Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2048/24.0T8FAR-A.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
PROPOSITURA DA ACÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
PERÍCIA POR JUNTA MÉDICA
ACORDO
ALTA
Data do Acordão: 10/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):

I – Não havendo acordo na tentativa de conciliação em ação de acidente de trabalho, devem ficar consignados no auto os factos sobre os quais houve acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.


II – Neste caso, o processo transita para a fase contenciosa, sendo que se a discordância apenas se reportar ao resultado da perícia médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, a parte discordante deverá interpor o requerimento a que alude o art. 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho; se for para além deste aspeto, deverá o sinistrado ou seus beneficiários apresentar petição inicial relativa aos factos em desacordo, nos termos do art 117.º do mesmo Diploma Legal.


III – Não havendo integral acordo, o auto da tentativa de conciliação destina-se a delimitar o objeto do processo na fase contenciosa, impedindo, não só que as questões sobre as quais houve acordo possam voltar a ser discutidas, como também que se invoquem questões não abordadas no referido auto.


IV – Centrando-se a discordância do sinistrado apenas na data da alta e no grau de incapacidade parcial permanente que lhe foi fixada, competia-lhe interpor o requerimento a que aludem os arts. 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.


V – Tendo na petição inicial o sinistrado apresentado requerimento a solicitar perícia médica, formulando os respetivos requisitos, deveria ter sido declarado erro na forma do processo e aproveitado esse requerimento, nos arts. 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, declarando-se como não escrito tudo o resto, ao invés de ter sido indeferida a petição inicial.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2048/24.0T8FAR-A.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


A Magistrada do Ministério Público veio participar o acidente ocorrido em 20-04-2021, em que é sinistrado AA, tendo como entidade empregadora “BB Oficinas de Reparação, Lda.”2, cuja transferência de responsabilidade foi transferida para a seguradora “AGEAS”.





Em 02-11-2024 foi realizado exame pericial ao sinistrado, no qual se concluiu:

- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 21/04/2022

- Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora

- Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 214 dias

- Incapacidade permanente parcial fixável em 7,500%




Em 06-02-2025 foi realizado o auto de tentativa de conciliação, do qual consta:

Aos 6 de fevereiro de 2025, pelas 10:30 horas.

Autos de Acidente de Trabalho (F. Conciliatória), n.º 2048/24.0T8FAR

Procuradora da Republica, Exma. Dr.ª CC

O técnico de justiça adjunto, DD.

***

Sinistrado: EE

Entidade responsável: Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A

***

À hora designada efectuei a chamada e verifiquei que se encontravam presentes:

- O sinistrado: EE, nascido em ...-...-1961, titular do NIF - ... residente na ...

- O patrono do sinistrado: Dr.FF, com nomeação junta aos autos, que informou no ato que o seu pedido de escusa, tenta a proximidadde da diligência não foi aceite, assumindo desta forma o patrocinio do sinistrado.---

- O legal Representante da Seguradora: GG, conforme procuração que se encontra arquivada na secretaria deste Tribunal.

***

Iniciada a diligência, a instâncias do(a) Magistrado(a) do Ministério Público:

O sinistrado, declarou que:

• "No dia 20 de abril de 2021, foi vítima de um acidente de trabalho, quando se encontrava ao serviço da entidade empregadora "BB, Lda" com sede em Areal Gordo - Faro.---

• Auferia a retribuição anual de 800,00€ X 14 meses acrescida de 111,98€ x 11 meses relativo a subsídio de refeição, cuja responsabilidade se encontra totalmente transferida para a seguradora. (12.431,78€/ano)---

• Exercia a função de bate-chapas. ---

• O acidente consistiu em quando colocava uma porta foi acometido por forte e subita dor na região lombar.---

• Teve alta em 21/04/2022, data que não aceita, por ainda se encontrar inapto a trabalhar.

• Desse acidente resultaram as lesões descritas no auto de perícia médica junto ao processo, tendo sido atribuída pelo Exmo. Perito Médico deste Tribunal, uma incapacidade parcial permanente de 7,5%, resultado com o qual não concorda.---

• O Exmo. Perito Médico do Tribunal fixou o período de 214 dias de ITP 10% (de 17/09/2021 a 18/04/2022).---

• Encontra-se pago das indemnizações devidas por IT’s e demais despesas acessórias até à data da alta, com excepção dos períodos supra referido fixado pelo Exmo. Perito Médico do Tribunal.---

Assim reclama o pagamento de:

A pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e a incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica.---

• A quantia de 517,30€, relativa ao período de 214 dias de ITP 10% (de 17/09/2021 a 18/04/2022).---

• A importância de 19,50€ (3 x 6,50€ in www.eva-bus.com) a titulo de compensação das despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de exame médico.---

• Para efeitos do disposto no art.º 150º do C.P.T., informa que o seu IBAN é o seguinte:

... "---

Mais não declarou

***

Em seguida, o legal representante da seguradora, declarou que:

• Reconhece a existência e caracterização do acidente como de trabalho.---

• Aceita o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.---

• Aceita a retribuição anual declarada pelo sinistrado. ---

• Aceita a responsabilidade emergente do presente sinistro.---

• Não aceita o resultado da perícia médica efectuada ao sinistrado pelo Exmo. Perita Médica do Tribunal, uma vez que a sua representada pelos seus serviços clínicos considera o sinistrado curado sem desvalorizção.---

• Aceita o período de 214 dias de ITP 10% (de 17/09/2021 a 18/04/2022) fixado ao sinistrado pelo Exmo. Perito Médico do Tribunal.---

• A sua representada pagou ao sinistrado as indemnizações devidas por IT.s e demais despesas acessórias, até à data da alta, com excepção dos períodos supra referidos fixados pelo Exmo. Perito Médico do Tribunal, tendo pago em excesso a quantia de 54,36€.---

Em consequência aceita pagar ao sinistrado:

• A pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e a incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica.---

• A importância de 462,94€, relativa ao acerto das indemnizações devidas pelo período de 214 dias de ITP 10% (de 17/09/2021 a 18/04/2022) fixado pelo Perito Médico do Tribunal e as pagas a titulo indemnizações devidas por ITs em excesso, (517,30€, - 54,36€).---

• A importância de 19,50€ a titulo de compensação das despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de exame médico."---

Mais não declarou

***

DESPACHO:

"Atento o teor das declarações que antecedem, a legitimidade e a capacidade das partes, dou-as por NÃO CONCILIADAS. -----------------------------------

Devolvam-se os autos à Secção Judicial, (art.º 117º n.º1 al. b do D.L. n.º 295/2009 de 13/10).---

Notifique".---------------------------------------------------------------------------------

Do despacho que antecede foram os presentes notificados. (art.º 254.º do CPC)--

E para constar, se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser devidamente assinado.




Em 19-02-2025, a “AGEAS Portugal, Companhia de Seguros, SA”3 veio requerer a realização da perícia médica por junta médica, formulando os respetivos quesitos, tendo, por despacho judicial proferido em 25-02-2025 sido designada a data para a realização do solicitado exame.





Em 28-02-2025, veio o sinistrado AA intentar ação especial emergente de acidente de trabalho contra a Rés “Ageas” e “BB”, solicitando, a final, que a ação deva ser julgada procedente por provada e, em consequência:

I- Ser a Primeira Ré condenada a pagar ao Autor as despesas médicas e medicamentosas a efetuar pelo Autor para a sua completa recuperação, cujo montante não é possível determinar na presente data, pelo que deverão ser liquidadas em sede de execução de sentença;

II- Ser a Primeira Ré condenada a pagar ao Autor a pensão anual e vitalícia que for calculada com base no vencimento auferido à data do acidente e na IPP que lhe for atribuída em junta médica a realizar nos presentes Autos;

III- Ser a Primeira Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €517,30 (Quinhentos e dezassete euros), referente ao período de 214 dias de ITP 10% (de 17/09/2021 a 18/04/2022), acrescido do montante que vier a ser apurado, com base na data e na ITP que vier a ser atribuída pela junta médica a realizar nos presentes Autos;

IV- O montante de €19,50 (Dezanove euros e cinquenta cêntimos) a título de compensação das despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal e para realização de exame médico;

V- Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €20.000,00 (Vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, resultantes do acidente ao Autor




Em 03-03-2025 foi proferido despacho judicial, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto indefiro o requerido e, consequentemente, não admito a petição inicial.

Notifique.




Não se conformando com tal despacho, o sinistrado AA veio interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:

I- O Recorrente não se conforma com despacho proferido pelo Tribunal a quo de 03/03/2025, em que não admite a petição inicial apresentada por aquele

II- Em 06 de fevereiro de 2025 foi realizada tentativa de conciliação, onde se verificou existirem divergências, entre o Recorrente e a Entidade Responsável, não só quanto à questão do grau da incapacidade, mas também quanto aos períodos de incapacidades, absolutas e parciais, temporárias sofridas pelo Recorrente e respetivas percentagens, e ainda no que se refere às lesões sofridas pelo Recorrente como consequência do acidente de trabalho dos presentes Autos;

III- Em 25 de fevereiro de 2025, o Recorrente, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 117º do Código do Trabalho, submeteu a respetiva Petição Inicial onde peticiona o pagamento das despesas médicas e medicamentosas a serem efetuadas por aquele para a sua completa recuperação, cujo montante não é possível determinar na presente data, pelo que deverão ser liquidadas em sede de execução de sentença; o pagamento de pensão anual e vitalícia que for calculada com base no vencimento auferido à data do acidente e na IPP que lhe for atribuída em junta médica a realizar nos presentes Autos; o pagamento da quantia de €517,30 (Quinhentos e dezassete euros), referente ao período de 214 dias de ITP 10% (de 17/09/2021 a 18/04/2022), acrescido do montante que vier a ser apurado, com base na data e na ITP que vier a ser atribuída pela junta médica a realizar nos presentes Autos;O montante de €19,50 (Dezanove euros e cinquenta cêntimos) a título de compensação das despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal e para realização de exame médico; o pagamento de uma quantia de €20.000,00 (Vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, resultantes do acidente ao Auto;

IV- Na referida Petição Inicial, o Recorrente requereu ainda a sua sujeição a exame por Junta Médica para determinação das lesões de que tenha sido vítima em consequência do acidente em apreço e eventuais incapacidades, apresentando os devidos quesitos e requerendo a nomeação de perito da sua escolha;

V- Em 03 de março de 2025, o Tribunal a quo, proferiu despacho de rejeição da referida Petição Inicial, invocando, em suma, que resulta dos autos que em sede de tentativa de conciliação não foram invocados danos não patrimoniais, não foi suscitada a intervenção da entidade patronal, tendo havido acordo quanto ao reconhecimento do evento como acidente de trabalho, ao nexo entre o acidente e lesões, à coincidência entre a retribuição auferida e a declarada à seguradora e despesas de deslocação, tendo os intervenientes não acordado, quanto à incapacidade, sendo que a discordância no que à data da alta se refere situa-se em tal âmbito;

VI- Decorre das disposições conjugadas nos artigos 117º, nº 1, alínea a) e 138º, nº 2, ambos do Código de Processo do Trabalho que a apresentação da petição inicial é o ato processual próprio para dar início à fase contenciosa quando estejam em causa questões para além da previsão do artigo 117º, nº 1, alínea b) e que implicam alegação de factos pelas partes nos respetivos articulados, saneamento do processo, indicação de meios de prova, julgamento com produção de prova e sentença;

VII- A expressão constante do artigo 138º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, quando diz “(…) resultado da perícia médica (…)”, abrange apenas o grau e natureza da incapacidade a atribuir na Incapacidade Parcial Permanente a fixar ao sinistrado, ao contrário do que é referido no despacho aqui posto em crise;

VIII- Sendo que nos presentes autos, verifica-se que existem divergências, entre o Recorrente e a Entidade Responsável, não só quanto à questão do grau da incapacidade, mas também quanto aos períodos de incapacidades, absolutas e parciais, temporárias sofridas pelo Recorrente e respetivas percentagens, e ainda no que se refere às lesões sofridas pelo Recorrente como consequência do acidente de trabalho dos presentes Autos, pelo que se impõe ao Tribunal a quo, que, sem prejuízo da realização da Junta Médica como meio de prova privilegiado para comprovação dos correspondentes factos, não rejeite outros meios de prova coadjuvantes do pretendido resultado como, a documentação junta aos autos pelo Recorrente, bem como a prova testemunhal por este arrolada, que se poderá revelar útil e até mesmo essencial, nomeadamente a audição dos seus familiares diretos e que consigo residem;

IX- A utilidade, ou mesmo essencialidade dos referidos meios de prova complementares, é ainda mais evidente quando está em discussão a determinação dos períodos e percentagens das incapacidades temporárias sofridas pelo Recorrente, a repercussão que as sequelas sofridas têm na sua vida diária, pessoal e profissional, e ainda apurar a totalidade das lesões sofridas pelo Recorrente na sequência do acidente;

X- Para mais, considerando que os créditos provenientes do direito às prestações em caso de acidente laboral são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, sendo assim de natureza indisponível, não deve ser negado ao Recorrente a possibilidade de provar as despesas e os danos não patrimoniais que alegou e a sua relação com o acidente, e também que o Tribunal possa e deva condenar a Entidade Responsável no seu pagamento caso assim venha a entender, pelo que não poderia, o Tribunal a quo, excluir, conforme o fez no despacho recorrido, a indemnização pelos danos não patrimoniais peticionada pelo Recorrente pois, resulta do disposto nos artigos 111º e 112º do Código de Processo de Trabalho que, a tentativa de conciliação da fase conciliatória apenas vincula as partes relativamente aos pontos diretamente abordados e acordados e não para além destes, sendo que a indemnização por danos não patrimoniais não foi aí abordada nem acordada, pelo que é inadmissível a sua renúncia;

XI- Nestes termos, não poderia a Tribunal a quo rejeitar a Petição Inicial apresentada pelo Recorrente, impondo-se-lhe, pelo contrário, a sua admissão e notificação da Entidade Responsável para contestar, seguindo-se os ulteriores termos do processo;

XII- Não obstante, subsidiariamente, ainda que se entenda que o Recorrente está legalmente impedido de apresentar a Petição Inicial, não era permitido ao Tribunal a quo indeferi-la liminarmente, impondo-se antes, declarando verificado o erro na forma do processo, determinar o prosseguimento dos presentes autos com a tramitação prevista nos artigos 117º, nº 1, al. b) e 138º do Código de Processo do Trabalho, devendo o Tribunal a quo, nos termos do disposto no 193º nº 1 do Código de Processo Civil, aproveitar todo o processado na parte que respeita ao pedido de realização de Junta Médica, os quesitos formulados pelo Recorrente, a nomeação do seu perito e a exposição factual que respeita a esta parte;

XIII- Ou ainda, nos termos conjugados do artigo 54º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho e artigo 193º n.º 3 do Código de Processo Civil, convidar o Recorrente a esclarecer e/ou a sanar as discrepâncias formais existentes, com referência à correta identificação da ação ou incidente a propor, dando-se-lhe depois a tramitação mais conveniente, com recurso, se necessário, ao princípio da adequação formal do artigo 547.º do Código de Processo Civil e em função do regime especial regulador do processo emergente de acidentes de trabalho (conforme, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/09/2019, processo n.º 3988/10.0TTLSB-B.L1-4, disponível para consulta em www.dgsi.pt);

XIV- Ao decidir em sentido diverso do supra exposto, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 54º, 111º, 112º, 117º, nº 1, alíneas a) e b), artigo 138º, nº 1 e 2, ambos do Código de Processo do Trabalho e artigo 193ºdo Código de Processo Civil;

XV- Motivo pelo qual deve ser revogado o despacho recorrido, sendo substituído por outro que admita a Petição Inicial apresentada pelo Recorrente, notificando-se a Entidade Responsável para contestar, seguindo-se os ulteriores termos do processo;

XVI- Ou subsidiariamente, deve ser revogado o despacho recorrido, sendo determinado o prosseguimento dos presentes autos com a tramitação prevista nos artigos 117º, nº 1, al. b) e 138º do Código de Processo do Trabalho, aproveitando todo o processado na parte que respeita ao pedido de realização de Junta Médica, os quesitos formulados pelo Recorrente, a nomeação do seu perito e a exposição factual que respeita a esta parte;

XVII- Ou ainda, nos termos conjugados do artigo 54º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho e artigo 193º n.º 3 do Código de Processo Civil, ser revogado o despacho recorrida, devendo ser substituído por outro que convide o Recorrente a esclarecer e/ou a sanar as discrepâncias formais existentes, com referência à correta identificação da ação ou incidente a propor, dando-se-lhe depois a tramitação mais conveniente, com recurso, se necessário, ao princípio da adequação formal do artigo 547.º do Código de Processo Civil e em função do regime especial regulador do processo emergente de acidentes de trabalho (conforme, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/09/2019, processo n.º 3988/10.0TTLSB-B.L1-4, disponível para consulta em www.dgsi.pt);

Termos em que o douto despacho recorrido não deverá manter-se, devendo o presente recurso merecer integral provimento, com as demais consequências legais daí decorrentes.

Assim decidindo V. Exas., farão, como sempre inteira Justiça !!!




A “Ageas” não apresentou contra-alegações.





O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.


Não houve resposta ao parecer.


Neste Tribunal, os autos foram devolvidos à 1.ª instância para que fosse fixado o valor da causa, tendo sido fixado o valor de €20.536,80.


Posteriormente, o recurso foi admitido nos seus precisos termos e os autos foram aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Admissão da petição inicial;


2) Subsidiariamente, erro na forma do processo e consequências; e


3) Subsidiariamente, despacho de convite ao aperfeiçoamento.





III – Matéria de Facto


O que releva para a presente decisão é o que já consta do relatório que antecede.





IV – Enquadramento jurídico


1 – Admissão da petição inicial


Considera a recorrente que a petição inicial não devia ter sido rejeitada, uma vez que a discordância no auto de tentativa de conciliação foi para além do grau e natureza da incapacidade a atribuir na incapacidade parcial permanente a fixar ao sinistrado, visto que também não existiu acordo quanto aos períodos de incapacidades temporárias, quer absolutas quer parciais, e respetivas percentagens e quanto às lesões sofridas pelo sinistrado.


Referiu ainda que sendo os créditos provenientes do direito às prestações, em caso de acidente laboral, inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, sendo, portanto, de natureza indisponível, não deve ser negado ao recorrente a possibilidade de provar as despesas e os danos não patrimoniais que alegou em sede de petição inicial, pelo que o pedido de indemnização por danos não patrimoniais não podia ter sido excluído.


Invocou, por fim, que os arts. 111.º e 112.º do Código de Processo do Trabalho determinam que a tentativa de conciliação da fase conciliatória apenas vincula as partes relativamente aos pontos diretamente abordados e acordados, pelo que não tendo sido sequer abordada a questão da indemnização por danos não patrimoniais, é inadmissível a sua renúncia.


Apreciemos.


Na realidade, e apesar das várias questões invocadas no presente recurso, aquilo que releva é apurar se a petição inicial deveria ou não ter sido admitida, visto que eventuais vícios de que padeça, mas que não impliquem a rejeição liminar da petição inicial, sempre competirá, num primeiro momento, ao juiz da 1.ª instância apreciar.


Deste modo, importa, sim, apreciar se, em face da factualidade relativamente à qual não houve acordo, competia, ou não, ao sinistrado, apresentar petição inicial, nos termos do art. 117.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo do Trabalho.


O processo emergente de acidente de trabalho inicia-se com uma fase conciliatória, dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente (art. 99.º do Código de Processo do Trabalho)4. Tal fase termina com a tentativa de conciliação, competindo ao Ministério Público promover o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tendo em atenção, designadamente, o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (art. 109.º). Nessa tentativa pode haver ou não acordo. Havendo acordo, deve constar do auto, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações (art. 111.º). Não havendo acordo, devem ficar consignados no auto os factos sobre os quais houve acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (art. 112.º). Neste caso, o processo transita para a fase contenciosa, sendo que se a discordância apenas se reportar ao resultado da perícia médica quanto à questão da fixação de incapacidade para o trabalho, a parte discordante deverá interpor o requerimento a que aludem os arts. 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2 (requerimento de junta médica); se for para além deste aspeto, deverá o sinistrado ou seus beneficiários apresentar petição inicial relativa aos factos em desacordo, incluindo quanto à incapacidade, se for esse o caso (art. 117.º, n.º 1, al. a)). Todos os factos em que tenha havido acordo na tentativa de conciliação já não podem ser alterados, pelo que a petição inicial apresentada não pode apresentar outra versão sobre eles. Na tentativa de conciliação devem ser abordadas todas as questões relacionadas sobre o acidente de trabalho e consigná-las no auto. Não havendo integral acordo, o auto destina-se a delimitar o objeto do processo na fase contenciosa, impedindo, não só que as questões sobre as quais houve acordo possam voltar a ser discutidas, como também que se invoquem questões não abordadas no referido auto.5


Posto isto, vejamos a situação concreta.


Conforme consta expressamente do auto de tentativa de conciliação, o sinistrado não concordou com a data da alta, que lhe foi atribuída em 21-04-2022, por ainda se encontrar inapto para trabalhar.


Consta igualmente, quanto ao sinistrado, que “Desse acidente resultaram as lesões descritas no auto de perícia médica junto ao processo, tendo sido atribuída pelo Exmo. Perito Médico deste Tribunal, uma incapacidade parcial permanente de 7,5%, resultado com o qual não concorda”.


Efetivamente, em face do teor deste parágrafo, a discordância do sinistrado parece refletir-se sobre o grau de incapacidade parcial permanente que lhe foi atribuída e não sobre as lesões descritas no auto de perícia médica junto ao processo. Atente-se que não resulta nem dessa perícia médica, nem deste auto, qualquer menção que permita inferir tal discordância do sinistrado. É verdade que o auto de tentativa de conciliação não adotou as melhores práticas ao remeter para o auto de perícia médica junto ao processo as lesões de que ficou a padecer o sinistrado, ao invés de as descrever no próprio auto de tentativa de conciliação. Porém, inexiste qualquer indício de que o sinistrado não tivesse conhecimento dessas lesões (nem ele o alega) ou que delas discordasse.


E, a ser assim, é de concluir que no auto de tentativa de conciliação o sinistrado concordou com as lesões descritas no auto de perícia médica, tendo igualmente havido concordância sobre tais lesões por parte da seguradora. Deste modo, os factos relativos às lesões sofridas pelo sinistrado não podem ser alterados.


De igual modo, não tendo sido invocada qualquer questão relativa a danos não patrimoniais por parte do sinistrado na tentativa de conciliação, não é de admitir a interposição de uma petição inicial para invocar matéria que não foi abordada em sede de tentativa de conciliação.


Centrando-se a discordância do sinistrado apenas na data da alta (e respetivo período de incapacidades temporárias) e no grau de incapacidade parcial permanente que lhe foi fixada, apenas com recurso a peritagem de cariz médica é que tais questões poderão ser solucionadas, pelo que competia às partes discordantes, como foi o caso do sinistrado, interpor o requerimento a que aludem os arts. 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.6


Pelo exposto, quanto à específica questão de não ser de admitir a interposição de uma petição inicial por parte do sinistrado, bem andou a sentença recorrida, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto.


2 – Subsidiariamente, erro na forma do processo e consequências


Entende o recorrente que mesmo que o procedimento correto fosse o previsto nos arts. 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, o tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente a petição inicial, antes sim, deveria ter declarado verificado o erro na forma do processo e, ao abrigo do art. 193.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ter aproveitado todo o processado na parte que respeita ao pedido de realização de Junta Médica, aos quesitos formulados pelo recorrente, à nomeação do seu perito e à exposição factual que respeita a esta parte.


Dispõe o art. 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.


No caso em apreço, no âmbito da petição inicial apresentada pelo sinistrado o Autor requereu a sua sujeição a exame por junta médica, formulando os seguintes quesitos:

a) Se é necessária a realização de intervenção cirúrgica para que o Autor possa recuperar das lesões sofridas;

b) Quais são as limitações resultantes das lesões sofridas pelo Autor como consequência do acidente de trabalho;

c) Qual a data da alta;

d) Qual a ITP do Autor desde a data do acidente até à presente data;

e) Qual a IPP do Autor à presente data;

f) Se o Autor tem condições físicas de voltar a exercer as funções profissionais que exercia anteriormente;

Requereu ainda a nomeação da Dra. HH como sua perita.


Ora, nesta parte, em face do disposto nos arts. 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, ao invés de ter sido indeferida a petição inicial apresentada, deveria antes sim, ter sido declarado verificado erro na forma de processo, com aproveitamento do processado que respeite ao requerimento para realização de junta médica, quesitos formulados que se reportem às questões controvertidas e aceitação da perita indicada, declarando-se como não escrito tudo o resto. Na realidade, uma vez que a petição inicial integra o requerimento previsto no art. 117.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo do Trabalho, e caso inexista qualquer outro motivo para a sua rejeição, por o mesmo ser compatível com a forma legalmente prevista, deveria ter sido aproveitado.


Essa é a posição adotada nos acórdãos do TRC proferido em 11-09-2020, no processo n.º 827/19.0T8LMG.C1; do TRP proferido em 18-12-2018 no processo n.º 3992/16.4T8AVR.P1; e do TRE proferido em 13-07-2017 no processo n.º 1776/15.6T8TMR.E1.


Nesta conformidade, quanto a esta questão, subsidiariamente colocada pelo recorrente, merece a mesma provimento, devendo o despacho que indeferiu a petição inicial ser substituído por outro que declare erro na forma do processo e determine o aproveitamento de todo o processado na parte respeitante ao requerimento para realização de junta médica, quanto aos quesitos relativos à matéria controvertida, bem como a aceitação da perita indicada, caso inexista qualquer outro motivo para a rejeição deste requerimento, determinando-se a nulidade de todos os atos praticados a seguir ao despacho que indeferiu liminarmente a petição.


Uma vez que o recorrente teve provimento nesta questão, por prejudicada, não se aprecia a questão subsidiariamente apresentada.








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso quanto ao segundo pedido invocado, a título subsidiário, e, em consequência, determinar a revogação do despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que declare erro na forma do processo e determine o aproveitamento de todo o processado na parte respeitante ao requerimento para realização de junta médica, quanto aos quesitos relativos à matéria controvertida, bem como a aceitação da perita indicada, caso inexista qualquer outro motivo para a rejeição deste requerimento, determinando-se a nulidade de todos os atos praticados a seguir ao despacho que indeferiu liminarmente a petição.


Custas a cargo da recorrida “Ageas”, apesar de não ter contra-alegado7 (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 29 de outubro de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Filipe Aveiro Marques

Paula do Paço

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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎

2. Doravante “BB”.↩︎

3. Doravante “AGEAS”.↩︎

4. Os artigos a seguir referidos reportam-se ao Código de Processo do Trabalho.↩︎

5. Vide acórdãos do TRE proferido em 14-09-2023 no processo n.º 383/21.9T8STR-B.E1; e do TRC proferido em 25-10-2019 no processo n.º 5068/17.8LRA-A.C1; consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

6. Veja-se neste sentido o acórdão deste Tribunal proferido em 13-07-2017 no processo n.º 1776/15.6T8TMR.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

7. Acórdão do STJ, proferido em 29-10-2024, no processo n.º 1199/20.5T8AGD-A.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎