixado a título de indemnização aos demandantes.
2 - A medida concreta das penas aplicadas.
Entende o recorrente que as penas aplicadas são exageradas, devendo ser reduzidas nos seguintes termos: 100 dias de multa para a ofensa corporal na pessoa do (…); 120 dias de multa para a ofensa corporal na pessoa do (…); e, em cúmulo jurídico destas duas penas, 170 dias de multa. Cumpre decidir. Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - artigo 71º, nº 1, do Código Penal -, pena que visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º, nº 1, do mesmo diploma legal. A este propósito, e como bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”. A medida da pena há-de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do S.T.J. de 10-04-1996, in CJ, Acs. do S.T.J., Ano IV, tomo II, pág. 168 - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao principio de respeito pela dignidade da pessoa do agente. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. No dizer da Prof.ª Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção gera positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”. Em jeito de síntese, e como bem refere o Prof. Figueiredo Dias (in ”Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”. No caso dos autos, o arguido praticou dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. O crime de ofensa à integridade física simples é punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias (cf. artigos 143º, nº 1, e 47º, nº 1, do Código Penal). O recorrente foi condenado na pena de 150 dias de multa pela prática de cada um desses crimes, à taxa diária de 5 euros, e, em cúmulo jurídico de tais penas, o recorrente foi condenado na pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, o que perfaz o montante global de 1.300 euros de multa. Não é questionada no recurso a decisão do tribunal a quo quanto à taxa diária da pena de multa (5 euros). Insurge-se o recorrente, tão-só, relativamente ao número de dias fixados, número este que, em seu entender, é manifestamente excessivo e deve ser reduzido nos termos supra referidos. In casu, na determinação concreta da pena de multa a aplicar ao arguido há que atender aos seguintes elementos: - O grau não muito elevado da ilicitude dos factos, resultante, sobretudo, da não muito grande gravidade das lesões sofridas pelos ofendidos. - O modo de execução dos factos, sendo que, neste aspecto, o arguido deu (apenas) um empurrão nas costas do ofendido (…) e um soco na face do ofendido (…) (arranhando-o ainda no pescoço). - A circunstância de o arguido ter actuado com dolo directo, sendo certo, porém, que tudo ocorreu na sequência de uma discussão que o arguido teve com os ofendidos, no interior de um bar. - A condição pessoal e a condição económica do arguido, e a sua boa integração social e familiar. - A ausência de antecedentes criminais do arguido. - O tempo já decorrido após a prática dos factos (mais de 4 anos), mantendo o arguido bom comportamento. Ponderados todos estes elementos, no caso sub judice assiste razão ao recorrente quando pugna por uma redução das penas parcelares de multa aplicadas, e, consequentemente, também da pena única de multa fixada em cúmulo jurídico daquelas. Na verdade, os crimes de ofensa à integridade física em causa são puníveis com pena de multa de 10 a 360 dias. Ora, o apontado conjunto de todas as circunstâncias a ponderar no caso não impõe a aplicação de penas de multa situadas próximo do meio da respectiva moldura penal abstracta (o Mmº Juiz a quo fixou penas de 150 dias de multa). O grau de ilicitude dos factos não é de grande dimensão, e, por outro lado, o arguido encontra-se inserido familiar e socialmente, tendo modo de vida definido. Ponderando ainda a medida da culpa e as exigências de prevenção, sendo que as exigências de prevenção especial não são neste caso muito relevantes, entendemos que se mostra mais adequado à situação concreta aplicar ao arguido penas de multa situadas um pouco mais próximo do limite mínimo da moldura penal abstracta (da multa) dos dois crimes em questão. Em conformidade, e atendendo a todos os factores descritos, é de aplicar ao arguido, por serem proporcionais e adequadas, as penas concretas de 100 dias de multa para o crime de que foi vítima (…) e de 120 dias de multa para o crime de que foi vítima (…) – tal como proposto na motivação do recurso em apreciação. Em cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, seguindo o mesmo raciocínio e utilizando critérios semelhantes (cfr. o disposto no artigo 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal), temos por adequado aplicar ao arguido a pena única de 170 dias de multa (como também proposto na motivação do recurso) - à taxa diária, não questionada pelo recorrente, de 5 euros (o que perfaz o montante global de 850 euros de multa). Neste ponto, é de conceder, portanto, inteiro provimento ao recurso.
3 - Dos montantes fixados a título de indemnização.
O demandante (…) deduziu pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 1.300 euros (acrescida de juros legais, contados desde a notificação), a título de indemnização por danos patrimoniais (50 euros) e não patrimoniais (1.250 euros). O demandante (…) formulou também pedido de indemnização civil, para condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 750 euros (com acréscimo dos juros legais, contados desde a notificação), a título de indemnização por danos não patrimoniais. Na sentença recorrida decidiu-se condenar o arguido/demandado a pagar aos demandantes a totalidade dos montantes pedidos (com excepção da quantia de 5 euros, relativa aos danos patrimoniais sofridos pelo demandante (…) – pois provou-se que o valor desses danos foi apenas de 45 euros e não de 50 euros). Alega o recorrente, na motivação do recurso, e em síntese, que as indemnizações arbitradas a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais se mostram desajustadas e manifestamente excessivas, pois apenas se provou que os demandantes, em consequência das agressões em causa, sentiram dores físicas e sofreram humilhação. Em consequência, pede o recorrente que os montantes de indemnização em questão sejam reduzidos: quanto ao demandante (…), para 200 euros, e, quanto ao demandante (…), para 450 euros (englobando já, neste valor, o montante dos danos patrimoniais estabelecido na sentença). Cabe apreciar e decidir. Conceitualmente, o dano pode definir-se como sendo toda a desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não. Como é sabido, os danos podem ter duas naturezas: patrimoniais e não patrimoniais. O dano não patrimonial (o único que está em discussão no presente caso) é regulado pelo disposto no artigo 496º do Código Civil, o qual preceitua (na sua actual redacção, introduzida pela Lei nº 23/2010, de 30/08): “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. (…). 3. (…). 4. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”. Assim, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, releva a gravidade do dano causado, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. É necessário considerar, desde logo, que estes elementos têm, no seu todo, uma dupla finalidade: a da reparação dos danos causados e a da sanção ou reprovação do agente no plano civilístico, com os meios adequados do direito privado (cfr., neste sentido, Prof. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 9ª edição, Vol. I, pág. 630). Por outro lado, na fixação equitativa do valor da indemnização deve ter-se sempre presente que os montantes não devem ser tão escassos que possam ser vistos como miserabilistas, nem tão elevados que possam assumir-se como enriquecimento indevido. Na fixação do montante da indemnização em análise deve o tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico (cfr., em igual entendimento, o Ac. do S.T.J. de 16-12-1993, in CJ – Acórdãos do S.T.J., III, pág. 182). Nesta perspectiva, tem existido uma acentuada tendência para a elevação das indemnizações a arbitrar em casos como o dos autos, de maneira a ultrapassar uma certa timidez que se tinha instalado na prática dos nossos tribunais e a acompanhar a evolução positiva dos padrões económicos da nossa sociedade, geradora de maiores hábitos de consumo por parte das famílias, pretendendo-se que o lesado atinja prazeres e bem estar que de algum modo lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão. Devem incluir-se entre os danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, e os prejuízos na vida e relação sociais, sobretudo os provenientes de deformações estéticas. A este respeito, ensina o Prof. Antunes Varela (ob. citada, págs. 599 e 600) que “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Como lucidamente escreve Dario Martins de Almeida (in “Manual de Acidentes de Viação”, 2ª ed., Coimbra, 1980, págs. 103 e 104), “quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa. A equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo”. Do exposto decorre que o tribunal, para a fixação dos danos não patrimoniais, no cumprimento da disposição legal supra citada que determina que se julgue da acordo com a equidade, deverá atender aos elementos expressamente previstos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que derivam da matéria de facto provada. Isto com a finalidade de, após a adequada ponderação, poder concluir sobre o valor pecuniário que no caso concreto se mostra justo e adequado. Nesta perspectiva, ficou provado na sentença recorrida que, em consequência das agressões perpetradas pelo arguido, o demandante (…) sofreu dores na face e hematoma na região malar, lesão esta susceptível de lhe determinar um período de um dia para a cura, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional. Por sua vez, o demandante (…), em consequência das agressões em causa, sofreu escoriação na região malar esquerda, escoriação na mucosa do hemilábio esquerdo, duas equimoses na face lateral direita do pescoço e duas equimoses na face interna do joelho esquerdo, lesões estas susceptíveis de lhe determinar um período de cinco dias para a cura, sendo dois dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional. Mais se provou que ambos os demandantes sentiram dores físicas e sofreram humilhação por causa das agressões em análise. Vista a relativa pequena gravidade dos danos físicos causados aos demandantes, e tendo em conta todo o demais circunstancialismo que o acervo factológico provado nos dá a conhecer, com particular destaque para a humilde condição económica do arguido e as concretas circunstâncias em que ocorreram as agressões aos ofendidos (tendo o arguido actuado em clima de discussão com os ofendidos), temos como excessivo o quantum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo, afigurando-se-nos mais consentâneos com a apreciação global e complexiva de todos os elementos relevantes para o efeito (e antes enunciados) os seguintes montantes: - 400 euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante (…). - 700 euros a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais do demandante (…) (recebendo, assim, este ofendido, 745 euros de indemnização global - 700 euros por danos não patrimoniais e 45 euros por danos patrimoniais). Nesta parte (relativa aos pedidos de indemnização civil), o recurso é, por isso, parcialmente de proceder (o arguido/recorrente pedia uma redução dos montantes de indemnização para 200 euros e 450 euros, respectivamente).
III - DECISÃO
Pelo exposto, e julgando parcialmente procedente o recurso, decide-se alterar a sentença recorrida nos seguintes termos: - Condena-se o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal (de que foi vítima (…)), na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros). - Condena-se o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal (de que foi vítima (…)), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros). - Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condena-se o arguido (…) na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 850 (oitocentos e cinquenta euros) de multa. - Condena-se o demandado (…) a pagar ao demandante (…) a quantia de € 745 (setecentos e quarenta e cinco euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com acréscimo dos juros civis legais calculados sobre ela, e contados desde o dia 22 de Fevereiro de 2010. - Condena-se o demandado (…) a pagar ao demandante (…) a quantia de € 400 (quatrocentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros civis legais calculados sobre ela, e contados desde o dia 22 de Fevereiro de 2010. Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida. Sem tributação.
Évora,15 de Novembro de 2011 João Manuel Monteiro Amaro (relator) - Maria de Fátima Mata-Mouros (adjunta) |