Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | PENHORA DE SALDO BANCÁRIO COMPROPRIEDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – Numa conta bancária conjunta presume-se que são iguais as quotas-partes pertencentes a cada um dos titulares. 2 – Não sendo afastada essa presunção, e sendo três os titulares, deve manter-se a penhora que recaiu sobre um terço dos saldos aí existentes em execução movida contra um só dos titulares. (Sumário pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: 1 – Na execução comum, instaurada por Novo Banco SA, de que estes embargos de terceiro são apenso, em que é executada N.S., foi penhorada uma parte das quantias depositadas em duas contas bancárias de que são co-titulares a própria executada e ainda a ora embargante, M.F., e sua filha, M.J.. Reagindo contra as penhoras, veio a embargante M.F. deduzir embargos de terceiro, contra Ares Lusitani STC, SA, que sucedeu nessa posição ao banco exequente, e contra a executada N.S. Alega a embargante que os valores em causa são exclusivamente seus, pedindo por isso que seja levantada a penhora efectuada. Segundo a petição inicial, o que existe nessas contas “refere-se a quantias amealhadas pela embargante ao longo da sua vida”, figurando como co-titulares da conta a sua filha M.J. e a sua irmã N. apenas por facilidades de movimentação (“para desta forma, quer a sua filha quer a sua irmã, poderem a qualquer altura providenciarem pelo bem estar da embargante”, dado que a embargante conta já com 70 anos de idade e tem problemas de saúde). Apenas o embargado-exequente contestou, impugnando a factualidade invocada como fundamento para o pedido, por a desconhecer e se tratar de matéria pessoal. Feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes por não provados os embargos de terceiro e manteve a penhora realizada. * 2 – Em face do decidido, veio a embargante interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que sintetizamos, retirando repetições:Foi considerado como não provado que os montantes existentes nas contas bancárias n.ºs (…) e (…) domiciliadas na “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” são propriedade única e exclusiva da recorrente M.F.V.S.C.. Salvo o devido respeito o tribunal a quo não poderia ter dado como não provado o referido facto, porquanto foi produzida prova nesse sentido. Na verdade, e não se pondo em causa o princípio da livre apreciação da prova, sempre se dirá que a matéria de facto dada como não provada na douta sentença foi incorrectamente julgada. Com efeito, dos autos constam todos os elementos de prova que serviriam de base à decisão sobre os pontos daquela matéria de facto, os quais impunham uma decisão diferente da que foi proferida. No que trata à matéria de facto dada como não provada, verifica-se ter ficado provada toda a matéria, quer pela prova documental que consta dos autos, quer pela prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente pela prova testemunhal através do depoimento da testemunha M.J.S.C., e ainda, das declarações de parte da embargada/executada, N.M.V.S. Porque revestiram toda a veracidade, de forma espontânea e de acordo com todo o alegado nos articulados, devia o tribunal a quo considerar a matéria descrita como provada. Atento o exposto, verifica-se, pois, uma nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil, uma vez que o tribunal a quo, na sua fundamentação de facto e de direito, não tomou em consideração as afirmações proferidas pela testemunha e pela embargada/executada, e decidiu em sentido contrário aos seus depoimentos. Verifica-se que o tribunal a quo deveria ter considerado provada a matéria de facto não provada, uma vez que foi efectuada a sua cabal prova. Ao decidir em contrário à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662º, n.º 1 do NCPC. Todos os depoimentos foram no mesmo sentido, os montantes contidos nas duas contas, uma a prazo, e outra à ordem, foram doados por M.C. à recorrente M.F.. Doação esta que se baseou na condição da aqui Recorrente tratar da sua tia M.C., provendo com tudo o que se mostrasse necessário para o seu bem-estar, bem como, procedendo a situações básicas do dia a dia, como pagar a mensalidade do Lar, comprar roupa, e outras tarefas. Sucede que, a certa altura, o estado de saúde da Recorrente deteriorou-se e a filha, também titular da conta, mas que à data se encontrava desempregada e que passara a integrar um novo emprego, deu lugar à necessidade de uma terceira pessoa para ajudar a cuidar da tia M.C.. Pelo que, foi nessa altura que a recorrida passou também a ser titular da conta, com vista a ajudar a irmã M.F. a cuidar da tia de ambas sempre que fosse necessário, podendo, para tal, movimentar as contas. Ainda quanto à prova documental foram juntos aos autos extratos bancários que comprovam a proveniência dos montantes, nomeadamente a caderneta apresentada, que indica a origem do valor de 94.000,00 euros, doados pela tia M.C.S. à embargante/recorrente M.F.V.S.C.. A referida doação baseou-se no compromisso desta tratar da mesma, como tem acontecido até à presente data, uma vez que a tia tem 95 anos. Mais comprovam os referidos extratos bancários que, quer a embargante, quer a outra titular, não depositaram nenhuma quantia nessa conta, nem tão pouco a movimentaram para usufruto pessoal, mas apenas e só, para prover ao bem estar da tia de M.F., pagando a mensalidade do lar, comprando bens necessários, e demais despesas que surjam. Nunca a embargada, N.M., movimentou sequer as referidas contas, figurando apenas como terceira titular para o caso de um infortúnio. Assim, em consequência de todo o exposto, e à violação do artigo 662, n.º 1 do Código do Processo Civil, quanto à matéria de facto alegada e provada, deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida. * 3 – Pelo exequente/apelado foi apresentada contra-alegação, dizendo em resumo que considerando a prova disponível a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de factonãoémerecedora de qualquer reparo, pelo que deve manter-se inalterada a decisão recorrida e julgar-se improcedente o recurso.* 4 – Como se sabe o objecto de um recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.No caso, em face das conclusões da recorrente, e não se perfilando outras questões a conhecer oficiosamente, o que nos surge para decidir é primacialmente se existe nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil, e depois se a prova existente permite concluir que todas as quantias existentes nas contas bancárias penhoradas são propriedade única e exclusiva da embargante M.F., de modo a declarar como provado o que na primeira instância foi declarado não provado. * 5 – Na sentença impugnada foi dada como provada a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:1. O «Novo Banco, S. A» intentou em 10 de Setembro de 2018 a acção executiva contra N.M.V.S., a qual corre termos neste Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o nº 2895/18.2T8LLE; 2. Por apenso à execução nº 2895/18.2T8LLE (Apenso B), a «Ares Lusitani, STC. S.A» veio requerer a sua habilitação no lugar do exequente “Novo Banco, S. A”, pretensão que viu deferida por decisão de 06 de Dezembro de 2020, que a julgou habilitada em substituição do exequente “Novo Banco, S. A” nos autos de execução nº 2895/18.2T8LLE; 3. Nos autos de execução referidos em 1), no dia 24/10/2019 o senhor Agente de Execução procedeu à penhora do saldo (30.000,00 €) da conta de depósitos a prazo nº (…), domiciliada na “Caixa Geral de Depósitos, S. A” de que são titulares N.M.V.S., M.F.V.S. e M.J.S.C.F.; 4. Nos autos de execução referidos em 1), no dia 24/10/2019 o senhor Agente de Execução procedeu à penhora do saldo (827,97 €) da conta de depósitos à ordem nº (…), domiciliada na “Caixa Geral de Depósitos, S. A” de que são titulares N.M.V.S., M.F.V.S. e M.J.S.C.F.. 5. M.C.S. é/foi titular da conta bancária domiciliada na “Caixa Geral de Depósitos, S. A”, balcão de (…) a que corresponde o IBAN (…), a qual em 11/12/2018 apresentava um saldo de 94.380,43 €; 6. Foi elaborado o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato de Abertura de Conta Poupança. Referencia: SPDI0299-20190318. Agência (…). Produto 402001 Caixa Poupança. Conta Poupança nº (…) EUR. Associada à conta de depósitos à ordem nº (…) EUR. Titular (es) M.F.V.S.C.. M.J.S.C.. N.M.. Pelo presente contrato, a Caixa Geral de Depósitos, S. A (Caixa) e o (s) titular (es) abaixo identificado (s) acordam na abertura de conta poupança, a qual se rege pelas: - Condições Gerais aplicáveis às contas de depósitos a prazo constantes das Condições Gerais de Abertura de Conta e Prestação de Serviços; - Condições da Ficha de Informação Normalizada (FIN) em vigor na Caixa para a conta poupança objecto do presente contrato (Referência: (…); - Demais condições particulares fixadas no presente contrato. Condições Particulares. Periodicidade de pagamento de juros 181 dia(s). Capitalização de juros. Sim. Conta de depósitos para pagamento de juros (…) EUR. Renovação automática: sim (…) Data: 02 de maio de 2019 (…)”; 7. Foi elaborado o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato de Abertura de Conta e Prestação de Serviços. Referencia: SPDI0276-20180101. Agência (…). Conta de depósito à ordem de referência nº (…) EUR. Produto 400001 Conta Extracto. Nome: M.F.V.S.C.. Condições de movimentação: Conta Individual ou com Solidariedade. Data da abertura: 2019-05-02. Nº de intervenientes: 3. Nº de titulares: 3. Intervenção: 1. Titular. Nome: M.F.V.S.C. (…) Intervenção: 2. Titular. Nome: M.J.S.C. (…) Intervenção: 3. Titular: Nome: N.M. (…) Pelo presente contrato a Caixa Geral de Depósitos, S. A (Caixa) e o(s) titular(es) abaixo identificado(s) acordam na abertura de conta de depósitos à ordem como conta de referência, bem como na prestação de serviços associados a essa conta de referência com a celebração do presente contrato, que se regem pelas: - Condições Gerais de Abertura de Conta e Prestação de Serviços em vigor na Caixa (Referência: ICGDPT0207-20190201); - Condições da Ficha de Informação Normalizada (FIN) em vigor na Caixa para a conta de depósitos à ordem objecto do presente contrato (…) Data: 02 de maio de 2019 (…)”; 8. A «Caixa Geral de Depósitos, S. A» emitiu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Extrato Global. Agência (…) Exma Senhora M.F.V.S.C.. (…). Cliente: (…). Extrato nº 001/2019. Emissão 2019-06-07. Período: 2019-05-01 a 2019-05-31 (…) Resumo do Extrato. Património. À Ordem. Saldo: 4.400,00. A Prazo/Poupança: 90.000,00. Total EUR: 94.400,00 (…) Depósitos à Ordem. Conta Extracto (…). (…) Data Mov. Descrição: Saldo Anterior. Saldo contabilístico: 0,00. Data Mov. 2019-05-02. Data valor: 2019-05-02. Descrição: Transferência (…). Valor: 94.000,00. Saldo Contabilístico: 94.000,00. Data Mov. 2019-05-02. Data Valor: 2019-05-02. Descrição: TRF Poupança (…). Valor: - 90.000,00. Saldo contabilístico: 4.000,00. Data Mov. 2019-05-03. Data Valor: 2019-05-03. Descrição: TRF M.C.S. (…). Valor: 400,00. Saldo Contabilístico: 4.400,00”; 9. A «Caixa Geral de Depósitos, S. A» emitiu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Extrato Global. Agência (…) Exma Senhora M.F.V.S.C.. (…) Cliente: (…). Extrato nº002/2019. Emissão 2019-07-12. Período: 2019-06-01 a 2019-06-30 (…) Resumo do Extrato. Património. À Ordem. Saldo: 4.400,00. A Prazo/Poupança: 90.000,00. Total EUR: 94.400,00 (…) Depósitos à Ordem. Conta Extracto (…) (…) Data Mov. Descrição: Saldo Anterior. Saldo contabilístico: 4.400,00. Data Mov. 2019-06-01. Data valor: 2019-06-01. Descrição: Comissão Conta Caixa. Valor:- 4,16. Saldo Contabilístico: 4.395,84. Data Mov. 2019-06-11. Data Valor: 2019-06-11. Descrição: TRF M.J.S. (…). Valor: 4,16. Saldo contabilístico: 4.400,00”; 10. A «Caixa Geral de Depósitos, S. A» emitiu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Extrato Global. Agência (…) Exma Senhora M.F.V.S.C.. (…). Cliente: (…). Extrato nº 006/2019. Emissão 2019-11-01. Período: 2019-10-01 a 2019-10-31 (…) Resumo do Extrato. Património. À Ordem. Saldo: 4.411,64. A Prazo/Poupança: 90.005,43. Total EUR: 94.417,07 (…) Depósitos à Ordem. Conta Extracto (…) (…) Data Mov. Descrição: Saldo Anterior. Saldo contabilístico: 4.286,82. Data Mov. 2019-10-05. Data valor: 2019-10-05. Descrição: Comissão Conta Caixa. Valor: - 2,91. Saldo Contabilístico: 4.283,91. Data Mov. 2019-10-28. Data Valor: 2019-10-28. Descrição: Transferência (…). Valor: - 3.455,94. Saldo contabilístico: 827,97. Data Mov. 2019-10-28. Data Valor: 2019-10-28. Descrição: Transferência (…). Valor: 60.000,00. Saldo Contabilístico: 60.827,97. Data Mov. 2019-10-28. Data Valor: 2019-10-28. Descrição: Transferência (…). Valor: - 60.000,00. Saldo Contabilístico: 827,97. Data Mov: 2019-10-28. Data Valor: 2019-10-28. Descrição: TRF M.C.S. (…). Valor: 5,82. Saldo Contabilístico: 833,79 (…)”. * 6 – Na mesma sentença foi declarado não provado “que os montantes existentes nas contas bancárias nºs (…) (depósito a prazo) e (…) (depósito à ordem) domiciliadas na “Caixa Geral de Depósitos, S.A” são propriedade única e exclusiva da embargante M.F.V.S.C., referindo-se a quantias amealhadas ao longo da sua vida”, sendo esta a parte do julgamento da matéria de facto que a apelante impugna e pretende ver alterada.* 7 – Fundamentando a sua decisão quanto à matéria não provada escreve-se na sentença recorrida:“A Embargante alegou que os montantes existentes nas contas bancárias domiciliadas na “Caixa Geral de Depósitos, S. A” e sobre os quais incidiu a penhora efectuada nos autos de execução são propriedade única e exclusiva sua, referindo-se a quantias amealhadas ao longo da sua vida, pelo que recaía sobre ela a prova de tal alegação (cfr. artigo 342º, do Código Civil), mas não logrou a Embargante fazer prova de que os montantes em causa lhe pertenciam apenas a si e que fossem referentes a quantias por si amealhadas ao longo da sua vida, desde logo porque após a apresentação da petição de embargos apresentou requerimento com a Refª CITIUS 37739350 onde alega que os montantes em causa lhe foram oferecidos pela sua tia M.C.S., com 95 anos de idade, com o compromisso de tratar dela, e juntou aos autos cópia da caderneta da conta bancária domiciliada na “Caixa Geral de Depósitos, S. A” a que corresponde o IBAN (…), de que é titular M.C.S., conta que em 11/12/2018 apresentava um saldo de 94.380,43 € e juntou também os documentos emitidos pela “Caixa Geral de Depósitos, S. A”, datados de 02/05/2019 dos quais resulta que nessa data foi aberta uma conta poupança em nome da embargante, de sua filha, M.J.S.C. e de sua irmã, a executada N.M. e foi também aberta nessa data uma conta de depósitos à ordem a que foi atribuído o número (…) sendo titulares da mesma a embargante, a sua filha M.J.S.C. e a sua irmã, a executada N.V.S. e a embargante juntou também aos autos os extractos bancários emitidos pela “Caixa Geral de Depósitos, S. A” relativos à conta de depósitos à ordem nº (…), resultado do extracto nº 001, com data de emissão de 07/06/2019 e referente ao período de 01/05/2019 a 31/05/2019 que no dia 02/05/2019, ou seja no dia em que foi aberta a dita conta, foi transferido para a mesma o montante de 94.000,00 €, e no dia seguinte, dia 03/05/2019 foi transferido o montante de 400,00 € por M.C.S., pelo que a nosso ver inexistem quaisquer dúvidas de que os montantes em causa, ao contrário do alegado pela embargante na petição inicial não lhe pertencem apenas a si e não foram por si amealhados ao longo da vida, mas são outrossim provenientes da conta bancária titulada por M.C.S. e foram transferidos para a conta bancária de depósitos à ordem domiciliada na “Caixa Geral de Depósitos, S. A”, aberta no dia 02/05/2019 da qual são titulares, para além da embargante M.F., a sua filha, M.J.C. e a sua irmã, a executada N..” Antes desta passagem, e para além da análise detalhada aos documentos bancários pertinentes, consignou também o julgador que: “Foi valorado o depoimento de M.J.S.C., de 44 anos de idade, Arquitecta, filha da Embargante M.F.V.S.C. e sobrinha da Embargada/executada N.M., esclarecendo que a sua tia/avó, M.C. deu a sua mãe o dinheiro que foi usado para abertura das contas na Caixa Geral de Deposito (depósito à ordem e depósito a prazo) na condição dela (mãe da depoente) tratar dela, contas essas que foram abertas em nome da depoente e de sua mãe, e, posteriormente, devido a problema de saúde da mãe da depoente que tem cerca de 70 anos de idade, foi adicionado a essas contas o nome de N.M.. Foram valoradas as declarações de parte da Embargada/executada N.M.V.S., de 60 anos de idade, divorciada, Oficial dos Registos e Notariado, esclarecendo que inicialmente eram titulares das contas bancárias a sua irmã, M.F.C. e a sua sobrinha M.J., e os montantes existentes nas mesmas, cerca de 94.000,00 € tinham sido doados pela tia da depoente e de M.F.C., M.C., pessoa com mais de 90 anos de idade, à M.F.C. com a condição desta tratar dela. Mais referiu que nunca movimentou as referidas contas. O Tribunal valorou as declarações de parte da Embargante M.F.V.S.C., de 70 anos de idade, casada, aposentada, esclarecendo que possui uma conta na “Caixa Geral de Depósitos, S. A” onde está depositado o dinheiro que lhe foi dado pela sua tia e tem usado o dinheiro dessa conta para pagar o Lar onde a tia se encontra, sendo que inicialmente a conta foi aberta em seu nome e no nome de sua filha, e quando a declarante começou a ter problemas de saúde adicionou à conta o nome da irmã N. porque se a declarante ficasse incapacitada a sua irmã N. trataria da tia C..” * 8 - Tendo presentes os elementos a considerar, resta-nos apreciar e decidir sobre as questões colocadas a esta segunda instância.a) Antes do mais, surge a questão da nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil, que surge mencionada nas conclusões do recurso. Diz a recorrente a este respeito que “o tribunal a quo, na sua fundamentação de facto e de direito, não tomou em consideração as afirmações proferidas pela testemunha e pela embargada/executada, e decidiu em sentido contrário aos seus depoimentos” e que “o tribunal a quo deveria ter considerado provada a matéria de facto não provada, uma vez que foi efectuada a sua cabal prova.” Como é evidente, não estamos no domínio da nulidade referida. A recorrente está simplesmente a dizer que discorda da valoração efectuada pelo tribunal em relação a certos meios de prova, que na realidade este considerou, e a que fez expressa referência na fundamentação que apresentou (veja-se o excerto da fundamentação acima transcrita), só não extraindo deles a conclusão pretendida pela apelante. Como decorre claramente da norma aludida, a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC ocorre quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação diversa da pretendida pelo arguente. É isso que significa estatuir que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Não existe tal nulidade quando se discute um hipotético erro de julgamento (que a recorrente aliás sustenta existir, ao defender que a prova a que se refere devia levar a que se desse como provada a factualidade que o tribunal deu como não provada). O legislador previu nesta sede vícios de natureza formal, violações claras do silogismo judiciário, situações em que as premissas contradizem a conclusão, por esta tomar um sentido completamente contrário a elas. A jurisprudência é unânime em proclamar que o erro de julgamento não integra a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC. Consequentemente, não nos alongaremos mais sobre esta questão, que aliás surge no contexto das alegações de modo que nos parece equivocado: a recorrente pretende na realidade aludir ao erro de julgamento da matéria de facto dada como não provada, que sustenta existir, como argumenta ao longo de todo o seu articulado. Não existe no caso qualquer nulidade, como entendido na primeira instância. * b) Temos portanto a considerar, como questão realmente colocada no recurso, a impugnação do julgamento da matéria de facto na parte dada como não provada.A recorrente apela repetidamente ao disposto no art. 662º, n.º 1, do CPC (“a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”) para exprimir a sua pretensão de que nesta instância seja alterada a decisão quanto à matéria declarada não provada, pedindo decisão no sentido oposto. Diga-se que a recorrente cumpriu devidamente os ónus que sobre ela impendiam ao impugnar a matéria de facto, regulados no art. 640º do CPC, indicando concretamente quais os concretos meios de prova que a seu ver impunham a decisão que procura, e quais os pontos que por esses meios probatórios pretende ver modificados. Visto o corpo das alegações de recurso, consideramos, portanto, que está validamente impugnado o julgamento da matéria de facto na parte referente à factualidade não provada. Porém, não é possível descortinar como se pode concluir que a prova indicada pela recorrente impunha decisão diversa da recorrida. A penhora contra a qual reage a embargante, realizada a 24/10/2019, incidiu sobre a conta de depósito a prazo nº (…), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos SA de que são titulares N.M.V.S., M.F.V.S. e M.J.S.C.F., e a conta de depósitos à ordem nº (…), associada à primeira, em que são as mesmas as titulares – e a embargante começou por alegar que os montantes existentes nessas contas eram apenas de sua pertença e referiam-se a quantias amealhadas ao longo da sua vida (vide artigos 12º a 14º da petição inicial de embargos). Consequentemente, o objecto do litígio, como resultava dos articulados e foi considerado na audiência prévia, e no julgamento, consistia em saber se todas as quantias existentes nas contas bancárias penhoradas, a que correspondem o IBAN (…) e o IBAN (…), domiciliadas na Caixa Geral de Depósitos SA são propriedade única e exclusiva da embargante M.F.V.S.C., por serem quantias amealhadas por ela ao longo da sua vida. Ora a própria embargante, contrariando a versão alegada na petição inicial, a 20-11-2019, veio agora defender que as quantias em disputa são exclusivamente suas mas por lhe terem sido doadas por uma sua tia, M.C.S.. Esta nova versão surge pela primeira vez num requerimento de 18-01-2021, quando a embargante juntou os documentos bancários que constam dos autos, designadamente os contratos de abertura das contas em causa e os pertinentes extractos bancários, e também os documentos que se reportam à origem dos valores depositados nessas contas (a conta da falada tia C.). Portanto, a própria embargante afastou a factualidade sobre a qual assentou a sua petição de embargos e que constituía objecto do processo. Todavia, e ainda assim, consideremos que era processualmente legítima a alteração referida, sem cuidar agora das dificuldades de enquadramento jurídico-processual que daí resultam, e vejamos, para estes efeitos da impugnação da matéria de facto, se a embargante logrou demonstrar que os valores existentes nas ditas contas são de sua exclusiva propriedade, ainda que por força da nova narrativa. Não cabe duvidar de que, como estabelece o art. 342º, n.º 1, do Código Civil, compete à embargante o ónus da prova: é aquele que invoca um direito que deve fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. Examinada a prova indicada pela recorrente nas suas alegações (o depoimento como testemunha de sua filha M.J., também, titular das contas, e as declarações de parte de sua irmã N., executada e titular das mesmas) constata-se que ambas tentam sustentar essa segunda versão trazida ao processo. As quantias pertenceriam apenas à embargante M.F., porque a tia M.C., já com mais de 90 anos, lhe teria feito doação das mesmas, apenas a ela, figurando a filha e a irmã como titulares apenas para efeitos de facilitar a movimentação das contas, por a própria embargante já contar 70 anos e ser pessoa doente. Nota-se desde logo uma discrepância entre estes relatos e o teor dos documentos quando se atenta em que as três titulares figuram como tal desde o princípio das contas, como consta dos próprios contratos de abertura, não sendo nenhuma delas titular aditada posteriormente, como aflora desses relatos. E sobram as razões de perplexidade quanto a esta versão. Se efectivamente a preocupação era apenas assegurar a fácil movimentação das contas quando a titular, embargante, estivesse em dificuldades por doença, então, como é do conhecimento comum, não era necessário que figurassem outras como titulares, bastava que uma delas ou ambas ficasse autorizada a fazer essa movimentação em nome da titular. Diga-se que também não se encontra explicação para que as duas assumissem essa qualidade de titulares, se fosse esse o fim em vista, visto que se a embargante conta 70 anos a filha por seu turno tem apenas 44 (como declara na acta do julgamento), não constando que também estivesse em sérias dificuldades para assegurar a movimentação das contas (e se estivesse não seria compreensível a sua presença, atenta essa finalidade, visto que não a poderia servir). Dificilmente se compreende a presença como titular da executada/embargada, se a explicação for apenas essa da facilidade da movimentação das contas por parte da própria embargante. Acrescente-se que, admitindo-se que todas as quantias existentes nas contas tivessem a proveniência referida (a tia M.C.), como se depreende da documentação disponível, não se encontra explicação razoável, até fazendo apelo às regras da experiência comum, que a invocada doação fosse feita apenas a uma das sobrinhas, em detrimento da outra, e apesar disso ambas ficassem como titulares das contas abertas para receber esses valores (no decurso das suas declarações de parte foi inclusivamente perguntado à executada/embargada se estaria de más relações com sua tia, tendo ela respondido que não, apenas que existia uma maior proximidade entre esta e a irmã). Em suma, e para terminar, apreciada a prova produzida em julgamento (que se resume ao depoimento testemunhal de M.J.S.C., filha da embargante e titular das contas em questão, e às declarações de parte da executada e da própria embargante, que como se disse são irmãs e ambas titulares das mesmas contas) e conjugada com a documentação disponível nos autos, este tribunal de recurso acompanha a convicção formada na primeira instância, confirmando o julgado e mantendo por consequência inalterada a matéria de facto. * c) Resolvida a questão da impugnação da matéria de facto, ficou em consequência decidida a questão jurídica conhecida na douta sentença revidenda.Diga-se aliás que nenhum reparo foi feito pela recorrente no respeitante à aplicação do Direito, e também nós julgamos que o decidido não merece censura. As quantias penhoradas pelo agente de execução corresponderam a um terço dos saldos existentes nas contas tituladas pelas três titulares já mencionadas (a executada, a embargante, e a testemunha M.J.). Assim sendo, como se consignou na sentença recorrida, não tendo sido ilidida a presunção a que alude o nº 5 do artigo 780º, do Código de Processo Civil (sendo vários os titulares do depósito, o bloqueio incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais) presume-se que as quotas das três titulares são iguais, e tendo sido penhorada apenas 1/3 dos saldos existentes em cada uma das contas, com observância do disposto no nº 5, do artigo 738º, do Código de Processo Civil, não se pode concluir de outro modo que não seja no sentido de que a penhora efectuada não ofendeu qualquer direito da embargante M.F. Consequentemente, deve manter-se a decisão, improcedendo o recurso em apreço. * DECISÃONos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. Custas pela apelante. * Évora, 10 de Março de 2022José Lúcio Manuel Bargado Francisco Xavier |