Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3817/24.7T8SNT.E1
Relator: RICARDO MIRANDA PEIXOTO
Descritores: PERSI
AVALISTA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. É obrigatória a integração em PERSI do cliente bancário que se encontre há mais de 30 dias em situação de incumprimento de contrato de crédito vigente no dia 01.01.2013.
II. Nos casos em que a interpelação que fixa o prazo para a conversão da mora do devedor em incumprimento definitivo, inclua também a declaração de resolução do contrato, esta intenção terá que ser formulada em termos insusceptíveis de criar qualquer dúvida na pessoa do destinatário / devedor.
III. A declaração no sentido de que o contrato “será denunciado” a menos que o devedor proceda, em determinado prazo, ao pagamento do montante em mora, sugere a realização de uma ulterior comunicação resolutiva do contrato pelo que não constitui declaração, clara e incontroversa, de que, decorrido aquele prazo, a declarante terá o contrato por denunciado ou resolvido.
IV. Não tendo o crédito exequendo sido integrado em PERSI em momento anterior à instauração da acção destinada à cobrança do crédito, verifica-se a excepção dilatória insuprível da falta de uma condição objectiva de procedibilidade relativamente à Executada devedora.
V. Quando o Executado avalista não seja simultaneamente fiador da dívida, a instituição de crédito não está obrigada a notificá-lo com vista à sua inclusão no PERSI, razão pela qual se não verifica quanto a si aquela excepção dilatória insuprível.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 3817/24.7T8SNT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 1
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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
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Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Ana Pessoa;
2º Adjunto: Manuel Bargado.
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I. RELATÓRIO
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A.
“(…), STC” instaurou a execução para pagamento de quantia certa, contra (…) e (…), fundada em livrança assinada pelos Executados, no montante total de € 10.418,76 e com data de vencimento a 01.09.2023.
No requerimento executivo alegou, entre outras coisas, o seguinte:
“(…)
1. O (…) Banco, S.A. foi constituído por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal lavradas em atas de reuniões extraordinárias de 3 e 11 de Agosto de 2014 (…)
2. Operou-se a favor do (…) Banco, S.A., nos termos das supra referidas actas, a transferência de direitos (e activos) e obrigações do Banco (…), S.A. a favor deste Banco (…)
3. Por contrato de cessão de créditos celebrado em 22 de Dezembro de 2018, o (…) Banco, S.A. e (…) – Banco (…) de Serviço (…), S.A., cederam a favor de (…) II, S.A.R.L. diversos créditos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, cfr. doc. 1, ora junto (…).
4. Posteriormente, os créditos cedidos àquela entidade foram integralmente cedidos a favor da ora Reclamante, por Contrato de Cessão de Créditos, datado de 31 de Março de 2021, conforme documento que ora se junta como doc. 2 (…).
5. A carteira de créditos objeto dos referidos contratos de cessão inclui os contratos a seguir identificados, nos quais o(s) ora Executado(s) intervém na qualidade de titular(es) ou garante(s). (…)
6. Assim, a Exequente é dona e legítima portadora da livrança que serve de título à presente execução e que infra se descreve, no valor de € 10.418,76 (dez mil quatrocentos e dezoito euros e setenta e seis cêntimos) vencida em 01 de Setembro de 2023, a qual se junta como doc. 3.
7. A referida livrança foi subscrita por (…) e avalizada por (…), conforme se alcança pelas assinaturas apostas na livrança, nos locais a tanto destinados, isto ao abrigo de um contrato de mútuo referente a Crédito ao Consumo, celebrado em 04 de Abril de 2007, ao qual foi atribuído o n.º (…), nos termos do qual foi solicitada pela Executada e efectivamente entregue pelo Cedente, a quantia de € 6.036,22 (seis mil e trinta e seis euros e vinte e dois cêntimos), a ser restituída em 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas à Taxa Anual Efectiva Global de 23,887%, eventualmente acrescido da Sobretaxa de 2,000%, em caso de mora.
8. Apresentada a pagamento, a livrança não foi paga na data de vencimento, nem posteriormente, tendo sido os ora Executados interpelados nesse sentido.
9. Assim, para além do montante inscrito na livrança, a Exequente é ainda credora dos juros moratórios devidos, calculados sobre a referida quantia à taxa legal de 4,000% desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento e que na presente data ascendem a € 203,24 (duzentos e três euros e vinte e quatro cêntimos).
10. Assim, é o Exequente credor da quantia global de € 10.622,00 (dez mil e seiscentos e vinte e dois euros), à qual acrescerão juros vincendos à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. (…)”
B.
Notificada do despacho proferido a 19.11.2024 (referência n.º 33897103), convidando-a a vir esclarecer e a documentar nos autos se os Executados foram, em momento prévio à instauração dos autos, integrados no PERSI e, bem assim, a exercer o contraditório quanto à excepção da preterição de sujeição dos Executados ao PERSI, veio a Exequente, através dos requerimentos datados de 03.12.2024 (referência n.º 2675864) e de 06.01.2025 (referência n.º 2694689), esclarecer que o contrato que está na origem do crédito em apreço foi incumprido antes da entrada em vigor do regime do PERSI, implementado em 2012, tendo sido também resolvido em data anterior. Com o requerimento do dia 06.01.2025, juntou, entre outros documentos, cópia de cartas remetidas aos Executados:
- datadas de 02.01.2011, contendo, entre outras, as seguintes passagens:
“(…) Não obstante os vários contactos anteriormente efectuados pelos nossos serviços, verificamos que a situação de incumprimento não foi ainda regularizada.
Deste modo, e a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efectuado o pagamento do valor em mora de € 658,11, o contrato acima referido será denunciado. Assim, a partir desta data, será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, acrescido dos juros vencidos e das despesas extrajudiciais incorridas. (…)”
- datadas de 01.02.2011, contendo uma referência de pagamento por multibanco da quantia de € 829,05 com data limite de 11.02.2011 e, entre outras, as seguintes passagens:
“(…)
ASSUNTO: REGULARIZAÇÃO DO CONTRATO N.º (…)
PROCESSO N.° (…)
(…) não obstante as tentativas feitas pela (…) Recuperação de Crédito, ACE para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar-se. (…)”
C.
Com data de 13.01.2025 (referência 34035781), foi proferido despacho com o seguinte dispositivo (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais supra citadas, julgo verificada a supra referida excepção dilatória inominada de preterição de sujeição do devedor ao PERSI e, em consequência, absolvo os Executados (…) e (…) da instância.”
D.
Inconformada com o assim decidido, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
VII. Vem o Tribunal a quo alegar que deveriam os Executados ter sido inseridos no regime do PERSI, contudo, e numa postura de inobservância da substância do contrato, verifica-se que, a (supostamente) não ter sido inserida em PERSI, apenas a Executada figura na qualidade de titular do contrato, enquanto que, o co-Executado, na qualidade de avalista. (…)
IX. Posto isto, e retornando ao cerne da questão, mesmo que algum tipo de dúvida pudesse residir (que a nosso ver, não existe) quanto à inserção da Executada em PERSI, dúvidas não subsistem no caso do Executado que figura na qualidade de avalista, porquanto, o regime legal consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro não prevê que o avalista seja, nessa qualidade, integrado no PERSI.
X. Porquanto, quanto ao Executado, resulta clara e evidente que o mesmo se encontra excluído do escopo daquele normativo legal.
XI. A verdade é que, conforme resulta das missivas juntas em sede de contestação, verifica-se que o incumprimento do contrato, e respetiva resolução, operou muito antes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
XII. De modo que, e por referência ao normativo em causa, desde já se diga que, é bem sabido que foi imposto às entidades bancárias a obrigação de incluírem no PERSI todos os clientes bancários que se encontrassem em mora, independentemente da sua solicitação – cfr. artigo 14.º, n.º 1, do referido Diploma.
XIII. Ora, o Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013, e prevê a aplicação de mecanismos a situações de incumprimento de contratos de crédito, mediante a implementação de PERSI.
XIV. Enquanto que, o incumprimento/resolução do contrato sub judice deu-se no ano de 2011.
XV. Por sua vez, determina o Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro a integração automática em PERSI dos devedores que, à data de entrada em vigor do referido diploma, estejam em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito pendentes, desde que o vencimento tenha ocorrido há mais de 30 dias. (…)
XVII. Neste sentido, diga-se que o credor não procedeu à integração da executada em PERSI, porque à data do incumprimento o Diploma nem sequer existia. (…)
XVIII. (…) não pode a aqui Exequente se conformar que a posição assumida pelo Tribunal a quo que, de forma impetuosa, proferiu uma decisão sem sequer primeiramente tentar aferir junto da Exequente quanto a eventuais lacunas que pudesse considerar existir.
XIX. Optou antes por proferir uma sentença a julgar procedente aquela exceção sem sequer diligenciar pela promoção de uma sessão de julgamento/inquirição de testemunhas da qual pudesse a Exequente atestar quanto à pontual resolução do contrato em data anterior à entrada em vigor do Diploma que regulamenta o PERSI.
XX. Sem prejuízo, dúvidas não existem de que, o credor originário informou os clientes bancários, através de comunicação em suporte duradouro (carta), do incumprimento e respetiva resolução inerente a esse facto.
XXI. E mais, as cartas supra mencionadas foram devidamente enviadas para o domicilio convencionado, conforme consta do contrato, sendo que, qualquer alteração de morada incumbia consecutivamente a estes últimos a comunicação ao Banco.
XXII. Em suma, propugnar pelo entendimento defendido pelo Tribunal a quo, seria ilegitimamente desonerar das obrigações que sobre os Executados recaem, e das quais tem perfeito conhecimento, prejudicando o direito da Exequente que sempre teve uma conduta cumpridora dos ditames legais. (…)”
E.
Não foram apresentadas contra-alegações.
F.
O recurso foi admitido por despacho de 05.05.2025 (referência 34296064).
G.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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H.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
Assim, são as seguintes, as questões exclusivamente jurídicas em apreciação no presente recurso:
1. Se o credor originário estava obrigado a incluir a Executada devedora em PERSI.
2. Se o credor originário estava obrigado a incluir o Executado avalista em PERSI.
3. Se, no caso de resposta afirmativa a alguma das questões anteriores, ocorre excepção dilatória inominada insanável, determinante do indeferimento liminar da acção executiva fundada no incumprimento do regime do PERSI.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
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B. De direito
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Vem o presente recurso interposto de decisão que absolveu os Executados da instância por considerar verificada excepção dilatória inominada decorrente de falta de cumprimento do PERSI.
Nela se considerou que o credor originário não cumpriu a obrigação que sobre si impendia de incluir os Executados no PERSI.
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Do PERSI
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O acrónimo PERSI refere-se ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, [1] depois da crise financeira dos anos de 2008/2009 e da constatada necessidade de estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”. [2]
O PERSI surge, em tal contexto, como um instrumento “…no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”. [3]
Como se refere na cuidada análise do diploma legal em apreço, feita no acórdão de 24.11.2022 desta secção do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Juíza Desembargadora Maria Adelaide Domingos no processo n.º 824/22.8T8ENT.E1, “…o início do procedimento é imposto obrigatoriamente desde que se verifique uma de três situações:
(i) manutenção do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre o 31º e 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa – artigo 14.º, n.º 1;
(ii) solicitação por parte do cliente bancário em mora, da sua integração no PERSI, considerando-se que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação – artigo 14.º, n.º 2, alínea a); e
(iii) constituição em mora por parte do cliente bancário que antecipadamente alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, considerando-se a integração no PERSI na data do referido incumprimento – artigo 14.º, n.º 2, alínea b).
Tal procedimento desenrola-se em três fases distintas: (i) uma fase inicial – artigo 14.º, alínea b); (ii) uma fase de avaliação e proposta – artigo 15.º, e (iii) uma fase de negociação – artigo 16.º” [4] (sublinhado nosso).
Para tanto, de acordo com o número 4 do artigo 14.º do DL n.º 227/2012, no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos referidos eventos, “…a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”.
Deste modo, por força do diploma legal em apreço, passou a ser obrigatório que, havendo incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, as instituições mutuantes integrem o devedor no PERSI, no decurso do qual, de acordo com o disposto nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 15.º do DL 227/2012, devem avaliar a “…capacidade financeira do cliente bancário…”, desenvolvendo para o efeito “…as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito (…)” e, no prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, “comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida…” caso se mostre “…inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI” ou “apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira…” para o efeito.
O objectivo é, pois, evitar o recurso à via judicial quando seja viável uma renegociação do crédito adequada à capacidade económica do devedor.[5]
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Da aplicabilidade do PERSI às obrigações anteriores à sua entrada em vigor
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Como vimos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do DL n.º 227/2012 de 25.10, “mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.” (sublinhado nosso).
Deste modo, a aplicação do regime do PERSI pressupõe a vigência de um contrato de crédito em situação de incumprimento por parte do devedor, sendo automaticamente aplicável aos clientes devedores de “…obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.” (cfr. n.º 1 do artigo 39.º do DL n.º 227/2012) (sublinhados nossos).
Ou seja, o PERSI é aplicável aos contratos celebrados anteriormente à data da sua entrada em vigor – o dia 01.01.2013 – desde que permanecessem em situação de incumprimento há mais de 30 dias.
No caso vertente, de acordo com a versão factual apresentada pela Exequente no requerimento executivo, a livrança dada à execução garante o pagamento de um contrato de Crédito ao Consumo, celebrado em 4 de Abril de 2007, ao qual foi atribuído o n.º (…), nos termos do qual foi solicitada pela Executada e efectivamente entregue pelo Cedente, a quantia de € 6.036,22 (seis mil e trinta e seis euros e vinte e dois cêntimos), a ser restituída em 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas.
Na versão da Exequente (cfr. documentos juntos a 06.01.2025), os Executados deixaram de pagar pontualmente as prestações vencidas a partir de Outubro de 2010, entrando em mora. Ainda de acordo com os elementos constantes dos autos, o credor originário remeteu cartas aos Executados nas datas de 08.10.2010, 03.11.2010 e 02.01.2011, solicitando o pagamento das quantias em atraso.
Da carta enviada no dia 02.01.2011, remetida pelo credor originário aos Executados, consta:
“Não obstante os vários contactos anteriormente efectuados pelos nossos serviços, verificamos que a situação de incumprimento não foi ainda regularizada.
Deste modo, e a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efectuado o pagamento do valor em mora de € 658,11, o contrato acima referido será denunciado. Assim, a partir desta data, será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, acrescido dos juros vencidos e das despesas extrajudiciais incorridas. (…)”
A decisão recorrida entendeu que, contrariamente ao sustentado pela Exequente, a comunicação em apreço não permite concluir que o contrato de mútuo foi resolvido anteriormente a 01.01.2013, data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25.10.
Para tanto, considerou que a declaração em apreço “…é uma mera interpelação admonitória, com intimação para o cumprimento e não contém, ainda, uma declaração de denúncia ou resolução (…)” por da mesma não resultar “…que o contrato se consideraria denunciado decorrido tal prazo, mas apenas a afirmação de que o mesmo viria a ser denunciado” (sublinhado nosso).
Vejamos se é de acompanhar a sua posição.
A devedora encontrava-se em incumprimento temporário / mora desde Outubro de 2010, por não ter pago, a partir de então, as prestações vencidas nas datas contratualmente previstas (cfr. artigos 804.º, n.º 2 e 805.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Civil).
Em tal contexto, a credora tinha a faculdade de:
- aguardar o cumprimento do devedor inadimplente, continuando a exigir-lhe os juros remuneratórios contratualmente convencionados e os moratórios sobre as prestações que se fossem vencendo; ou
- optar por exigir o pagamento imediato da totalidade das prestações em dívida, vencidas e vincendas, promovendo a perda de benefício do prazo de pagamento escalonado do devedor em relação às prestações vincendas, mediante interpelação necessária para desencadear a produção do efeito previsto pelo n.º 1 do artigo 781.º do Código Civil, caso em que não poderia optar pelo pagamento dos juros remuneratórios contratados desde o momento do vencimento antecipado até ao final do contrato, em conformidade com a jurisprudência do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2009 do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, publicado do Diário da República, 1ª série, n.º 86, de 05.05.2009. [6]
A opção da credora tem, assim, um reflexo directo no montante total do seu crédito sobre a devedora.
Para além do exercício desta opção, assistia ainda à credora o direito de:
- converter a mora em incumprimento definitivo mediante a fixação de prazo razoável para esta pôr fim à mora, ao abrigo do disposto no artigo 808.º, n.º 1, do CC; e
- uma vez convertido em definitivo o incumprimento da obrigação, proceder à resolução do contrato, através de declaração unilateral receptícia a enviar à devedora, nos termos previstos pelos artigos 432.º, 436.º e 224.º, n.º 1, do CC.
Nos casos em que a interpelação que fixa o prazo para a conversão da mora em incumprimento definitivo inclua também a declaração de resolução do contrato, esta intenção terá que ser formulada em termos insusceptíveis de criar qualquer dúvida na pessoa do destinatário / devedor.
Deste modo, exige-se a advertência de que a não realização da prestação em dívida no prazo peremptório concedido tem como consequência não apenas o incumprimento definitivo do contrato, mas também, em termos imediatos ou automáticos ao decurso do prazo, a sua resolução ou denúncia.
Da comunicação dirigida em 02.01.2011 pela credora originária à devedora e ao avalista (aqui Executados), consta: “…a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efectuado o pagamento do valor em mora de € 658,11, o contrato acima referido será denunciado (...)” (sublinhado nosso).
Da sua leitura resulta que:
- se por um lado, a fixação de um “prazo máximo” para a devedora ou o avalista pagarem o montante em dívida, pode revelar que a credora considera haver situação de incumprimento definitivo do contrato, caso não seja feito o pagamento da dívida naquele prazo;
- por outro lado, a formulação adoptada não permite concluir que a credora considerará resolvido / denunciado o contrato com o decurso dos mesmos 10 dias, pois a expressão “será denunciado” sugere a realização de uma ulterior manifestação de vontade nesse sentido.
Teria sido simples encontrar uma redacção que permitisse deixar evidente a imediata manifestação de vontade da credora considerar denunciado / resolvido o contrato celebrado, sem necessidade de outras comunicações, caso o valor em dívida não fosse pago no prazo de 10 dias concedido. Porém, o “Banco (…)” elaborou uma que não só não permite tal conclusão como ainda indicia a prática de um futuro acto declarativo da extinção do contrato com esse fundamento.
A não resolução imediata do contrato de mútuo após os 10 dias de prazo concedidos na carta de 02.01.2011, mostra-se, aliás, consentânea com a comunicação seguinte, datada de 01.02.2011, remetida aos Executados, na medida em que nesta o Banco continua a mencionar como assunto a “regularização do contrato n.º (…)”, declarando que a “falta de pagamento continua a verificar-se” e, sobretudo, inclui uma referência para pagamento por multibanco da dívida no valor de € 829,05 com data limite de 11.02.2011, o que representa apenas o valor das prestações vencidas entre Outubro de 2010 e Fevereiro de 2011, muito distante da totalidade do capital em dívida até ao final do contrato que resultaria da previamente anunciada intenção de vir a considerar vencidas todas a prestações contratuais futuras e de vir a denunciar o contrato.
As declarações documentadas nos autos não evidenciam, por isso, que o contrato tenha sido extinto por declaração resolutiva antes da entrada em vigor do DL n.º 272/2012.
No mesmo sentido se pronunciaram, em situações semelhantes, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.01.2024, relatado pela Desembargadora Sandra Melo no proc. n.º 657/13.2TBVVD-E.G1 e do Tribunal da Relação de Évora de 09.02.2023 e de 07.11.2023, relatados, respectivamente, pelas Desembargadoras Anabela Luna de Carvalho no processo n.º 1096/14.3TBSTR-E.1 e Maria João Sousa e Faro no processo n.º 3366/21.5T8ENT.E1.[7]
Estando perante um contrato vigente e em situação de incumprimento pela devedora, ao qual é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 14.º do mesmo diploma legal, impunha-se que o credor tivesse incluído o crédito exequendo em PERSI, o que não se verificou.
Deste modo, conclui-se que não assiste razão à Recorrente quando sustenta que a Executada não estava sujeita ao regime do PERSI.
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Das consequências da não inclusão no PERSI
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Aqui chegados, resta avaliar qual a consequência jurídica do incumprimento, pelo credor, das imposições de incluir a Executada / devedora nesse procedimento.
Não tendo o crédito exequendo sido integrado em PERSI em momento anterior à instauração da acção destinada à cobrança do crédito, verifica-se a excepção dilatória insuprível da falta de uma condição objectiva de procedibilidade relativamente à Executada Maria Teresa, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25.10 que impede a instituição bancária de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
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Da aplicação do PERSI ao avalista
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Argumenta também a Recorrente que o regime legal consagrado no DL n.º 227/2012, de 25.10 não prevê que o avalista seja, nessa qualidade, integrado no PERSI, pelo que se não aplica ao Executado (…).
No caso vertente, o título dado à execução é uma livrança subscrita pela 1ª Executada e avalizada no respectivo verso pelo 2º Executado.
Efectivamente, o regime do PERSI não contém qualquer previsão legal destinada ao avalista da obrigação do devedor.
Todavia, reportando-se à garantia prestada pelo fiador ao crédito em dívida, o artigo 21.º do DL 227/2012, prevê a obrigatoriedade da instituição de crédito, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, o informar do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, da possibilidade de pedir a inclusão no PERSI e das respectivas condições de exercício, assim como de iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, sendo-lhe aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 14.º e nos artigos 15.º a 20.º, com as devidas adaptações.
Deste modo, quando o avalista seja simultaneamente fiador da dívida, a instituição de crédito só pode intentar contra ele acção judicial para cobrança do crédito garantido por fiança desde que o tenha interpelado e informado nos referidos termos e, caso este o solicite, integrado e extinguido o PERSI em conformidade com as disposições legais que regulam tais actos. Sobre a questão vejam-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2023, relatado pelo Conselheiro Jorge Leal no processo n.º 2160/20.5T8ALM-A.L1.S1 e do Tribunal da Relação de Évora de 12.01.2023, relatado pela Desembargadora Isabel Peixoto Imaginário no processo n.º 620/20.7T8ELV.E1.[8]
No caso vertente, de acordo com o título executivo e com os documentos juntos, o Executado (…) é avalista do contrato celebrado e cambiário, nada mais tendo sido alegado pela Exequente relativamente à sua intervenção no contrato de crédito subjacente e à qualidade de fiador que aí haja, eventualmente, assumido.
Sem prejuízo de poderem vir a resultar apurados, no decurso dos autos, factos reveladores de que por assumir a qualidade de fiador também deveria ter sido sujeito a PERSI ou, pelo menos, notificado para exercer essa opção, é certo que os elementos existentes nos autos no momento da prolação do despacho recorrido não consentiam semelhante conclusão.
Assim, impõe-se reconhecer que assiste fundamento ao segmento recursivo da decisão proferida quanto ao Executado (…), já que na qualidade de mero avalista que até agora deflui dos autos, não está sujeito à obrigatoriedade de interpelação para pedir a inclusão no PERSI, nem este procedimento lhe é aplicável.
Consequentemente, deverá ser parcialmente revogada a decisão recorrida, de modo a que a execução prossiga termos contra o 2º Executado.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas a Recorrente / Exequente da acção recorreu, tendo obtido parcial vencimento no recurso, na parte referente ao Executado e sido vencida na parte referente à Executada.
Assim, deve a Recorrente ser condenada no pagamento de metade das custas do presente recurso e o Executado Alberto condenado na outra metade.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o colectivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida relativamente ao Executado (…), absolvendo-o da instância executiva, mantendo no mais o decidido.
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Custas da apelação pela Recorrente e pelo Recorrido (…), na proporção de metade para cada um.
Notifique.
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Évora, 10 de Julho de 2025
Os Juízes Desembargadores:
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
Ana Pessoa (1ª Adjunta)
Manuel Bargado (2º Adjunto)
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[1] Em vigor desde 01.01.2013 e objecto de alterações introduzidas pelo DL n.º 70-B/2021 de 06.08.
[2] No respectivo preâmbulo pode ler-se que “a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. (…) Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas (…)”.
[3] Citação do preâmbulo do DL 227/2012, de 25.10.
[4] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d7fc7ff4f84d54d7802589190034ca5a?OpenDocument
[5] Razão pela qual, o artigo 18º do diploma em apreço, veda à instituição de crédito, durante o período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a possibilidade de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
[6] Disponível na ligação: https://files.dre.pt/1s/2009/05/08600/0253002538.pdf
[7] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/cf505e2e33937d6f80258ab0003e90dc?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/80229b24049b66e980258957003ba0c1?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/866e8f6ce38eb2ea80258a6f004289a2?OpenDocument
[8] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9054c4772db718db80258a32003c745c?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/66d00163d41deb5b80258944003c7ad3?OpenDocument