Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2117/16.0T8PTM.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Concluindo-se que os dois membros da união de facto necessitam por igual da casa, haverá que dar predominância à condição de proprietário exclusivo que um deles tem sobre a casa.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. Ocorrida a ruptura da união de facto, e na ausência de filhos do casal, a casa de morada de família deve ser atribuída de acordo as necessidades de cada um dos membros do casal, relevando a situação económica de cada um, a idade, o estado de saúde, a localização da casa relativamente ao local de trabalho, e a eventual disponibilidade de outra casa onde um deles possa residir;
2. Deve igualmente ser avaliada a adequação da casa às específicas necessidades de habitação de cada um dos membros do casal.
3. Cessada a união de facto, cada um dos seus membros deve ajustar o seu modo de vida à sua situação económica, cabendo a cada um diligenciar pela obtenção de casa compatível com os seus rendimentos e a dimensão do seu agregado familiar.
4. Concluindo-se que os dois membros da união de facto necessitam por igual da casa, haverá que dar predominância à condição de proprietário exclusivo que um deles tem sobre a casa.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Família e Menores de Portimão, (…) deduziu acção especial de atribuição da casa de morada da família contra (…), na qual, após oposição desta e inquirição das testemunhas arroladas, foi proferida sentença declarando que ambos viveram em união de facto entre 1988 e 2011, data em tal união cessou, e atribuindo a casa de morada de família ao Requerente, devendo a Requerida deixar a fracção livre e devoluta.

Inconformada, a Requerida recorre e remata com 78 conclusões prolixas, não efectivando uma autêntica síntese das suas alegações.
Entendendo-se, porém, que o Relator deve usar com parcimónia os poderes que lhe são conferidos pelo art. 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, apenas se justificando o convite a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões, quando não for possível, de todo, a rápida e fácil compreensão das questões suscitadas e a sua fundamentação essencial, faremos a seguinte súmula das questões ali enunciadas:
· impugnação da matéria de facto, devendo ser considerado que o Recorrido é proprietário de um veículo automóvel, que não passa todas as noites em casa mas sim noutro lugar e que é proprietário de um prédio rústico;
· no aspecto jurídico, afirma ter maior necessidade de habitar na casa, porquanto está reformada e aufere uma pensão mensal na ordem dos € 400, enquanto o Recorrido trabalha e pode auferir mensalmente € 1.130, tendo assim maior facilidade em encontrar outro lugar onde habitar.
Termina pedindo que lhe seja atribuído o arrendamento da casa pelo prazo de cinco anos, renovável, e pela renda mensal de € 100,00, actualizável anualmente.

Na resposta sustenta-se a manutenção da decisão recorrida, argumentando-se, no essencial, que não ficou provado que a reforma da Recorrente fosse no valor de € 400,00, prova essa que deveria ter sido efectuada por documento, e que o Recorrido será o mais prejudicado com uma alteração da sua morada.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – artigo 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].
Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
A Recorrente entende que se deverá considerar provado que o Recorrido é proprietário de um veículo automóvel e de um prédio rústico, mas certo é que inexiste nos autos qualquer prova, sequer indiciária, de tais realidades. De todo o modo, as testemunhas (…), (…), (…) e (…), vizinhos do imóvel identificado nos autos, confirmaram que o Recorrido utiliza nas suas deslocações pessoais uma viatura e têm visto esse carro estacionado à porta da casa, pelo que se aditará esta matéria aos factos provados.
Quanto à alegação do Recorrido não passar todas as noites em casa mas sim noutro lugar, acompanha-se a decisão recorrida. Os meros boatos, inclusive sugeridos nas instâncias às testemunhas, e as sugestões de terem sido publicadas nas redes sociais fotografias do Recorrido com outra senhora, não são bastantes para estabelecer a prova de tal facto, sendo certo que as testemunhas (…), (…) e (…) continuam a observá-lo a entrar e sair do imóvel como se ali vivesse.
Finalmente, quanto ao valor da pensão de reforma da Recorrente, a única referência a essa matéria foi realizada pela testemunha (…), que trabalha nos recursos humanos da Câmara de Monchique, mas para além do seu depoimento ser incerto quanto ao valor exacto da pensão – entre 2m40s e 2m55s, quando perguntado sobre se sabia qual o valor da pensão de reforma, respondeu o seguinte: “eu vi isso, sei, mas se calhar posso não me lembrar bem, mas por volta dos 400 euros, coisa assim” – também está em causa matéria que a Recorrente podia e devia provar com toda a exactidão através do competente recibo emitido pela entidade pagadora da sua pensão. Por outro lado, os seus recibos de vencimento a fs. 62 e 63, relativos aos meses de Julho e Agosto de 2016, revelam que se encontrava inscrita na Caixa Geral de Aposentações e desempenhava as funções de assistente operacional de nível entre 3 e 4, com uma remuneração mensal de € 631,64, tendo as testemunhas referido que sempre trabalhou na Câmara e se reformou por limite de idade – dos documentos de fs. 73 e 93 resulta que atingiu os 70 anos de idade em 08.09.2016. Mas tais documentos não demonstram qual o valor da pensão de reforma que passou a auferir e, ponderando a própria incerteza do único depoimento prestado acerca desta matéria, o ponto 17 do elenco fáctico apurado pela primeira instância será eliminado dos factos provados, por inexistência de prova bastante para o efeito.
Reafirma-se que a autonomia decisória dos Tribunais da Relação quanto à matéria de facto permite-lhes apreciar todo o elenco fáctico, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo irrelevante que se trate de matéria objecto de impugnação nas alegações de recurso – apontando-se, porém, que este ponto fáctico vinha expressamente impugnado nas contra-alegações do Recorrido.
Finalmente, porque se trata de elementos factuais constantes de documentação junta aos autos e não impugnada, maxime, na descrição predial e na caderneta predial urbana, será aditada a composição da fracção dos autos.
Em resumo, alterando-se a decisão quanto à matéria de facto, decide-se:
· aditar aos factos provados que “o Requerente utiliza uma viatura nas suas deslocações pessoais”;
· aditar igualmente aos factos provados que “a fracção autónoma identificada nos autos tem a área coberta de 76,96 m2 e descoberta de 52,47 m2, e é composta por hall, escada, cozinha, uma despensa, dois quartos, uma sala e logradouro”;
· eliminar o ponto 17 do elenco fáctico provado.

O relevo factual fica assim estabelecido:
1. O Requerente é dono e possuidor da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1.º andar direito, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Urbanização da (…), lote 19, na freguesia e concelho de Monchique, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), e descrita na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…);
2. Tal propriedade adveio-lhe por compra à Câmara de Monchique pelo preço de 2.560.000$00, e está registada a seu favor desde 22 de Janeiro de 1988;
3. O Requerente adquiriu a referida fracção para aí fixar a sua residência permanente, e fê-lo com recurso a empréstimo bancário que contraiu junto da Caixa Geral de Depósitos;
4. Esse empréstimo e os seguros ao mesmo respeitante foram sendo liquidados por débito na conta bancária de que o Requerente é único titular na Caixa Geral de Depósitos, e encontra-se integralmente pago desde o ano de 2013;
5. O Requerente fixou a sua residência na fracção após a sua aquisição;
6. Durante o ano de 1988, a Requerida foi habitar com o Requerente para a referida fracção, onde passaram a coabitar em comunhão de mesa e leito, como se de marido e mulher se tratassem;
7. O Requerente e a Requerida viveram nessa situação até ao ano de 2011, quando o Requerente pôs termo à relação de vivência comum, tendo, desde essa altura, ambos permanecido na casa, cada um ocupando um dos quartos, mas fazendo vidas completamente autónomas, passando cada um a pagar as suas próprias despesas, a confeccionar as suas refeições tendo cessado o relacionamento intimo;
8. As despesas relativas aos consumos de água e electricidade estão tituladas em nome do Requerente;
9. O Requerente e a Requerida não têm filhos em comum;
10. O Requerente enviou à Requerida uma carta, que esta recebeu a 20 de Janeiro de 2014, onde fixou o dia 28 de Fevereiro de 2014, como data limite para deixar a casa e retirar dela todos os seus pertences;
11. O Requerente trabalha como motorista de transportes colectivos, no sector de educação, para o Município de Monchique e tem um horário de trabalho entre as 7H00 e as 12H00 e as 15H00 e as 19H00;
12. Aufere uma retribuição base no montante mensal ilíquido de € 734,62, acrescida de € 61,22 de subsídio de refeição, e quando faz horas extraordinárias pode chegar a auferir € 1.130 líquidos;
13. A fracção autónoma identificada em 1, supra, dista do seu local de trabalho não mais de 2000 m;
14. A fracção autónoma em causa, no mercado de arrendamento, é compatível com uma renda mensal de € 250;
15. A Requerida foi funcionária do Município de Monchique até Setembro de 2016, altura em que se reformou;
16. Auferia quando trabalhava o valor mensal ilíquido de € 631,64, acrescido de € 93,84 de subsídio de refeição;
17. (eliminado);
18. A Requerida, antes de se reformar, trabalhava na Câmara Municipal de Monchique e contribuiu com o seu salário para as despesas do lar;
19. Nem o Requerente nem a Requerida são proprietários de qualquer outra casa para habitação;
20. O Requerente utiliza uma viatura nas suas deslocações pessoais;
21. A fracção autónoma identificada nos autos tem a área coberta de 76,96 m2 e descoberta de 52,47 m2, e é composta por hall, escada, cozinha, uma despensa, dois quartos, uma sala e logradouro.

Aplicando o Direito.
Da atribuição da casa de morada de família
Assente nos autos a cessação da união de facto que ligou as partes entre 1988 e 2011 – esta questão não está impugnada no recurso em apreciação – resta determinar a quem deve ser atribuída a casa de morada de família, sabido que o art. 4.º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, manda aplicar o disposto no art. 1793.º do Código Civil, relevante para o caso em apreço, dado estar apurado que o imóvel onde o casal residia é propriedade do Requerente.
Pereira Coelho e Guilherme Oliveira[4], discutindo os critérios de atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada da família, que são aplicáveis, mutadis mutandis, às situações em que o imóvel é bem comum ou próprio de um dos membros do casal, afirmam que:
«(…)deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. Na verdade, o objectivo da lei, ao permitir ao juiz manter o arrendamento na titularidade do cônjuge arrendatário ou transferi-lo para o outro cônjuge, não é o de castigar o culpado ou premiar o inocente, como não é o de manter na casa de morada da família, em qualquer caso, o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tivessem ficado confiados. A necessidade da casa, a “premência”, como às vezes dizia a jurisprudência ou, como melhor se diria, a premência da necessidade já era na legislação anterior e continua a ser na nova legislação o factor principal a atender.
Na avaliação da necessidade da casa, deve o tribunal ter em conta, em particular, a situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges e o interesse dos filhos. Trata-se, quanto à situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges, de saber quais são os rendimentos e proventos de um e outro, uma vez decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, assim como os respectivos encargos; no que se refere ao interesse dos filhos, há que saber com qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a residir o filho menor no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, e se é do interesse do filho viver na casa que foi do casal com o progenitor com quem ficou a residir. (…)
Mas o juízo sobre a necessidade da casa não depende apenas destes dois elementos. Haverá que considerar ainda outros factores relevantes, como a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc. De escasso interesse, porém, será a circunstância de um dos cônjuges ou ex-cônjuges poder ser ou ter sido acolhido por familiares que não sejam obrigados a recebê-lo, só o fazendo por mera tolerância.
Quando possa concluir-se, em face destes elementos, que a necessidade de um dos cônjuges é consideravelmente superior à do outro, deve o tribunal atribuir o direito ao arrendamento da casa de morada da família àquele que mais precisar dela; só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar outros factores, como o facto de, tratando-se de arrendamento anterior ao casamento, o cônjuge arrendatário ser um ou outro, ou as circunstâncias em que, após a separação de facto, a casa de morada da família tenha sido ocupada por um ou por outro dos cônjuges, elementos ou factores que, neste sentido, tenderíamos a considerar secundários.»
Procurando fixar critérios gerais para a atribuição da casa de morada da família[5], poderá afirmar-se o seguinte:
· inexiste uma hierarquia entre os factores a ponderar – necessidades de cada um dos cônjuges ou o interesse dos filhos do casal;
· a lei sacrificou deliberadamente o interesse do senhorio ou do proprietário ao interesse da protecção da casa de morada da família;
· é irrelevante a culpa pela separação ou divórcio, devendo a casa deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela;
· na apreciação da necessidade da casa releva a situação patrimonial dos cônjuges, devendo ser apurados os rendimentos de cada um e os respectivos encargos, nomeadamente a obrigação de alimentos a prestar, quer ao outro cônjuge quer aos filhos;
· quanto ao interesse dos filhos, deverá ser apurado se é importante viverem na casa que foi do casal com o progenitor guardião;
· outras razões atendíveis são as que resultem da idade e estado de saúde de algum dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de cada um, a eventual disponibilidade do casal ou de um deles de dispor de outra casa onde possa residir;
· de escasso interesse, a circunstância de um dos cônjuges poder ser ou ter sido acolhido por familiares que não estejam obrigados a recebê-lo, só o fazendo por mera tolerância.
Entrando directamente na análise do caso dos autos, a primeira instância atribuiu a casa ao Requerente, argumentando que ambos necessitam da casa para a sua habitação, e reconhecendo que a situação económica da Requerida é um pouco mais frágil que a do Requerente, embora a primeira não devesse continuar a habitar na casa sem uma contrapartida monetária na forma de renda.
E concluiu pela atribuição da casa ao Requerente, nos seguintes termos: «Sendo os interesses de ambos idênticos e tendo a requerida que pagar uma renda, não encontra qualquer justificação ao abrigo dos critérios legais que deverão presidir à atribuição da casa, que se limite o direito de propriedade do requerente com um contrato de arrendamento, impedindo-o de usar e fruir em pleno a sua propriedade quando as suas necessidades de habitação são semelhantes às da requerida, ou pelo menos as desta não são superiores às suas.»
No entanto, não importa a protecção do interesse do proprietário do imóvel, pois o critério relevante é a necessidade de cada uma das partes em permanecer na casa, sendo que o factor relativo ao interesse dos filhos é aqui inaplicável.
Confrontando os rendimentos de cada um, poderá afirmar-se que o Requerente auferia maiores rendimentos que a Requerida – mas em termos de despesas, foi ele quem suportou as prestações decorrentes do empréstimo contraído para a compra da casa, e continua a suportar as despesas relativas aos consumos de água e electricidade.
Actualmente, a Requerida está já reformada – não estabeleceu prova do valor da sua pensão de reforma – enquanto o Requerente continua a desempenhar as suas funções profissionais, auferindo uma retribuição base de € 734,62, acrescida de € 61,22 de subsídio de refeição, podendo auferir € 1.130,00 quando faz horas extraordinárias (não está, porém, apurada a frequência com que realiza trabalho suplementar).
Há a ponderar, ainda, que a casa está a menos de 2.000 metros do local de trabalho do Requerente, enquanto a Requerida já está reformada, pelo que são já para ela irrelevantes as deslocações ao local de trabalho.
Finalmente, a casa em questão nos autos é um T2, com a área coberta de 76,96 m2 e descoberta de 52,47 m2, possuindo hall, escada, cozinha, despensa, dois quartos, sala e logradouro. Claramente trata-se de uma casa dimensionada para um agregado familiar composto por mais que uma pessoa, podendo acomodar até quatro pessoas – duas em cada quarto.
Neste contexto, se é compreensível que todos precisam de casa para viver, a casa identificada nos autos não é a adequada para a Requerida nela habitar sozinha, tanto mais que cessada a união de facto, cada um dos seus membros deve ajustar o seu modo de vida à sua situação económica, cabendo a cada um diligenciar pela obtenção de casa compatível com os seus rendimentos e a dimensão do seu agregado familiar[6].
Mesmo que se argumente que o Requerente também vive sozinho, tem a seu favor a circunstância de ainda trabalhar e não se justificar que seja obrigado a deslocar-se para outra casa, eventualmente mais distante do seu local de trabalho e implicando maiores gastos e demoras em deslocações.
Acresce que, mesmo que se concluísse que os dois membros da união de facto necessitavam por igual da casa para satisfazer a sua necessidade de habitação, e que não a podiam suprir por outro modo, através do arrendamento ou aquisição de outra casa mais consentânea com as suas reais necessidades, nessa situação haveria que dar predominância à condição de proprietário exclusivo que um deles tem sobre a casa[7].
Ponderando que a ruptura da união de facto implica a cessação da vida em comum, não podendo ser imposto ao Requerente que a Requerida continue a viver na mesma casa, a solução que se nos afigura mais ajustada é a que foi tomada na decisão recorrida, que assim se confirma.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.

Évora, 9 de Novembro de 2017
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria da Conceição Ferreira
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[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1), igualmente na mesma base de dados.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1), também publicado na dita base de dados.
[4] In Curso de Direito da Família, Vol. I, 5.ª ed., págs. 753 e 756 e ss..
[5] Na linha do proposto por Pereira Coelho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 122, págs. 120 e ss..
[6] Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 14.11.2013 (Proc. 1828/11.1TVLSB-6) e publicado na base de dados da DGSI.
[7] Tal como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 07.12.2011 (Proc. 10814/09.0TBVNG.P1), sempre na mesma base de dados.