Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
311/17.6GALGS.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A natureza qualificada da ofensa à integridade física alicerça-se na existência de “circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”, por apelo à técnica dos chamados “exemplos-padrão” - cfr. artigos 145.º, n.º 2 e 132.º, n.º 2, ambos do Código Penal.
Tratam-se de elementos de funcionamento não automático que se entende serem constitutivos do tipo de culpa

II - Resultou provado que, estando o arguido deitado no seu quarto e a dormir, ao ser chamado pelos militares da GNR e pelos bombeiros que acorreram ao local acordou e, de imediato, levantou-se e desferiu um empurrão no militar da GNR que foi projectado para a retaguarda e caiu em cima de uma mesa de vidro que ali se encontrava, de que resultaram para este dores no joelho direito e no ombro direito, zonas corporais que ostentavam edemas e lesão condral no côndilo femoral interno do joelho direito, com 4 milímetros de diâmetro transversal e 2 milímetros de espessura, rodeada por edema da medula óssea, hipersinal intra-meniscal no arco posterior do menisco interno e pequeno derrame articular no recesso sub-quadricipital externo.

Assim, tendo em atenção o circunstancialismo em que ocorreu a agressão, concretamente, que o arguido estava no seu quarto, adormecido e despertou com os militares da Guarda à sua frente, não vemos que o empurrão desferido de seguida/de imediato, face ao inesperado e inusitado da situação com que foi confrontado, integre uma situação radicalmente afastada das concepções éticas e de valores da comunidade ou espelhe uma atitude má, concernente à sua personalidade.

Ou seja, ainda que preenchida esteja a previsão da alínea l), do nº 2, do artigo 132º, do CP não se mostra configurada a especial censurabilidade e perversidade da actuação do arguido exigida para a qualificação do crime, porquanto o circunstancialismo referido não o torna mais grave, por a conduta ser mais reprovável, também não se reconduzindo a uma atitude defeituosa, respeitante à personalidade do agente.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 311/17.6GALGS, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido, também demandado civilmente, AA condenado, por sentença de 26/01/2023, nos seguintes termos:

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, o que que perfaz o montante de 1.080,00 euros;

No pagamento ao demandante Estado Português, representado pelo Ministério Público, da quantia de 61,84 euros, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;

No pagamento ao demandante Estado Português, representado pelo Ministério Público, das prestações liquidadas ao militar BB a título de vencimentos e outros suplementos pagos durante o período em que o mesmo, em virtude da conduta do arguido, esteve de baixa médica e a pagar o valor das despesas hospitalares e dos tratamentos médicos que o demandante, nessa decorrência, suportou, a liquidar em ulterior execução de sentença;

No pagamento ao mesmo demandante da indemnização relativa a danos futuros, que vierem a produzir-se, a liquidar em execução de sentença;

A pagar ao demandante BB, a quantia de 5.481,96 euros, a título de indemnização pela perda de benefícios, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento

A pagar ao demandante BB, a quantia de 2.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais. acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.

Mais foi condenado o arguido/demandado, a pagar ao mesmo demandante a indemnização relativa a danos futuros, relegando-se para incidente de liquidação a fixação da compensação pelos danos futuros, com o limite peticionado.

2. O Ministério Público não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

I. Não concorda o Ministério Público com a convolação efectuada pelo Tribunal a quo, porquanto absolveu o arguido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido, pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al) l, todos do Código Penal de que vinha acusado e condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa integridade física simples, previsto e punido pelo artigo143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de €1.080,00 (mil e oitenta euros).

II. Também não concorda o Ministério Público que o Tribunal não disponha de prova cabal (diga-se documentação) para condenar o demandado no pagamento integral peticionado.

III. Não há dúvidas que o arguido cometeu um crime de ofensa à integridade física, e no caso, entendemos que as circunstâncias que rodearam a agressão revelam uma especial censurabilidade do mesmo.

IV. A ofensa à integridade física na pessoa de um agente da autoridade, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, em pleno exercício de funções, no quarto que o arguido tão bem conhecia (ou seja, sabia que na rectaguarda do militar da GNR se encontrava uma mesa de vidro) e “após ser chamado pelos militares da GNR e pelos bombeiros que acorreram ao local acabou por acordar, e sem, mais levantou-se e desferiu um empurrão no militar da GNR BB que foi projectado para trás e caiu em cima da mesa de vidro que ali se encontrava” – facto 8 dado como provado), merece uma censurabilidade especial, bastante superior àquela que se associa, em geral, a este tipo de ilícito.

V. Entende-se que a conduta do arguido revela, com efeito, um especial “desvalor”, na medida em que traduz uma atitude de especial desprezo para com a função da vítima e o poder de autoridade de que esta está investida naquele preciso momento, atitude essa que merece, por isso, uma censura especial, pois, pese embora o arguido tivesse naquele momento “acordado”, a verdade é que se apercebeu quem eram as pessoas que estavam no seu quarto, e numa atitude de total desprezo pelas funções desempenhadas pelo militar empurrou-o com violência o qual acabou por cair em cima de uma mesa de vidro (que o arguido sabia que ali se encontrava).

VI. Entende-se que o tribunal a quo violou os artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al) l, devendo por via disso, ser revogada a sentença e substituída por outra que condene o arguido pelo crime de um crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido, pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al) l, p. e p. pela citada disposição legal.

VII. No âmbito do PIC formulado, o tribunal a quo entendeu dar como não provados os factos relativos aos encargos que o Estado Português teve com o militar da GNR em virtude das lesões sofridas, considerando que inexistia, quanto a tais despesas, prova segura e cabal dos concretos valores liquidados por parte do Estado Português, condenando o demandado a pagar ao demandante, no que se liquidar em execução de sentença, e uma vez que o Assistente ainda não se encontra totalmente recuperado das lesões sofridas, condenando ainda o demandado a pagar ao demandante, a indemnização relativa aos danos futuros, relegando-se para incidente de liquidação e fixação da compensação pelos danos futuros.

VIII. Salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, quando considerou que não detinha os elementos suficientes para fixar o montante das rubricas acima descritas, porquanto da análise de toda a documentação junta aos autos, devidamente identificada no pedido de indemnização cível, dúvidas não subsistem que, efectivamente, o tribunal dispunha de prova mais do que suficiente para fixar a indemnização a atribuir ao Estado Português.

IX. Acresce que, o tribunal no âmbito dos presentes se tinha dúvidas no que concerne aos montantes em apreço, poderia e deveria ter diligenciado no sentido da junção dos que considerava que deveriam ser junto, desde logo, pela incumbência que o art.º 411.º do C.P.C. atribui ao juiz de diligenciar oficiosamente pela obtenção de provas.

X. Entende-se que foram incorrectamente julgadas as als. f), g) e h) na medida em que as razões e os elementos probatórios constantes dos autos e de acordo com as regras da lógica e da experiência, impunham ao Tribunal a quo que inferisse e concluísse, sem margem para dúvidas, que o demandante pagou os montantes peticionados e, se dúvidas existissem, no que concerne aos valores peticionados, por questões de economia processual, bem como de acordo com o Principio do Inquisitório, deveria o Tribunal a quo ter diligenciado por forma a obter “prova cabal” dos pagamentos efectuados pelo Estado Português, e ao não o fazer, violou o art.º 411º do C.P.C.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O arguido apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo arguido em que reitera dever o recurso ser julgado improcedente.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido.

Impugnação da matéria de facto/existência de elementos probatórios para a condenação do arguido nos concretos termos pelo Estado Português peticionados.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

Da acusação pública:

1. No dia 21.11.2017, cerca das 20:30 horas, foi efectuada uma comunicação para o posto territorial da GNR de … dando conta que AA se encontrava a provocar desacatos no empreendimento turístico CC sito na Rua …, …, em …, mais concretamente, a provocar estragos em portas, janelas e na zona da piscina;

2. De imediato, dirigiu-se para o local uma patrulha da GNR composta por BB e DD que se encontravam no exercício das suas funções e devidamente uniformizados;

3. Chegados ao local, os militares da GNR supra referidos em 2. verificaram a existência de vestígios de sangue no portão de entrada;

4. BB e DD verificaram que no interior daquele empreendimento turístico haviam mesas e espreguiçadeiras viradas no chão;

5. BB e DD constataram também que AA se encontrava deitado numa cama, no interior da sua residência, sendo ainda visível marcas de sangue na coberta e a existência de vidros partidos espalhados pelo chão;

6. Perante tal cenário, os militares da GNR, BB e DD, decidiram chamar os bombeiros ao local e quando estes chegaram entraram no interior do quarto onde o arguido se encontrava aparentemente a dormir dirigindo-se para junto do arguido;

7. Quando se aproximavam do arguido, os elementos da GNR, de forma audível, identificaram-se como elementos daquela Guarda;

8. O arguido ao ser chamado pelos militares da GNR e pelos bombeiros que acorreram ao local acabou por acordar e, sem mais, levantou-se e desferiu um empurrão no militar da GNR BB que foi projectado para trás e caiu em cima de uma mesa de vidro que ali se encontrava;

9. Mercê da conduta do arguido, BB sentiu dores no joelho direito e no ombro direito, zonas corporais que ostentavam edemas;

10. Mercê da conduta do arguido, BB apresentou uma lesão condral no côndilo femoral interno do joelho direito, com 4 milímetros de diâmetro transversal e 2 milímetros de espessura, rodeada por edema da medula óssea, hipersinal intra-meniscal no arco posterior do menisco interno e pequeno derrame articular no recesso sub-quadricipital externo;

11. Do relatório de ressonância magnética realizada a 26.10.2018 consta que BB “apresentava na região de carga do côndilo femoral interno uma área de 0,8 por 0,4 centímetros de condropatia completa com irregularidade cortical e edema subcondral, na região posterior de carga do côndilo femoral interno uma área de 1,5 por 1,5 centímetros de fissuração cartilagínea profunda irregular com edema e degeneração subcondral e na área de carga do prato tibial externo uma área milimétrica de erosão profunda e na faceta interna da rótula área de 1 por 1,5 centímetros de fissuração cartilagínea irregular”;

12. BB foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas ortopédicas/artroscopias do joelho direito, mercê da lesão que apresentava no joelho;

13. BB apresenta como sequelas da conduta do arguido uma cicatriz avermelhada com sete milímetros de comprimento na face interna do joelho direito e uma cicatriz avermelhada com um milímetro de comprimento na face externa do joelho direito, um ligeiro edema e limitação de flexão do joelho direito;

14. BB necessitou de assistência médica e hospitalar e as lesões sofridas, mercê da conduta do arguido, implicaram directa e necessariamente um período de 815 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;

15. O arguido agiu com o propósito de molestar o corpo e a saúde de BB, como efectivamente molestou;

16. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal;

Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, em representação do Estado Português:

17. A actuação de BB foi realizada no exercício das suas funções de agente de autoridade;

18. BB recebeu tratamentos médicos e assistência hospitalar, mercê da lesão que apresentava;

19. BB foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas no joelho direito mercê da lesão que apresentava;

20. Em virtude de tais lesões, BB esteve de baixa clínica, encontrando-se totalmente impossibilitado de trabalhar até ao 17 de Outubro de 2019;

21. No dia 16.10.2019, BB foi considerado parcialmente apto para o serviço por deliberação proferida pela Junta Superior de Saúde que saiu em Ordem de Serviço n.º 200 de 17 de Outubro de 2018, ficando dispensado de exercícios e esforços físicos e trabalho no exterior pelo período de 120 dias, findos os quais retomaria o serviço normal podendo carecer de reavaliação para atribuição de eventual IPP;

22. O Estado Português providenciou a BB toda a assistência e os tratamentos médicos indispensáveis, custeando-os;

23. O Estado Português continuou a pagar a remuneração mensal acrescida de outros abonos a BB;

24. Em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português despendeu a quantia de €61,84 no atendimento médico que BB recebeu do Centro de Saúde de … - Centro Hospitalar Universitário …, valor esse pago pelo Estado Português ao Centro Hospitalar Universitário …, EPE;

25. Em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português deixou de receber a prestação de serviços por parte de BB enquanto este esteve de baixa clínica;

26. BB ainda não se encontra totalmente recuperado das lesões sofridas, nem clinicamente curado;

Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante BB:

27. BB é militar da GNR com a patente de guarda principal presta serviço no posto territorial da GNR de …;

28. BB ao ser empurrado pelo arguido e da subsequente queda, sentiu dores no joelho direito e no ombro direito, zonas corporais que ostentavam edemas;

29. Na sequência da agressão, BB foi assistido no serviço de Urgência do Hospital de … onde efetuou exame de RX;

30. Posteriormente, BB recorreu a consulta de ortopedia no Hospital … de … tendo sido pedida ressonância magnética ao joelho que foi realizada no Hospital do …;

31. BB também foi assistido na Unidade Hospitalar de … em consulta de ortopedia;

32. Mais tarde, passou a ser assistido no Centro Clínico da GNR, onde passou a ser seguido e onde acabou por nos dias 7 de Junho de 2018 e 4 de Abril de 2019 efectuar duas intervenções cirúrgicas ao joelho direito, mercê da lesão que apresentava com três dias de internamento em cada uma delas;

33. BB fez exames médicos designadamente um Raio-X, duas ressonâncias magnéticas e ecografias;

34. As lesões sofridas por BB, mercê da conduta do arguido, implicaram directa e necessariamente um período de 815 dias de doença todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;

35. Foram prescritas 60 sessões de fisioterapia que BB iniciou no dia 24.07.2018 até ao dia 26.06.2019, de 1:30 horas cada uma das sessões;

36. Durante as sessões de fisioterapia, BB sofria dores;

37. Em virtude da conduta do arguido, BB sofreu incómodos, angústia, mal-estar físico e preocupação;

38. Neste período, BB sofreu dores, dificuldade em caminhar, a descer e a subir escadas, a lavar-se, vestir-se, calçar-se e baixar-se;

39. O demandante ficou com cicatrizes no joelho de forma permanente;

40. BB é uma pessoa jovem;

41. O demandante em consequência da conduta do arguido ficou com uma incapacidade permanente parcial de 7%.;

42. O demandante sempre executou os serviços designados de gratificados;

43. No ano de 2020, EE, camarada de serviço do demandante, auferiu a título de gratificados a quantia de €3.568,34, o que perfaz a quantia mensal de cerca de €300,00;

44. O demandante deixou de auferir os serviços de gratificados no período de 21.12.2017 até 17.10.2019;

Mais se provou:

45. Na sequência do supra descrito em 8. e 9., BB foi assistido no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Universitário … - Unidade Hospitalar de … onde realizou exames radiográficos no joelho direito e no ombro direito;

46. BB após os factos supra descritos em 8. continuou a trabalhar durante cerca de um mês e só decorrido esse período ficou de baixa médica;

47. Em virtude da conduta do arguido, BB ficou com sequelas que do ponto de vista médico-legal se traduzem em sequelas que afectam, mas não de maneira grave, a possibilidade de utilizar o corpo e a capacidade de trabalho;

48. No ano de 2020, entre Fevereiro e Dezembro, o demandante auferiu em gratificações a quantia de €2.741,06;

49. O arguido apresenta uma personalidade com traços impulsivos e uma baixa tolerância à frustração;

50. O arguido tem antecedentes psiquiátricos desde a adolescência e no presente está a ser acompanhado por terapeuta e medicado;

51. O arguido é solteiro;

52. Não tem filhos;

53. Reside com a namorada em anexo junto a empreendimento turístico pertença da família, a título gratuito;

54. O arguido não aufere rendimentos e na presente dada a sua condição clínica não trabalha, mas tem retaguarda familiar que o apoia e ajuda financeiramente, disponibilizando-se a garantir-lhe trabalho no empreendimento turístico que exploram;

55. O arguido não tem despesas extraordinárias;

56. Não é proprietário de veículos automóveis, nem de prédios;

57. Como habilitações literárias tem o 10.º ano de escolaridade;

58. Do certificado do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:

i. No Processo Sumaríssimo n.º 93/18.4… que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Competência Genérica de …, pela prática a 16.02.2018, de 1 (um) crime de injúria agravada, p. e p. pelo artigo 181.º e 184.º do Código Penal, tendo sido condenado por sentença proferida a 03.06.2019, transitada em julgado a 21.06.2019, numa pena de 75 de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), pena que veio a ser declarada extinta a 08.09.2019;

ii. No Processo Comum Singular n.º 176/17.8…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Competência Genérica de …, pela prática a 19.02.2018, de 1 (um) crime de coação, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 154.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º e 73.ºdo Código Penal, tendo sido condenado por sentença proferida a 08.10.2018, transitada em julgado a 07.11.2018, numa pena de 80 de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de €640,00 (seiscentos e quarenta euros), pena que veio a ser declarada extinta a 02.12.2019.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

Da acusação pública:

a) Que nas circunstâncias espácio-temporal supra descritas em 3. BB e DD ouviram ruído de vidros a serem partidos e portas a bater no interior daquele local;

b) Que nas circunstâncias espácio-temporal supra descritas em 8. BB foi projectado pelo ar;

Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público:

c) Que em virtude da conduta do arguido, BB esteve de baixa clínica e totalmente impossibilitado de trabalhar desde o dia 21.11.2017;

d) Que as lesões sofridas por BB se apresentam susceptíveis de modificação com terapêutica adequada continuando aquele militar a recorrer a tratamentos médicos;

e) Que o Estado Português continua a pagar a remuneração mensal acrescida de outros abonos ao militar BB;

f) Que em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português, mais precisamente a Direcção de Assistência na Doença da GNR suportou a quantia de €646,02, a título de comparticipação em despesas médicas de BB;

g) Que em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português despendeu a quantia de €1.869,20 em despesas para tratamento e assistência de BB, suportadas pelo Centro Clínico da GNR;

h) Que em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português pagou a remuneração mensal acrescida de outros abonos a BB despendendo a título vencimento e suplementos de serviço, durante o tempo em que ele não prestou serviço, em consequência da baixa clínica, a quantia total de €34.813,83;

Do pedido de indemnização civil deduzido por BB:

i) Que em virtude da conduta do arguido, o demandante teve de tomar analgésicos durante muito tempo;

j) Que o demandante sempre foi pessoa saudável, sem problemas de saúde;

k) Que devido à incapacidade permanente parcial de 7%, o demandante deixou de poder fazer exercício físico, deixou de poder correr, praticar desportos colectivos como jogar futebol ou jogar ténis;

l) Que o demandante nos actos da vida diária passou a adoptar uma atitude defensiva e receosa em relação a um novo eventual traumatismo;

m) Que antes da agressão, o demandante não padecia de nenhuma das lesões e sequelas que hoje apresenta;

n) Que o demandante ficou com cicatrizes no joelho irreparáveis;

o) Que no ano de 2020, entre Fevereiro e Dezembro, o demandante auferiu a quantia de €2.817,22 em serviços de gratificações;

p) Que a média dos serviços gratificados prestados pelo arguido se cifra na quantia mensal de €300,00;

q) Que o demandante deixou de auferir os serviços de gratificados logo após o dia 21.11.2017;

r) Que o demandante despendeu a quantia de €353,17 por assistência médica prestada, em virtude da conduta do arguido;

s) Que em virtude da conduta do arguido, o demandante sente dores ao andar e ao movimentar-se.

Os restantes factos, não especificamente dados como provados ou não provados, constituem factos repetitivos, conclusivos, ou contêm factualidade irrelevante para a decisão da presente acção penal e apreciação dos pedidos de indemnização civil.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

Nos termos preceituados no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, não estando o julgador subordinado a regras rígidas de prova tarifada. A convicção judicial mostra-se norteada por imperativos de busca da verdade material, num juízo que não poderá configurar arbitrariedade, devendo apresentar-se racional, ponderado, crítico, e, nessa decorrência, sindicável.

Para a formação da sua convicção, o tribunal atendeu às declarações do arguido e aos depoimentos das testemunhas DD, BB, FF, GG e de HH.

Levou-se ainda em consideração os demais elementos de prova constantes dos autos, em concreto:

- o teor do auto de notícia, de fls. 3 a 6;

- o teor do “relatório fotográfico”, de fls. 7 a 11

- o teor dos elementos clínicos, de fls. 68, 69, 79, 98, 100, 103, 122 a 125, 231;

- o teor das faturas, de fls. 132 a 136, 93 (=fls. 107), 94, 99, 102;

- teor dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 53 a 55, 109 a 112, 163 a 165; 246-256, 291-294, 317-323;

- o teor de recibos de vencimentos, de fls. 87 a 92;

- o teor do “Boletim de Acompanhamento Médico”, de fls. 95 a 97

- o teor de “Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença de Funcionário Público/Agente Administrativo”, respeitante ao período de 28.02.2018 a 07.03.2018, de fls. 104;

- teor de “Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença de Funcionário Público/Agente Administrativo”, respeitante ao período de 08.03.2018 a 06.04.2018, de fls. 105;

- teor de “Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença de Funcionário Público/Agente Administrativo”, respeitante ao período de 07.04.2018 a 06.05.2018, de fls. 106;

- teor do certificado de registo criminal do arguido, junto aos autos com a ref.ª citius n.º ….

- o teor do relatório da perícia psiquiátrica médico-legal datada de 12.09.2022 (vd. ref.ª citius n .º …).

A factualidade supra descrita nos pontos 1 a 5 resultou provada com base dos depoimentos de DD e de BB, concatenados entre si, que o afiançaram de forma sincera e que encontram respaldo no teor do auto de notícia, de fls. 3 a 6 e no registo fotográfico, de fls. 7 a 11.

Os factos vertidos supra nos pontos 6 a 9 foram julgados provados com base nos depoimentos de BB, DD, FF e GG concatenados entre si.

Atentemos.

BB, militar da GNR e ofendido nos autos, no depoimento que prestou referiu que chegados ao local e apercebendo-se que o arguido estava deitado e a “colcha cheia de sangue” chamaram o 112 e “quando a ambulância chegou lá entraram” no quarto, “identificaram-se” como sendo militares da GNR e o arguido, de forma “repentina” “levantou-se da cama de forma violenta” e “veio na minha direcção” e desfere um empurrão “com ambas as mãos no peito” e “fui projectado para trás em cima de uma mesa” acabando por cair no chão, o que lhe causou dores no joelho e no ombro.

DD, militar da GNR, no depoimento que prestou referiu, por seu turno, que acompanhados dos bombeiros que acorreram ao local entrarem no quarto onde o arguido se encontrava e “não deu para falar mais nada” o arguido levantou-se e foi na direcção do seu colega - referindo-se a BB - e empurrou-o alvitrando que “foi uma reacção brusca” e “rápida”; perguntado se o arguido se apercebeu que eram militares da GNR reiterou apenas que tudo se passou muito rápido e o arguido estava “descontrolado”; “revoltado e reactivo”.

FF, bombeiro de profissão, explicou com detalhe que chegado ao local estava “tudo virado ao contrário”; “tudo partido” e “eu abordei” o arguido asseverando que o arguido estava prostrado na cama e não respondia encontrando-se em “sono profundo”; referiu que tocou no arguido a fim de o acordar e perceber se estava bem tendo-lhe dito “está a ouvir-me, está a ouvir-me” e o arguido a dado momento que não logrou precisar mas que se sucedeu após aqueles chamamentos que lhe estavam a ser dirigidos “acordou do nada e ao acordar empurrou o agente que estava junto de nós que bateu numa mesa” explicitando que “aquilo era um cenário não normal”.

Por fim, GG, bombeiro de profissão, explicou que chegados ao empreendimento turístico onde o arguido se encontrava e residia verificaram “um grande rasto de destruição” e “um indivíduo deitado sobre um colchão no chão com marcas de sangue e vidros; água pelo chão”; que o arguido assim que sentiu tocarem-lhe “empurrou” um dos militares que acabou por cair alvitrando que “foi rápido” explicitando, no mais, que o arguido estava a dormir e “começou a esbracejar e a bater em quem está ao pé dele”.

Em face do exposto, e numa ponderação conjunta, à luz das regras de experiência comum e de normalidade do acontecer - e pese embora pequenas desarmonias quanto à concreta dinâmica do sucedido, discrepâncias essas que assumem foros de normalidade, tendo em conta a intensidade da situação experienciada, de ocorrência rápida - resulta clarividente que o arguido naquele concreto circunstancialismo desferiu um empurrão no militar da GNR BB, o que lhe causou dores. Mais se apurou que o arguido no momento que antecedeu a agressão estava aparentemente a dormir “sono profundo” - valorando-se, neste particular, positivamente o depoimento de FF que o explicitou de forma que se reputa de sincera e verdadeira. Conjugando toda a prova, o Tribunal não teve qualquer dúvida em considerar provados os factos supra consignados nos pontos 6 a 9.

No que concerne aos factos supra consignados nos pontos 10 a 14 e 47- que respeitam às lesões constatadas no corpo do ofendido e ao nexo causal entre as lesões e a conduta do arguido, levou-se em consideração o teor dos elementos clínicos, de fls. 68, 69, 79, 98, 100, 103, 122 a 125, 231 concatenados que foram com o teor dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 53 a 55, 109 a 112, 163 a 165; 246-256, 291-294, 317-323.

Neste particular, ganha especial acuidade analisar o teor do relatório (final) de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 317 a 323, o qual, tendo por base a documentação clínica aí explicitada “(…) B. DADOS DOCUMENTAIS (…) 1) Boletim do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Universitário … - Unidade de … (…); 2) Relatório de Ressonância Magnética do joelho, datado de 12.01.2018 (…); 3) Informação clínica do Hospital de … de …, datado de 19.02.2018 (…); 4) Relatório de ecografia do joelho direito, datado de 12.10.2018 (…); 5) Relatório de RM do joelho direito, datado de 26.10.2018, (…); 6) Relatório Médico do Centro Clínico da GNR, datado de 06.02.2019 (…); 7) Relatório Médico do Centro Clínico da GNR, datado de 10.07.2019 (…); 8) Relatório Médico do Centro Clínico da GNR, datado de 12.11.2019 (…); Relatório Médico subscrito pela Dra.ª II (Médica Ortopedista - Centro Clínico da GNR), datado de 09.07.2020 (…); 10) Relatório Médico subscrito pelo Dr. JJ (Médico Fisiatra), datado de 23.07.2020 (…) fez constar no item “discussão” que: “1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano; 2. A consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14.02.2020 (i.e., 815 dias após o evento traumático), tendo em conta: o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efectuados e data em que terá retomado as funções no exterior;” (…) mais explicitando no campo de “Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: O examinando apresenta as seguintes sequelas. - Membro inferior direito: na face interna do joelho, cicatriz avermelhada com vestígios de pontos, pouco aparente, medindo 7 mm de comprimento; na face externa do joelho, cicatriz avermelhada com vestígios de pontos pouco aparente medindo um cm de comprimento; ligeiro edema e ligeira limitação da flexão do joelho” concluindo: “- As lesões referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação; - Tais lesões terão determinado um período de doença fixável em 815 dias: com afectação da capacidade de trabalho geral (815 dias) e com afectação da capacidade de trabaljo profissional (815 dias); - Do evento resultaram para o Examinado as consequências permanentes descritas, as quais, sob o ponto de vista médico-legal se traduzem em sequelas que afectam, mas não de maneira grave, a possibilidade de utilizar o corpo e a capacidade de trabalho.”

Em face do exposto, numa ponderação conjunta, e não existindo fundamentos válidos que permitam divergir da prova pericial julgaram-se provados os factos supra vertidos nos pontos 10 a 14.

Os elementos subjectivos da incriminação, constantes supra dos pontos 15 e 16 dos factos provados, resultam inferidos da materialidade dos factos dados como provados e da ressonância ético-jurídica da protecção da integridade física, que torna ao alcance de qualquer cidadão o conhecimento da proibição jurídico-penal daqueles actos.

Além disso, atendeu-se, ainda, ao teor do relatório da perícia psiquiátrica médico-legal datada de 12.09.2022 (vd. ref.ª citius n .º …) que conclui que o arguido à data da prática dos factos tinha capacidade para avaliar a ilicitude dos seus actos e se determinar de acordo com essa avaliação.

Os factos consignados supra nos pontos 17 e 18 resultaram apurados com base no depoimento do DD que referiu os tratamento e a assistência hospitalar que lhe foi sendo prestada, tendo sido submetido a exames e a duas intervenções cirúrgicas, o que, em parte, foi corroborado pelo depoimento da testemunha BB e encontra respaldo no teor dos elementos clínicos, de fls. 68 e 69 (=123 a 125), 79, 98, 100, 103 e 231.

A factualidade constante dos pontos 19 e 20 resultou provada com base no depoimento de DD e no teor do escrito de fls. 624. No que concerne à data a partir da qual o demandante ficou de baixa médica por se encontrar incapacitado de trabalhar, os relatos colhidos foram uniformes em explicitar que tal não sucedeu logo a seguir ao dia 31.11.2017, conforme se achava alegado no pedido de indemnização civil, o que, por conseguinte, se julgou incomprovado [cfr. alínea c. dos factos não provados] resultando da prova produzida que tal apenas veio a suceder decorrido cerca de um mês após aquele evento, o que, tendo resultado incontroverso, se fez constar do ponto 46 do elenco dos factos provados.

O facto consignado no ponto 21. foi julgado provado com base no teor do escrito de fls. 624. No que respeita aos factos supra consignados nos pontos 22 e 23 os mesmos foram julgados provados com base no teor do depoimento de DD que confirmou que as despesas médicas resultantes da assistência e dos tratamentos que teve que realizar em resultado da agressão foram sendo liquidadas pela GNR - embora sem lograr concretizar a concreta grandeza das mesmas - o que está em harmonia com o teor do escrito de fls. 151 e 152 dos quais se extrai que o evento ocorrido no dia 21.11.2017 foi qualificado de “acidente em serviço” e que, nessa decorrência, foram autorizadas e liquidadas as despesas de tratamento e as despesas médicas do militar DD. Contudo, e não obstante tal factualidade ter resultado demonstrada certo é inexiste prova segura e objectiva quanto aos concretos valores que foram sendo suportados pela GNR porquanto analisados na sua integralidade os escritos que constam de fls. 166 a 217 dos mesmos não é possível com o rigor e a precisão que se impõe, concluir que o Estado Português suportou a quantia de €646,02, a título de comparticipação em despesas médicas de BB. Também não se vislumbra elementos documentais suficientes que comprovem que o Estado Português despendeu a quantia de €1.869,20 em despesas para o tratamento e a assistência prestada a BB e que este recebeu aquantia de €34.813,83 a título de remuneração mensal acrescida de outros abonos e que a mesma foi liquidada pelo Estado Português, nos termos constantes do pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, inexistindo, quanto a tais despesas, prova segura e cabal dos concretos valores liquidados mormente facturas e recibos que o demonstrem, razão pela qual à míngua desses elementos se julgou não provada a factualidade que se fez constar das alíneas f) a h).

O facto constante supra do ponto 24 foi julgado provado com base no depoimento de DD, em conjugação com o teor da factura emitida pelo Centro Hospitalar Universitário …, E.P.E., de fls. 133 (fls. 134), que o confirma.

Os factos vertidos nos pontos 25 e 26 resultaram demonstrados com base nos depoimentos de DD e de BB conjugado com o teor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 317 a 323.

Os factos provados indicados supra nos pontos 27 a 41 resultaram apurados com base no teor dos elementos médicos juntos aos autos que os comprovam e atestam, constantes de fls. 68, 69, 79, 95 a 98, 100, 103, 122 a 125, 231, bem como o teor do relatório do INML de avalização do dano corporal em direito penal referente à pessoa do demandante de 317 a 323, em conjugação com o escrito de fls. 618 v.º e o teor das declarações do demandante ouvido em audiência, a qual, com objectividade e credibilidade, referiu, em traços gerais, que sofreu dores intensas na sequência da agressão descrevendo o que sucedeu após a agressão como “um pequeno calvário” explicitando a fisioterapia a que foi sujeito durante o período em que esteve de baixa asseverando que sobretudo nos pós-operatórios sentiu dores intensas. No que concerne às sequelas as mesmas também foram, de forma consistente e convincente, porque isentas e objectivas, corroboradas pelo depoimento de BB, razão por que, conjugada toda a prova, tais factos, acima destacados, foram julgados como provados.

Os factos consignados nos pontos 42 e 44 foram julgados provados com base nas declarações do próprio demandante, corroboradas que foram pelo depoimento de DD.

O facto vertido no ponto 43 foi julgado provado com base no teor do IRS e dos recibos de vencimento que constam dos autos a fls. 621 a 627, respetivamente.

O facto descrito no ponto 45 foi julgado provado com base nas declarações do demandante e, bem assim, do teor do relatório de urgência, de fls. 68 e 69, e do auto de notícia, de fls. 3 a 6.

O facto consignado supra no ponto 48 resultou apurado com base no teor dos escritos de fls. 630 a 640 sendo que o somatório das quantias auferidas pelo demandante no período que mediou entre o mês de Fevereiro e Dezembro do ano de 2020 perfaz a quantia de €2.741,06 (considerando, ademais, o foi sublinhado a amarelo).

As condições pessoais, sociais e familiares do arguido, descritas supra nos pontos 49 a 57, sobrevieram do depoimento de HH, pai do arguido, e, bem assim, em parte, das declarações do próprio em audiência de julgamento, as quais se reputaram plausíveis e, nessa medida, atendíveis, à míngua de outros elementos de prova que neste circunstancialismo factual pudessem mostrar-se relevantes.

Os antecedentes criminais do arguido - ponto 58 dos factos provados - decorreram do teor do certificado de registo criminal do arguido, junto aos autos com a ref.ª citius n.º ….

No que respeita à factualidade julgada não provada.

O juízo valorativo acerca da factualidade constante supra das alíneas a), b, d), e), i), j), k), l), m), r) e s) dos factos não provados decorreu da absoluta ausência de prova da sua ocorrência, maxime da circunstância de nenhuma das pessoas ouvidas em audiência de julgamento o terem narrado de forma convincente, inexistindo, ademais, prova documental bastante que os comprove.

O facto consignado supra na alínea c) foi julgado não provado atendendo ao que se julgou provado no ponto 46.

O facto supra vertido na alínea n) foi julgado não provado uma vez que não obstante ter resultado provado o que supra se consignou no ponto 39 - e que foi apurado com base no teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, datado de 01.09.2020, junto aos autos a fls. 318 a 322 - certo é que a circunstância das consequências do evento serem permanentes não significa per si que sejam outrossim irreparáveis razão pela qual inexistindo prova segura de que sejam irreparáveis e atendendo ademais aos avanços da medicina se julgou não provada a aludida factualidade.

A factualidade supra indicada na alínea o) foi julgada não provada atendendo ao que se julgou provado no ponto 48.

No que concerne ao facto consignado na alínea p) o mesmo resultou indemonstrado porquanto a média mensal dos gratificados do demandante no ano de 2020 ter sido no valor de €262,89 inexistindo nos autos elementos documentais suficientes e respeitantes à pessoa do demandante que o evidenciem.

O facto indicado na alínea q) foi julgado não provado com base nas declarações do próprio demandante que questionado a esse respeito o afiançou.

Apreciemos.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido

O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, o que merece a crítica do recorrente/Ministério Público, que entende integrarem os factos dados como provados o crime previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, alínea a) e 2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do mesmo Código, por que vinha acusado.

Ora, estabelece-se no artigo 143º, nº 1, do Código Penal, que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido (…).”

E, de acordo com o consagrado no artigo 145º, do mesmo, se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º - cfr. alínea a) do nº 1; sendo susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º - nº 2.

Face à factualidade que está provada, dúvidas inexistem de que preenchidos se mostram os elementos objectivos e subjectivos do crime previsto no artigo 143º, nº 1, do Código Penal.

Mas, o tribunal recorrido concluiu que estava perante o crime simples e não o qualificado, explicitando o seu entendimento nos seguintes termos:

Começaremos por realizar um breve cotejo das normas jurídicas aplicáveis ao caso judicando.

Estabelece o artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa”.

O bem jurídico salvaguardado pelo normativo citado é a integridade física, sendo a presente incriminação o tipo fundamental em matéria de crimes atentatórios deste bem jurídico. Em bom rigor, note-se que a tutela incide sobre a integridade física de “outra pessoa”, não sendo puníveis as designadas auto-lesões - cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal -Parte Especial, Tomo I, 2.ª Edição, 2012, p. 302.

A ofensa à integridade física, enquanto crime comum, de resultado, de dano e de execução livre, tutela o bem jurídico integridade física - que compreende a integridade corporal e a saúde física, obedecendo ao comando constitucional ínsito no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”.

Por outro lado, ofensa à integridade física é qualquer perturbação ilícita da integridade corporal e da saúde de outrem.

Com efeito, a lei prevê duas formas de realização do crime: ofensa no corpo e ofensa na saúde, sendo irrelevantes, para efeitos de preenchimento do tipo, os meios ou a forma como o agressor atinge a integridade física.

Ensina Fernando Silva: “A prática de lesões no corpo ou na saúde não revestem nenhuma forma particular de o agente atuar. Pode a lesão ser provocada por qualquer meio físico, químico, mecânico ou mesmo moral. E consistir em situações tão díspares como um soco, um encontrão, uma cuspidela, através de provocação de ruído, de um susto, da criação de situações de pânico, na utilização de substâncias químicas, enfim, em qualquer processo capaz de causar lesões anatómicas, fisiológicas ou psíquicas” - cfr. Direito Penal Especial - Crimes Contra as Pessoas, 3.ª Edição; no mesmo sentido, Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., p. 305.

Constitui, assim, elemento objectivo do tipo de crime de ofensa à integridade física simples a existência de uma ofensa no corpo ou na saúde do ofendido, independentemente da dor ou sofrimento causados e de eventual incapacidade para o trabalho.

A este respeito, entende-se por ofensa ao corpo “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante” e por ofensa à saúde “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a; pertence a este âmbito toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” - vd. Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., p. 305-6.

Para se concluir pela responsabilização jurídico-criminal do agente, necessário se torna, ainda, verificar se existe um nexo de causalidade entre a sua conduta lesiva (ou a sua omissão), e o resultado no corpo ou na saúde de outrem.

No tocante aos elementos subjetivos do tipo, cumpre salientar que constitui um crime doloso em qualquer das suas modalidades: directo, necessário ou eventual [vd. artigos 13.º e 14.º do Código Penal], distinguindo-se, por essa via, do crime previsto no artigo 148.º do Código Penal.

Nesta medida, exige-se que este tenha atuado com conhecimento e vontade de causar uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem. Quanto à motivação do agente, tal afigura-se irrelevante, podendo apenas influir para efeitos de determinação concreta da medida da pena a aplicar - cfr. Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., p. 314.

Finalmente, cumpre referir que a natureza qualificada da ofensa à integridade física se alicerça na existência de “circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”, por apelo à técnica dos chamados “exemplos-padrão” - cfr. artigos 145.º, n.º 2 e 132.º, n.º 2, ambos do Código Penal.

Tratam-se de elementos de funcionamento não automático que, com Figueiredo Dias, se entende serem constitutivos do tipo de culpa. De acordo com o Professor de Coimbra, o pensamento da lei terá sido “o de imputar à «especial censurabilidade» aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e a «especial perversidade» aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas” - cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 27.

De tal modo que, se a ofensa à integridade física for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, de entre as quais quando o agente praticar o facto contra “(…)membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, (…) agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública (…), no exercício das suas funções ou por causa delas” se verifica uma agravação da pena abstractamente aplicável, passando o crime a ser punido apenas com pena de prisão, de um mês a quatro anos, no caso do artigo 143.º - vd. artigos 41.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.

Nestas circunstâncias, o crime passa a assumir natureza pública.

A este propósito, sustenta ainda o Tribunal da Relação de Évora, em Ac. proferido a 24.01.2017, Relator: João Amaro, Processo n.º 710/14.5PBSTR.E1, disponível em www.dgsi.pt, em posição na qual igualmente nos revemos, que “O legislador, com as circunstâncias que enunciou no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, veio fornecer ao juiz, se bem que exemplificativamente e de aplicação não automática, elementos que, em regra, tipicamente, indiciariamente, denunciam uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, um tipo de culpa muito mais desvalioso do que a que presidiu à formulação do tipo-base, seja do homicídio simples, seja da ofensa à integridade física. Assim e a nosso ver, a existência, num determinado caso, de alguma das circunstâncias aí referidas, não conduz necessariamente à especial censurabilidade ou perversidade da cláusula geral do nº 1, como é também certo, em nossa opinião, que outras circunstâncias, não catalogadas, podem conduzir a tal censurabilidade ou perversidade, o que, porém, não significa que as circunstâncias não previstas possam ser descobertas discricionariamente pelo julgador. (…) [A] especial censurabilidade ou perversidade do agente, considerando o crime ora em discussão - ofensa à integridade física qualificada -, conquanto seja suscetível de revelação, entre outras, de qualquer uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, como expressamente estabelece o n.º 2 do artigo 145.º do mesmo diploma legal, terá de ser apreciada em função do concreto bem jurídico tutelado (integridade física) e não do bem jurídico tutelado pelo artigo 132.º (vida humana). (…) [A] especial perversidade tem em vista uma atitude do agente profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. E pode caracterizar-se uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, isto é, uma atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente”.

Para o que aqui releva, e como se refere no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 30.09.2020, Relatora: FLORBELA SEBASTIÃO E SILVA, Processo n.º 645/15.4GACSC.L1-3, disponível em www.dgsi.pt, “O que interessa provar no caso do crime de ofensa à integridade física qualificada (tal como ocorre no crime de homicídio qualificado) é a existência de “especial censurabilidade ou perversidade”. O que agrava o crime, no caso em apreço, de ofensa à integridade física, tal como no crime de homicídio, é o facto do grau de culpa do agente ser maior, mais intenso, apto a gerar na sociedade uma maior rejeição ou repúdio. É ao nível da culpa do agente que há de operar-se a análise da qualificação, ou não, do crime base. Não basta dizer que existe uma ou mesmo várias alíneas do nº 2 do artº 132º do Código Penal preenchidas para automaticamente se concluir pela qualificação do crime - quer de homicídio, quer de ofensa à integridade física - sendo mister aliar ao preenchimento dessas circunstâncias a verificação de uma maior censurabilidade no comportamento do arguido. O que interessa apurar é se os factos dados por provados são suficientes para se poder fazer um juízo de censura tal que se constate que o arguido agiu com especial censurabilidade ou perversidade quando atingiu o agente da GNR, não bastando o simples facto de o arguido ter atingido um agente policial, no exercício das suas funções, nem que o tenha feito por meio particularmente perigoso.”

Tecidas estas considerações volvemos ao caso em apreço.

Resultou provado nos autos que o arguido no dia 21.11.2017 desferiu um empurrão no militar da GNR BB, que foi projectado para trás e caiu em cima de uma mesa de vidro que ali se encontrava.

Para lá desta factualidade resultou provado que BB ao ser empurrado pelo arguido e da subsequente queda, sentiu dores no joelho direito, ombro direito, zonas corporais que ostentavam edemas.

Mais se apurou nos autos que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente com o propósito concretizado de castigar fisicamente BB, bem sabendo, ademais, que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Sendo, por isso, indiscutível que o arguido se constituiu autor material de um crime de ofensa à integridade física, impõe-se então aquilatar se os contornos do caso concreto permitem concluir que o agente actuou em “circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”, por reporte aos exemplos-padrão previstos no artigo 132.º, n.º 2, alínea l) do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 145.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Conforme enunciamos supra, os exemplos-padrão previstos no artigo 132.º, n.º 2, ambos do Código Penal não são de funcionamento automático.

Por ser assim, impõe-se analisar a conduta trilhada pelo arguido, tendo em vista aferir se a imagem global do facto resulta, afinal, agravada, ou seja, se corresponde ao especial tipo de culpa que aqui se deve ter em conta, não bastando o simples facto de o arguido ter atingido um militar da GNR, no exercício das suas funções.

E da cuidada análise dos factos provados não conseguimos encontrar na actuação do arguido uma especial censurabilidade no seu comportamento quando o mesmo desfere um empurrão no corpo do militar da GNR.

O concreto circunstancialismo em que o arguido agiu, as características de personalidade deste arguido e a circunstância do mesmo no momento que antecedeu a agressão estar deitado e aparentemente a dormir não permitem concluir - pelo menos com a segurança necessária - que o arguido agiu com uma culpa agravada ou especialmente censurável.

Nesta medida, conclui-se que os factos provados nos autos não permitem o preenchimento do tipo de crime de que o arguido vinha incurso, devendo o mesmo ser absolvido do crime de ofensa à integridade física qualificado de que vinha acusado.

Vejamos então se estão preenchidos os elementos do tipo qualificado, como almeja o recorrente.

Ainda que concernente à problemática do homicídio, entendemos ser aplicável, no caso em apreço, com as pertinentes adaptações, o entendimento vertido por Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1995, págs. 63/64, de que a censurabilidade especial respeita a situações em que as circunstâncias em que a morte (leia-se aqui a ofensa à integridade física) foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores, enquanto a especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, atinente à personalidade do autor.

Ou, nas palavras de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 29, a especial censurabilidade refere-se a condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, enquanto a especial perversidade se reporta aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação do facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas.

Pois bem.

Está provado que, estando o arguido deitado no seu quarto e a dormir (só assim se compreende que no ponto 8 dos factos provados se relate que acabou por acordar. Se acordou nesse momento é porque no anterior dormia), ao ser chamado pelos militares da GNR e pelos bombeiros que acorreram ao local acordou e, de imediato, levantou-se e desferiu um empurrão no militar da GNR BB que foi projectado para a retaguarda e caiu em cima de uma mesa de vidro que ali se encontrava, de que resultaram para este dores no joelho direito e no ombro direito, zonas corporais que ostentavam edemas e lesão condral no côndilo femoral interno do joelho direito, com 4 milímetros de diâmetro transversal e 2 milímetros de espessura, rodeada por edema da medula óssea, hipersinal intra-meniscal no arco posterior do menisco interno e pequeno derrame articular no recesso sub-quadricipital externo.

Ora, tendo em atenção o circunstancialismo em que ocorreu a agressão, concretamente, que o arguido estava no seu quarto, adormecido e despertou com os militares da Guarda à sua frente, não vemos que o empurrão desferido de seguida/de imediato, face ao inesperado e inusitado da situação com que foi confrontado, integre uma situação radicalmente afastada das concepções éticas e de valores da comunidade ou espelhe uma atitude má, concernente à sua personalidade.

Ou seja, ainda que preenchida esteja a previsão da alínea l), do nº 2, do artigo 132º, não se mostra configurada a especial censurabilidade e perversidade da actuação do arguido exigida para a qualificação do crime, porquanto o circunstancialismo referido não o torna mais grave, por a conduta ser mais reprovável, também não se reconduzindo a uma atitude defeituosa, respeitante à personalidade do agente.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso neste segmento.

Impugnação da matéria de facto/existência de elementos probatórios para a condenação do arguido nos concretos termos pelo Estado Português peticionados

O recorrente discorda que o tribunal recorrido tenha dado como não provada a matéria de facto vertida nas alíneas f), g) e h), aduzindo, para fazer valer a sua tese, que as “razões e os elementos probatórios constantes dos autos e de acordo com as regras da lógica e da experiência, impunham ao Tribunal a quo que inferisse e concluísse, sem margem para dúvidas, que o demandante pagou os montantes peticionados e, se dúvidas existissem, no que concerne aos valores peticionados, por questões de economia processual, bem como de acordo com o Princípio do Inquisitório, deveria o Tribunal a quo ter diligenciado por forma a obter “prova cabal” dos pagamentos efectuados pelo Estado Português e não condenar no que se liquidar em execução de sentença.”

Ou seja, não faz apelo à prova gravada, nem invoca qualquer dos vícios plasmados no artigo 410º, nº 2, do CPP, antes coloca tão só em causa a formação da convicção do julgador.

Estamos perante uma divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os referidos factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Os factos não provados em causa são os seguintes:

Que em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português, mais precisamente a Direcção de Assistência na Doença da GNR suportou a quantia de €646,02, a título de comparticipação em despesas médicas de BB - alínea f);

Que em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português despendeu a quantia de €1.869,20 em despesas para tratamento e assistência de BB, suportadas pelo Centro Clínico da GNR – alínea g);

Que em consequência da agressão desferida pelo arguido, o Estado Português pagou a remuneração mensal acrescida de outros abonos a BB despendendo a título vencimento e suplementos de serviço, durante o tempo em que ele não prestou serviço, em consequência da baixa clínica, a quantia total de €34.813,83 – alínea h).

O tribunal recorrido explicitou o processo racional subjacente à formação da sua convicção para dar como não assente a factualidade agora objecto de crítica – que está intimamente relacionada com os factos dados como provados nos pontos 21 a 23 - nos seguintes termos:

O facto consignado no ponto 21. foi julgado provado com base no teor do escrito de fls. 624. No que respeita aos factos supra consignados nos pontos 22 e 23 os mesmos foram julgados provados com base no teor do depoimento de DD (trata-se manifestamente de um lapso de escrita, pois o militar em causa é BB) que confirmou que as despesas médicas resultantes da assistência e dos tratamentos que teve que realizar em resultado da agressão foram sendo liquidadas pela GNR - embora sem lograr concretizar a concreta grandeza das mesmas - o que está em harmonia com o teor do escrito de fls. 151 e 152 dos quais se extrai que o evento ocorrido no dia 21.11.2017 foi qualificado de “acidente em serviço” e que, nessa decorrência, foram autorizadas e liquidadas as despesas de tratamento e as despesas médicas do militar DD. Contudo, e não obstante tal factualidade ter resultado demonstrada certo é inexiste prova segura e objectiva quanto aos concretos valores que foram sendo suportados pela GNR porquanto analisados na sua integralidade os escritos que constam de fls. 166 a 217 dos mesmos não é possível com o rigor e a precisão que se impõe, concluir que o Estado Português suportou a quantia de €646,02, a título de comparticipação em despesas médicas de BB. Também não se vislumbra elementos documentais suficientes que comprovem que o Estado Português despendeu a quantia de €1.869,20 em despesas para o tratamento e a assistência prestada a BB e que este recebeu a quantia de €34.813,83 a título de remuneração mensal acrescida de outros abonos e que a mesma foi liquidada pelo Estado Português, nos termos constantes do pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, inexistindo, quanto a tais despesas, prova segura e cabal dos concretos valores liquidados mormente facturas e recibos que o demonstrem, razão pela qual à míngua desses elementos se julgou não provada a factualidade que se fez constar das alíneas f) a h).

E, o recorrente, nem na motivação de recurso (corpo), nem nas respectivas conclusões, indica a que documentos específicos (cada um deles, em relação a cada facto ou factos impugnados) se refere e o que concretamente cada um deles pode comprovar, tendo optado pela referência genérica a “toda a documentação junta aos autos”.

Assim e analisados os documentos a que se faz menção na decisão revidenda, resulta que foram apreciados com razoabilidade, não se vislumbrando obliteração alguma das regras da experiência comum, pelo que inexiste erro de julgamento.

Conforme decorre da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP, no segmento “as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” - para que ocorra uma alteração da matéria de facto pelo tribunal ad quem não basta que o recorrente articule argumentos que permitam concluir pela possibilidade de uma outra convicção, exige-se que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal a quo é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, se mostra violadora de regras da experiência comum ou se fez uma manifestamente errada utilização de presunções naturais. Ou seja, imperativamente tem de demonstrar que as provas que traz à colação apontam inequivocamente no sentido propugnado.

Tal exercício não foi feito pelo recorrente quanto aos factos não provados impugnados, pelo que se não impõe a alteração da matéria de facto no sentido almejado.

Mas, diz ainda o recorrente, que se o tribunal a quo “tinha dúvidas quanto aos valores peticionados”, deveria ter aplicado o estabelecido no artigo 411º, do Código de Processo Civil (onde se consagra: “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”) diligenciando por forma a obter prova cabal dos pagamentos efectuados pelo Estado Português.

Antes de mais, diga-se que o estabelecido nessa norma não é aplicável em processo penal, pois só se atenderá às normas do processo civil quando existe lacuna a integrar, como se alcança do artigo 4º, do CPP e vero é que no artigo 340º, nº 1, deste Código, se consagra expressamente o princípio geral de que “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, pelo que não é caso de considerar a referida norma chamada à colação.

Analisemos então.

Estabelece-se no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP, que constitui nulidade dependente de arguição a “insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”, sendo susceptível de se integrar nesta parte final da norma a apontada omissão de diligências, pois tem de se configurar como uma nulidade processual, não como nulidade da sentença (que previstas taxativamente se mostram no artigo 379º, do mesmo Código e não inclui esta), nem erro de julgamento, que se caracteriza por ser um erro de conteúdo.

Mas, só as nulidades insanáveis (que até são do conhecimento oficioso) e as da sentença podem ser arguidas por via de recurso da decisão final, não as sanáveis.

Estando (na eventualidade) perante a dita nulidade, deveria o recorrente argui-la no prazo de 10 dias (prazo geral estabelecido no artigo 105º, nº 1, do CPP) a contar do seu conhecimento (o que ocorreu com a publicação da sentença) e perante o tribunal de 1ª instância. Não o tendo feito, a nulidade, a existir, se tem por sanada, não afectando a validade da sentença.

E, a propósito da condenação no que se liquidar em execução de sentença, alumia-se na decisão recorrida:

(…) conforme já tivemos oportunidade de referir, não obstante ter resultado provado que em virtude da conduta do arguido, BB recebeu tratamentos médicos e assistência hospitalar e ter ficado demonstrado outrossim que o lesado foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas no joelho direito e esteve de baixa clínica, encontrando-se totalmente impossibilitado de trabalhar durante 815 dias e, bem assim, ter resultado apurado que o Estado Português providenciou a BB a assistência e os tratamentos médicos indispensáveis, custeando-os, certo é que não resultou demonstrado que as prestações liquidadas a título de vencimento e outros suplementos pagos ao militar BB e, bem assim, as despesas hospitalares e os tratamentos médicos tivessem sido no valor indicado no pedido de indemnização civil deduzido, o que se fez contar das alíneas f) a h) do elenco dos factos não provados.

Assim sendo, e estando em causa um dano cujo valor exacto é susceptível de apuramento e porque não dispomos de elementos bastantes para, nesta parte, fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença - cfr. artigo 82.º, n.º 1 do CPP.

Estabelece-se no referido artigo 82, nº 1, do CPP, que “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.”

Ora, face aos elementos probatórios constantes dos autos e ao que retro explanámos, também se não mostra legalmente inadmissível esta condenação.

Destarte, cumpre negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida.

Sem tributação.

Évora, 24 de Outubro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Laura Goulart Maurício)

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(António Condesso