Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR VALENTE | ||
Descritores: | PRETENSÃO DE PROCEDIMENTO CRIMINAL MANIFESTAÇÃO DE VONTADE EXPRESSA CRIME DE NATUREZA SEMI-PÚBLICA | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Não existindo no auto de notícia, por agente da autoridade que não o redigiu nem assinou, nem posteriormente, manifestação inequívoca de vontade de procedimento criminal quanto ao crime de injúria agravada, não pode a mesma presumir-se, e, por conseguinte, não assumindo tal crime natureza pública, não tinha o Ministério Público legitimidade para acusar, devendo determinar-se a absolvição do mesmo, procedendo o recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório. No Juízo Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum singular n.º 2422/22.7GBABF, aí tendo sido, após julgamento, proferida sentença com o seguinte dispositivo (na parte que interessa à decisão a proferir): “B) Condena o arguido AA nas seguintes penas PARCELARES, I. Pela prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos arts. 181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa; II. Pela prática de um segundo crime de injúria agravada, previsto e punido pelos arts. 181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa; C) E, operando o CÚMULO JURÍDICO das supra mencionadas penas parcelares, CONDENA o arguido AA na PENA ÚNICA de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos);” Inconformado, o referido arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A. O Arguido AA vem apresentar recurso da Sentença condenatória proferida pelo Meritíssimo Juiz … do Juízo Local Criminal de …, em 19.02.2025, na parte em que condenou o Recorrente pela prática do crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, nº 1 e 184º do Código Penal, contra o militar BB, na pena de 60 (sessenta) dias de multa. B. Com o devido respeito, que é muito, o decidido pelo Tribunal a quo quanto ao crime de injúria agravada contra o militar BB violou o disposto nos artigos 188. °, n.º 1 e 113. °, n.º 1, ambos do Código Penal, ao ter condenado o Recorrente pela prática de um crime de natureza semi-pública cuja possibilidade de ação penal dependia do prévio exercício do direito de queixa pelo referido militar, o que in casu não se verificou. C. No caso dos autos, não houve uma manifestação expressa da vontade do militar BB em pretender procedimento criminal contra o arguido, ora recorrente, pelo crime de injúria agravada, pelo que, quanto a este, consideramos que efetivamente não houve uma apresentação de queixa contra o Recorrente quanto ao crime de injúria agravada, circunstância esta, que impedia naturalmente o Tribunal a quo de condenar o Recorrente por esse crime. Vejamos; D. O Auto de notícia, a fls. 12 a 14, mostra-se apenas assinado pelo agente autuante e ofendido nos autos, CC. E. Nesse Auto, o agente autuante CC, declarou desejar procedimento criminal pelos factos ali descritos, fazendo constar que: “Esta patrulha deseja procedimento criminal.”. F. Sucedeu que, o militar BB não assinou o aludido auto de notícia, e também não manifestou o desejo de procedimento criminal em momento ulterior durante a fase do inquérito antes de decorridos 6 meses sobre a data dos factos. G. Ora, o crime de injúria agravada a que o Recorrente foi condenado é um crime com natureza semipública, como tal o seu procedimento criminal dependia do prévio exercício do direito de queixa pelo ofendido BB, que não assinou o respetivo Auto de notícia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 181.º, 132.º n.º 2, alínea l), 184.º e 188.º n.º 1 alínea a), todos do Código Penal. H. De facto, o militar BB, contrariamente ao que se verificara com o autuante CC, não manifestou nos autos o desejo de procedimento criminal contra o Recorrente. I. A esse respeito, não se alegue que a apontada falta de assinatura do Auto pelo militar BB se deveu a um lapso, por absoluta falta de sustento, já que o seu nome não consta referenciado naquele Auto nem como autuante nem como testemunha. J. No caso, a assinatura deste militar, BB era obrigatória no Auto de notícia para que se pudesse considerar uma manifestação expressa e inequívoca de vontade no processo deste alegado ofendido desejar procedimento criminal contra o Recorrente quanto ao crime de injúria agravada. K. Não se bastando a declaração do militar autuante, CC de que a patrulha desejava procedimento criminal, uma vez que essa afirmação feita pelo seu colega no Auto relativamente ao militar BB, de que também ele desejava procedimento criminal (enquanto agente da patrulha), não foi reiterada/ratificada pelo próprio durante o processo e antes de decorridos 6 meses sobre a data dos factos. L. Assim, ante essa falta de manifestação expressa da vontade por parte do militar BB, não tinha o Ministério Público legitimidade para promover a ação penal e acusar o arguido/Recorrente relativamente àquele militar pelo crime de injuria agravada, nos termos dos artºs. 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, 48.º e 49.º, n.º 1, do C.P.Penal e do art.º 113. °, n.° 1 do Código Penal – como efetivamente não veio a acontecer. M. Não terá sido por essa razão que o Ministério Público acusou o Recorrente pela prática de apenas um crime de injuria agravada contra o ofendido CC, e não também contra o militar BB? A resposta, em nosso ver, só pode ser afirmativa. N. Assim, não tendo o militar BB apresentado queixa pelo crime de injúria agravada contra o aqui Recorrente, o Tribunal a quo também não podia ter condenado o Recorrente pela prática de tal crime, porquanto faltava a condição de procedibilidade relativamente à prática pelo Recorrente daquele crime contra o militar BB. O. A sentença recorrida na parte em que ajuizou sobre o cometimento pelo Recorrente daquele ilícito contra o militar BB, violou o disposto nos artigos 188. ° e 113. °, n.º 1, ambos do Código Penal, ao condenar o Recorrente, pela prática de um crime de natureza semi-pública cuja possibilidade de ação penal dependia do prévio exercício do direito de queixa, que in casu não se verificou. P. Termos em que a decisão recorrida, na parte em que condenou o Recorrente pela prática do crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, nº 1 e 184º do Código Penal contra o militar BB, na pena de 60 (sessenta) dias de multa deve ser revogada.” Pugnando, a final: “Nestes termos (…), deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, revogada a Douta Sentença recorrida na parte em que condenou o Recorrente pelo crime de injuria agravada contra o militar BB.” O recurso foi admitido. O MP respondeu, concluindo que (transcrição): “1 – O recorrente veio invocar que a sentença, na parte em que o condenou pela prática de 1 crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, na pena parcelar de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50, na parte em que se refere ao ofendido BB, violou o disposto nos arts. 188.º e 113.º, n.º 1 do Código Penal, pela falta do exercício do direito de queixa pelo ofendido; 2 – No auto de notícia de fls. 12, elaborado por CC, são relatados factos que consubstanciam a prática pelo recorrente, entre mais, de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, perpetrados contra este e contra o seu colega de patrulha e testemunha, BB; 3 - Nesse autos, BB, surge identificado no campo próprio como vítima, não só este, como o seu colega militar autuante, a par, do que consta no campo próprio da descrição dos factos; 3 - Na descrição dos factos, surge claro que o que motivou a elaboração do auto e a intervenção dos militares, foram expressões proferidas pelo recorrente dirigidas contra ambos os militares, entre os quais, BB, as quais configuram o crime de injúria agravada e perante a advertência dos militares despoletou depois uma reacção não só verbal, mas também física do recorrente; 4 - Termina depois no auto de notícia, fazendo constar que desejam ambos os militares que compõem a patrulha, ou seja, CC e BB, procedimento criminal contra o arguido; 5 - Pelo que, salvo o devido respeito, não exigindo a lei forma especial para o exercício do direito de queixa/participação neste crime de natureza semi-pública, cfr. art. 188.º do Código Penal e arts. 48.º e 49.º do Código de Processo Penal, resulta clara e inequívoca a manifestação do desejo de procedimento criminal, ainda que o auto não se encontre assinado pelos dois militares; 6 - Quando os ofendidos são os próprios agentes da autoridade que presenciaram os factos e procederam à detenção do arguido por esses mesmos factos, e no autos se identifica as “vítimas” do mesmo como sendo os militares e consigna que desejam procedimento criminal, referindo-se a si e ao colega da patrulha, aí identificado como testemunha, salvo o devido respeito, parece-nos mais do que manifestação suficiente e inequívoca que deseja procedimento criminal e se mostra válida e legitima o exercício da acção penal, submissão a julgamento e posterior condenação; 7 - Ademais, em julgamento, ambos os militares manifestaram o desejo de manter o procedimento criminal contra o arguido, incluindo, BB; 8 - Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, com a consequente manutenção da sentença recorrida. Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida.” Pugnando, a final, pelo seguinte: “Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Mmo. Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, que o recurso do arguido deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterada a condenação que lhe foi aplicada, como é de toda a JUSTIÇA.” O Digno PGA neste Tribunal da Relação exarou parecer com o seguinte teor: “Concordo com a resposta ao recurso apresentada pela Exma. Colega, junto da primeira instância, que aqui dou por reproduzida. Assim, sou de parecer que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta sentença recorrida.” Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal1, sem resposta. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa: “II. Fundamentos Factos FACTOS PROVADOS Com relevo para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos: 1. No dia 30 de Setembro de 2022, pelas 4h, quando a patrulha composta pelos militares da GNR CC e BB, em exercício de funções, passava pela Avenida …, em …, o arguido AA dirigiu-se aos mesmos fazendo um gesto vulgarmente conhecido por “pirete”, motivo pelo qual os militares se dirigiram ao arguido. 2. Perante a aproximação dos militares o arguido dirigiu-se aos mesmos verbalizando “vão pró caralho”. 3. Os militares solicitaram ao arguido AA que se identificasse tendo este chamado os militares de “filhos da puta”. 4. O militar CC tentou manietar e algemar o arguido AA. 5. O arguido AA fez gestos com os braços com o intuito de se soltar. 6. Em sequência, as arguidas DD, EE, e FF puxaram o militar CC pelas pernas, braços, pescoço, face e roupa, de modo a impedi-lo de proceder à detenção do arguido AA. 7. O arguido AA foi detido. 8. Durante os acontecimentos supra descritos o militar CC sofreu, de forma não concretamente apurada, as lesões físicas seguintes: uma equimose na pálpebra inferior esquerda e dorso do nariz medindo 6 cm por 3 cm; uma escoriação, medindo 2 mm de comprimento, um pouco acima da narina esquerda; e sangramento do nariz. 9. Durante os acontecimentos supra descritos o coldre e o casaco que o militar CC usava ficaram raspados. O seu casaco ficou com manchas de sangue. O polo que vestia ficou manchado com sangue. 10. Ao actuar do modo descrito o arguido AA teve o propósito de atingir os militares CC e BB na honra. 11. Os arguidos agiram de forma livre e voluntária, sabendo que CC e BB eram militares da GNR em exercício de funções. 12. O militar CC foi assistido no Hospital de …, tendo a Guarda Nacional Republicana suportado despesas médicas no valor de € 115,07. 13. O militar CC deslocou-se ao Gabinete Médico-legal de … em 03/10/2022. * 14. O arguido AA é solteiro, não tem filhos, e vive com os pais. 15. O arguido trabalha como empregado de mesa, auferindo sensivelmente a importância de € 950 por mês. 16. O arguido participa nas despesas da economia doméstica com, sensivelmente, € 450 mensalmente. 17. O arguido AA não regista antecedentes criminais. * (…) * FACTOS NÃO PROVADOS Ficou por provar toda a restante matéria de facto relevante articulada. Designadamente, não se provou: a) Quando os militares pediram a identificação do arguido AA este desferiu um golpe de mão fechada na tentativa de atingir o militar CC na face, o que não conseguiu porquanto este se desviou. b) Quando o militar CC se preparava para proceder à algemagem do arguido AA o mesmo agarrou o militar pelo braço direito, tendo o militar CC aplicado uma técnica de soltura de braço sobre o arguido AA, fazendo com que com o balanço ambos caíssem no solo. c) Quando as arguidas EE e FF se encontravam a agarrar as pernas do militar CC a arguida DD desferiu pontapés na região da cabeça do militar, bem como um soco que o atingiu na face, fazendo com que este de imediato começasse a sangrar abundantemente. d) Em simultâneo o arguido AA desferiu diversos socos sobre o militar CC atingindo-o na face. e) Ao actuar do modo descrito teve o arguido AA o claro e firme propósito, conseguido, de provocar medo e inquietação no militar da GNR GG, bem como afectar a liberdade de determinação deste, ciente de que a sua conduta era adequada a produzir o pretendido efeito o que logrou alcançar. f) Ao actuar do modo descrito tiveram as arguidas DD, FF e EE o claro e firme propósito, conseguido, de impedir que o militar CC procedesse à detenção do arguido AA, tendo para tal atingido o mesmo na sua integridade física. g) Os arguidos AA, FF, DD e EE encontravam-se cientes de que ao actuar do modo descrito poderiam causar estragos ou até mesmo inutilizar o vestuário e acessórios que o militar CC usava, tais como o coldre, o casaco, o polo e as botas, conformando-se com essa possibilidade, a qual se veio a verificar, causando desse modo um prejuízo patrimonial ao militar ofendido correspondente ao valor da substituição dos mesmos. h) Qual o valor da indumentária de CC mencionada no facto 9.” Fundamentação. A. Delimitação do objecto do recurso. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso. A (única) questão a decidir é a da (ir)relevância da dedução da queixa apenas por um dos visados por um dos crimes pelo qual o arguido foi condenado. * B. Decidindo. Questão única a decidir - A (ir)relevância da dedução da queixa apenas por um dos visados por um dos crimes pelo qual o arguido foi condenado. Segundo o art.º 113.º, n.º 1 do Código Penal “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” No caso dos autos, o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de injúria agravada previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal Em tal crime, o ofendido titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação é a pessoa a quem são imputados factos ou a quem são dirigidas as palavras ofensivos da sua honra ou consideração. Por seu turno, tratando-se da forma agravada do crime (citado art.º 184.º do Código Penal), estamos perante um crime semi-público (art.º 188.º, n.º 1), ou seja, um crime em que “a lei exige apenas que o Ministério Público fique dependente de uma mera (…) queixa do ofendido (…).2” Para Figueiredo Dias3, a queixa é “o requerimento feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento criminal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionado”. Em sede processual, a queixa é uma condição de procedibilidade, uma vez que, quando a mesma não é apresentada, sendo obrigatória (crimes semi-públicos) “o MP carece de legitimidade para promover o processo penal.”4 No caso dos autos, consta do auto de notícia, elaborado e assinado apenas pelo Guarda da GNR n.º … CC que “esta patrulha deseja procedimento criminal”. Afigura-se-nos como indiscutível que “patrulha” é apenas uma designação comum de um conjunto de elementos das forças policiais (in casu, da GNR) não titulando quaisquer direitos ou deveres processuais penais diversos de cada um dos elementos que a compõem. O MP, na resposta ao recurso, como vimos, defende que quando os ofendidos são os próprios agentes da autoridade que presenciaram os factos e procederam à detenção do arguido por esses mesmos factos, e no autos se identifica as “vítimas” do mesmo como sendo os militares e consigna que desejam procedimento criminal, referindo-se a si e ao colega da patrulha, aí identificado como testemunha, parece-nos mais do que manifestação suficiente e inequívoca que deseja procedimento criminal. Será assim? Para Jorge dos Reis Bravo e Paulo Pinto de Albuquerque5, a queixa pode manifestar-se por qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por determinado facto. Poderemos deduzir do circunstancialismo apontado que foi dada a conhecer ao MP nos autos uma “intenção inequívoca” de apresentar queixa por parte do militar da GNR BB? Salvo o devido respeito pela posição contrária, entendemos que não. Com efeito, todas aquelas declarações / informações (o desejo de procedimento pela “patrulha”, a identificação dos dois militares como “vítimas” e “testemunha”) apenas foram prestadas pelo aludido militar da GNR CC, sendo totalmente desconhecida a posição do militar da GNR BB quanto à intenção de apresentar queixa, nem sendo possível de a deduzir com um mínimo de segurança de quaisquer outros factos. Neste essencial sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 05/12/2007 proferido no processo n.º 07P3758 (Relator Pires da Graça), disponível em www.dgsi.pt: “Ora, apesar de no referido auto de notícia por detenção, assinado pelo autuante, e indicados os demais agentes policiais como testemunhas, constarem os factos vazados na matéria de facto provada referentes ao crime de injúria agravado (…), não consta do mesmo auto qualquer manifestação inequívoca de que os ofendidos, incluindo o autuante ou participante, subscritor do auto, desejassem procedimento criminal pelo crime de injúria agravado. Não consta que fosse feita queixa por tal crime, quer no auto de notícia (onde o próprio autuante a podia explicitar no que lhe dizia respeito, bem como receber e, assinalar a queixa dos demais colegas que lha tivessem participado), quer posteriormente, durante o inquérito (…).” Assim, não existindo no auto de notícia, nem posteriormente, pelo referido agente da autoridade BB, manifestação inequívoca de vontade de procedimento criminal quanto ao crime de injúria agravada, não pode a mesma presumir-se, e, por conseguinte, não assumindo tal crime natureza pública, não tinha o Ministério Público legitimidade para acusar, devendo determinar-se a absolvição do mesmo, procedendo o recurso. 3 - Dispositivo. Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte em que condena o arguido pela prática de um crime de injúria agravada p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal (em que figura como vítima o militar da GNR BB) na pena de 60 (sessenta) dias de multa, determinando-se, nessa parte, a absolvição daquele, mais se revogando a realização subsequente do cúmulo jurídico, que fica sem efeito. Sem custas. (art.º 522.º, n.º 1) (Processado em computador e revisto pelo relator) Évora, 10/07/2025 Edgar Valente (relator) Artur Vargues (1.º adjunto) Laura Goulart Maurício (2.ª adjunta)
.............................................................................................................. 1 Diploma a que pertencerão as referências normativas ulteriores sem indicação diversa. 2 José António Barreiros in Processo Penal – 1, Almedina, 1981, página 460. Outras designações possíveis, nota o A, são crimes semi-particulares ou semi-privados. 3 Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 665. 4 Manuel Lopes Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, Almedina, 12.ª edição, 2001, página 182. No mesmo sentido, vide A. Castanheira Neves in Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, página 114 (referindo-se à então denominada “denúncia”, equivalente à queixa atual). 5 In Comentário do Código de Processo Penal, 5.ª edição, vol. I, UCP Editora, 2023, página 171. |