Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BARATA DE BRITO | ||
Descritores: | PERÍCIA EXAME À ESCRITA CONCLUSÕES | ||
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Data do Acordão: | 05/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Da circunstância de um exame pericial à letra do arguido se revelar inconclusivo quanto à identificação deste como autor das assinaturas suspeitas não se retira que não possa ter sido ele a diligenciar pela aposição das assinaturas ou mesmo a fabricá-las por sua própria mão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 7545/08.2TDLSB.E1 Acordam na Secção Criminal: 1. No Processo nº 7545/08.2TDLSB do Tribunal Judicial de S foi proferida sentença em que se condenou o arguido JMHF como autor de um crime de falsificação de documento do artº 256º nº 1, alíneas c), e) e f), do C. Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, o que perfaz a multa total de 1.120,00 €. Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “A) Foi o Recorrente condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º n.º 1,alíneas c), e) e f) do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €7,00, no montante global de €1.120,00. B) Formou o tribunal a quo a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como dos documentos juntos e constantes dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do disposto no art. 127.º Código de Processo Penal. C) Por não concordar com a decisão proferida quanto à matéria de facto vem o Recorrente impugnar os factos dados como provados nos pontos 2), 3), 6 (parcialmente na parte em que refere que o arguido não dava conhecimento a Cecília Duarte da gestão das aplicações financeiras), 9), 10), 11), e 14) a 19). D) Salvo o devido respeito, julgou o tribunal a quo incorrectamente os factos supra identificados, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida qualquer prova, sendo que alguns dos factos provados não foram sequer fundamentados, não podendo servir, como serviram para formar a convicção do tribunal. E) O Tribunal deu como provado nos pontos 2), 3), 6) e 9) que o arguido decidiu aumentar o seu património à custa da Ofendida, e que para tanto sem o conhecimento ou consentimento desta, diligenciou pelo envio ao banco dos documentos constitutivos dos penhores e declaração de constituição do banco como único beneficiário do PPR constituído anteriormente, quando, na realidade, não o deveria ter efectuado, pois nenhuma prova foi feita em sede de audiência de discussão e julgamento, pois a única testemunha a ser ouvida nada disse em relação a esses factos. F) Refere o tribunal a quo que a testemunha PAS, referiu, com relevo, que teve, no negócio que está subjacente aos factos em discussão, uma intervenção meramente administrativa, limitando-se a confirmar as assinaturas apostas por semelhança com as que constam das fichas de cliente, conforme estipulado internamente pelo banco, prosseguindo a douta decisão ora impugnada, relativamente ao depoimento da testemunha “Ainda que, tais documentos foram entregues no então designado Núcleo de Empresas do BPN, na cidade de S e chegaram internamente até si, para efeitos de conferência das assinaturas nele apostas, já que as funções que exercia eram de responsável pela agência do BPN de S, que funcionava em espaço físico diferente do mencionado Núcleo de empresas, não estando integrado na estrutura comercial do mesmo(…) Esclareceu ainda que, os documentos de constituição do penhor não lhe foram entregues directamente, presumindo que quem procedeu à sua entrega terá sido o arguido, sendo que na altura, as contas bancárias respectivas eram contas solidárias, que podiam ser movimentadas por qualquer um dos titulares.” G) No entanto não é isso que resulta do depoimento da testemunha, conforme supra referido, já que este não confirma sequer que tenha sido o próprio a conferir as assinaturas por semelhança com aquelas constantes da ficha de cliente, ou sequer a receber a documentação respectiva, pelo que, nenhum daqueles pontos poderá ser considerado como matéria de facto provada. H) Aliás, é a conclusão a que o tribunal a quo acaba por chegar: “Aqui chegados e em face dos depoimentos prestados o tribunal admite não existir uma prova absolutamente cabal e directa de que tenha sido, de facto, o arguido a apor as assinaturas nos documentos constitutivos dos penhores.” I) Contudo e face à inexistência de prova produzida, o tribunal a quo, não hesitou em condenar o arguido pelo crime de falsificação, o que não se pode aceitar face aos princípios penais e constitucionais vigentes na nossa ordem jurídica. J) Ainda, relativamente aos factos dados como provados nos pontos 14) a 19) da douta sentença, concretamente quanto à intenção que subjaz à prática do crime em apreço, nenhuma prova foi produzida nesse sentido em audiência de julgamento, e, bem assim, ainda quanto aqueles pontos, quanto aos elementos objectivos do tipo legal do crime em análise, concretamente a realização das assinaturas da Ofendida para elaborar documento falso, não existe nos autos qualquer prova directa da sua realização por parte do arguido. K) Fazendo apelo às regras de experiência comum, e por ter havido restituição dos montantes em causa à ofendida, o tribunal a quo formou a convicção de que o arguido praticou de facto o crime em causa, mesmo não havendo prova suficiente que assim o confirmasse ou sequer indiciasse, tendo aquela conduta bastado para formar a convicção do tribunal. L) Na realidade tais conclusões e presunções são falaciosas, pois não explicam porque é que a ofendida, por um lado, abriu uma conta solidaria com o arguido e a filha deste, e por outro, porque é que após o recebimento do seu dinheiro não mais quis prestar o seu depoimento no processo, M) Será que a estratégia delineada pela ofendida, a fim de recuperar o seu dinheiro, não passava pela apresentação de uma queixa-crime contra o arguido, baseada em factos falsos, tanto mais que para o Banco, as assinaturas da abertura de conta e das declarações dos penhores são semelhantes? N) Decorre do princípio de livre apreciação da prova consagrado no art 127.º C. Proc. Penal, que, não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. O) Porém, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo, visto que este princípio de direito constitui uma regra legal de decisão em matéria de facto, segundo a qual o tribunal deve decidir a favor do arguido se não se encontrar totalmente convencido da verdade ou falsidade de um facto, isto é, se permanecer em estado de dúvida sobre a realidade do mesmo. P) Aliás, a condenação de um arguido pelas regras de experiência comum, com o devido respeito, só faz sentido quando é produzida alguma prova inequívoca nos autos, a qual poderá ser complementada com aquelas regras de experiência comum, o que não aconteceu no presente processo. Q) Ora, em análise à matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, entende o Recorrente que, ao considerar provado os factos constantes nos pontos 2), 3), 6 (parcialmente), 9 (parcialmente), 10), 11), e 14) a 19), e conforme adiante melhor se demonstrará, foi violado o princípio in dubio pro reo, pelo que, devem os mesmos ser julgados como não provados. R) Descreve a douta decisão “Em tal exame, concluiu-se com relevo, que: …no que diz respeito ao confronto das assinaturas da Ofendida com as assinaturas do Recorrente concluiu o exame pericial que: ”A reduzida quantidade e qualidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto da escrita suspeita das assinaturas “CD” apostas nas cartas de fls. 49 a 51, com a dos autógrafos de José Manuel de Henrique Figueiredo (…), bem como o traçado lento, desenhado e com paragens das assinaturas suspeitas, o que indicia a sua obtenção eventualmente por imitação, não permitem obter resultados conclusivos”. S) Conforme já referido, o princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, sofre limitações que decorrem do grau de convicção exigido para a decisão, da proibição dos meios de prova, da observância da presunção de inocência e da salvaguarda do «princípio in dubio pro reo». T) Relativamente ao princípio in dubio pro reo impõe-se afirmar que o mesmo implica que não possamos considerar provados os factos que, apesar da prova produzida, “não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal”, ou seja, sempre que o tribunal se depare com um facto pouco claro, que lhe levante dúvidas (non liquet), deverá, o mesmo, em sede probatória, ser valorado a favor do arguido. U) Assim “…a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; enquanto o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. Constituindo, pois, como que a face e o verso da realidade: a livre convicção cessa perante a dúvida razoável e a dúvida não pode aceitar-se quando não for razoável”, cfr. neste sentido o Acórdão da Relação do Porto, 4ª secção (2ª secção criminal), Proc. nº 564/07.8PAVCD.P1 V) O Mmo. Juiz a quo, decidindo contrariamente ao resultante do relatório pericial, violou o disposto no art. 163.º do Código de Processo Penal, que preceitua, no seu n.º1, que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, e o seu n.º 2 que refere que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência. W) Este artigo fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção “júris tantum” de validade do parecer técnico, científico ou artístico ofertado pelo perito, que obriga o julgador. O que determina que a conclusão a que chegou o perito só pode ser afastada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser de argumentos, da mesma forma, científicos (n.º 2 do artigo 163.º), o que não sucede na douta sentença. X) Face ao exposto, do valor do relatório pericial, testemunhal e documental produzida, afigura-se que esta prova não permite alcançar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável quanto à autoria pelo Recorrente dos factos em apreço. Z) Também será relevante referir que o ora recorrente não partilha da fundamentação do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, no que respeita à valoração do silêncio do arguido na audiência de julgamento, visto que o arguido, face à conjugação do seu silêncio com a escassa prova produzida, acabou por ser prejudicado ao ter sido condenado por um crime que não cometeu. AA) Aliás, utilizando o mesmo raciocínio e fundamentação, o Meritíssimo Juiz, em momento algum, não parou para pensar e valorar o silêncio da ofendida, pois se o tivesse efectuado da mesma forma que relevou o silêncio do arguido teria necessariamente que o absolver. AB) Assim sendo e salvo melhor opinião, o silêncio do arguido, no presente caso concreto, foi valorado em seu desfavor, o que não deveria ter acontecido, pelo que, a prova produzida nos presentes autos impunha ao tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta da sentença recorrida, sendo a absolvição do Recorrente a única solução possível. AC) Em suma, o tribunal a quo, violou o art. 32.º n.º2, princípio in dubio pro reo, da CRP e os arts. 97.º n.º5, 127.º, 163.º e 374.º n.º2 todos do CPP. AD) Estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio in dubio pro reo, que determina que os factos deverão receber tratamento distinto no momento da emissão do juízo, os factos favoráveis ao arguido e os que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exigem certeza“. AE) O recurso a presunções e “regras de experiência comum” para proferir a decisão, nos moldes que constam da fundamentação da decisão em apreço, constituiu uma clara violação do princípio in dúbio pro reo, pois como defende Germano Marques da Silva “…enquanto não for demonstrada, provada, a culpabilidade do Arguido não é admissível a sua condenação. Por isso que o princípio da presunção da inocência seja identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, e que efectivamente o abranja, no sentido de que um non liquet na questão da prova deva ser sempre valorado em favor do Arguido. Em tal situação, o princípio da presunção da inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade, ou seja, princípio contrário, princípio da presunção da culpa, AF) Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 1998: “A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos; dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável…, in Colectânea de Jurisprudência, Acs. Do Supremo Tribunal de Justiça, ano VI, tomo 3, pág.201. AG) Em suma, o tribunal a quo violou gravemente o princípio in dubio pro reo, por ter recorrido de forma inadmissível às denominadas “regras de experiência comum” para dar provada matéria que, segundo se admite na própria sentença, não resulta da prova documental e testemunhal produzida, assentando a decisão em raciocínios hipotéticos de natureza puramente especulativa e não em quaisquer elementos de prova. AH) De acordo com a doutrina e jurisprudência, uma decisão padece do vício previsto na alínea c) do artigo 410.º, n.º2 do Código de Processo Penal, sempre que do texto da mesma resulte um erro ostensivo, de tal forma evidente que não passe despercebido ao homem de formação média, incluindo-se neste tipo de erro as situações em que do texto da decisão se retira, de forma evidente, que o tribunal, na apreciação da prova que fez, não ter angariado prova suficiente para dar provados os factos da acusação, acabou por decidir contra o Arguido. AI) Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.04.1998, in BMJ,n.º 476, página 82: “ Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais do que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o Arguido”. AJ) Em suma, a prova testemunhal/documental/ experiência comum invocadas pelo tribunal a quo é claramente insuficiente para a decisão, importando a decisão tomada um vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Penal, que ora se invoca com todas as legais consequências. AK) Decorrendo também daqui que, a decisão padece do vício a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição, por formulação incorrecta de um juízo, i.e. a conclusão extravasa as premissas e a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. AL) Assim, da análise da matéria de facto dada como provada na douta sentença aquo e da respectiva fundamentação, por si só e conjugada com a prova produzida em audiência e com as regras da experiência comum, decorre um erro de julgamento, padecendo a douta decisão dos vícios invocados e previstos no n.º 2 do art. 410° do Cód. Proc. Penal, concretamente, o constante na al. a), de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; e o constante na al. c) de erro notório na apreciação da prova, nos termos supra descritos. AM) Por último, entende o ora recorrente que não se encontram verificados todos os elementos do tipo legal do crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.º,designadamente, “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documentos; e) usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. AN) Constituem elementos do tipo criminal de falsificação de documento, a intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo, como elemento subjectivo, para a qual é exigida dolo específico e o acto de falsificação do documento, como elemento objectivo. AO) Quanto ao elemento objectivo do tipo legal de crime em análise, concretamente, o abuso das assinaturas de outras pessoas para elaborar documento falso, não há nos presentes autos qualquer prova directa da sua realização por parte do arguido, pelo que as conclusões do Mmo. Juiz a quo, patentes na douta sentença, quanto à culpabilidade e autoria do arguido na falsificação da assinatura da Ofendida, são totalmente carecidas de fundamento e de prova.” O Ministério Público não respondeu ao recurso mas, neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer pronunciando-se no sentido da rejeição do recurso da matéria de facto e da improcedência do recurso na parte restante. Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência. 2. Na sentença consideraram-se os seguintes factos provados: “1) O arguido é administrador da sociedade, “JF – Investimentos e Gestão, S.A.” 2) Em data não concretamente apurada, mas que se situa em meados de 2004, sabendo que CD, sua irmã, era possuidora de quantias monetárias que tinha aplicadas em certificados de aforro, o arguido decidiu aumentar o seu património à custa das mencionadas quantias. 3) Na concretização desse propósito, o arguido dirigiu-se à sua irmã sugerindo que lhe entregasse todos os valores relativos a tais quantias, para que ele os pudesse aplicar em produtos financeiros com juros mais favoráveis. 4) Por ter absoluta confiança no seu irmão, CD endossou-lhe um cheque no valor das quantias que tinha investidas, para que este as aplicasse como achasse mais conveniente. 5) Na posse dessas quantias, o arguido dirigiu-se à agência do BPN de S e abriu uma conta, com o nº 21766579.10.001, em seu nome e da depoente, a partir da qual constituiu três depósitos a prazo e um PPR, sendo: • PPR Real Seguros Apólice nº 61/016740, no valor de 125.000,00 €; • Depósito a Prazo Oriente Cta – 21766579.20.003, no valor de 37.500,00 €; • Depósito a Prazo Oriente Cta – 21766579.20.002, no valor de 7.500,00 €; e • Depósito a Prazo Oriente Cta – 21766579.20.004, no valor de 25.000,00 €. 6) Era o arguido quem geria as mencionadas aplicações, sem que desse qualquer conhecimento a CD, levando-lhe, sempre que necessário, documentos para assinar, o que esta fazia por confiar inteiramente no irmão. 7) Por necessitar de um financiamento para a empresa “JF – Investimentos e Gestão, S.A.”, o arguido, enquanto seu administrador, celebrou, em 27/12/2006, com o BPN um contrato de abertura de crédito sob a forma de desconto de livrança, no valor de 360.000,00 €. 8) Para que tal financiamento lhe fosse concedido, o arguido deu em penhor e como garantia do pagamento da referida quantia, todos os valores constantes dos depósitos e PPR identificados em 5). 9) Para tanto, o arguido, sem conhecimento ou consentimento de CD, diligenciou pelo envio ao BPN de declarações de constituição de penhor referentes a cada um dos mencionados depósitos e a prazo, bem como declaração irrevogável de constituição do BPN como único beneficiário do PPR, enquanto durassem as obrigações decorrentes do financiamento à “JF – Investimentos e Gestão, S.A.”. 10) Todas essas declarações tinham apostas assinaturas de CD, sem que, contudo, tenham sido escritas pelo punho desta. 11) De facto, com o único fim de obter o mencionado financiamento de 360.000,00 €, o arguido diligenciou para que a assinatura de CD fosse aposta nas declarações de constituição de penhor, única forma de obter o desejado financiamento. 12) Em consequência da conduta do arguido, CD perdeu o total acesso às quantias de sua exclusiva propriedade referidas no ponto 5). 13) Tanto assim foi que, durante o ano de 2008, CD necessitou de levantar parte do dinheiro aplicado tendo, então, sido informada pela instituição bancária que estava impedida de movimentar tais aplicações porque existia um penhor sobre as mesmas. 14) Com a sua conduta o arguido logrou obter um financiamento de 360.000,00 €, que não lhe seria concedido de outra forma e em consequência, CD ficou impossibilitada de dispor livremente do dinheiro de sua exclusiva propriedade que havia amealhado, ficando com um prejuízo equivalente. 15) O arguido sabia que não podia diligenciar para que a assinatura de CD fosse aposta nas declarações de constituição de penhor, pois que, além de agir sem o consentimento e conhecimento daquela, estava a substituir-se àquela em algo que só a própria poderia fazer, vinculando-a a obrigações que não havia assumido. 16) O arguido estava ciente que ao apresentar ao banco as mencionadas declarações já assinadas, fazia crer que tais assinaturas haviam sido apostas pela sua titular, gerando a convicção de que eram documentos legítimos. 17) Sabia, igualmente, que com a sua conduta causava prejuízos ao Estado na medida em que afectava, além do mais, o seu interesse na emissão, credibilidade e fé pública dos documentos. 18) O arguido agiu com o intuito de alcançar uma vantagem patrimonial que sabia não ter direito, o que quis e conseguiu. 19) Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se inibiu de a prosseguir. Mais se provou que: 20) O arguido está desempregado e não aufere de qualquer subsídio social. 21) Vive em casa da sua companheira e conta, para a sua subsistência, com a ajuda das suas duas filhas, com 35 e 33 anos de idade. 22) Não tem antecedentes criminais.” Foi ainda consignada a inexistência de factos não provados. 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar são a (a) impugnação da matéria de facto, (b) o erro notório na apreciação da prova, (c) a insuficiência da matéria de facto para a decisão e (d) o erro de subsunção. (a) Da impugnação da matéria de facto e (b) do erro notório na apreciação da prova O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada na sentença fazendo-o simultaneamente, por via do recurso amplo (art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal) e da arguição do vício do erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 3 do Código de Processo Penal). Utiliza, assim, os dois modos de impugnação da “sentença de facto”. O erro notório na apreciação da prova consiste num erro evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. Cifra-se em considerar-se como provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. É uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…) Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74). Já a apreciação por via do recurso amplo da matéria de facto permite ir além do que possa resultar logo visível na própria sentença, pelo que a análise do recurso por esta via prejudicará o conhecimento do invocado vício de texto, cuja arguição perderá o seu sentido lógico. Mas a sindicância da “decisão de facto” pela via ampla pressupõe o cumprimento dos ónus previstos no art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal, ou seja, que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas. Essa especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando o recorrente as passagens em que se funda a impugnação (nº4 do art. 412º). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012). No caso presente, o recorrente indicou os concretos pontos de facto (factos provados) que considera incorrectamente julgados, ou seja, os factos dados como provados nos pontos 2), 3), 6 (parcialmente na parte em que refere que o arguido não dava conhecimento a CD da gestão das aplicações financeiras), 9), 10), 11), e 14) a 19) da sentença. E refere: “salvo o devido respeito, julgou o tribunal a quo incorrectamente os factos supra identificados, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida qualquer prova, sendo que alguns dos factos provados não foram sequer fundamentados, não podendo servir, como serviram para formar a convicção do tribunal.” Olhando já para o exame crítico da prova, há que reconhecer que o recorrente tem razão quando afirma que “alguns dos factos provados não foram sequer fundamentados”. Assim sucede com os factos 2. (“Em data não concretamente apurada, mas que se situa em meados de 2004, sabendo que CD, sua irmã, era possuidora de quantias monetárias que tinha aplicadas em certificados de aforro, o arguido decidiu aumentar o seu património à custa das mencionadas quantias”) e 3. (“Na concretização desse propósito, o arguido dirigiu-se à sua irmã sugerindo que lhe entregasse todos os valores relativos a tais quantias, para que ele os pudesse aplicar em produtos financeiros com juros mais favoráveis”) Como se sabe, ao motivar a matéria de facto, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3). Ora, a sentença não explica de todo como se fez a demonstração dos referidos factos em audiência de julgamento. Não justifica estes factos provados, nem a prova efectivamente produzida em julgamento, independentemente da sua melhor ou pior explicitação na sentença, permite intuir, agora pelo tribunal de recurso, donde se deduziria a demonstração dos dois factos impugnados. Na verdade, nem o arguido nem a sua irmã prestaram declarações em audiência, e não se vislumbra, porque a sentença não o refere, de que provas se retirariam os factos que agora analisamos. Daqui seria de concluir por uma nulidade de sentença por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379º, nº 1-a) do Código de Processo Penal), já que a Relação, no caso presente, não se encontraria em condições de poder suprir essa falha. Acontece que os factos em causa não têm já relevância para a decisão neste momento processual, pois eles não respeitam ao crime de falsificação, que é agora único crime da condenação. Na verdade, o arguido havia sido originariamente acusado como autor de um crime de burla qualificada dos arts 217º nº 1 e 218º nº 2, alínea a) em concurso efectivo com um crime de falsificação de documento do artº 256º nº 1, alíneas c), e) e f) todos do C. Penal. Fora também deduzido pedido cível no valor de 198.000,00 € contra ele, por CD , sua irmã. Antes do julgamento, a demandante apresentou requerimento de desistência do pedido cível, referindo no processo ter sido já ressarcida dos prejuízos sofridos. Na sentença, veio então a considerar-se extinta a responsabilidade criminal do arguido relativamente ao imputado crime de burla qualificada dos arts 217º nº 1 e 218º nº 2, alínea a), por aplicação do disposto no artº 206º nº 1 do CP”, dizendo-se: “O actual artº 206º, do C. Penal, referente à restituição ou reparação, possui um novo nº 1, mercê da revisão operada pela Lei nº 59/2007, de 4/9. Desta alteração legislativa, decorre que alguns tipos de crimes de natureza pública passam a estar na disponibilidade do arguido e do ofendido, tal como se estivéssemos perante um crime de natureza particular ou semipública. Na verdade e de acordo com a Exposição dos Motivos da Proposta de Lei nº 98/X, o legislador considerou consentâneo com a decisão de extinguir o processo penal, quando estejam em causa crimes públicos qualificados pelo valor, seja pelo elevado, seja pelo consideravelmente elevado e quando, segundo o seu entendimento, os bens jurídicos se apresentem com uma dimensão essencialmente individual. Segundo o legislador, estava em causa “promover a satisfação integral do interesse da vítima” (cfr. a Exposição dos Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, no seu ponto 9). Deste modo, atendendo ao disposto no nº 1 do artº 206º, do C. Penal, sempre que esteja em causa um determinado tipo de crimes, a responsabilidade criminal é extinta, desde que não haja dano ilegítimo de terceiros, tenha havido restituição da coisa ou reparação integral dos prejuízos e desde que o arguido e o ofendido dêem a sua concordância. Tal facto, tem como limite temporal a publicação da sentença da primeira instância. No elenco de crimes abrangidos por esta norma, inclui-se o crime de burla qualificada, também em função do valor elevado e consideravelmente elevado (artº 218º nºs 1 e 2, alínea a)). Sob o ponto de vista processual são os seguintes os requisitos que a lei exige a fim de que possa ser declarado extinto o procedimento criminal, de acordo com o nº 1 do artº 206º, do C. Penal: a) Restituição ou reparação integral da vítima; b) Acordo entre ofendido e arguido; c) Inexistência de dano ilegítimo de terceiro; d) Que a reparação ou a restituição seja efectuada até à publicação da sentença da 1ª Instância. Foi o que se verificou “in casu”, pelo que se mostram preenchidos todos os pressupostos para que se possa proceder à aplicação daquele normativo, por remissão do artº 218º nº 4, do C. Penal.” Não tendo havido reacção de nenhum dos sujeitos processuais afectados por esta decisão, a matéria é de considerar definitivamente assente, pelo que o objecto do processo se encontra agora circunscrito ao crime remanescente, de falsificação. Assim sendo, e atenta a compressão do objecto do processo e, logo, da matéria de facto a subsumir juridicamente, os factos impugnados descritos em 2. e 3., carentes de motivação, devem ser, afinal, excluídos da sentença. O que se determinará. A apreciação do recurso da matéria de facto circunscreve-se, então, aos factos que interessam ao crime de falsificação e, neste, impugnação centra-se a nos factos relativos à imputação objectiva e subjectiva. Sinteticamente, defende o recorrente que inexiste prova de que tenha sido ele o responsável pela aposição das “assinaturas da ofendida” nos documentos em crise. Afirma-o, justificando que a única testemunha ouvida em julgamento nada de útil disse sobre este ponto, que a prova pericial (exame à letra) se revelou inconclusiva no que a si arguido diz respeito e que o Senhor Juiz devia ter valorado o silêncio da ofendida, “pois se o tivesse teria de absolver o arguido. Conclui acrescentando que também os factos do tipo subjectivo ficaram por demonstrar. No recurso, o recorrente respiga as duas provas, isolando-as entre si e ainda do conjunto das restantes quebrando a ligação encontrada entre todas as provas, provas que, adianta-se, conduziram justificadamente ao juízo de “provado”, como se depreende logo, com muita facilidade da motivação da sentença. É certo que nem o exame pericial, nem as passagens do depoimento especificadas no recurso permitem concluir que foi o arguido, por sua mão, a apor as assinaturas da sua irmã nos documentos em causa. Mas também não foram exactamente estes os factos dados como provados na sentença, factos esses (os provados) que realizam, mesmo assim, o crime da condenação. Na verdade, na sentença consignou-se como demonstrado, quanto aos factos que interessam ao tipo objectivo (precisando-se agora apenas os impugnados) que “Todas essas declarações tinham apostas assinaturas de CD, sem que, contudo, tenham sido escritas pelo punho desta” e que “De facto, com o único fim de obter o mencionado financiamento de 360.000,00 €, o arguido diligenciou para que a assinatura de CD fosse aposta nas declarações de constituição de penhor, única forma de obter o desejado financiamento.” Depois então, de todos os factos provados objectivos, retiraram-se como uma consequência normal, perfeitamente racional e lógica, os factos seguintes: “O arguido sabia que não podia diligenciar para que a assinatura de CD fosse aposta nas declarações de constituição de penhor, pois que, além de agir sem o consentimento e conhecimento daquela, estava a substituir-se àquela em algo que só a própria poderia fazer, vinculando-a a obrigações que não havia assumido. O arguido estava ciente que ao apresentar ao banco as mencionadas declarações já assinadas, fazia crer que tais assinaturas haviam sido apostas pela sua titular, gerando a convicção de que eram documentos legítimos. Sabia, igualmente, que com a sua conduta causava prejuízos ao Estado na medida em que afectava, além do mais, o seu interesse na emissão, credibilidade e fé pública dos documentos. O arguido agiu com o intuito de alcançar uma vantagem patrimonial que sabia não ter direito, o que quis e conseguiu. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se inibiu de a prosseguir.” Os factos do tipo subjectivo podem resultar dos factos externos, e assim sucede no caso presente. Os factos que integram o dolo, os actos interiores ou internos, por respeitarem à vida psíquica raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, em que o agente reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objectivo, a prova do dolo obter-se-á por ilações a partir de indícios, através de deduções retiráveis de um comportamento exterior e visível do agente. Nestes casos, o julgador resolverá a questão de facto apreciando se o agente agiu internamente da forma como o terá revelado externamente. Dizer que os factos integrantes do tipo subjectivo de crime resultam frequentemente dos factos externos, não significa afirmar que assim o seja necessariamente. O dolo não se presume, a prova é “particularística sempre” e “o caso concreto pode ficar fora do caso típico” (Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III). No entanto, reportando-se aos factos do tipo objectivo, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, é natural que os factos integrantes do dolo possam resultar daqueles. O que, como se disse sucede no caso presente. Todos os factos externos apurados apontavam, sem desarmonia, para as conclusões de facto a que se chegou na sentença, no sentido da demonstração de que o arguido soube e quis todos os factos externos que praticou e agiu ainda com a específica intenção considerada também como demonstrada. Voltando, então, aos factos do tipo objectivo – sumariamente, que o arguido diligenciou que a assinatura da irmã fosse aposta nos documentos em causa, como se de uma verdadeira assinatura elaborada por esta se tratasse – não é rigorosa a afirmação que se faz relativa a uma ausência de prova pericial (exame de letra), ou de uma violação do art. 163º do CPP, o que impossibilitaria a prova dos factos que realizariam o tipo de crime “falsificação”. Na verdade, nem essa prova é ausente – a perícia demonstra que não foi a ofendida a efectuar as assinaturas imitadas, resultado pericial muito relevante para a decisão de facto – nem da circunstância de o exame ter sido inconclusivo quanto à pessoa do arguido se retira que não possa ter sido ele a diligenciar pela aposição das assinaturas. Aliás, não se retira sequer que não possa ter sido ele a fabricá-las por sua própria mão. Nenhuma violação ocorre, pois, do disposto no art. 163º do CPP, já que o julgador não diverge em nada dos resultados da perícia. O perito não substitui o juiz, não decide os factos, contribui apenas para essa decisão. Haveria que retirar da perícia as conclusões ao nível da definição da factualidade, o que foi feito, e devidamente. Acresce que o juízo sobre a prova é necessariamente um juízo global, no sentido de a convicção se formar do escrutínio rigoroso e cuidado de cada uma das provas individualmente consideradas, mas também de todas elas no seu conjunto, directas e indirectas A convicção formar-se-á sempre a final, ou seja, avaliada cada prova e todas as provas. No caso presente, a perícia e o depoimento especificado (do qual também nada se retira em sentido contrário ao demonstrado) devem ser avaliados no conjunto das provas, e estas apontam no sentido do passo lógico efectuado pelo tribunal, conducente à resposta de “provado” também quanto à factualidade sobre a imputação dos factos da falsificação à pessoa do arguido. A versão dos factos narrados na acusação é a que resulta, e com consistência bastante, do conjunto das provas, no qual desempenha um papel decisivo toda a prova documental referida no exame crítico, prova esta que demonstra a generalidade dos factos provados. A versão da acusação mantém, assim, todo o sentido. E outra (diferente) versão não foi apresentada em julgamento, pelo que não se vislumbra, não se perspectiva, nem se conhece que outra explicação haveria para os factos documentalmente demonstrados. Senão, reveja-se o exame crítico das provas: “O Tribunal formou a sua convicção com base na análise, crítica, global e ponderada de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como dos documentos juntos e constantes dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do disposto artº 127º do C. P. Penal. Assim, em audiência de julgamento, o arguido, ao abrigo de um direito que a lei lhe confere, optou por não prestar declarações quanto aos factos que constituem o objecto dos autos. CD de , ofendida nos presentes autos, declarou ser irmã do arguido e optou por não prestar declarações. (…) prestou depoimento na qualidade de gerente da dependência bancária, de S, para onde vieram remetidos os documentos que geraram os presentes autos. Referiu, com relevo, que teve, no negócio que está subjacente aos factos em discussão, uma intervenção meramente administrativa, limitando-se a confirmar as assinaturas apostas por semelhança com as que constam das fichas de cliente, conforme estipulado internamente pelo banco. Ainda que, tais documentos foram entregues no então designado Núcleo de Empresas do BPN, na cidade de S e chegaram internamente até si, para efeitos de conferência das assinaturas neles apostas, já que as funções que exercia eram de responsável pela agência do BPN de S, que funcionava em espaço físico diferente do mencionado Núcleo de Empresas, não estando integrado na estrutura comercial do mesmo. Esclareceu ainda que, os documentos de constituição do penhor não lhe foram entregues directamente, presumindo que quem procedeu à sua entrega terá sido o arguido, sendo que, na altura, as contas bancárias respectivas eram contas solidárias, que podiam ser movimentadas por qualquer um dos titulares. Finalmente que, aquando da abertura da conta em causa e da constituição das diversas aplicações que lhe estão subjacentes, actos que implicavam as assinaturas dos respectivos titulares, nunca viu nas instalações da agência do BPN de S a ofendida, CD, somente a tendo visto quando compareceu juntamente com a sua advogada no Gabinete de Empresas do BPN de S, altura em que solicitou a entrega a esta de cópias de todos os penhores. O depoimento desta testemunha, foi prestado de forma objectiva e coerente, com razão de ciência assente no conhecimento que detinha dos factos e, por isso, foi valorado como verdadeiro pelo tribunal. Aqui chegados e em face dos depoimentos produzidos, o tribunal admite não existir uma prova absolutamente cabal e directa de que tenha sido, de facto, o arguido a apor as assinaturas nos documentos constitutivos dos penhores. Porém, fazendo apelo às regras da experiência comum, verifica-se ser esta a única versão dos factos que faz sentido e se enquadra na actuação do arguido, desde logo, porque o mesmo devolveu à ofendida os montantes respectivos, o que leva à conclusão que o arguido tentou, por essa forma, mitigar os danos que a conduta que assumiu provocou no património da ofendida. Importa ainda referir que, muito embora o arguido, no exercício legítimo de um seu direito, não tenha prestado declarações quanto aos factos que lhe eram imputados na acusação do Mº Pº, certo é que tal circunstância não compromete a conclusão a que chegou o tribunal no que respeita à autoria dos factos. Na verdade, como se sublinha no Ac. do T.R. de Coimbra, de 13/1/2010, “se o uso do direito ao silêncio não poderá em caso algum prejudicar o arguido, também o não deverá beneficiar”, ou como se refere no Ac. do S. T. J., de 20/2/2008, “o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. É que a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida: ao não falar o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento”. Resulta do teor destes Acórdãos, que o arguido, muito embora não possa ser prejudicado pelo seu silêncio, não pode ser beneficiado pelo facto de a ele se remeter, pois que o mesmo confrontado com a versão dos factos constantes da acusação, prescindiu do direito de contar a sua versão e, inclusivamente, de os negar, ou pôr em causa o modo como os mesmos foram configurados pelo Mº Pº. Não o tendo feito, no exercício do direito que lhe assiste, não pode é, na perspectiva do Tribunal, pretender ser beneficiado com o seu próprio silêncio. É também este o entendimento do S. T. J., conforme se alcança do teor do Acórdão, de 10/1/2008, onde pode ler-se que, “tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio”( ) (itálico nosso). Pese embora o arguido se tenha remetido ao silêncio, no que respeita aos factos constantes da acusação contra si deduzida, prestou declarações relativamente às suas condições sociais e económicas que o Tribunal valorou, por terem sido prestadas de forma objectiva e clara e por inexistirem nos autos quaisquer elementos que as pudessem infirmar. Também o acervo documental constante dos autos, designadamente, os documentos de fls. 5 a 9, o anexo de recolha de autógrafos de fls. 123, os elementos bancários de fls. 36 e 37 e a certidão permanente de fls. 135 a 137, serviram para firmar a convicção do tribunal na forma como elencou os factos apurados. Relevou ainda neste âmbito, o Exame Pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, junto de fls. 115 a 122, que foi devidamente analisado. Em tal exame, concluiu-se com relevo, que: “Admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita das assinaturas “CD”, apostas nas cartas de fls. 49 a 51 (docs. 1 a 3 deste relatório), não seja da autoria de CD de ”. “A reduzida quantidade e qualidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto da escrita suspeita das assinaturas "CD" apostas nas cartas de fls. 49 a 51, com a dos autógrafos de JMHF (...), bem como o traçado lento, desenhado e com paragens das assinaturas suspeitas, o que indicia a sua obtenção eventualmente por imitação, não permitem obter resultados conclusivos". Importa, quanto a esta conclusão do relatório de exame pericial, proferir as seguintes considerações: O regime processual penal consagra, no artº 127º, o princípio da livre apreciação da prova que, no entanto, tem algumas excepções, como as que resultam da prova pericial. Prescreve o artº 163º, do C. P. Penal, sobre o valor de tal prova que: “1. O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. 2. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”. Sobre o valor deste tipo de resultados pronunciou-se já o S.T.J., em Acórdão de 11 de Julho de 2007 (Processo: 07P1416, disponível in www.dgsi.pt), que teve como relator o Colendo Conselheiro Santos Monteiro, dizendo: “O artº 163º, do Código de Processo Penal fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção “juris tantum” de validade do parecer técnico ofertado pelo perito, que obriga o julgador. Quer dizer que a conclusão a que chegou o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser de argumentos, da mesma forma, científicos (nº 2 do artº 163º). O posicionamento actual do Código de Processo Penal vem de posição defendida pelo Prof. Figueiredo Dias, para quem os dados de facto do arrazoado técnico estão sujeitos à livre apreciação do julgador – “que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer” – enquanto que o juízo científico expendido só é passível de crítica “igualmente material e científica”. Excepções seriam os casos inequívocos de erro, nos quais o juiz deve motivar sua divergência (Direito Processual Penal, I, 209, Cfr, ainda, Maria do Carmo Silva Dias, Revista do CEJ, 2.º semestre de 2005, nº 3, 219)”. A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão. Quanto à validade, deve-se aferir se a prova foi produzida de acordo com a lei, ou se não foi produzida contra proibições legais. Também fica a cargo do julgador examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente. Com relação à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, porque não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria. É a interpretação corrente dada pelos tribunais ao artº 163º, do C. P. Penal, atenta a sua função de mero auxiliar do julgador, a quem incumbe a função de fixação dos factos, para que dispõe dos adequados conhecimentos jurídicos e da experiência da vida (cfr., entre outros, os Acs. do STJ, de 1/7/93, Pº nº 44431 e de 9/5/95, in CJ, STJ, III, T2, 189). A inconclusividade sobre se a letra aposta nas cartas e fls. 49 a 51 é ou não do arguido, não agrega em si um juízo pericial, mas um estado de dúvida, um juízo dubitativo que não vincula o tribunal, incumbindo-lhe esclarecer a matéria de facto em que se funda, no âmbito da sua função de julgar e superar, até onde lhe for possível, aquela dúvida. Quer isto dizer que, se tivesse sido produzido relatório com um resultado idêntico ao da assinatura da ofendida CD, de “Muitíssimo Provável”, isto é, de acordo com a tabela de resultados, o grau de certeza ou de probabilidade máxima, depois da certeza, temos como seguro que tal juízo deveria ser acolhido, como o foi, na presente decisão, a não ser que fundamentação especial sustentasse a divergência, nos termos do disposto no artº 163º nº 2, do C. P. Penal. Porém, o exame em causa foi, na parte alusiva à assinatura do arguido, JF, inconclusivo, não agregando um verdadeiro juízo pericial, mas antes um estado dubitativo, ou seja, nada se conclui, num sentido ou noutro, o que ficou a dever-se a várias razões que dificultaram o exame comparativo com os autógrafos e que foram referidas supra. Nessa situação, tal como refere o STJ, no Acórdão citado supra, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria, competindo-lhe tomar posição, julgar e remover, se for caso disso, a dúvida, fixando os necessários factos, não se contrariando, por essa via, qualquer juízo pericial científico, por falta dele. Ou, dito de outra forma, não está o tribunal “condenado” a limitar-se a reproduzir, no plano da valoração da prova e da fixação dos factos, a inconclusividade do resultado do exame. O que significa que um resultado inconclusivo não tem necessariamente de conduzir a uma dúvida insanável por parte do tribunal, determinante do apelo ao princípio “in dúbio pro reo”. É o que se verifica “in casu”, já que, por um lado, resultou como muitíssimo provável que a assinatura aposta nas cartas de fls. 49 a 51, não seja da autoria da ofendida CD, conforme concluiu o LPC da Polícia Judiciária, resultado que o tribunal acolheu por força do disposto no artº 163º, do C. P. Penal. Por outro lado, resultou do mesmo relatório que as várias condicionantes ali enumeradas, não permitiram a obtenção de resultados conclusivos relativamente ao confronto das assinaturas da ofendida e do arguido apostas em tais documentos. Porém, o tribunal, lançando mão das regras da experiência, concluiu que tal assinatura foi também desenhada pelo arguido, pois que é o que a lógica das coisas dita, não fazendo qualquer sentido que aquele tivesse apenas aposto uma das assinaturas em tais documentos e não as duas, tendo em conta que os montantes a que nelas se alude pertencem à ofendida e os mesmos foram dados como garantia, através da constituição de um penhor, para um empréstimo a favor da empresa do arguido. Finalmente e no que respeita aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal firmou a sua convicção no Certificado de Registo Criminal, junto a fls. 242 dos autos.” Que dizer mais, senão lembrar que o tribunal ad quem procede à reapreciação da prova, mas na amplitude consentida pelo nº 6 do art. 412º do CPP, só podendo alterar o decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (alínea b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP? O modelo de recurso “de facto” do Código de Processo Penal veda a possibilidade de re-julgamento. O recorrente não pode pretender discutir apenas a convicção do julgador substituindo-a por uma sua, a um nível não susceptível de sindicância em recurso. Como se tem reiterado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações e em artigos doutrinários, o recurso efectivo da matéria de facto visa a detecção de um erro de facto, não sendo um segundo julgamento. A Relação efectua um controlo do julgamento, e não que o repete ou reproduz. Os seus poderes de decisão de facto estão direccionados para a (sindicância da) sentença de facto (sempre de acordo com um objecto de recurso definido pelo impugnante). Na sentença não é detectável qualquer erro de facto, não decorrendo este nem do próprio texto da decisão, nem dos excertos de prova que ilustram a argumentação do recorrente. As provas que seleccionou, no contexto do seu discurso argumentativo, não fragilizam minimamente a decisão da matéria de facto. Esta é integralmente de manter, considerando-se apenas como não escritos os pontos 2. e 3. dos factos provados, atenta a redução do objecto do processo operada em julgamento, eliminação que não tem qualquer consequência para a decisão de direito. (c) Da insuficiência da matéria de facto para a decisão e (d) Do erro de subsunção A insuficiência da matéria de facto provada ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que se mostrariam relevantes para a decisão da causa. É uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 69). Referiu o recorrente “da análise da matéria de facto dada como provada na douta sentença a quo e da respectiva fundamentação, por si só e conjugada com a prova produzida em audiência e com as regras da experiência comum, decorre um erro de julgamento, padecendo a douta decisão dos vícios invocados e previstos no n.º 2 do art. 410° do Cód. Proc. Penal, concretamente, o constante na al. a), de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada…” O vício encontra-se, assim, indevidamente suscitado, pois ele é evocado na mera decorrência do recurso da matéria de facto. Do que se trata, na pretensão formulada, não é de aferir se os factos dados como provados na sentença viabilizam e permitem a decisão de direito. Se a não permitissem, então sim, haveria uma insuficiência da matéria de facto para a decisão. Mas tal não sucede, como se viu. A matéria de facto provada relevante para o crime da condenação permanece intacta. E os factos dados como assentes realizam integralmente o crime de falsificação em causa, nos seus elementos objectivos e subjectivos, enquadramento que não foi sequer questionado ao nível do juízo subsuntivo. Na verdade, o recorrente limitou-se a referir que “quanto ao elemento objectivo do tipo legal de crime em análise, concretamente, o abuso das assinaturas de outras pessoas para elaborar documento falso, não há nos presentes autos qualquer prova directa da sua realização por parte do arguido, pelo que as conclusões do Mmo. Juiz a quo, patentes na douta sentença, quanto à culpabilidade e autoria do arguido na falsificação da assinatura da Ofendida, são totalmente carecidas de fundamento e de prova”, dizendo depois o mesmo quanto aos factos do dolo. Também nesta parte, o erro de subsunção se mostra invocado como mera decorrência do recurso da matéria de facto. 4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença. Custas pelo recorrente que se fixam em 5UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/5 e Tab. III RCP). Évora, 05.05.2015 (Ana Maria Barata de Brito) (Maria Leonor Vasconcelos Esteves) |