Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5882/21.0T8STB.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: LEGADO
TESTAMENTO
PRESTAÇÃO DE FACTO FUNGÍVEL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Consistindo o legado na atribuição de bens ou valores determinados, afastada se encontra a possibilidade de incidir sobre uma parte específica não autonomizada de um prédio urbano, no caso, sobre o direito do testador a uma das edificações e uma parcela do terreno que integram determinado prédio urbano de que é comproprietário;
II - Não incidindo sobre um bem determinado, mas sobre uma parte de um prédio urbano, a deixa testamentária não conduz à transmissão da titularidade do direito do testador sobre qualquer concreto bem;
III - A obrigação da entrega por parte dos réus de imóvel à autora não configura uma prestação de facto infungível, dado poder ser cumprida por intervenção de terceiros, designadamente de forma coerciva, pelo que não há que condenar os obrigados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória para o atraso no cumprimento de tal obrigação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5882/21.0T8STB.E1
Juízo Central Cível de Setúbal
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

(…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) e (…), peticionando:
«1.) Que os Réus sejam condenados a reconhecerem a Autora comproprietária de metade do prédio identificado em 6.1 e 7.º supra, bem como de todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno em 6.1 supra identificado, sendo bens imóveis indivisos sujeitos ao regime da compropriedade;
2.) Que, seja declarada judicialmente a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado com os aqui Réus e o Eng. (…), e na conformidade condenados os Réus a entregarem-lhe de imediato o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos aqui Réus;
3.) Que seja declarada a nulidade do 1º testamento do falecido marido da Autora junto como Doc. n.º 17 ao presente articulado, por o bem indicado nessa deixa testamentária não ser bem propriedade do testador, nem sequer um bem comum, mas sim um bem em compropriedade não podendo o testador legar bens que não lhe pertencem por inteiro, existindo uma impossibilidade legal do bem legado.
4.) Que os Réus sejam condenados a pagar as custas do processo e condigna procuradoria;
5.) Que os Réus sejam condenados ainda no pagamento à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe vierem a ser impostas pela sentença a proferir nos presentes autos.
Subsidiariamente, ao abrigo do artigo 554.º do CPC e para o caso do pedido formulado em 3.) supra não proceder, o que sem se conceder, se tem que prevenir, por dever de zelo e prudente cautela de patrocínio, formulam-se os seguintes pedidos:
1. Que a identificação do bem objecto da deixa testamentária, conforme doc. n.º 17 ora junto, resulta de um erro ostensivo, e sendo possível determinar qual o bem que o testador se queria efectivamente reportar, nos termos do disposto no artigo 2203.º do CC, Vexa. se digne ordenar que se proceda à retificação do conteúdo desse testamento por via do processo interpretativo (artigo 2187.º do CC), no sentido de o bem legado ser a quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), aqui 1º Réu, bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada,
2. Que se digne condenar em consequência do julgamento da procedência do pedido subsidiário em 1. supra, que ao nível do serviço de finanças de Sesimbra se proceda à devida correção matricial com a criação de um novo artigo para a edificação autonomizada no terreno identificado em 6.1. supra, para a casa que a Autora e sua família, incluindo aqui Réus identificam como casa do (…), aqui 1º Réu.»
A autora alega, em síntese, que é comproprietária do prédio que identifica, que adquiriu juntamente com o seu falecido marido, e das construções nele edificadas, imóvel que foi legado ao 1.º réu em sede de testamento outorgado pelo comproprietário seu marido, que não podia dispor de tal bem por não ser proprietário do mesmo, sendo que igualmente deu de arrendamento aos réus parte do aludido prédio pelo prazo de 11 anos, sem o consentimento da autora, que só tomou conhecimento do contrato em 23-10-2020, como tudo melhor consta da petição inicial.
Os réus contestaram, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência da ação. Mais deduziram reconvenção contra a autora, peticionando, pelos motivos que expõem, se decida «pela transmissão da propriedade da meação da Autora do prédio rústico sito na freguesia do (…), Sesimbra, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra com o n.º (…) mediante o pagamento do valor que a mesma tinha à data das construções nele implantadas», como tudo melhor consta do articulado apresentado.
A autora apresentou réplica.
Foi realizada audiência prévia, na qual se fixou o valor à ação, se rejeitou a reconvenção e se proferiu despacho saneador, após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte:
Por tudo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e consequentemente:
1.) Condena-se os Réus a reconhecerem a Autora como comproprietária de metade do prédio identificado como «Uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no (…), freguesia do (…), em Sesimbra que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…)», bem como de todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno, sendo bens imóveis indivisos sujeitos ao regime da compropriedade;
2.) Declara-se a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado com os Réus e o Eng. (…), e condena-se os Réus a entregarem de imediato à A. o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos Réus;
3.) Improcede o pedido de declaração de nulidade do 1º testamento do falecido marido da Autora datado de 24 de Junho de 2014;
4) Declara-se procedente o pedido subsidiário de rectificação do conteúdo do testamento por via do processo interpretativo (artigo 2187.º CC), no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada / edificada; improcedendo no mais o peticionado a titulo subsidiário»;
5.) Condena-se os Réus no pagamento à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do locado;
6)- Custas da acção a cargo da A. e dos RR. na medida do decaimento, que se fixa respectivamente em 10% a cargo da A. e 90% a cargo dos RR;
Registe e notifique.
Inconformados, os réus interpuseram, separadamente[1], recurso da sentença, ambos pugnando pela absolvição dos pedidos formulados e consequente revogação da decisão recorrida.
O 2.º réu, (…), terminou as alegações apresentadas com a dedução das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. Atento que, nos presentes autos, foi definido como Tema de Prova “1 – da aquisição do imóvel pela A. e pelo falecido marido em compropriedade”, e que estes haviam casado, em plena vigência do Código de Seabra, sob o regime de separação absoluta de bens, parece bem evidente que haverá que determinar da disponibilidade económica de cada um dos cônjuges para custearem tal aquisição e, bem assim, para custear a edificação de todas as construções existentes no prédio controvertido.
B. Ao contrário do postulado na douta sentença ora em crise, o ónus da prova de existência de meios para a aquisição do terreno e para edificar as construções existentes sempre impenderia sobre a A. Recorrida, que não só alegou tê-los, como, consciente do ónus da prova que sobre ela impendia, procurou fazer prova desse existência, não só através do testemunho do seu filho nascido do primeiro casamento, e dos seus netos (…), (…) e (…), como também através da junção aos autos de um conjunto de documentos que visariam comprovar a propriedade de saldos bancários (cfr. docs. nºs 3, 3v. 4, 5, 5v e 6, juntos com o requerimento de 16.05.2022, que tomou a refª CITIUS 42270015)
C. No que diz respeito à prova gravada, as transcrições de depoimentos, conjugados com o acervo documental deverão conduzir à supressão do ponto 36) do “Enquadramento Factual” e à sua substituição por outro com a seguinte redacção:
36) (…) sendo a área bruta de construção indicada nesse modelo I de 300,50 m2 (campo 58) a área igual à soma da área bruta dependente mais a área bruta privativa e, sendo a área bruta privativa à superfície total medida pelo perímetro exterior que é igual a 182,50 m2, resultando os 300,50 m2 da área bruta de construção declarada pelo falecido marido da Autora, Eng.º (…), junto das Finanças de Sesimbra em 18 de maio de 2011, no campo 58 dessa declaração.
D. De harmonia com as transcrições que antecedem, deverão levar ao aditamento dos seguintes pontos do Enquadramento Factual:
69) Em 1973, a Autora não tinha rendimentos de trabalho, e, anteriormente. só tinha trabalhado muito pouco tempo numa gráfica em Luanda, por piada, sendo apenas gestora familiar”.
70) Até 2021, o prédio controvertido esteve inscrito na matriz apenas em nome de (…) e o IMI foi sempre liquidado em seu nome exclusivo e não de qualquer outro comproprietário como deveria resultar do regime de separação de bens, de casamento deste e da Autora.”
71) Desde a morte do primeiro marido da A. e até 1973, o pai da A. entregava-lhe uma mensalidade de Esc. 2.000$00 com a qual esta sustentava o filho que teve na pendência do seu primeiro casamento, pagando a sua educação em colégio interno, o seu vestuário e a sua alimentação.
72) A A. e o seu marido, com o apoio e concordância de toda a família, expressaram o entendimento que a ‘casa do (…)’ ficasse salvaguardada e, assim sendo, ficasse fora das partilhas.
73) Os projectos de obra das edificações a que se refere o artigo matricial (…) e outras tarefas correlacionadas foram asseguradas pelo trabalho do segundo marido da A..
E. Com a seguinte fundamentação:
art. 36º - resultou provado do depoimento da testemunha (…);
art. 69º - resultou provado do depoimento das testemunhas (…) e (…);
art. 70º - resultou provado do depoimento da testemunha (…);
art. 71º - resultou provado do depoimento das testemunhas (…) e (…);
art. 72º - resultou provado das declarações das testemunhas (…), (…) e (…);
art. 73º - resultado depoimento da testemunha (…).
F. Ao decidir no ponto 4) do dispositivo, “no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada”, a douta sentença recorrida incorre em ambiguidade que torna a sentença ininteligível, não permitindo é possível vislumbrar o para o Tribunal a quo representa ½ da casa do (…) nem também ½ do terreno em que a mesma se encontra implantada / edificada.
G. Na sequência do mod. 1 apresentado em 18 de Março de 2011, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (…) tinha sido melhorado / modificado / reconstruído e passou a tratar-se de um T/7 destinado a habitação com alteração de número de fogos ou andares, com a área total coberta de 182,50 m2 e dependente de 118 m2, totalizando a área bruta de construção de 300,50 m2 e, para tal T/7 foi emitida em 1 de Abril de 2011 uma única licença de utilização, assim dando origem a um novo artigo matricial, o actual e único n.º (…), o qual “passou a integrar e a incluir o logradouro de todo o terreno identificado em 6”, o que, para além da circunstância de que a decisão traduz uma errada apreciação da prova gravada, como antes referido, e da própria factualidade documental carreada aos autos, fica-se sem se entender qual é a extensão do legado.
H. Já que as designadas ‘casa velha’ e ‘casa do (…) são, de facto, uma única construção para a qual foi emitida uma única licença de utilização.
I. Se o actual e único artigo (…), a partir de Março de 2011, “passou a integrar e a incluir o logradouro de todo o terreno identificado em 6”, qual é a quota-parte indivisa de ½ do terreno onde a ‘casa do (…)’ se encontra implantada/edificada?
J. Tendo em atenção que a ‘casa do (…)’ não se localiza na estrema do prédio controvertido, será constituído um prédio encravado?
K. Da douta decisão recorrida parece decorrer a aquisição para o 1º R. Recorrente de uma parcela de terreno que, de harmonia com a legislação e a regulamentação vigentes, não pode ser autonomizada, atenta, não só a proibição de se dividirem prédios de que uma das parcelas resultantes constitua um prédio absolutamente encravado, mas também as condicionantes que emergem do Plano Director Municipal de Sesimbra, constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/98, de 30 de Dezembro de 1997 e publicada no DR n.º 27, I série B, na sua actual redacção, para as operações urbanísticas na freguesia de Sesimbra (…).
L. ainda que pudessem verificar-se as circunstâncias e os requisitos susceptíveis de conduzir à procedência do pedido subsidiário de rectificação do conteúdo do testamento, atento que tal pedido subsidiário só poderia consubstanciar-se com violação de comandos legais imperativos, tal constitui obstáculo intransponível à procedência da acção, ou, quando menos, desse pedido (cfr., nesse sentido, Ac. da Rel. Évora, de 10.102019; proc. n.º 456/12.9T2STC.E2, in www.dgsi.net).
M. Em 28 de Janeiro de 2021, (cfr. Doc. n.º 22 junto com a PI), a mesma A. Recorrida, através do seu neto (…), apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa-8, participação de Imposto de Selo (Transmissões Gratuitas) por óbito de (…), com o qual a A. Recorrida foi casada, em segundas núpcias dela e sob o regime da separação de bens, em cujo quadro “Activo – Bens Imóveis – Propriedade Plena (Cod. 1)”, fez constar a “Verba n.º 11 Quota-Parte Transmitida: 1/1 Indicador Herança Indivisa: Não Tipo de Prédio: Artigo Urbano: (…) Freguesia: Sesimbra (…) Município: Sesimbra. Distrito: Setúbal Disp. Entrega Mod. 1 IMI: Não”, sendo que foi elaborado Anexo II – Anexo Para a Liquidação (Legados, Doações e Aquisições por Usucapião – Anexo em que, a citada verba n.º 11 transmitida ao contribuinte com o NIF (…) ou seja, a (…), aqui 1º R. Recorrente, conforme testamento que foi junto à mesma participação.
N. Não é crível que a declaração inicial de que a quota-parte transmitida da verba n.º 11 – a totalidade – tenha resultado de uma mera distração, já que inclusivamente a cabeça de casal, através do seu representante, pelo que, atentas as declarações que, enquanto testemunha, tal representante prestou, seria convicção de toda a família que a verba n.º 11 do IS corresponderia a um bem imóvel de que era único proprietário o de cujus.
O. Como decorre das declarações da testemunha (…) e da matéria de facto carreada aos autos, designadamente o acervo documental que o Serviço de Finanças de Lisboa-8 juntou aos autos, em situações de separação de bens, a AT, por se tratar de bem em compropriedade e não de bem comum do casal, faria inscrever os bens imóveis em nome dos dois membros do casal e liquida separadamente o IMI a pagar por cada um deles, o que nunca ocorreu até 2021, nem nunca a A. Recorrida procurou corrigir a inscrição matricial ou alguma vez pagou qualquer IMI referente ao artigo … (nem também relativamente a qualquer outro artigo matricial de que este provém), como muito bem é referido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8 e consta do cervo documental que aquele serviço juntou aos autos em cumprimento de despacho proferido em audiência de julgamento.
P. Ora, durante quase 50 anos, a A. Recorrida nunca cuidou de corrigir a inscrição matricial nem também pagou qualquer imposto referente ao bem imóvel inscrito apenas em nome de seu marido, como muito bem é referido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8 e consta do cervo documental que aquele serviço juntou aos autos em cumprimento de despacho proferido em audiência de julgamento, o que sempre permitiria concluir que a A. Recorrida nunca teve a tal «Uma porção de terreno para construção urbana com a área total de 8.968m2, sita no (…), (…), Sesimbra, bem como todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno, sendo bens móveis indivisos sujeitos ao regime de compropriedade, como bens que lhe pertencessem, razão pela qual, por se tratar de questão relevante para a decisão de mérito a proferir, seria forçoso que a Mma. Juiz a quo apreciasse a participação inicial de Imposto de Selo, a ausência total de pagamento por parte da Autora, de quaisquer impostos – IMI ou IRS – relativos ao prédio controvertido.
Q. Dos autos, designadamente do depoimento da testemunha (…), resulta que as referências à casa do (…), à casa da piscina, à garagem e ao armazém surge de um enxerto de um documento particular não junto aos autos – como muito bem salientado pela Mma. Juiz – em razão do que a douta Sentença recorrida conhece de matéria de que não poderia tomar conhecimento.
R. Para decisão de mérito proferida, a Mma Juiz de 1ª Instância ponderou e conheceu de factos relativos ao processo que, sob o n.º 3840/21.3T8LSB, correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível-Juiz 13, em razão do que, por se tratar de factualidade e circunstâncias de todo alheias aos presentes autos, à respectiva causa de pedir e ao pedido formulado, e não abrangidos no Objecto do Litígio nem nos Temas de Prova, conhece de matérias de que não podia conhecer.
S. A entrega de um locado livre de pessoas e bens dos Réus não é um acto de realização instantânea, parece evidente que a decisão constante do ponto 5) do dispositivo da sentença é inusitada e penalizador dos RR. Recorrentes.
T. Para efeitos de entrega do local livre e alodial, deverá ponderar-se que nele existem diversos bens dos RR. Recorrentes, para além dos já referidos no memorando que constitui doc. n.º 18 da PI, designadamente mobiliário de jardim e de piscina, motores e filtros desta, bomba de pressão para rega da parte agrícola e ajardinada, computadores de rega, equipamento de vinificação (cubas, prensas, esmagador / desengaçador, pipas alambique, vasilhame), postes de vinha, aspersores, tubagens adicionais, abrigo de jardim, alfaias agrícolas, será necessário retirar todos esses bens móveis, que não são coisas que se transportem em viatura ligeira e num só operação e para o que será necessário encontrar e contratar local onde sejam depositados, contratar pessoal especializado para a desmontagem de equipamentos pesados, contratar operador logístico que proceda à retirada e transporte pra o local de destino, o que tudo não poder ser realizado instantaneamente.
U. Para além de conduzir a que o prédio controvertido ficasse inutilizável, a decisão não se conforma com a regra legal que consagra a fixação de um prazo para que os inquilinos procedam à entrega do imóveis em caso de despejo, nem também com a regra legal segundo a qual a cessação dos contratos em prédios onde se desenvolvem actividades agrícolas está intimamente relacionada com os ciclos da produção agrícola.
V. Os comandos conjugados dos pontos 2) e 4) do dispositivo da decisão recorrida, para além de violarem lei substantiva quanto ao prazo de entrega, padece também da nulidade de falta de apreciação quanto ao tratamento dos terrenos e ao resultado do cultivo efectuado, padecendo na citada nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do diploma legal a que tem vindo a ser feita referência.
X. Tendo a Mma. Juiz ponderado e citado profusamente o memorando do falecido marido da A. Recorrida que constitui Doc. 18 da PI, não ponderou que nesse mesmo memorando o seu autor referiu expressamente que “o recheio da Casa Velha (mobílias, serviços de loiça e vidros) são pertença do (…) em virtude de terem sido transferidos da casa da (…)” (cfr. pág. 9, § 7º, do Doc. n.º 18 da PI), pelo que ao condenar na entrega do locado livre de bens pertencentes aos RR, a douta sentença é ambígua.
Y. E ao declarar que a A. Recorrida é comproprietária de todo o edificado, tal declaração é contraditória com a decisão de reconhecer que uma parte do edificado constitui legado do 1º R. Recorrente.
Z. A crer no entendimento da Autoridade Tributária – que, no conjunto de documentos que remeteu aos autos em Agosto de 2022, referia expressamente que, atento o testamento junto ao processo de Imposto de Selo pela cabeça de casal, toda a metade indivisa do de cujus passaria a ser do 1º R. Recorrente – não se entende como é que o mesmo 1º R. Recorrente poderá ser condenado a entregar à A. Recorrida um bem que é tido como seu e sobre o qual, desde 2021, está a pagar IMI, que lhe é liquidado pela AT.
AA. E só assim decidiu porquanto não terá apreciado o acervo documental que os Serviços de Finanças de Lisboa-8 e de Sesimbra fizeram juntar aos autos.
BB. Sendo que, com excepção da ‘casa velha’ e da ‘casa do (…), todo o demais edificado não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial, a douta sentença recorrida, devendo fazê-lo não aprecia esse facto.
CC. Sendo que a A. Recorrida e o autor da herança estavam casados sob o regime de separação de bens, é evidente que os bens por este recebidos das heranças de pais e tios, e, bem assim o produto do seu trabalho eram bens próprios do marido da A. Recorrida, pelo que bens próprios dele seriam os resultantes da aplicação de tais bens próprios.
DD. Decidindo pela compropriedade da porção de terreno e do edificado nele existente, a douta sentença, para além de erro de julgamento e de avaliação da matéria de facto carreada aos autos, incorre em oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos.
EE. Antes do mais, porque só pode ter economias quem tem rendimentos ou receitas, e até às partilhas por óbito dos seus pais, a A. Recorrida não teve uns nem outras e as únicas economias só podiam ser fruto dos ganhos do falecido marido da mesma.
FF. Acresce que a douta sentença não pondera a afirmação do autor do doc. n.º 18 da PI, que, com relação à ‘casa do (…), diz que ”foi inteiramente construída à sua custa e portanto não poderá em cado algum ser incluída nas partilhas” e acrescenta mesmo: “friso isto pois estando o terreno em nosso nome de estando toda a facturação do construtor (…) e todos os recibos em meu nome, bem como as licenças da Câmara, projecto, estudos de ruído e térmico, não vá alguém pensar que fui eu que paguei a casa”.
GG. Se o património construído o foi à custa de bens próprios do marido da A. Recorrida, do fruto do seu trabalho e dos fundos próprios do aqui 1º R. Recorrente, a conclusão da Mma. Juíza de 1ª Instância de que “não restam dúvidas de que se trata de bem em compropriedade”, traduz um indesmentível erro de julgamento e errada apreciação da matéria de facto constante dos autos.
HH. é Assim, é bem evidente que se verifica error in judicandum que conduz a inquestionável dupla oposição entre a decisão proferida e os respectivos fundamentos.
II. É que, como muito bem se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24.02.2015, “a circunstância do preço ter sido pago por um dos cônjuges – tendo ambos os cônjuges (casados no regime da separação) outorgado em compra e venda como compradores – não significa/representa a prova da falta de ‘causa justificativa’ para o enriquecimento patrimonial daquele que, sem nada despender, passou a ser comproprietário” (cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 24.02.2015; Proc. n.º 3108/06/06.5TBCBR.C1; in www.dgsi.net), sendo que, exactamente a propósito dessa causa justificativa, é que o n.º 1 do artigo 1763.º do Código Civil impõe que a doação de coisa móveis entre casados deve constar de documento escrito, o que no caso presente não existe nem tão pouco foi alegado que existisse.
JJ. O que a douta sentença, devendo apreciar, não fez!
KK. Conforme decorre do doc. n.º 5/2, junto com o requerimento de 5 de Setembro de 2022, que tomou a refª CITIUS 43172580, o referido autor da herança faz um exercício relativo ao financiamento da ‘casa velha’ no qual refere expressamente um empréstimo a contrair de conta de sua mãe e acrescenta depois “pedir ao … (irmão do falecido marido da A.) um cheque de Esc. 70.000$00 (parêntesis nossos).
LL. O referido Memorando deve ser apreciado no quadro geral do pensamento do seu autor material, cujo objectivo último visava “salvaguardar a fragilidade física e mental da mãe” (cfr. pág. 1 do Memorando), pelo que expressa a recomendação de que “salvo situações especiais (…) não deverão em qualquer circunstância de divisão entre herdeiros enquanto a mãe for viva (cfr. pág. 2, último parágrafo)
MM. Sendo certo que este cenário idealizado pelo falecido marido da A. já não se afigura exequível seja porque a A. Recorrida ordenou diversas transferências da conta do Banco para conta em instituição financeira nacional de que era única titular, como doou aos netos (…) e (…) o apartamento indicado na linha 11 do quadro de fls. 5 do citado Memorando.
NN. Não tendo feito um enquadramento geral do pensamento e da vontade do autor dos documentos que, para memória futura, o falecido marido elaborou e distribui por todos os membros da família, a Douta Sentença faz insuficiente apreciação da matéria de facto carreada aos autos, quer se trate de prova documental, quer se trate de prova testemunhal, designadamente quanto ao depoimento da testemunha (…) que, não obstante ter sido considerado minucioso, não fundamentou qualquer enquadramento factual considerado, incorrendo, assim, em insuficiente e deficiente apreciação da matéria de facto, e, por consequência em error in judicandum.
OO. A douta Sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil,
PP. No que respeita à decisão quanto a custas. deverá ser revista, em função do provimento que se espera seja dado ao presente recurso.»

O 1.º réu, (…), por seu turno, terminou as alegações apresentadas com a dedução das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. Vem o presente recurso, interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a presente ação parcialmente procedente e consequentemente: a.) Condenou os Réus a reconhecerem a Autora como comproprietária de metade do prédio identificado como «Uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no (…), freguesia do (…), em Sesimbra que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…)», bem como de todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno, sendo bens imóveis indivisos sujeitos ao regime da compropriedade; b.) Declarou a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado com os Réus e o Eng. (…), e condenou os Réus a entregarem de imediato à A. o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos Réus; c.) Declarou improcedente o pedido de declaração de nulidade do 1º testamento do falecido marido da Autora datado de 24 de Junho de 2014; d.) Declarou procedente o pedido subsidiário de rectificação do conteúdo do testamento por via do processo interpretativo (artigo 2187.º CC), no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada; improcedendo no mais o peticionado a titulo subsidiário»; e.) Condenou os Réus no pagamento à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do locado; f.) Decidiu as custas da acção a cargo da A. e dos RR. na medida do decaimento, que fixou respectivamente em 10% a cargo da A. e 90% a cargo dos RR;
B. Ora, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida, pois a mesma não está em conformidade com os factos levados aos autos, nem com a prova documental e testemunhal aí produzida;
C. O Tribunal a quo considerou como provada a seguinte factualidade: 6.) uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no (…), freguesia do (…), em Sesimbra, denominada “(…)” e que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…); (…) 10.) Sobre o prédio identificado em 6), foram construídas ao longo dos anos várias edificações de que se destacam, a casa velha/ casa inicial, a casa do … (filho do casal, aqui, 1º réu), e edificadas também a casa do … (filho da autora das suas primeiras núpcias), a garagem, o armazém, e a casa da piscina; 40) Pela Certidão obtida pela Autora junto da Câmara Municipal de Sesimbra passou a Autora a tomar conhecimento que ao nível de licenciamento todas as edificações estão licenciadas como uma moradia bifamiliar - 2 fogos; 41.) Com data de 24 de junho de 2014, o falecido marido da autora, Eng. (…) por testamento lega por conta da sua quota disponível a favor do filho de ambos, (…), aqui 1º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado”; 53.) (…) «Todas as construções feitas no terreno de 8.868 m2 foram realizadas por nós à custa das nossas economias e da venda de algumas parcelas da herança de meus pais e tios. Há, no entanto, uma construção nova – a casa do (…) – que foi inteiramente construída à sua custa e portanto não poderá, em caso algum ser incluída nas partilhas e friso isto pois estando o terreno em nosso nome e estando a facturação do construtor – construções (…) – e todos os recibos em meu nome, bem como as licenças da Câmara, projecto, estudos de ruído e térmico, não vá alguém pensar que fui eu que paguei a casa.» 60.) Em 11 de novembro de 2020, foi realizada a escritura pública de habilitação de herdeiros;
D. O ponto 10 da alínea C) supra – o tribunal a quo não valorou devidamente nem a prova documental nem a prova de pelo menos 5 testemunhas, arroladas pela própria Recorrida, que inequivocamente provam que a denominada casa do (…), foi construída e custeada pelo próprio.
E. A Recorrida não edificou, nem custeou a casa do (…), o que é aceite pela própria Autora ao longo da ação, bem como está provado por documentos e por testemunhas indicadas pela própria Autora.
F. Veja-se o depoimento da Testemunha (…) – filho da Recorrida, irmão uterino do Recorrente – sessão de julgamento de 30 de junho de 2022: 00:28:23.9 Aquilo que nós sempre apoiámos, eu ... imperceptível ... dizer, foi que o meu irmão erigisse a casa e que fosse doado ao meu irmão o terreno onde a casa estava ... sobreposição de vozes ... 00:28:40.6 O terreno onde a casa estava. 00:31:38.6 ... todos nós na família estávamos de acordo que o meu irmão ... 00:31:41.1 ... erigisse uma casa para si, a seu gosto. 00:31:44.3 E que lhe fosse doado o terreno onde essa casa estivesse implantada. 00:31:49.9 Nestas conversas com o meu pai, o meu pai disse “(…), eu avalio a tua casa em 40 mil escudos. Portanto vou dar ao (…) 40 mil escudos. Ele tem um projecto de 80 mil escudos da construção da casa, portanto eu avalio a tua em 40 mil e vou dar ao (…) 40 mil.” 00:32:19.1... um apanhado do meu pai ... imperceptível ... desses 80 mil escudos e que o meu irmão teria dado ao meu pai conforme o combinado, os 40 mil escudos. 00:07:21:75 Advogado Toda a família tinha o entendimento que … que o terreno onde estava a … a casa do (…) lhe devia ser dada? 00:07:31:49 Estávamos todos de acordo.
G. E o depoimento da Testemunha (…) – neto da Recorrida, sobrinho do Recorrente – sessão de julgamento de 30 de junho de 2022: 00:12:23.7 Isto porque eu … existia um registo nas finanças inicial correspondente à construção da casa antiga e, posteriormente, mediante obras de beneficiação que foram feitas na casa dos meus avós e na casa do meu tio, os meus avós pretenderam, de algum modo, que a casa do meu tio, que teria sido construída em parte com fundos seus, ficasse fora de um eventual cenário futuro de partilhas. E, portanto, a ideia dos meus avós e transmitida também pelo meu avô através dos membros, que fazia de uma forma muito organizada e sistemática … 00:13:52.9 … de facto, isolar a casa do meu tio, para que fosse, de algum modo, isolada de todo o resto do terreno e das edificações. De referir que, na altura, o meu avô, sendo engenheiro civil, inclusivamente preparava connosco, família, a divisão do terreno de Sesimbra em quotas precisamente equiparadas, para que cada um dos filhos, neste caso a minha tia já tinha falecido, mas era meu pai, meu tio e meu primo, em representação da minha tia, ficassem cada um com a sua parcela. O meu tio, naturalmente, ficaria com a sua parcela onde estava a sua casa. Havia zonas comuns, nomeadamente a zona da piscina, da casa da piscina, etc., que seriam espaços comuns desta divisão, mas o meu avô chegou a fazer esboços precisamente antecipando a possibilidade de poder fazer esta divisão do terreno. Posteriormente, chegou a constatar que para fazer esta divisão, a operação que teria de ser efectuada seria uma operação de destaque. Que, segundo nos transmitiu, na altura, é uma operação que só pode ser realizada em cada dez anos e, portanto, não havia muita flexibilidade e agilidade em conseguirmos, ... imperceptível ... espaço de tempo, proceder desta mesma forma. Mas isto para lhe dizer, então, que … 00:17:14.7 Encontra-se incorrecto, no seu estado … a intenção do meu avô era permitir salvaguardar a construção que tinha sido feito com fundos parciais do meu tio e o terreno onde ela estava construída, precisamente para não ser objecto de partilhas. E, portanto, tendo conhecimento na certidão, posteriormente, que só existia um artigo matricial, naturalmente que esse legado não se encontra correcto. 00:45:25.6 Creio que já dei essa resposta, mas eu vou referir novamente. A intenção do meu avô ao participar às finanças as benfeitorias que foram feitas, não só em sua casa como em casa do tio, pretendia criar um artigo matricial que permitisse isolar a casa do meu tio e o terreno onde ele estava construído, e, portanto, deveriam passar a existir dois artigos matriciais. Um novo correspondente à casa do meu tio e ao terreno onde estava edificado, e o antigo, correspondente a todas as outras edificações. Inclusivamente, o meu avô referiu isso num dos memorandos que fez, que dizia que a partir de determinada altura existiam dois artigos matriciais. E o que se constatou nessa certidão de 2021, é que não existiam dois artigos matriciais. Existia só um, e, portanto, daí dizer que o novo artigo matricial terá englobado o antigo e todas as construções que existiam. 00:47:27.0 Porque é que erradamente? Eu vou voltar a referir, o meu avô quando se dirigiu às finanças pretendia participar as melhorias e as benfeitorias que foram feitas em sua casa e em casa do meu tio. E o objectivo era criar um artigo matricial que permitisse isolar a casa do meu tio e o terreno onde a mesma tinha sido construída. E, portanto, a partir daí deveriam passar a existir dois artigos matriciais, o antigo, que tinha todas as edificações e o terreno, e o novo que teria apenas a construção da casa do meu tio e o terreno onde o mesmo tinha sido… onde a mesma tinha sido construída. Foi claro para si?
H. E da Testemunha (…) – neta da Recorrida, sobrinha do Recorrente – sessão de julgamento de 22 de setembro de 2022: 00:09:00.7 Sim, aquilo, aquilo que, a informação que nós tínhamos, era que havia um artigo matricial inicial inscrito nas Finanças, e, entretanto, a determinada altura são executadas umas obras da qual surge a nova edificação da casa do meu tio, e aquilo que foi comunicado várias vezes em família, inclusive em almoços, etc., é que seria criado um novo artigo matricial para registar a casa do meu tio, juntamente com o terreno obviamente onde a casa estava inscrita, edificada. E o espanto no contrato foi exactamente esse também, é que depois acabámos por perceber que em vez de dois artigos matriciais como sempre tinha sido comunicado pelos meus avós, inclusive, eu não sei se o Tribunal tem os memos que o meu avô entretanto escreveu, e como o meu próprio avô também tinha descrito nos memos como tinha sido a sua vontade e algumas das suas acções, o nosso espanto foi exactamente perceber que o segundo artigo matricial não era o segundo mas afinal tinha absorvido de alguma forma o artigo matricial inicial, portanto, estamos a falar do 20378, se não me engano no número … 00:12:25.7 Sim, aquilo que nos tinha sido comunicado pelos meus avós, é que efectivamente havia esta vontade de deixar a partir da quota disponível da herança, ao meu tio, esta edificação e, portanto, que ia ser feito este legado … 00:12:45.3 A edificação e o respectivo terreno obviamente … 00:12:48.2 … onde assentava a edificação. ….00:15:26.7 Advogado A construção, por exemplo, o melhoramento e a construção da casa do seu tio (…), foi … 00:15:30.8 Sim, sim. Isso eu lembro-me perfeitamente. 00:15:33.8 Foi, sim, sim, sim. Quer dizer, isto foi … eu não estou certa se foi 2009 ou 2011, mas foi, sim, sim.00:20:19.5 Sim, sim, sim. Portanto, aquilo que aconteceu foi, havia esta sala/quarto e foi aberto um corredor e, portanto, passou a ser a sala, e foi construída uma cozinha e no andar de cima dois quartos, e uma espécie de quarto e uma casa de banho. 00:20:52.1 Ah sim, sim. É uma casa independente. 00:20:54.3 Tem paredes meias com a Casa Velha como sempre teve, isso não foi mexido, mas ... 00:21:15.9 São casas totalmente independentes. 00:25:34.5 Advogado Também se discute aqui, e gostava de saber se a Doutora sabe ou não, se não sabe não responde, diz que não sabe, se o seu tio suportou sozinho as obras da casa dele e das do terreno? 00:25:50.9 Sei porque também era uma conversa, foi uma conversa que surgiu algumas vezes. Eu era adolescente, não é? E aquilo que é, que foi referido na altura foi que, portanto, a casa do meu pai era uma edificação bastante simples, a parte de cima da casa era um pré fabricado e que o meu avô teria feito uma espécie de … o meu avô disse que fez uma espécie de avaliação por ele próprio daquilo que tinha sido esta ajuda da casa do meu pai, à volta dos 40 mil euros, se não estou em erro, e portanto que seria obviamente justo e toda a gente concordou na altura que haveria essa contribuição também para, para o meu tio. Portanto, sempre, sempre foi, sempre ouvi esta ...00:36:03.0 Advogado Esse legado foi feito por quem? 00:36:05.5 Pelos meus avós. 00:36:08.7 Sim, eu sei que a minha avó esteve presente. 00:36:11.9 Eu imagino que tenha sido feito pelos dois. 00:36:16.6 Advogado E ambos queriam que a casa ficasse para o seu tio? 00:36:21.6 Sim. Toda a família achava que isso era obviamente o mais justo. 00:36:25.5 Advogado Sim senhora. E porque é que era o mais justo? 00:36:28.6 Porque tinha sido feito obra e, portanto, havia uma, uma edificação que tinha sido reconstruída, portanto era a casa do meu tio e o terreno do meu tio e obviamente que isso nunca seria para os outros dois herdeiros, para distribuição dos outros dois herdeiros, não é?
I. Testemunha (…) – neta da Recorrida, sobrinha do Recorrente – sessão de julgamento de 22 de setembro de 2022: 00:14:36.4 Pronto. Num só artigo matricial quando … toda a gente sabia que os meus avós tinham dito que o meu tio ao ter feito melhoramentos na casa, que o que eles queriam era salvaguardar essa casa do meu tio, que toda gente concordou, obviamente … 00:22:36.6 …e sei que depois houve a necessidade de, obviamente, deles contruírem uma coisa deles, também gostariam de usufruir daquele espaço, tal como o meu pai também usufruía na altura, não é?
J. Testemunha (…) – nora da Recorrida, mulher do Recorrente – sessão de julgamento de 22 de setembro de 2022: 00:07:59.7 Não, isto foi até 2010, até estarem concluídas as obras da nossa casa actual. 00:08:32.3 Advogado Muito bem, diga-me o seguinte, e, e, e agora, põe-se aqui a questão de saber, ou por outra vou-lhe perguntar, quem é que, quem é que pagou esta Casa? 00:08:51.3 00:08:53.9 Eu e o meu marido, com as nossas poupanças. 00:09:08.0 … mas 120, o máximo 122, por aí, mil euros. 00:09:18.8 … havia um orçamento inicial de um empreiteiro …00:09:27.8… só que houveram muitas, primeiro, há coisas que, que foi necessário nós pagarmos à parte, que não estavam incluídas no orçamento, como por exemplo, a climatização da casa, o sistema de aquecimento das águas, o sistema solar, a parte exterior dos ajardinamentos, e, e o terreno, como é uma colina, teve que se fazer, fez-se 3 patamares para o jardim, tiveram que se fazer muros contenção, valas de escoamento de água … 00:09:58.0 …e outra coisa, as janelas, portas e as portadas, também não constavam do orçamento … 00:10:03.5 … e depois, mesmo no, no próprio orçamento, foi retirado, os sanitários das casas de banho, foram retirados os revestimentos, o chão, porque nós comprámos de melhor, de melhor qualidade, e então essa parte do orçamento inicial do empreiteiro. 00:10:27.8 Advogado Sim, ok, mas o, o que eu lhe pergunto, é que, e quem é que suportou esses custos, quer os orçamentados, quer os que estavam fora do orçamento? 00:10:36.0 Nós.
K. Para além do depoimento das supra citadas testemunhas, que são unânimes no facto da construção da denominada casa do (…) ter sido custada pelo Recorrente tal facto está ainda provado documentalmente, pelos memorandos do marido da Recorrida e pai do Recorrente e Licença de utilização da denominada casa do (…).
L. Ao número 10.º da factualidade provada deverá ser aditado que a casa do … (filho do casal, … e …, Autora da presente ação) foi construída em 2009/2010: a.) Com o consentimento quer do pai, (…), quer a Autora, quer ainda do irmão e sobrinhos; b.) Esta construção consiste numa moradia, contígua à Casa velha, mas independente desta, destinada a habitação, composta de 2 andares, com sala, cozinha e casa de banho, no rés-do-chão; e três quartos e uma casa de banho no primeiro andar. c.) Esta moradia tem Licença de utilização n.º (…), emitida pela Câmara Municipal de Sesimbra, em 01 de abril de 2011; d.) Foi integralmente custeada pelo Réu e sua mulher. Porque tais factos estão inequivocamente provados.
M. A certidão predial do prédio objeto dos presentes autos, junta aos autos com a petição inicial sob o documento 4, a sentença deverá identificar rigorosamente o prédio objeto da presente ação, mais do que uma porção de terreno, deverá reconhecer o prédio como consta da certidão predial: - um prédio urbano, denominado “(…)”, situado no (…), com a área total de 8.968m2, descrito na Conservatória do Registo Predial Sesimbra, sob o n.º (…) da freguesia de Sesimbra (…), composto por Lote de terreno para construção urbana, que confronta a Norte com Estrada Camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…).
N. É essencial ser aditado à factualidade provada um novo número que descreva o prédio consentâneo com o registo predial e com a sua respetiva natureza, que neste caso e de acordo com a certidão predial é urbano, é como indica a certidão predial, um lote de terreno para construção urbana, com a área de 8.968 m2., o que a sentença recorrida não faz, quando o deveria fazer, tendo sustentação documental.
O. Nada ao longo do processo, nem testemunhas, nem documentos nos provam que o mesmo, assim como as respetivas construções não possam ser divisíveis.
P. Por óbito do proprietário (…), que ocorreu em 19 de agosto de 2020, a sua parte neste terreno, foi transmitida para os herdeiros de (…): a sua mulher, aqui Recorrida, ao filho Recorrente e ainda ao sobrinho (…), também Recorrente, o que deverá ser aditado à factualidade provada, até porque há prova documental junta aos autos - escritura habilitação de herdeiros em 11 de novembro de 2020.
Q. Assim, deverá ser aditado à factualidade provada um novo número, que descreva que por óbito de (…), são seus herdeiros legitimários: a sua mulher, (…), e ainda o filho, (…), casado sob o regime da comunhão de adquiridos, com (…), e seu neto (…), casado sob o regime da comunhão geral de bens com (…), os dois últimos, ainda como herdeiros testamentários em partes iguais da quota disponível.
R. O Recorrente é ainda herdeiro no terreno locado, herdeiro nas construções locadas e foi quem pagou integralmente uma das construções existentes no terreno, a denominada casa do (…).
S. Esta é a realidade, e a dos demais herdeiros do Eng. (…) que deverá constar da factualidade provada, o que não foi considerado no tribunal a quo.
T. Sendo o Recorrente também herdeiro, não pode ser singelamente condenado a entregar o local livre e devoluto de pessoas e bens, nem deverá ser condenado a pagar à Autora e ao Estado, em partes iguais, qualquer quantia a título de sanção pecuniária compulsória.
U. Consta do número 41 da factualidade provada que: ”Com data de 24 de junho de 2014, o falecido marido da Autora, Eng. (…) por testamento lega por conta da quota disponível a favor do filho de ambos, (…), aqui 1.º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado”.
V. Consta do número 42 da factualidade provada que: “O testamento indicado em 41 foi celebrado cerca de um mês depois de o testador ter dado a conhecer, entregando à aqui Autora, bem como aos aqui Réus, e ainda a seu filho das primeiras núpcias de nome (…), a sua última atualização datada de 10 de maio de 2014 do memorando escrito datado de 5 de dezembro de 2013 sobre a situação patrimonial do casal.
W. Consta do número 53 da factualidade provada que: Deverá ainda ser aditado à factualidade provada um novo número que “(…) «Todas as construções feitas no terreno de 8.868 m2 foram realizadas por nós à custa das nossas economias e da venda de algumas parcelas da herança de meus pais e tios. Há, no entanto, uma construção nova – a casa do (…) que foi inteiramente construída à sua custa e portanto não poderá, em caso algum ser incluída nas partilhas se friso isto pois estando o terreno em nosso nome e estando a facturação do construtor – construções (…) – e todos os recibos em meu nome, bem como as licenças da Câmara, projecto, estudos de ruído e térmico, não vá alguém pensar que fui eu que paguei a casa.»
X. Mas não consta da factualidade provada um facto essencial no que se refere ao testamento descrito no número 41, que a aqui Recorrida, era outorgante nesse testamento e nos termos do disposto no artigo 1685.º do Código Civil, prestou ao seu marido o necessário consentimento, quanto à constituição do mencionado legado de bem determinado….
Y. Facto este que deverá ser aditado, porque resulta de documentos e ainda de prova testemunhal (…) – neta da Recorrida, sobrinha do Recorrente – sessão de julgamento de 22 de setembro de 2022: 00:12:03.3 Advogado Não vale a pena, não é? Acho que não … sim senhor. Sim senhor. Portanto, tem conhecimento que houve um legado no testamento …00:12:18.0 Sim. 00:12:18.6 Advogado … a favor do …00:12:19.7 Do meu tio (…). 00:12:25.7 Sim, aquilo que nos tinha sido comunicado pelos meus avós, é que efectivamente havia esta vontade de deixar a partir da quota disponível da herança, ao meu tio, esta edificação e, portanto, que ia ser feito este legado … 00:12:43.2 Advogado Só a edificação? Só a edificação? 00:12:45.3 A edificação e o respectivo terreno obviamente … 00:36:03.0 Advogado Esse legado foi feito por quem? 00:36:05.5 Pelos meus avós. 00:36:06.3 Advogado Pelos, por ambos? 00:36:08.7 Sim, eu sei que a minha avó esteve presente. 00:36:11.9 Eu imagino que tenha sido feito pelos dois. 00:36:16.6 Advogado E ambos queriam que a casa ficasse para o seu tio? 00:36:21.6 Sim. Toda a família achava que isso era obviamente o mais justo. 00:36:28.6 Porque tinha sido feito obra e, portanto, havia uma, uma edificação que tinha sido reconstruída, portanto era a casa do meu tio e o terreno do meu tio e obviamente que isso nunca seria para os outros dois herdeiros, para distribuição dos outros dois herdeiros, não é? 00:37:09.9 Advogado Sim senhora. Era então por conta da quota disponível. Muito bem. Olhe, e, portanto, aí não tem a dúvida que era vontade do seu avô e da sua avó? 00:37:25.3 Era vontade dos meus avós sim, transmitirem este bem ao meu tio. 00:37:31.4 Advogado Muito bem. Olhe, e uma vez que falou, enfim das conversas de família e das ... falava da família, este, este legado dos seus avós, de ambos os seus avós, ao seu tio, era aceite pacificamente por toda a família? 00:37:50.2 Sim. 00:53:12.5 Advogado Mas o seu avô e a sua avó, e a Sr.ª Doutora já o disse aqui ao tribunal, pretendiam que a chamada Casa do (…) ficasse para ele. 00:53:21.1 Já disse que sim, Sr. Doutor. 00:53:23.2 Advogado E até fizeram um legado? 00:53:24.5 Sim.
Z. A Recorrida outorgou e autorizou no próprio testamento, o seu marido a fazer o legado do bem determinado, sendo o mesmo identificado no testamento, como um prédio urbano e a parte do terreno onde o mesmo se encontra implantado.
AA. O testamento outorgado em 24 de junho de 2014, deverá ser considerado integralmente válido, não pode, nem deve ser rectificado.
BB. O tribunal a quo julgo erradamente pois não poder declarar procedente o pedido subsidiário de retificação do conteúdo do testamento por via do processo interpretativo do artigo 2187.º do Código Civil, no sentido do bem legado ser a quota-parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada.
CC. O tribunal a quo não deu importância nem considerou factualmente provada a matéria que foi objeto do julgamento e que erradamente não foi considerada.
DD. O tribunal a quo violou o n.º 2 do artigo 1403.º; bem como a alínea b), do n.º 3, do artigo 1685.º do Código Civil.
EE. Havendo ainda uma contradição entre o número 53 da factualidade provada (onde se refere que a casa do (…) foi inteiramente construída à sua custa e a condenação a reconhecer a Recorrida como comproprietária do lote de terreno, bem como do edificado!
FF. A decisão ora proferida não tomou em consideração todos os factos constantes dos autos, e os alegados pelos ora Recorrentes, à prova testemunhal nomeadamente no que se refere ao prédio urbano, às construções, a quem construiu, à outorga da Recorrida no supra identificado testamento.
GG. Assim, está justificada, factual e documentalmente, de modo claro, objetivo e concreto a necessidade de aditar factos à factualidade provada
HH. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo na condenação do aqui Recorrente.
II. A decisão ora recorrida viola as normas estatuídas no Código Civil, nomeadamente, a alínea b), do n.º 3 do artigo 1685.º do Código Civil, e alíneas b), c) e d) do n.º 1, do artigo 615.º no Código de Processo Civil e ainda erro na aferição e na valoração das provas, designadamente na prova testemunhal gravada, devendo ser substituída por outra que declare a ação improcedente por não provada, absolvendo o Recorrente das custas e em consequência condenando a Recorrida.
JJ. Deve esta decisão ser substituída por outra que declare a improcedência da ação, absolvendo Recorrente das custas e em consequência condenando a Recorrida».

A autora apresentou contra-alegações relativamente a cada um dos recursos, pugnando pela manutenção do decidido.
No despacho de apreciação dos requerimentos de interposição de recurso, a 1.ª instância pronunciou-se sobre as nulidades imputadas pelo 2.º réu à decisão recorrida, que considerou não verificadas.

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) no âmbito do recurso interposto pelo 2.º réu:
- nulidade da decisão recorrida;
- impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- direito da autora sobre o prédio em litígio e respetivas consequências;
ii) no âmbito do recurso interposto pelo 1.º réu:
- impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- direito da autora sobre o prédio em litígio e respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1) Em 26 de Julho de 1958 a Autora casou, em segundas núpcias, no regime de separação de bens com o Exmo. Sr. Eng. (…), que faleceu no passado dia 19 de agosto de 2020;
2) A Autora deste seu último casamento em segundas núpcias, teve dois filhos, o aqui, 1º Réu, e, uma filha (…), entretanto falecida e, que à data da sua morte era divorciada, tendo deixado como seu único herdeiro universal seu filho único de nome (…), neto da Autora, aqui, o 2º Réu;
3) O seu filho, aqui 1º Réu, tem uma filha de nome (…), também neta da Autora;
4) A Autora à data da celebração deste seu segundo casamento, tinha já um filho nascido das suas primeiras núpcias de nome (…) que tem 3 filhos de nome, (…), (…) e (…), todos seus netos;
5) No dia 12 de Março de 1973 foi celebrada escritura pública de compra e venda em que foram outorgantes (…) e sua mulher (…) como primeiros outorgantes e (…) e sua mulher (…) como segundos outorgantes, e em que pelos primeiros outorgantes foi vendido «em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou limitações pelo valor global de cento e vinte mil e quinhentos escudos» os seguintes bens: (…)
6) -uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no (…), freguesia do (…), em Sesimbra, denominada “(…)” e que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…); (…)
7) - Uma porção de terreno com a área de 100 m2 quadrados destinado a abertura de construção de um poço sito no mesmo lugar que confronta a Norte com ribeiro e dos restantes lados com (…);
8) Mais resultando da escritura de compra e venda que «ambas as parcelas de terreno são destacadas do prédio rústico na matriz cadastral da referida freguesia do (…), sob o artigo n.º (…), da fracção U e desanexada do descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…)»;
9) Em 9 de abril de 1973, foi lavrado registo de aquisição por compra a favor da Autora e seu marido Eng. (…) junto da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra do lote de terreno para construção urbana identificado em 6);
10) Sobre o prédio identificado em 6), foram construídas ao longo dos anos várias edificações de que se destacam, a casa velha/ casa inicial, a casa do … (filho do casal, aqui, 1º réu), e edificadas também a casa do … (filho da autora das suas primeiras núpcias), a garagem, o armazém, e a casa da piscina;
11) Permanecendo o registo predial identificado em 9) sem qualquer actualização desde 9 de abril de 1973 até à presente data;
12) As edificações que ao longo dos anos foram construídas sobre o prédio identificado em 6), nenhuma à presente data foi objecto de apresentação no registo predial;
13) A construção da casa velha/ casa inicial foi autorizada pela licença n.º (…), de 12 setembro de 1978, foram terminadas as obras em 31.08.1979 e a edificação foi vistoriada em 06 de Setembro de 1979 e declarada em «perfeito estado de habitação»;
14) No ano de 1979, foi pelo falecido marido da autora Eng. (…), participado junto do serviço de finanças de Sesimbra, o prédio descrito como «moradia constituída por cave com 1 assoalhada e R/C com 4 assoalhadas, casa de banho, lavabo e cozinha, com a aérea de 144 m2, sendo este imóvel a que a Autora e sua família se referia sempre como a “casa velha”;
15) (…) tendo sido inicialmente inscrito na matriz sob o artigo (…), e posteriormente atribuído o artigo matricial n.º (…);
16) Tendo sido emitida a respectiva licença de utilização em 18 de abril de 1980;
17) Pelo Serviço de Finanças de Sesimbra foi efectuada Avaliação Geral do prédio urbano sob o artigo (…), da freguesia Sesimbra (…) e foi atribuído em 2013 por aquele serviço o valor patrimonial de € 113.140,00, com indicação de «1 moradia unifamiliar; afectação habitação, área total de terreno 144,00, área de implantação do prédio 144,00»;
18) Era a moradia em que a Autora e seu marido e filhos passavam sempre as suas férias e que a Autora utilizava aos fins de semana;
19) (…) embora com menos frequência nos últimos anos antes do falecimento do seu marido Eng. (…);
20) Cerca de um mês depois do decesso do marido da Autora, Eng. (…), em julho de 2020, em dia que não consegue identificar, o bisneto da aqui Autora de nome … (filho da sua neta …), pediu-lhe autorização para ir passar alguns dias com um amigo para a designada casa velha, pedido a que a Autora prontamente anuiu, tendo-lhe para o efeito entregue a chave de acesso da porta principal da casa de Sesimbra;
21) O bisneto da aqui Autora chegado à casa acompanhado pelo seu amigo que tinha convidado para com ele passar lá uns dias, e por seu pai, que a ambos tinha transportado até ao local, não conseguiu entrar na casa;
22) Tendo sido todos os presentes informados que a casa velha estava arrendada e que não tentassem entrar;
23) A Autora, através do seu mandatário em 23 de outubro de 2020, recebeu e teve conhecimento do teor do contrato de arrendamento e de quem eram as suas partes, com total surpresa, seu filho e neto, aqui Réus como arrendatários e o seu falecido marido como senhorio, (…)
24) documento que foi enviado pelo Exmo. mandatário dos mesmos, na acção judicial que corre termos no Juízo Central Cível de Lisboa, J13, sob o n.º 3840/21.3T8LSB, por email com dois anexos, respectivamente o contrato de arrendamento e cópia da caderneta predial do prédio de Sesimbra;
25) Do contrato de arrendamento, datado de 27 de março de 2020, consta que entre «(…) designado como primeiro outorgante ou senhorio (…) e (…) e (…) como segundos outorgantes ou inquilinos, é celebrado (…) contrato de arrendamento para habitação e de exploração rural, com prazo certo, » (…)
26) Mais resultando da Cláusula Primeira que «O Senhorio é dono e legitimo possuidor do Prédio Misto em propriedade total descrito na matriz predial sob o Artigo (…) com origem no artigo matricial n.º … (cláusula Primeira);
27) Em 20 de abril de 2020, o R. (…), requereu por carta, na qualidade de co-titular da conta solidária n.º (…) aberta no Banco (…), com a aqui Autora, sem conhecimento de sua mãe, que fosse debitada a identificada conta bancária no valor de € 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil euros);
28) Tendo dado origem a duas transferências pelo Banco concretizados na conformidade das instruções recebidas pelo aqui 1º Réu, em abril e junho desse ano, em abril no valor de € 408.930,00 e em Junho no valor de € 160.435,00), no total de € 569.365,00 (quinhentos e sessenta e nove mil trezentos e sessenta e cinco euros), dinheiro exclusivamente da Autora e que foi transferido para uma conta pessoal do aqui 1º Réu, com IBAN (…), aberta mesmo Banco;
29) - Na sequencia do que a A. intentou a acção judicial contra o seu filho, aqui 1º réu, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 13, sob o n.º 3840/21.3T8LSB, peticionando entre outros pedidos, a declaração de ser a aqui Autora a única proprietária desse dinheiro transferido e de o aqui 1º Réu, ser condenado a restituir-lhe a quantia peticionada de que beneficiou pela apropriação do dinheiro que não lhe pertencia, acrescido dos respectivos juros de mora;
30) Foi proferida sentença, devidamente transitada em julgado, no âmbito da acção n.º 3840/21.3T8LSB na qual foi decidido «a) condenar o R. a reconhecer que a A. é a única proprietária da quantia de € 569.365,00; b) condenar o R. a restituir à A. a quantia referida em a.) acrescida de juros »;
31) A Autora, através do seu mandatário perante a documentação recebida pelo Exmo. mandatário dos Réus requereu em Fevereiro de 2021, os seguintes documentos: junto do Serviço de Finanças de Sesimbra, cópias simples dos modelos 129 e Modelos 1 de IMI que tinham sido entregues pelo seu falecido marido relativamente a todas as edificações implantadas no prédio identificado em 6) o que lhe foi entregue por certidão em 18 de fevereiro de 2021, (…);
32) Junto da Câmara Municipal de Sesimbra, solicitou Certidão das licenças de utilização emitidas quantos aos 2 edificados/ 2 fogos, conhecidos entre a família como “casa velha” e “casa do (…)”, e que lhe foi entregue em 8 de abril de 2021;
33) Quanto à certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Sesimbra consta que (…) da mesma constando que relativamente ao artigo de proveniência … (da casa velha) não existia em arquivo Modelo 129 no serviço de finanças;
34) Mais consta que (quanto ao modelo 1) em 18 de maio de 2011, o marido da Autora, participou ao serviço de finanças de Sesimbra que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (…), edificado com 32 anos, tinha sido melhorado/modificado/ reconstruído, indicando que passou a tratar-se de um T/7 destinado a habitação com alteração de número de fogos ou andares, com a área total coberta de 182,50 m2 (campo 55- área total do terreno) e dependente de 118 m2, (campo 59), resultando da soma destas duas áreas a área bruta de construção de 300,50 m2, com licença de utilização emitida em 1 abril de 2011, dando origem a um novo artigo matricial, o actual e único n.º (…);
35) (…) no campo da área de implantação do prédio, o falecido marido da Autora Eng. (…), considerou a nova construção da designada casa do … (aqui 1º Réu) com 9,15 x 1000 = 91,50 m2, mais, a área da casa velha de 91,00 m2, dando assim a área de implantação do prédio de 182,50 m2 indicada no modelo 1 (campo 57);
36) (…) sendo a área bruta de construção indicada nesse modelo 1 de 300,50 m2, (campo 58) área igual à soma da área bruta dependente mais a área bruta privativa e, sendo a área bruta privativa, a superfície total medida pelo perímetro exterior que é igual a 182,50 m2 e compreendendo a área bruta dependente a soma das áreas exclusivas, como a casa do (...) 38.0m2 + a garagem 32,0 m2 + o armazém 28,0m2 + casa da piscina 20,0 m2 = 118,00 m2, somando-se este valor de área dependente à área privativa indicada de 182,50 m2, resultando então os 300,50 m2 de área bruta de construção declarada pelo falecido marido da autora Eng. (…) junto das finanças de Sesimbra em 18 de maio de 2011 no campo 58 dessa declaração;
37) O serviço de Finanças de Sesimbra não exigiu que se procedesse a qualquer destaque antes, e aceitou que o artigo matricial n.º (…) relativo à “casa inicial/ casa velha”, deixasse de existir e fosse consumido, englobado em novo artigo matricial n.º (…), não tratando autonomamente, os edificados, designadamente a “casa velha”, a designada “casa do (…)”, e a “casa do (…)”, edificados no terreno identificado em 6);
38) Em 13 de outubro de 2016, por representante do seu falecido marido Eng. (…), foi apresentado requerimento junto do serviço de finanças que alterou a área total do prédio que tinha sido indicada em 18 de Maio de 2011 pelo Eng. (…) – 182,5 m2 – para a área de 8968 m2, correspondente à totalidade da área do prédio identificado em 6), mantendo a área coberta de 182,50 m2 e a dependente de 118 m2;
39) Por este meio o novo e único artigo matricial (…) das finanças criado em 2011, passou a integrar e a incluir o logradouro de todo o terreno identificado em 6;
40) Pela Certidão obtida pela Autora junto da Câmara Municipal de Sesimbra passou a Autora a tomar conhecimento que ao nível de licenciamento todas as edificações estão licenciadas como uma moradia bifamiliar – 2 fogos;
41) Com data de 24 de junho de 2014, o falecido marido da autora, Eng. (…) por testamento lega por conta da sua quota disponível a favor do filho de ambos, (…), aqui 1º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado”;
42) O testamento indicado em 41 foi celebrado cerca de um mês depois de o testador ter dado a conhecer, entregando à aqui Autora, bem como aos aqui Réus, e ainda a seu filho das suas primeiras núpcias de nome (…), a sua última actualização datada de 10 de maio de 2014 do memorando escrito datado de 5 de dezembro de 2013 sobre a situação patrimonial e financeira do casal;
43) Memorando onde se lê «Em 3 de Outubro de 2003 fiz 82 anos e achei por bem informar-vos da nossa situação patrimonial e financeira, atendendo aos poucos anos de vida que disporia em pleno uso das minhas faculdades mentais. Em Junho de 2013, quase 10 anos passados, resolvi reler o que então escrevera e sinto ser minha obrigação dar-vos conhecimento, não dos actos passados que todos conheceis, mas principalmente da situação presente, em crise profunda caracterizada por uma instabilidade quase diária e um futuro tão incerto como imprevisível. Desde já e para salvaguardar a fragilidade física e mental da mãe, lembro-vos que, enquanto viva, todo o rendimento e usufruto dos bens imobiliários e de capitais são da mãe. Da vossa parte tem de haver um grande espírito de família, de coesão, de tolerância e compreensão entre todos e de respeito e amor pela mãe. (…) O que vos deixaremos, se as doenças minhas e da mãe o permitirem, constará de bens imobiliários, mobiliários tangíveis e de investimentos de capital em moeda euro e em dólares, quer em Portugal quer na Suíça.» (…);
44) ( …) Mais consta do referido memorando «Os valores que atrás descrevi quer em euros quer em dólares, quer na Suíça quer em Portugal e que ainda existam à nossa morte serão divididos igualmente pelos três herdeiros, com obrigação de igualmente contribuírem para as despesas com as partes comuns e IMIs de Sesimbra, manutenção da piscina, e para limpeza e conservação da campa da (…) e da mãe após a sua morte
45) (…) Deste memorando resulta ainda que «Como após a nossa morte há que apresentar nas Finanças a declaração de bens elaborei para o efeito o quadro seguinte (…) N.º 16-Sesimbra CA – Freguesia (…) – Matriz (…) – Valor patrimonial € 113.140,00; N.º 17-Sesimbra CA – Freguesia (…) – Matriz (…) – Valor patrimonial € 135.080,00»
46) (…) Referindo que «A documentação dos prédios ali listados e enumerados (….) com o n.º (…) na pasta “Sesimbra1” incluindo toda a documentação inicial; na pasta “Casa Principal: Projecto e licenciamento”; na pasta “Casa do (…), Muro, Piscina”; na pasta “Garagem , Telheiro, Captação”;
47) (…) com o n.º 17 na pasta “Casa do(…) – Contrato” (…)
48) (…) Também torna-se necessário assegurar a posse das casas do terreno de Sesimbra pois quando da sua compra ao Sr. (…) limitei-me a registar na conservatória só os 8.968 m2 em meu nome e da mãe, em partes iguais. Entretanto foi construída a casa velha, a piscina, a casa do (…), a garagem e ferro de engomar, o armazém, a captação de água e a casa do (…), pelo que convém proceder aos respectivos registos. Todas estas novas construções estão legalizadas junto da Câmara com projectos e licenças de utilização, e mais recentemente também a casa do (…) junto das Finanças com um novo número inscrito na matriz n.º (…).
49) (…) Na última visita à Dra. (…) perguntei-lhe quais os elementos a apresentar (…) bem como fazer o testamento da casa do (…) a partir da minha quota disponível.(…)
50) (…) Em 06 de Março de 2013 informaram-me do resultado da avaliação geral do prédio inscrito sob o artigo matricial n.º (…) com o valor de € 113.140,00. Estes dados referem-se à casa velha ou inicialmente construída.
51) (…) Em 20 de Junho de 2013 informaram-me o valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz predial urbana n.º (…), de € 135.080,00, ou seja, o valor da casa do (…), mais a casa do (…) e a garagem, considerada como casa do Caseiro dado que a lei isenta de IMI os arrumos e garagens »
52) (…) «Nesta data parece pois que as construções feitas no terreno de Sesimbra têm duas matrizes – casa velha com o n.º (…) e as casas de (…) e (…) com o artigo n.º (…). Sendo assim, creio ser possível recorrer às Finanças para destacar do artigo n.º (…) a casa do (…) e garagem e ao mesmo tempo definir qual a parcela da área total do terreno, ou seja, dos 8.968 m2 que cabe a cada um dos artigos matriciais. Sendo assim, com o destaque é dado um novo artigo matricial, ficando o terreno agora com três artigos matriciais e com a possibilidade de o dividir em três lotes (…)
53) (…) «Todas as construções feitas no terreno de 8.868 m2 foram realizadas por nós à custa das nossas economias e da venda de algumas parcelas da herança de meus pais e tios. Há, no entanto, uma construção nova – a casa do (…) – que foi inteiramente construída à sua custa e portanto não poderá , em caso algum ser incluída nas partilhasse friso isto pois estando o terreno em nosso nome e estando a facturação do construtor – construções (…) – e todos os recibos em meu nome, bem como as licenças da Câmara, projecto, estudos de ruído e térmico, não vá alguém pensar que fui eu que paguei a casa.»
54) (…) «Uma vez obtida a separação da matriz n.º (…) – da casa do (…) e do (…), só depois de 10 anos as Finanças permitem novo destaque em cada talhão herdado , ficando a faixa do terreno adjacente à Rua dos (…) com as parcelas do (…), com 614 m2, a do (…) com 620m2 e a do (…) com 680 m2 para uma possível venda para construção de moradas considerando que cada parcela tem acesso directo à Rua dos (…), à agua, esgoto ou fossas independentes, energia e telefone.(…)»
55) «Se este sonho não for possível, o melhor é manter a propriedade indivisa na parte excedente ao primeiro destaque – que é toda a faixa adjacente à Rua dos (…), entre o limite com o terreno da família (…), muro separador poente do acesso ao portão e o acesso comum ao armazém e tanque de água.»;
56) O falecido marido da A. antes desta sua última actualização do seu memorando, tinha em 8 de fevereiro de 2014, elaborado um anterior memorando a informar a Autora e restante família, incluindo os aqui Réus, que: «(…) na repartição das finanças só estão inscritos a casa inicial – matriz (…) e a casa do (…) – matriz (…) quando preenchi para as Finanças o impresso de inscrição indiquei o numero de divisões contando com as da casa do (…), como sendo casa do (…) – a conselho do funcionário das Finanças que me atendeu. Como temos duas matrizes propus à Dra. (…) estudar a possibilidade de solicitar um destaque da casa do (…), (…), com garagem e a divisão do terreno segundo o desenho da Planta de Localização das partilhas”;
57) «(…) quanto à forma de reabrir as partilhas e salvaguardar a posse da casa do (…), a forma mais segura era aproveitar a quota disponível da herança e fazer testamento ou doação ao (…) do seu talhão e casa…” ;
58) Em fevereiro de 2021, a Autora através da certidão entregue pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, tomou conhecimento que afinal não existem duas matrizes prediais, mas apenas uma matriz predial com o n.º (…), que engloba a casa inicial /casa velha, a casa do … e do … (assim como a garagem, o armazém e a casa da piscina);
59) Em 19 de novembro de 2019, (…), faz o 2º testamento mantendo as disposições que fez no 1º testamento e instituindo como herdeiros da sua quota disponível de todos os seus bens e direitos em comum e partes iguais os aqui Réus;
60) Em 11 de novembro de 2020, foi realizada a escritura publica de habilitação de herdeiros;
61) Em 28 de janeiro de 2021, foi participado à AT o óbito de (…) e identificada a Autora como cabeça e casal e os beneficiários da transmissão, bem como os bens integrantes da herança;
62) Em 8 de fevereiro 2021, o mandatário da Autora, junto dos serviços de finanças competentes da AT, impulsiona pedido de revisão/rectificação da participação de 28.01.2021;
63) Em 11 de fevereiro de 2021, o Serviço de Finanças informa da correcção da rectificação requerida quanto às quotas dos herdeiros e no tocante às verbas 11 e 13 informou que de acordo com a consulta dos artigos matriciais aludidos no email, aqui junto como doc. n.º 23, que relativamente ao prédio da verba 11 o mesmo sempre ter estado em nome do autor da herança, e relativamente à verba n.º 13 consultada a respectiva matriz não reflectia o que nesse email a Autora invocava;
64) Em 15 de fevereiro de 2021, a Autora, através do seu mandatário requereu ao Serviço de Finanças de Sesimbra, a rectificação da informação matricial relativo ao prédio (...) – verbas 11 – anexando para o efeito, cópia da escritura publica de compra e venda do prédio identificado em 6) e certidão do registo predial da sua aquisição;
65) No dia 16 de fevereiro de 2021, o serviço de finanças informa o mandatário da Autora que relativamente ao averbamento do artigo (…) do prédio identificado em 6) já se encontrava efectuado na quota parte de ½ na Herança do seu falecido marido e ½ da Autora;
66) Em 17 de fevereiro de 2021 o 8º serviço de finanças de Lisboa, informa por email que tinham procedido à rectificação da participação da verba 11 – prédio identificado em 6) – em conformidade com o que passou a constar da matriz;
67) A Autora tomou conhecimento, por sua neta (…) e por seu pai, seu filho, … (filho das suas primeiras núpcias) do teor das notificações judicias avulsas requeridas pelos aqui Réus;
68) Corre termos processo de inventário de (…) sob o n.º 19897/22.7T8LSB em que é cabeça de casal (…).

2.1.2. Outros factos assentes:
69) Do documento intitulado Contrato de Arrendamento para Habitação a que aludem os pontos 25) e 26) constam, entre outras, as cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
(Disposições Iniciais)
1. O Senhorio é dono e legítimo possuidor do Prédio Misto em propriedade total, descrito na matriz predial sob o Artigo (…), com origem no Artigo matricial n.º (…), localizado na Rua dos (…), Casal das (…), 2970-024 Sesimbra, doravante apenas “Imóvel”.
2. A propriedade para além da parte rústica, contem três fogos habitacionais, e independentes entre si.
3. O Imóvel descrito e correntemente reconhecido como “edificação de apoio à agricultura” e respectivos anexos, logradouro, estacionamento e acesso, cuja identificação e localização específica se encontra descriminada e identificada nos Anexos n.ºs II e III, os quais fazem parte integrante do presente contrato, encontra-se actualmente em utilização por terceiro e portanto excluiu-se do presente contrato de arrendamento.
4. O Imóvel descrito e correntemente reconhecido como “casa do (…)” e respectivos anexos, logradouro, cuja identificação e localização específica se encontra descriminada e identificada no Anexo n.ºs IV, o qual faz parte integrante do presente contrato, é propriedade de (…), e portanto exclui-se do presente contrato de arrendamento.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Objeto)
1. Pelo presente contrato o Senhorio dá de arrendamento aos Inqulinos, que tomam de arrendamento para seu uso e habitação própria e exploração rural, o imóvel identificado na cláusula anterior.
2. (…).

2.1.3. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
i) o prédio descrito em 6) foi adquirido com meios próprios exclusivos de (…);
ii) as edificações construídas ao longo dos anos no prédio descrito em 6) foram construídas com meios próprios exclusivos de (…);
iii) a fechadura da porta de entrada da casa velha foi mudada por ordens do R. (…).

2.2. Apreciação do objeto dos recursos

2.2.1. Nulidade da decisão recorrida
Na apelação interposta, o recorrente (…) arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe os vícios seguintes: i) falta de fundamentação de facto e de direito; ii) contradição entre os fundamentos e a decisão; iii) ambiguidade geradora de ininteligibilidade de segmento decisório; iv) omissão de pronúncia; v) excesso de pronúncia.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do invocado artigo 615.º, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar se a decisão padece das causas de nulidade que lhe são imputadas pelo apelante, previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
O 2.º réu imputa à decisão recorrida o vício de falta de fundamentação de facto e de direito, o que configura a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado preceito, afirmando que não são especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a condenação do 1.º réu a entregar à autora um bem que se reconhece ter-lhe sido legado.
O vício invocado pelo 2.º réu ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, assim incumprindo o dever de fundamentação da decisão previsto no artigo 154.º do CPC. A nulidade em causa pressupõe se omita completamente o cumprimento deste dever de fundamentação, o que requer a total ausência de fundamentação de facto ou de direito, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente.
Tal omissão não se verifica no caso presente, dado que consta da decisão recorrida a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia, conforme decorre da própria alegação do recorrente, que manifesta a respetiva discordância relativamente a tal fundamentação.
Não se verifica, assim, a invocada nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida.
Mais arguiu o 2.º réu a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, nos termos previstos na 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do citado preceito, sustentando que a sentença, ao considerar a autora como comproprietária do terreno identificado nos autos e das construções nele implantadas, se mostra contraditória com os respetivos fundamentos, dos quais se extrai que a mesma se encontrava casada sob o regime de separação de bens e não dispunha de fundos próprios para a aquisição em causa, operada com recurso a meios pertencentes exclusivamente a seu marido.
Esta causa de nulidade invocada pelo recorrente, prevista na 1.ª parte da citada alínea c), verifica-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que ocorre quando aqueles, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso.
Conforme explica José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pág. 333), “(…) se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”.
Consta da fundamentação da decisão recorrida, além do mais, o seguinte:
Resulta da factualidade provada que a A. e seu falecido marido (...) contraíram matrimónio sob o regime de separação de bens, nos termos do qual os bens que os cônjuges adquirem em conjunto integram-se no regime da compropriedade.
(…) se marido e mulher, casados no regime da separação de bens, comprarem um imóvel se nada referenciarem na escritura pública de compra e venda, quanto a diferente comparticipação na aquisição, daí resulta que, por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 1403.º CC, a lei considera que as quotas de ambos são quantitativamente iguais. Tal equivale a dizer que, se do título constitutivo da compropriedade (no exemplo dado, a escritura pública), não constar nenhuma indicação que permita aferir o valor de cada uma das quotas dos consortes, a lei (n.º 2 do artigo 1403.º) considera que ambas as quotas são quantitativamente iguais.
In casu, a A. e seu marido adquiriram em comum e partes iguais o terreno sito em Sesimbra, fizeram-no por escritura pública, deixando expresso que o faziam «em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou limitações», e assim foi levada ao registo predial a aquisição por ambos do lote de terreno para construção urbana com a área total de 8968 m2. Não restando, pois, dúvidas de que se trata de bem em compropriedade, da A. e do seu falecido marido, como aliás resulta expresso no memorando pelas palavras nele vertidas pelo falecido marido da A. e independente do que se mostra declarado nas finanças, pois que, não é a inscrição dos prédios nas finanças que impõe ou define a propriedade plena ou em parte, dos imóveis mas sim a sua aquisição, in casu, por escritura pública, devidamente registada (…)
Assim, nos presentes autos peticiona a A., em primeiro lugar, que se declare ser comproprietária do terreno que adquiriu juntamente com o seu marido bem como do edificado nele erigido e que se condene os Réus no reconhecimento de tal direito de propriedade, bem como na imediata restituição à Autora, livre e desocupada, do local arrendado livre e devoluto de bens pertença dos RR..
(…)
Na acção de reivindicação cabe ao demandante a prova do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada (artigo 342.º CC).
In casu, a A. demonstrou que a seu favor se encontra registado determinado o prédio objecto dos autos, cuja propriedade pretende ver reconhecida, beneficiando assim da presunção resultante do registo (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
O registo faz presumir que o direito existe e emerge do facto inscrito e ainda que pertence ao titular inscrito (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
Em conformidade, dispondo o artigo 7.º do Código de Registo Predial que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”, é de concluir, atenta a factualidade apurada, que a Autora beneficia da referida presunção legal, resultante do registo.
Nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Assim, por força do prescrito no n.º 1, do artigo 350.º, do Código Civil – nos termos do qual quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de provar o facto a que ela conduz – a prova do registo da aquisição do prédio identificado nos presentes autos, equivale à prova dos factos presumidos, ou seja, à titularidade do direito de propriedade.
Não tendo os RR. provado o contrário, tal como lhes caberia por força da presunção decorrente da inscrição registal e consequente inversão do ónus da prova, presumindo-se a titularidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel, na esfera jurídica da A.
Na verdade, os RR. invocaram que o prédio em questão foi adquirido com meios próprios exclusivos do falecido marido da A. e foi registado em compropriedade por razões que só os envolvidos poderiam agora dilucidar, sendo certo que não lograram fazer prova dessa mesma propriedade em exclusivo pelo falecido marido da A. (…)
Assim sendo, há que reconhecer a A. como comproprietária do lote de terreno em causa bem como do edificado.
Extrai-se deste excerto que se considerou, na fundamentação da decisão, verificada a invocada compropriedade da autora sobre o terreno identificado nos autos e as construções nele implantadas, pelo que o reconhecimento de tal direito de compropriedade da autora, no ponto 1 do segmento decisório da sentença, constitui a conclusão lógica de tal raciocínio.
Não se verifica, assim, que os fundamentos adotados inculquem um sentido decisório diverso daquele que veio a ser proferido, pelo que a decisão não enferma da segunda das invocadas causas de nulidade.
O recorrente 2.º réu arguiu a nulidade prevista na 2.ª parte da alínea c) do artigo 615.º, sustentando que a decisão recorrida padece de ambiguidade geradora de ininteligibilidade do ponto 4 do segmento decisório, com a redação seguinte: 4) Declara-se procedente o pedido subsidiário de rectificação do conteúdo do testamento por via do processo interpretativo (artigo 2187.º CC), no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (...), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada; improcedendo no mais o peticionado a titulo subsidiário».
Sustenta a recorrente que, decorrendo dos factos julgados provados sob os pontos 14, 34, 35, 36, 39, 40 e 41 de 2.1.1. que o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) integra todo o terreno identificado no ponto 6 e todas edificações nele implantadas, nomeadamente as designadas como casa velha e casa do (…), não é possível aferir a que se reporta o ponto 4 do segmento decisório, ao aludir a quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada; afirma o apelante que as denominadas casa velha e casa do (…) constituem uma única construção e que a parcela de terreno onde se mostra implantada a segunda não se encontra autonomizada, o que entende tornar ininteligível a retificação operada pela decisão recorrida ao conteúdo do testamento.
Esta causa de nulidade invocada pelo 2.º réu, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 2.ª parte, do CPC, verifica-se quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O atual Código de Processo Civil (aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26-06) não prevê a aclaração das decisões judiciais, conforme decorre da nova redação dada ao artigo 613.º, no seu confronto com o artigo 666.º do anterior CPC. No novo regime, a verificação de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível constitui causa de nulidade da decisão, conforme decorre do supra citado preceito.
Explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 735) que “no regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º-1, CC e 238.º-1, CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
Recorrendo à fundamentação constante da sentença recorrida, mostra-se claramente percetível a que realidade física se reporta o aludido segmento decisório, ao aludir à casa do (…) e ao terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada; assim sendo, ao se reportar ao direito do testador – quota parte indivisa de ½ – sobre essa casa e sobre o terreno onde se encontra implantada, independentemente do acerto da decisão em causa, inexiste a pluralidade de sentidos invocada pelo apelante, o que afasta a verificação da causa de nulidade em apreciação, prevista na 2.ª parte da alínea c) do citado artigo 615.º.
O 2.º réu também fundamenta a invocação da aludida causa de nulidade, prevista na 2.ª parte da alínea c) do artigo 615.º, sustentando que a decisão recorrida padece de ambiguidade geradora de ininteligibilidade do ponto 2 do segmento decisório, na parte em que se condena os réus a entregarem de imediato à A. o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos Réus, sem especificar se essa entrega abrange a denominada casa do (…), objeto do legado, e a sorte do recheio da denominada casa velha.
Da análise da totalidade do ponto 2 do segmento decisório da sentença – com a redação: Declara-se a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado com os Réus e o Eng. (…), e condena-se os Réus a entregarem de imediato à A. o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos Réus – decorre claramente que a obrigação de entrega, constante da 2.ª parte, se reporta ao imóvel objeto do contrato de arrendamento declarado ineficaz na 1.ª parte, o qual deverá ser entregue devoluto de bens pertencentes exclusivamente aos réus.
Assim sendo, não se vislumbra que a 2.ª parte do aludido ponto 2 seja suscetível de pluralidade de sentidos, o que afasta a existência da causa de nulidade invocada pelo apelante 2.º réu, prevista na 2.ª parte da alínea c) do citado artigo 615.º.
O 2.º réu imputou, ainda, à decisão recorrida, os vícios de omissão de pronúncia e de excesso de pronúncia, causas de nulidade previstas, respetivamente, na 1.ª e na 2.ª partes da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
A omissão de pronúncia ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Na perspetiva do arguente, a 1.ª instância deveria ter apreciado, e não apreciou, o teor da participação apresentada em 28-01-2021 pela autora no serviço de finanças para efeitos do imposto de selo, a ausência de pagamento pela autora de quaisquer impostos relativos ao prédio em litígio, as consequências em sede da entrega do locado que decorrem da matéria relativa ao tratamento dos terrenos e ao resultado do cultivo efetuado, bem como a documentação remetida pela Autoridade Tributária, o que entende configurar nulidade por omissão de pronúncia, por entender que foi omitida a apreciação de questões relevantes para a decisão de mérito.
A verificação da existência desta causa de nulidade impõe uma distinção clara entre o que deve entender-se por questões a apreciar e argumentos apresentados pelas partes. Ao falar em questões, a lei está a referir-se aos assuntos juridicamente relevantes, aos pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes fundamentaram as suas pretensões, não às concretas razões justificativas aduzidas pelas partes para fazerem valer o seu entendimento.
Quando as partes colocam determinada questão em juízo, fundamentam as posições que defendem em argumentos, através das quais pretendem justificar a decisão que preconizam para a questão em causa. Cabe ao tribunal decidir cada uma das questões colocadas, não lhe incumbindo, porém, apreciar e emitir pronúncia relativamente a cada um dos argumentos ou razões jurídicas apresentados.
Neste sentido, explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (ob. cit., pág. 737) o seguinte: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608.º-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, quer as partes hajam invocado”.
Face ao objeto da ação e à defesa apresentada pelos réus, não se vislumbra que as matérias relativas ao teor da participação apresentada pela autora no serviço de finanças, à invocada falta de pagamento pela autora de impostos respeitantes ao prédio identificado nos autos, à consideração do tratamento dos terrenos e do resultado do cultivo efetuado em sede da entrega do locado ou ao teor da documentação remetida pela Autoridade Tributária configurem, por si sós, questões jurídicas que a 1.ª instância devesse conhecer, antes consistindo em argumentos integrados na fundamentação de posições defendidas pelas partes ou em meios de prova, o que afasta a verificação da causa de nulidade em apreciação.
O 2.º réu arguiu a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, sustentando que a 1.ª instância, ao dar como provado o facto constante do ponto 36, bem como os factos constantes dos pontos 27 a 30, conheceu de questões das quais não podia tomar conhecimento.
A nulidade em causa, prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º, ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do mesmo código, nos termos do qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ao alegar que os factos que especifica não se incluem nos poderes de cognição do Tribunal, o apelante põe em causa a decisão relativa à matéria de facto. Porém, eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, desde logo porque, conforme explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (ob. cit., pág. 734), “a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do artigo 640.º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do artigo 662.º)”.
Reportando-se a questão suscitada pelo 2.º réu aos poderes de cognição do Tribunal em matéria de facto, trata-se de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, que se encontra sujeita aos ónus previstos no artigo 640.º do CPC; assim sendo, verifica-se que a previsão da 2.ª parte da invocada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º não se encontra preenchida com a situação invocada pelo apelante, relativa a um suposto conhecimento de factos que o juiz não poderia considerar.
Improcede, assim, na totalidade, a arguição de nulidade da decisão recorrida deduzida pelo apelante 2.º réu.

2.2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida encontra-se impugnada nas duas apelações deduzidas, sendo que ambos os apelantes manifestam discordância relativamente a determinados pontos de facto.
O 2.º réu defende a modificação da redação do facto julgado provado sob o ponto 36 e o aditamento à matéria considerada assente de determinados pontos de facto.
O 1.º réu, por seu turno, igualmente defende o aditamento de pontos de facto à matéria tida por provada.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
O 2.º réu defende a modificação do facto julgado provado sob o ponto 36 – com a redação seguinte: (…) sendo a área bruta de construção indicada nesse modelo 1 de 300,50 m2, (campo 58) área igual à soma da área bruta dependente mais a área bruta privativa e, sendo a área bruta privativa, a superfície total medida pelo perímetro exterior que é igual a 182,50 m2 e compreendendo a área bruta dependente a soma das áreas exclusivas, como a casa do (…) 38.0m2 + a garagem 32,0 m2 + o armazém 28,0m2 + casa da piscina 20,0 m2 = 118,00 m2, somando-se este valor de área dependente à área privativa indicada de 182,50 m2, resultando então os 300,50 m2 de área bruta de construção declarada pelo falecido marido da autora Eng. (…) junto das finanças de Sesimbra em 18 de maio de 2011 no campo 58 dessa declaração –, pugnando lhe seja atribuída a redação seguinte: «(…) sendo a área bruta de construção indicada nesse modelo I de 300,50 m2 (campo 58) a área igual à soma da área bruta dependente mais a área bruta privativa e, sendo a área bruta privativa à superfície total medida pelo perímetro exterior que é igual a 182,50 m2, resultando os 300,50 m2 da área bruta de construção declarada pelo falecido marido da Autora, Eng.º (…), junto das Finanças de Sesimbra em 18 de maio de 2011, no campo 58 dessa declaração».
Analisando a modificação indicada pelo apelante, verifica-se que está em causa a supressão, na redação do ponto 36, do segmento seguinte: (…) compreendendo a área bruta dependente a soma das áreas exclusivas, como a casa do césar 38.0m2 + a garagem 32,0 m2 + o armazém 28,0m2 + casa da piscina 20,0 m2 = 118,00 m2, somando-se este valor de área dependente à área privativa indicada de 182,50 m2 (…).
O facto julgado provado sob o ponto 36 foi alegado pela autora no artigo 26.2 (§ 2) da petição inicial e não foi impugnado na contestação conjunta apresentada pelos réus. Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC, deverá o aludido facto considerar-se admitido por acordo, por falta de impugnação pela parte contrária, o que impõe a improcedência da impugnação deduzida pelo 2.º réu no recurso interposto.
Mais defende o 2.º réu o aditamento à matéria de facto julgada provada dos cinco pontos seguintes:
69) «Em 1973, a A. não tinha rendimentos de trabalho, e, anteriormente. só tinha trabalhado muito pouco tempo numa gráfica em Luanda, por piada, sendo apenas gestora familiar»;
70) «Até 2021, o prédio controvertido esteve inscrito na matriz apenas em nome de (…) e o IMI foi sempre liquidado em seu nome exclusivo e não de qualquer outro comproprietário como deveria resultar do regime de separação de bens, de casamento deste e da Autora»;
71) «Desde a morte do primeiro marido da A. e até 1973, o Pai da A. entregava-lhe uma mensalidade de Esc. 2.000$00 com a qual esta sustentava o filho que teve na pendência do seu primeiro casamento, pagando a sua educação em colégio interno, o seu vestuário e a sua alimentação»;
72) «A A. e o seu marido, com o apoio e concordância de toda a família, expressaram o entendimento que a ‘casa do (…)’ ficasse salvaguardada e, assim sendo, ficasse fora das partilhas»;
73) «Os projectos de obra das edificações a que se refere o artigo matricial (…) e outras tarefas correlacionadas foram asseguradas pelo trabalho do segundo marido da Autora».
Previamente à pretendida reapreciação da prova produzida, há que verificar se os pontos em causa se incluem na globalidade da matéria de facto carecida de prova, isto é, se cabem nos poderes de cognição do tribunal em matéria de facto.
O artigo 5.º do CPC, com a epígrafe Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõe, no n.º 1, o seguinte: Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. O n.º 2 do preceito acrescenta: Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Analisando os articulados apresentados, verifica-se que os pontos que o 2.º réu sustenta deverem ser julgados provados não foram alegados por qualquer das partes.
Como tal, não se tratando de factos alegados pelas partes nos seus articulados, nem se vislumbrando que se trate (o que não foi sequer invocado pelo recorrente) de factos instrumentais, de factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado ou de factos notórios, cumpre concluir, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do CPC, que não se trata de factos a considerar pelo juiz, assim não integrando a matéria de facto carecida de prova.
Nesta conformidade, não se tratando de factos a considerar pelo juiz, não há que proceder à pretendida reapreciação da prova produzida, no que respeita ao aditamento à matéria provada dos cinco pontos supra indicados, dado que os elementos que o 2.º réu pretende sejam acrescentados não integram a matéria de facto carecida de prova.
Assim sendo, improcede, na totalidade, a impugnação deduzida pelo 2.º réu à decisão relativa à matéria de facto.
O 1.º réu, por sua vez, preconiza o aditamento à factualidade provada dos pontos seguintes:
i) em aditamento ao ponto 10, um ponto com a redação seguinte: «A casa do … (filho do casal, … e …, Autora da presente ação) foi construída em 2009/2010: a.) Com o consentimento quer do pai, (…), quer a Autora, quer ainda do irmão e sobrinhos; b.) Esta construção consiste numa moradia, contígua à Casa Velha, mas independente desta, destinada a habitação, composta de 2 andares, com sala, cozinha e casa de banho, no rés-do-chão; e três quartos e uma casa de banho no primeiro andar; c.) Esta moradia tem Licença de utilização n.º (…), emitida pela Câmara Municipal de Sesimbra, em 01 de abril de 2011; d.) Foi integralmente custeada pelo Réu e sua mulher»;
ii) descrição do prédio objeto dos presentes autos como consta da certidão do registo predial: «Prédio urbano, denominado “(…)”, situado no (…), com a área total de 8.968m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…) da freguesia de Sesimbra (…), composto por Lote de terreno para construção urbana, que confronta a Norte com Estrada Camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…)»;
iii) «Por óbito do proprietário (…), que ocorreu em 19 de agosto de 2020, a sua parte neste terreno, foi transmitida para os herdeiros de (…): a sua mulher, aqui Recorrida, ao filho Recorrente e ainda ao sobrinho (…)»;
iv) «Por óbito de (…), são seus herdeiros legitimários: a sua mulher, (…), e ainda o filho, (…), casado sob o regime da comunhão de adquiridos, com (…), e seu neto (…), casado sob o regime da comunhão geral de bens com (…), os dois últimos, ainda como herdeiros testamentários em partes iguais da quota disponível»;
v) «O Recorrente é ainda herdeiro no terreno locado, herdeiro nas construções locadas e foi quem pagou integralmente uma das construções existentes no terreno, a denominada casa do (…)»;
vi) no que se refere ao testamento descrito no ponto 41: «A aqui Recorrida era outorgante nesse testamento e, nos termos do disposto no artigo 1685.º do Código Civil, prestou ao seu marido o necessário consentimento, quanto à constituição do mencionado legado de bem determinado»;
Analisando estes pontos, verifica-se que os elementos que integram o aditamento indicado em i), que o apelante preconiza se acrescente ao ponto 10 da factualidade provada, bem como o teor do aditamento indicado em vi), configuram matéria que não foi alegada por qualquer das partes, sendo certo que igualmente se não trata, nem tal foi invocado pelo apelante, de factos instrumentais, de factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado ou de factos notórios; assim sendo, impõe-se concluir, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do CPC, que não se trata de factos a considerar pelo juiz, assim não integrando a matéria de facto carecida de prova.
Como tal, não se tratando de factos a considerar pelo juiz, não há que proceder à pretendida reapreciação da prova produzida, improcedendo o pretendido aditamento à matéria provada dos elementos indicados em i) e vi.
Quanto ao aditamento do teor da alínea ii), respeitante à descrição do prédio em causa nos termos que resultam da certidão do registo predial, mostra-se efetivamente relevante clarificar o teor do ponto 9, acrescentando um ponto do qual constem os termos em que o prédio se encontra descrito no registo.
Assim sendo, na parcial procedência da impugnação da decisão de facto deduzida pelo 1.º réu, deverá ser aditado à matéria provada o ponto seguinte:
9-A – O prédio a que alude o ponto 9 encontra descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial, Predial e Automóveis de Sesimbra sob o (…), da freguesia de Sesimbra (…), como prédio urbano denominado (…), sito em (…), com a área total de 8968 m2, composto por lote de terreno para construção urbana, a confrontar a norte com estrada camarária, a sul com ribeiro, a nascente com (…) e a poente com (…); através da Ap. (…), de 1973/04/09, encontra-se inscrita a respetiva aquisição, por compra, a favor de (…), casado com (…) no regime de separação de bens, e de (…) casada com (…) no regime de separação de bens.
No que respeita ao teor da alínea iii) – «Por óbito do proprietário (…), que ocorreu em 19 de agosto de 2020, a sua parte neste terreno, foi transmitida para os herdeiros de (…): a sua mulher, aqui Recorrida, ao filho Recorrente e ainda ao sobrinho (…)» –, da alínea iv) – «Por óbito de (…), são seus herdeiros legitimários: a sua mulher, (…), e ainda o filho, (…), casado sob o regime da comunhão de adquiridos, com (…), e seu neto (…), casado sob o regime da comunhão geral de bens com (…), os dois últimos, ainda como herdeiros testamentários em partes iguais da quota disponível» -- e da alínea v) – «O Recorrente é ainda herdeiro no terreno locado, herdeiro nas construções locadas e foi quem pagou integralmente uma das construções existentes no terreno, a denominada casa do (…)» –, mostra-se relevante clarificar o teor da escritura de habilitação de herdeiros a que alude o ponto 60, através do aditamento à matéria de provada do ponto seguinte:
60-A – Através da escritura de habilitação de herdeiros a que alude o ponto 60, outorgada a (…) em cartório notarial de Lisboa, por óbito de (…), foi reconhecido que deixou a suceder-lhe, a título testamentário, (…), casado com (…), sob o regime da comunhão de adquiridos, e (…), casado com (…), sob o regime da comunhão geral de bens, e a título legitimário, (…), sua viúva, o referido (…), seu filho, e o referido (…), filho de sua filha pré-falecida (…), seu neto.
Quanto aos demais elementos que integram as indicadas alíneas iii), iv) e v), não configuram matéria de facto, antes constituindo conclusões baseadas em factos que extrapolam a respetiva redação, o que impede se verifique se os mesmos resultam ou não da prova produzida.
Considerando que os elementos em causa não constituem matéria de facto, antes envolvendo uma apreciação sobre factos não elencados, assim assumindo natureza conclusiva, não há que determinar o respetivo aditamento à factualidade provada, mostrando-se desnecessária a apreciação dos fundamentos para o efeito invocados pelo recorrente 1.º réu.
Em conclusão, decide-se o seguinte:
i) indeferir a impugnação da decisão de facto deduzidas pelo 2.º réu;
ii) deferir parcialmente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo 1.º réu e, em consequência:
- aditar à matéria provada os dois pontos seguintes:
9-A – O prédio a que alude o ponto 9 encontra descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial, Predial e Automóveis de Sesimbra sob o (…), da freguesia de Sesimbra (…), como prédio urbano denominado (…), sito em (…), com a área total de 8968 m2, composto por lote de terreno para construção urbana, a confrontar a norte com estrada camarária, a sul com ribeiro, a nascente com (…) e a poente com (…); através da Ap. (…), de 1973/04/09, encontra-se inscrita a respetiva aquisição, por compra, a favor de (…), casado com (…) no regime de separação de bens, e de (…) casada com (…) no regime de separação de bens,
60-A – Através da escritura de habilitação de herdeiros a que alude o ponto 60, outorgada a (…) em cartório notarial de Lisboa, por óbito de (…), foi reconhecido que deixou a suceder-lhe, a título testamentário, (…), casado com (…), sob o regime da comunhão de adquiridos, e (…), casado com (…), sob o regime da comunhão geral de bens, e a título legitimário, (…), sua viúva, o referido (…), seu filho, e o referido (…), filho de sua filha pré-falecida (…), seu neto;
- indeferir as demais modificações da decisão de facto preconizadas pelo apelante.

2.2.3. Direito da autora sobre o prédio em litígio e respetivas consequências
Pretende a autora, com a presente ação, obter o reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre o bem imóvel que identifica e, em consequência, a declaração de ineficácia do contrato de arrendamento datado de 27-03-2020, através do qual o seu marido (…), entretanto falecido, comproprietário do imóvel, o deu de arrendamento aos dois réus sem o consentimento da autora, peticionando a respetiva condenação à entrega à autora do bem locado, livre e devoluto de bens pertencentes aos réus, bem como ao pagamento de quantia a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação.
Mais pretende a autora, em consequência do reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre o bem imóvel, obter a declaração de nulidade do testamento datado de 24-06-2014, outorgado por seu marido (…), através do qual o testador legou a favor do 1.º réu o aludido bem imóvel, sem que o mesmo lhe pertencesse por inteiro; subsidiariamente, pretende obter a retificação de erro na indicação do bem objeto da disposição testamentária e a correspondente correção pelo serviço de finanças da inscrição matricial, com a criação de um novo artigo na matriz predial.
Na decisão recorrida, na parcial procedência da ação, a 1.ª instância:
- reconheceu o direito de compropriedade da autora sobre o bem imóvel em causa – prédio identificado como «Uma porção de terreno para construção urbana com a área de 8.968 m2 (oito mil novecentos e sessenta e oito metros quadrados), sita no (…), freguesia do (…), em Sesimbra que confronta a Norte com estrada camarária, a Sul com ribeiro, a Nascente com (…) e a Poente com (…)», bem como de todo o edificado implantado ao longo dos anos nesse terreno –, em quota correspondente a ½;
- declarou a ineficácia do contrato de arrendamento celebrado entre o marido da autora, (…), e os réus, condenando os segundos a procederem à imediata entrega à autora do local arrendado, livre e devoluto de bens que lhes pertençam;
- julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do testamento e parcialmente procedente o pedido formulado a título subsidiário, operando a retificação do conteúdo do testamento no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada/edificada;
- mais condenou os réus no pagamento à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do locado.
Discordando da decisão proferida, os réus interpuseram, separadamente, recurso da sentença, ambos pugnando pela respetiva absolvição dos pedidos formulados.
Proceder-se-á à apreciação das questões suscitadas em cada um dos recursos no que respeita: i) ao reconhecimento do direito da autora sobre o bem imóvel; ii) à declaração de ineficácia do contrato de arrendamento; iii) à entrega do locado e à sanção pecuniária compulsória; iv) à retificação do conteúdo do testamento.
No que respeita ao reconhecimento do direito de compropriedade da autora sobre o bem imóvel em causa, a 1.ª instância baseou a decisão proferida, além do mais, no seguinte:
Resulta da factualidade provada que a A. e seu falecido marido (…) contraíram matrimónio sob o regime de separação de bens, nos termos do qual os bens que os cônjuges adquirem em conjunto integram-se no regime da compropriedade.
Conforme resulta do artigo 1403.º, n.º 1, do Código Civil: «1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.» E, conforme resulta do n.º 2 do mesmo artigo: «Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.». Assim sendo, se marido e mulher, casados no regime da separação de bens, comprarem um imóvel se nada referenciarem na escritura pública de compra e venda, quanto a diferente comparticipação na aquisição, daí resulta que, por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 1403.º do CC, a lei considera que as quotas de ambos são quantitativamente iguais. Tal equivale a dizer que, se do título constitutivo da compropriedade (no exemplo dado, a escritura pública), não constar nenhuma indicação que permita aferir o valor de cada uma das quotas dos consortes, a lei (n.º 2 do artigo 1403.º) considera que ambas as quotas são quantitativamente iguais.
In casu, a A. e seu marido adquiriram em comum e partes iguais o terreno sito em Sesimbra, fizeram-no por escritura pública, deixando expresso que o faziam «em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou limitações», e assim foi levada ao registo predial a aquisição por ambos do lote de terreno para construção urbana com a área total de 8968 m2. Não restando, pois, dúvidas de que se trata de bem em compropriedade, da A. e do seu falecido marido, como aliás resulta expresso no memorando pelas palavras nele vertidas pelo falecido marido da A. e independente do que se mostra declarado nas finanças, pois que, não é a inscrição dos prédios nas finanças que impõe ou define a propriedade plena ou em parte, dos imóveis mas sim a sua aquisição, in casu, por escritura pública, devidamente registada (…).
(…)
In casu, a A. demonstrou que a seu favor se encontra registado determinado o prédio objecto dos autos, cuja propriedade pretende ver reconhecida, beneficiando assim da presunção resultante do registo (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
O registo faz presumir que o direito existe e emerge do facto inscrito e ainda que pertence ao titular inscrito (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
Em conformidade, dispondo o artigo 7.º do Código de Registo Predial que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”, é de concluir, atenta a factualidade apurada, que a Autora beneficia da referida presunção legal, resultante do registo.
Nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Assim, por força do prescrito no n.º 1, do artigo 350.º, do Código Civil – nos termos do qual quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de provar o facto a que ela conduz – a prova do registo da aquisição do prédio identificado nos presentes autos, equivale à prova dos factos presumidos, ou seja, à titularidade do direito de propriedade.
Não tendo os RR. provado o contrário, tal como lhes caberia por força da presunção decorrente da inscrição registal e consequente inversão do ónus da prova, presumindo-se a titularidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel, na esfera jurídica da Autora.
Na verdade, os RR. invocaram que o prédio em questão foi adquirido com meios próprios exclusivos do falecido marido da A. e foi registado em compropriedade por razões que só os envolvidos poderiam agora dilucidar, sendo certo que não lograram fazer prova dessa mesma propriedade em exclusivo pelo falecido marido da A., ademais que nas próprias palavras do mesmo, vertidas no memorando que entregou à família, o próprio deixou claro que o prédio foi adquirido por ambos em partes iguais e assim registado e todas as construções edificadas foram realizadas pela A. e pelo falecido marido à custa das «nossas economias e da venda de algumas parcelas da herança de meus pais e tios, havendo uma construção nova a casa do (...) que foi inteiramente construída à sua custa e portanto não poderá , em caso algum ser incluída nas partilhas . Mais reforçando nesse memorando a ideia referindo que «friso isto porque estando o terreno em nosso nome e estando toda a facturação do construtor e todos os recibos em meu nome, bem como as licenças da Câmara, projecto, estudos de ruído e térmico, não vá alguém pensar que fui eu que paguei a casa.». Assim, desta forma clara, directa e simples transmitiu o falecido marido da A. a situação do edificado não tendo sido produzida prova nos autos que o infirme.
Assim sendo, há que reconhecer a A. como comproprietária do lote de terreno em causa bem como do edificado.
Na apelação que interpôs, o 2.º réu sustenta que cabia à autora o ónus da prova de que dispunha de meios que lhe permitissem a aquisição do terreno e a edificação das construções nele implantadas, bem como que tal ónus não foi cumprido, o que entende impedir o reconhecimento do direito de compropriedade da autora; acrescenta que o terreno foi adquirido e as construções edificadas com recurso a meios próprios exclusivos de (…), marido da autora, salvo uma das construções, que foi edificada com recurso a meios pertencentes ao 1.º réu, factualidade com base na qual pugna pela revogação do decidido.
Não sofre contestação o registo da aquisição a favor da autora e de seu marido (…), casados sob o regime da separação de bens, por compra, do prédio urbano em causa, conforme decorre do ponto 9, clarificado no aditado ponto 9-A, da matéria de facto julgada provada.
Dispõe o artigo 7.º do Código do Registo Predial que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Por outro lado, estatui artigo 350.º do Código Civil, no n.º 1, que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz; acrescenta o n.º 2 do preceito que as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir.
Por força da presunção da titularidade do direito que emerge do registo, nos termos consagrados no artigo 7.º do Código do Registo Predial, a autora encontra-se dispensada de fazer prova dos elementos indicados pelo 2.º réu, sendo certo que não logrou este apelante ilidir tal presunção, antes baseando em factualidade não provada a solução que preconiza para a questão em apreciação.
Assim sendo, e conforme considerou a 1.ª instância, face à presunção decorrente do registo, impõe-se ter por verificado o direito de compropriedade invocado pela autora, improcedendo, nesta parte, a argumentação apresentada pelo 2.º réu.
O 1.º réu, no recurso que interpôs, igualmente invoca que pagou integralmente uma das construções erigidas no terreno, designada como casa do (…), o que entende impedir o reconhecimento do direito de compropriedade da autora, nos termos decididos pela 1.ª instância.
É sabido que a identificação física dos prédios, nomeadamente as respetivas composição, confrontações, áreas e limites, não é abrangida pela presunção derivada do registo predial, estatuída no artigo 7.º do Código do Registo Predial.
Assim sendo, no que respeita às características do bem imóvel em causa, cumpre atender à matéria de facto considerada assente, sendo certo que dela não constam os elementos invocados pelo apelante, o que prejudica a apreciação da sua eventual relevância jurídica no caso presente.
Nesta conformidade, no que respeita ao reconhecimento do direito de compropriedade da autora sobre o bem imóvel em causa, nos termos decididos pela 1.ª instância, improcede a argumentação apresentada por ambos os apelantes.
No que respeita à questão supra elencada em ii), está em causa uma relação jurídica qualificada na decisão recorrida como contrato de arrendamento, datado de 27-03-2020, estabelecida entre o marido da autora, (…), na qualidade de senhorio, e os réus, na qualidade de arrendatários, relativa ao prédio identificado nos autos, o que não vem questionado em qualquer das apelações, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito.
Considerou a 1.ª instância que, pertencendo o imóvel locado à autora e a seu marido, em compropriedade, é aplicável o regime estatuído no artigo 1024.º, n.º 2, do Código Civil, nos termos do qual se entendeu que o contrato de arrendamento deveria ter sido objeto de assentimento escrito pela comproprietária não outorgante, antes ou depois da respetiva celebração, o que não sucedeu, não tendo a autora dado o seu consentimento à celebração do negócio, em consequência do que se considerou o contrato ineficaz em relação à autora.
Analisando os recursos interpostos, verifica-se que este segmento decisório não é autonomamente impugnado por qualquer dos apelantes, sendo que ambos fazem depender a improcedência desta pretensão da revogação do reconhecimento do direito invocado pela autora sobre o imóvel locado. Assente o reconhecimento do direito de compropriedade da autora sobre o prédio objeto do contrato de arrendamento, mostra-se prejudicada a reapreciação da segunda questão.
Vem posta em causa em ambos os recursos a parte da decisão recorrida em que, na sequência da declaração de ineficácia em relação à autora do contrato de arrendamento outorgado entre seu marido e os réus, foram os apelantes condenados a entregarem de imediato à A. o local arrendado livre e devoluto de bens de pertença dos Réus.
Na apelação que interpôs, o 2.º réu invoca dificuldades várias na execução da entrega do locado, sustentando que não se trata de um ato de realização instantânea. Porém, no que se reporta a esta matéria, não deduz qualquer concreta pretensão que incumba a esta Relação apreciar em sede de recurso.
O 1.º réu, por seu turno, invocando a qualidade de herdeiro da herança aberta por óbito de (…), sustenta que tal impede a sua condenação à entrega do bem imóvel locado.
Porém, esta questão não foi suscitada na 1.ª instância, designadamente do âmbito da contestação apresentada pelos réus, mas apenas em sede de recurso, nas alegações da apelação interposta pelo 1.º réu.
Se a aludida questão não foi suscitada perante a 1.ª instância, que sobre a mesma se não pronunciou, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova.
Como tal, atenta a novidade da indicada questão, a qual não é de conhecimento oficioso, não será a mesma apreciada.
Assim sendo, improcedem, também nesta parte, os recursos interpostos pelos réus.
Aqui chegados, cumpre apreciar as questões respeitantes à parte da decisão recorrida em que se operou a retificação do conteúdo do testamento datado de 24-06-2014, outorgado pelo marido da autora, no sentido de o bem legado ser a «quota parte indivisa de ½ do testador da designada casa do (…), bem como a sua quota parte indivisa de ½ do terreno onde a mesma se encontra implantada / edificada.
Não tendo sido interposto recurso da parte da decisão em que se julgou improcedente a peticionada declaração de nulidade de tal testamento, não será a mesma reapreciada por esta Relação.
Extrai-se da fundamentação da sentença que o segmento decisório relativo à retificação do testamento se baseou no seguinte:
(…) outorgou dois testamentos em momentos diferentes, em que dispôs para depois da sua morte de parte dos seus bens (…)
(…)
O testador dispôs a favor dos RR., sendo percetível e ajustado à realidade fáctica demonstrada nesta ação, atento o teor dos testamentos datados de 24.06.2014 e de 19.11.2019, que a vontade do testador era legar por conta da sua quota disponível a seu filho (…), 1.º R. o prédio urbano constituído pela casa do (…) conforme identificada no seio da família e amiúde referida no memorando datado de 05 de Dezembro de 2013 e actualizado em 01 de Abril de 2014 e 10 de Maio de 2014; mais referindo no segundo testamento que mantendo as disposições que fez no primeiro testamento, institui como herdeiros da quota disponível de todos os seus bens e direitos, em comum e em partes iguais, os ora RR.
(…) o pai do R. pretendia expressamente legar a denominada casa do (…) a este e daí que faça menção no referido memorando (cuja última actualização data de 10 de maio de 2014, sendo o testamento de 24 de Junho de 2014) que junto da Dra. (…) procurou saber como «fazer o testamento da casa do (…) a partir da minha quota disponível» o que ficou acordado com a referida Dra. (…) tendo sido feito o referido testamento.
Sucede que era convencimento do testador que a casa do (…) estava inscrita nas finanças na matriz n.º (…)
(…)
E, assim sendo no testamento realizado no mês seguinte foi essa a identificação do imóvel que ficou vertido no testamento e legado por conta da quota disponível a favor de (…) «o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado».
Assim, com a presente acção pretende a Autora ver analisada a questão de saber se o testador podia dispor, nos termos em que o fez no referido testamento, entendendo que se trata de um legado que não lhe pertencia, pelo menos na totalidade, o que entende afetar a validade do testamento.
Ora, o bem imóvel mencionado na referida deixa testamentária integra conforme visto supra o património em compropriedade do casal e que atualmente compõe o acervo da herança ainda indivisa aberta com o falecimento de (…) à qual concorrem então, como seus herdeiros os RR e a A. (cfr. 2131.º, 2132.º, 2133.º e 2139.º, todos do CC).
(…) o que foi deixado ao Reu (…) pelo falecido marido da A. ao abrigo do primeiro testamento foi um legado, pois o que lhe foi atribuído foi uma parte de um bem perfeitamente definido (…).
Assim in casu foi o legado efectuado por conta da quota disponível, sucede que o testador não é proprietário da totalidade do terreno, nem da edificação legada, (…)
(…) Ora, estatui o artigo 2252.º CC que «Se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo de do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa pois nesse caso observar-se-á quanto ao restante o preceituado no número anterior.».
Ora, in casu mais resulta do testamento que pela A. enquanto segunda outorgante no testamento público de (…) foi exarado que «presta desde já a seu marido o necessário consentimento, quanto à constituição do mencionado legado de bens determinados, visto os mesmos fazerem parte do património comum do casal».
Assim, do próprio testamento resulta que o testador sabia que o bem legado não lhe pertencia por inteiro, tendo a A. dado o seu consentimento para a constituição do referido legado, apesar de impropriamente se fazer referência no testamento a património comum, quando do que se trata na verdade é de bem em compropriedade, dado que pelo regime de casamento de separação de bens não existem bens comuns do casal mas sim bens em compropriedade, como é o caso do bem legado.
Desta forma, não se verifica a nulidade da deixa testamentária.
No entanto, constata-se que padece a mesma de erros na identificação do objecto do legado na medida em que pretendendo o testador legar ao sucessor (…) a chamada “casa do (…)” e terreno onde a mesma se encontra implantada acabou por identificá-la erroneamente ao referir-se à inscrição na matriz, pois que essa matriz abrangia na altura mais do que a casa do (…), sendo que é bastante claro que a intenção do testador conforme resulta do memorando é que a casa do (…) fosse legada ao mesmo, assim se começando a preencher a quota disponível do testador conforme vontade manifestada e não que fosse legado todo o prédio abrangido pela matriz (…).
Aliás, do memorando, com última actualização de 10 de Maio de 2014, resulta expressamente o entendimento do testador quando refere que «nesta data parece, pois, que as construções feitas no terreno de Sesimbra têm duas matrizes – casa velha com o n.º (…) e as casas do (…) e do (…) com o artigo (…) sendo assim creio ser possível recorrer às Finanças para destacar do artigo (…) a casa do (…) e garagem e ao mesmo tempo definir qual a parcela da área total do terreno, ou seja dos 8968 m2 que cabe a cada um dos artigos matriciais».
E nesse sentido se entende, também, a declaração de autorização concedida pela A. no âmbito do testamento relativamente à sua metade do referido prédio legado: casa do (…) e terreno onde está implantado.
Pelo que, assim sendo, e aplicando-se o disposto no artigo 2252.º e 2203.º CC perante a indicação errónea do bem legado com a indicação da matriz n.º (…) sendo possível in casu pela interpretação do testamento concluir a que bem o testador se pretendia referir, a disposição testamentária vale relativamente a esse bem, ou seja à edificação indicada como Casa do (…) que se encontra incluída na matriz com o n.º (…) e não todo o prédio urbano a que corresponde a matriz (…), sendo certo que pelo testador somente pode ser legada a sua metade indivisa.
O artigo 2203.º do CC regula os casos em que o testador indicou erroneamente a pessoa do herdeiro ou legatário ou os bens objeto da disposição, ou seja, os casos em que há erro na declaração. Para estes casos, a lei resolve o problema referindo que as disposições irão valer em relação às pessoas ou bens a que o autor do testamento se quis referir.
(…)
Ora, de entre esse património estando em causa bem em compropriedade do casal integra o património do testador metade indivisa desse mesmo bem e não a sua totalidade.
E embora a Autora tenha aduzido que entende ser nula a deixa testamentaria por o bem não pertencer por inteiro ao testador, verifica-se que vigorando o regime de compropriedade poderia o testador dispor para depois da sua morte de metade desse mesmo bem, conforme aliás peticionado a título subsidiário.
(…)
Assim, improcede nesta parte o peticionado pela A. dado não se verificar a nulidade da deixa testamentaria.
E procede o pedido subsidiário no sentido de o bem legado ser a quota parte indivisa de ½ do testador da referida casa do (…) e do terreno onde a mesma está implantada/edificada. Cabendo aos interessados junto dos serviços de Finanças e não em sede da presente instância declarativa, aferir aquando da concretização da partilha em sede do inventário que corre termos, da necessidade e possibilidade, de proceder à alteração da matriz.
Discordando deste entendimento, ambos os apelantes defendem a improcedência do pedido, formulado a título subsidiário, de retificação do conteúdo do testamento datado de 24-06-2014, outorgado pelo marido da autora, pugnando pela revogação desta parte da decisão recorrida.
Alega o 2.º réu que a edificação designada por casa do (…) e a parcela terreno onde a mesma se encontra implantada não constituem um prédio autónomo, antes integrando o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…), do qual fazem parte outras edificações, o terreno em que se encontram implantadas e o logradouro, o que entende impedir a retificação operada; acrescenta que, da divisão do prédio decorrente da retificação operada pela sentença resultará a constituição de um prédio encravado, em violação de comandos legais imperativos.
O 1.º réu, por seu turno, sustenta que não se verifica condicionalismo que justifique a retificação operada.
Está em causa o testamento a que alude o ponto 41, facto tido por provado com a redação seguinte: Com data de 24 de junho de 2014, o falecido marido da autora, Eng. (…) por testamento lega por conta da sua quota disponível a favor do filho de ambos, (…), aqui 1º Réu, “o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado”.
Extrai-se da factualidade assente que:
- pela apresentação (…), de 1973/04/09, encontra-se inscrita a aquisição, por compra, a favor de (…) e da autora, casados um com o outro no regime de separação de bens, do prédio urbano denominado (…), sito em (…), com a área total de 8968 m2, composto por lote de terreno para construção urbana, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial, Predial e Automóveis de Sesimbra sob o n.º (…), da freguesia de Sesimbra (…);
- sobre o aludido prédio foram construídas, ao longo dos anos, várias edificações que não constam da descrição no registo predial, nomeadamente as designadas como casa velha e casa do (…), bem como a designada como casa do (…), a garagem, o armazém e a casa da piscina;
- no ano de 1979, o marido da autora participou ao serviço de finanças a edificação designada como casa velha, descrevendo-a como moradia constituída por cave com uma assoalhada e r/c com quatro assoalhadas, casa de banho, lavabo e cozinha, com a área de 144 m2, tendo sido inicialmente inscrita na matriz sob o artigo (…), após o que lhe foi atribuído o artigo matricial (…), da freguesia de Sesimbra (…);
- em 18-05-2011, o marido da autora, participou ao serviço de finanças que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (…) tinha sido melhorado/modificado/ reconstruído, indicando que passou a tratar-se de um T/7 destinado a habitação com alteração de número de fogos ou andares, com a área total coberta de 182,50 m2 e dependente de 118 m2, resultando da soma destas duas áreas a área bruta de construção de 300,50 m2, dando origem a um novo artigo matricial, o atual artigo (…);
- no campo da área de implantação do prédio, o marido da autora considerou a nova construção da designada casa do (…) com 91,50 m2, acrescida da área de 91,00 m2 da designada casa velha, indicando como área de implantação do prédio 182,50 m2;
- o artigo matricial (…) relativo à edificação designada como casa velha deixou de existir e foi englobado no novo artigo matricial (…);
- em 13-10-2016 foi apresentado, por representante do marido da autora, requerimento visando a alteração da área total do prédio indicada em 18-05-2011 para a área de 8968 m2, correspondente à totalidade da área do prédio descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial, Predial e Automóveis de Sesimbra sob o n.º (…).
Através da cláusula testamentária em apreciação, constante do testamento datado de 24-06-2014, o marido da autora legou a favor do 1.º réu, seu filho, por conta da sua quota disponível, o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado, sendo certo que o prédio urbano identificado no testamento não pertencia por inteiro ao testador, antes pertencendo à autora e ao testador, em compropriedade, conforme decorre da análise supra efetuada.
A lei prevê, no artigo 2252.º do Código Civil, o regime a que se encontra sujeito o legado de coisa pertencente só em parte ao testador; porém, face à decisão proferida – que considerou verificada a existência de erro na indicação do bem objeto da disposição testamentária e procedeu à retificação do conteúdo do testamento – e ao objeto dos recursos interpostos – que visam a improcedência do pedido de retificação do conteúdo do testamento e consequente revogação da decisão que operou tal retificação –, não há que averiguar da aplicabilidade de tal regime ao caso presente, nem das consequências que decorreriam de tal aplicação, cumprindo apenas apreciar se é de manter a retificação do conteúdo do testamento peticionada pela autora e decidida na sentença recorrida.
A 1.ª instância considerou verificada a existência de erro na indicação do bem objeto da disposição testamentária e, por ter concluído da interpretação do testamento que o testador, ao identificar o bem legado – prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Sesimbra (…), concelho de Sesimbra, sob o artigo (…), bem como a parte do terreno em que o mesmo se encontra implantado –, pretendia referir-se à sua quota parte na edificação designada por casa do (…) e no terreno onde a mesma se encontra implantada, retificou em conformidade o conteúdo do testamento, invocando o regime previsto no artigo 2203.º do Código Civil.
Da análise da factualidade supra elencada decorre que assiste razão ao 2.º réu, ao afirmar que a edificação designada por casa do (…) e a parcela terreno onde a mesma se encontra implantada, a que se reporta a retificação do conteúdo do testamento operada pela 1.ª instância, não constituem um prédio autónomo, antes integrando o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…), do qual fazem parte outras edificações, o terreno em que se encontram implantadas e o logradouro.
Sob a epígrafe Espécies de sucessores, o artigo 2030.º do Código Civil dispõe, no n.º 1, que os sucessores são herdeiros ou legatários, esclarecendo no n.º 2 que se diz herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados; acrescenta o n.º 3 que é havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes.
Reportando-se à distinção constante deste preceito, explica Luís Filipe Pires de Sousa (Acções especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pág. 16) o seguinte: «Ao contrário do herdeiro a quem são atribuídos bens indeterminados a título universal, ao legatário são atribuídos bens certos e determinados (…). Pela partilha, são atribuídos a cada herdeiro os bens concretos que hão-de integrar a sua quota. Pelo contrário, como a instituição de legatário respeita a bens determinados, dispensa-se a partilha (artigo 2101.º, n.º 1, do Código Civil), mesmo que todo o património hereditário tenha sido dividido em legados. Cada um dos legatários sabe precisamente qual o bem ou os bens que lhe couberam em sorte.»
Consistindo o legado na atribuição de bens ou valores determinados, afastada se encontra a possibilidade de incidir sobre uma parte específica não autonomizada de um prédio urbano, no caso, sobre o direito do testador a uma das edificações e uma parcela do terreno que integram o supra indicado prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (...), do qual é comproprietário.
Não incidindo sobre um bem determinado, mas sobre uma parte de um prédio urbano, não se vislumbra que a deixa testamentária decorrente da retificação – peticionada pela autora e operada pela 1.ª instância –, conduza à transmissão da titularidade do direito do testador sobre qualquer concreto bem, o que impõe a improcedência da pretensão neste sentido deduzida pela autora e a consequente a revogação da parte da decisão recorrida em que se operou a retificação do conteúdo do testamento.
Procedem, assim, nesta parte, os recursos interpostos pelos réus.
Vem impugnada nos recursos interpostos, ainda, a parte da sentença em que se condenou os réus ao pagamento, à autora e ao Estado, do montante de € 150,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do bem imóvel locado, pugnando os apelantes pela revogação deste segmento decisório.
Sob a epígrafe Sanção pecuniária compulsória, dispõe o artigo 829.º-A do Código Civil, no n.º 1, que nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso; esclarece o n.º 2 que a sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar; estabelece o n.º 3, por seu turno, que o montante da sanção pecuniária compulsória se destina, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
Da análise deste preceito resulta que a sanção pecuniária compulsória é aplicável unicamente quando se trate do cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, isto é, consiste num mecanismo coercitivo do cumprimento de obrigações que exigem a intervenção insubstituível do próprio devedor, de forma a lograr obter tal cumprimento em casos onde seja inaplicável a execução específica.
A obrigação de entrega do imóvel por parte dos réus não configura uma obrigação infungível, dado poder ser cumprida por intervenção de terceiros, designadamente de forma coerciva.
Como tal, não há que condenar os réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória para o atraso no cumprimento da obrigação de entrega à autora do imóvel, já que essa obrigação não consubstancia uma prestação de facto infungível, cumprindo absolvê-los do pedido neste sentido formulado pela autora, revogando esta parte da sentença recorrida.
Em síntese, na parcial procedência dos recursos interpostos por ambos os apelantes, cumpre absolver os réus dos pedidos de retificação do conteúdo do testamento datado de 24-06-2014, outorgado pelo marido da autora, e de condenação no pagamento de quantia a título de sanção pecuniária compulsória, revogando em conformidade e confirmando no mais a sentença recorrida.
No que respeita à responsabilidade quanto a custas, cumpre alterar em conformidade a decisão recorrida, devendo as custas, na 1.ª instância, ser suportadas por autora e réus, em partes iguais.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedentes as apelações interpostas pelo 1.º e pelo 2.º réus, em consequência do que se decide:
a) na parcial procedência da ação, julgar improcedente o pedido de retificação do conteúdo do testamento datado de 24-06-2014, outorgado (…), e o pedido de condenação no pagamento de quantia a título de sanção pecuniária compulsória, deles absolvendo os apelantes;
b) revogar, em conformidade, os pontos 4) e 5) do segmento decisório da sentença recorrida, confirmando-a no mais.
Custas, na 1.ª instância, por autora e réus, em partes iguais.
Custas relativas a cada um dos recursos, por apelante e apelada, em partes iguais.
Notifique.
Évora, 07-12-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Eduarda Branquinho (1.ª Adjunta)
Rui Machado e Moura (2.º Adjunto)


__________________________________________________
[1] Cfr. despacho proferido pela 1.ª instância em 20-06-2023 – que admitiu a retificação do requerimento de interposição de recurso apresentado em primeiro lugar e considerou não verificada nulidade processual arguida pela autora –, com a redação seguinte: Atento o teor dos requerimentos que antecedem, releva-se os lapsos de escrita constantes do requerimento de interposição de recurso pelo Exm.º Mandatário do Réu (…), considerando-se o recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Évora e intentado somente em nome deste último Réu, dado que na data de apresentação do requerimento de recurso o Réu (…) já havia mandatado diferente Advogado que, em tempo, apresentou em seu nome recurso e respectivas alegações, tendo a Autora de seguida apresentado as respectivas contra alegações, não se verificando desta feita a invocada nulidade processual – artigo 195.º do CPC.