Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
16/20.0T8CCH.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PRAZO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. De acordo com o nº2 do art.º34º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho o pedido de pedido de escusa do patrono nomeado , formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º do qual decorre que o prazo interrompido se inicia a partir da notificação ao novo patrono nomeado da sua designação.

II. Tais normas estão pensadas para os casos em que está a decorrer um prazo peremptório, i.e. cujo decurso extingue o direito de praticar certo acto (n.º 3 do artigo 139.º do C.P.C.) – v.g. prazo para contestar, para recorrer; só nesses casos se justifica que o mesmo se interrompa por via da escusa do patrono e que volte a correr de novo após a nomeação do novo.

III. No caso, nenhum prazo desse jaez estava a decorrer já que, em consequência do certificado óbito de uma interessada no inventário, a instância estava suspensa, por força da conjugação do 1091º com o 269º, nº 1, al. a), do CPC, sendo a única cominação existente para ausência do impulso devido pela parte, i.e. pelo cabeça de casal, a deserção da instância.

IV. Mas isto não significa que não se atribua relevância ao período que decorre entre o pedido de escusa de um patrono e a nomeação do outro para efeitos de aferição da (in) existência de negligência da parte em promover os termos do processo: não pode ser imputável à parte a paragem do processo nesse período em que está privado de patrono e, por consequência, o mesmo não pode ser computado no prazo de seis meses a que alude o nº1 do art.º 281ºdo CPC, já que a parte esteve impedida de o impulsionar por esse motivo.

Decisão Texto Integral: 16/20.0T8CCH.E1

ACÓRDÃO


I- RELATÓRIO


AA, cabeça de casal nos autos de inventário à margem identificados, inconformado com a decisão que julgou a instância extinta por deserção, dela veio interpor recurso, que rematou com as seguintes conclusões:


- Por despacho de 27-10-2023 do Tribunal a quo, o patrono então nomeado ao cabeça de casal, foi notificado para: “ Atento o teor da certidão de óbito junta aos autos, fica prejudicado o determinado no despacho anterior, razão pela qual se dá sem efeito.


Notifique o Cabeça de Casal para dar cumprimento ao disposto no artigo 1089.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”.


- Em 12 de Janeiro de 2024, o então Patrono nomeado, apresentou pedido de escusa, na Ordem dos Advogados, informando o Tribunal a quo, mediante requerimento, que juntou via Citius com a ref.ª 47633765.


- Em 18 de Janeiro de 2024, a aqui patrona recebeu via mail a nomeação da Ordem dos Advogados;


- Não tendo a Ordem dos Advogados, comunicado a nomeação ao processo , a aqui patrona submeteu pedido para o efeito, 04-03-2024, com a ref.ª n.º 48161247, junta aos autos, data a partir da qual teve acesso ao processo;


- Em 27 de Junho de 2024, a patrona foi notificada da Sentença, com a ref.ª Citius 96861842, que julga deserta a instância, por se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses, da qual se recorre.


- A concessão do apoio judiciário é da competência do Instituto da Segurança Social, tratando-se de um procedimento administrativo, autónomo, regulado nos art.s 19º a 38º da Lei n.º 34/2004, de 20.7;


- Quanto deduzido na pendência de procedimento judicial «e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo» – art.º 24ºn.º 4.;


- O prazo interrompido renova-se «conforme os casos: a) a partir da nomeação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» – art.º 24º n.º 5;


- Assim, o prazo interrompeu, na data da apresentação do pedido de escusa em 12 de Janeiro de 2024;


- E, a contagem inicial, do prazo de seis meses, só poderá iniciar na data em que a patrona teve acesso ao processo, ou em 18 de Janeiro de 2024, com a nomeação da aqui patrona e à data em que foi proferida a Sentença, não havia ainda decorrido o prazo de seis meses.


Face ao exposto, a sentença recorrida deve ser revogada ou reformada, ordenando - se a final a prossecução dos autos.”.


2. Não houve contra-alegações.


3. OBJECTO DO RECURSO


Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil - a única questão que importa dirimir consiste em saber se ocorreu, por parte do cabeça de casal, negligência em promover os ulteriores termos do processo susceptível de desencadear a prolatada deserção da instância à luz do disposto no art.º 281º nº1 do CPC.


II- FUNDAMENTAÇÃO

4. Os factos a considerar no âmbito deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório e, bem assim, os seguintes perante a documentação consultada no citius:

1. Mediante requerimento de 20.10.2023 o cabeça de casal, então patrocinado pelo senhor Advogado, Dr. BB, informou os autos do falecimento da interessada, sua mãe, CC, juntando o competente assento de óbito;

2. Foi então prolatado em 27.10.2023 o seguinte despacho: “Atento o teor da certidão de óbito junta aos autos, fica prejudicado o determinado no despacho anterior, razão pela qual se dá o mesmo sem efeito.


Notifique o Cabeça-de-Casal para dar cumprimento ao disposto no artigo 1089º, nº 1 do Código de Processo Civil.”.

3. Tal despacho foi notificado ao senhor advogado referido em 4.1. mediante ofício de 3.11.2023;

4. E, em 12.12.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Aguardem os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Civil.”.

5. Tal despacho foi notificado ao senhor advogado referido em 4.1. por ofício de 13.12.2023;

6. Mediante requerimento de 12.1.2024 o senhor advogado referido em 4.1, deu conhecimento aos autos de que havia requerido, nessa mesma data, escusa do patrocínio junto da O.A.;

7. Mediante requerimento de 4.3.2024, a Dra. DD, nomeada patrona ao cabeça de casal em substituição do antecedente, expôs o seguinte:


“DD, advogada, nomeada patrona do Cabeça de Casal, AA, nos autos acima melhor identificados, vem requer a sua associação ao processo, o que faz com base nos seguintes factos:- a patrona recebeu a nomeação efectuada pela OA, para efeitos de Inventário/ Partilha de Bens em casos Especiais, sem que da mesma constasse a indicação de N.º de Processo; DOC. 1


- Contactado o Beneficiário, veio este informar que o pedido formulado à OA, foi para substituição de Patrono no presentes autos de inventário;


- a patrona criou vicissitude no sistema SINOA, expondo a questão, e requerendo a rectificação da nomeação; DOC. 2


- em resposta veio a OA, informar a patrona para que efectuasse a inserção dos dados do processo no SINOA, o que foi efectuado. DOC. 3


- Assim, requer-se a V. Ex.ª se digne mandar associar a patrona ao processo em curso, para que o possa consultar e tramitar.”


4.8. Só em 28.2.2024 é que a O.A. informou a patrona que a sua nomeação se destinava a prosseguir com o processo e não a instaurar uma acção.


4.9. Em 21.6.2024 foi proferido o despacho recorrido com o seguinte teor:


“Refere o artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Civil que “(…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.


Pelo exposto, uma vez que o processo se encontra a aguardar impulso processual há mais de 6 meses, julga-se deserta a presente instância.


Custas pelo requerente (artigos 527.º e 537.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil).


Notifique e oportunamente arquive-se.”.


5. Do mérito do recurso


Estatui a alínea c) do art. 277.º do CPC que a instância se extingue com a deserção.


Como nos dá conta Paulo Ramos de Faria1 “o instituto da deserção da instância foi introduzido no nosso ordenamento jurídico através do Código de Processo Civil de 1939, pela mão de MANUEL RODRIGUES, tendo logo um conteúdo distinto daquele que tinha a antiga perempção (art. 202.º do CPC de 1876). O fundamento invocado pelo então Ministro da Justiça foi objectivo: não interessa à boa ordem dos serviços que os processos pendam em tribunal, parados indefinidamente. Para além de facilitar a gestão administrativa do tribunal, esta modalidade de extinção da instância promove a celeridade processual –sempre perseguida pelo sistema de justiça –, tendo um claro escopo compulsório. Não assumiu relevo genético o fundamento subjectivo da deserção da instância – a presunção de renúncia à lide (vontade de abandono).


Actualmente, o bom funcionamento burocrático dos serviços poderia ser conseguido através do arquivamento do processo (e do seu encerramento estatístico) com a mera interrupção, figura não prevista no novo Código, pelo que o principal fundamento da deserção da instância residirá hoje no seu efeito compulsório com vista à tutela da celeridade processual.”.


Pressupostos da deserção da instância são: a paragem do processo por mais de seis meses em razão da omissão da parte, sobre quem recai o ónus de impulso subsequente do processo, em praticar o acto necessário a esse desiderato e que tal omissão lhe seja imputável.


Aliás, como explica Paulo Ramos de Faria 2 negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal.


Por conseguinte, estando o processo parado durante mais de seis meses sem que a parte pratique o acto adequado ao seu andamento ou justifique adequadamente a sua “inércia”, esta presume-se negligente.


Evidentemente que a deserção da instância só pode ter lugar quando “tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um acto que só ao demandante cabe praticar (…) Num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º, n.º 1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efectiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os actos que só aparte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe3.”.


Revertendo ao caso subjudice, não há quaisquer dúvidas que na sequência do despacho que determinou a notificação do Cabeça-de-Casal para dar cumprimento ao disposto no artigo 1089º, nº 1 do Código de Processo Civil, e que foi notificado ao então patrono do Autor, mediante ofício de 3.11.2023, este deveria ter indicado os sucessores do falecido e juntado os documentos necessário como aí se prevê.


Era, pois, sobre o cabeça de casal que impendia o dever de praticar o acto necessário ao prosseguimento da instância.


Mas poder-se-á entender, considerando as vicissitudes ocorridas em razão da escusa do patrono nomeado, que a paragem do processo durante mais de seis meses lhe foi integralmente imputável ?


Cremos que não.


O recorrente invoca em seu abono a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho que prevê no seu art.º 34ºo seguinte:


1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.


2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º


3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.


4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.


5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.”.


Por seu turno, decorre do nº5 do art.24º da mesma Lei que o prazo interrompido se inicia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.


Porém, é nosso entendimento de que estas normas estão pensadas para os casos em que está a decorrer um prazo peremptório, i.e. cujo decurso extingue o direito de praticar certo acto (n.º 3 do artigo 139.º do C.P.C.) – v.g. prazo para contestar, para recorrer4.


Só nesses casos se justifica que o mesmo se interrompa por via da escusa do patrono e que volte a correr de novo após a nomeação do novo.


No caso, nenhum prazo desse jaez estava a decorrer já que, em consequência do certificado óbito de uma interessada, a instância estava suspensa, por força da conjugação do 1091º com o 269º, nº 1, al. a), do CPC.5


Por isso, sendo a única cominação existente para ausência do impulso devido pela parte, i.e. pelo cabeça de casal, a deserção da instância, a interrupção prevista naquelas normas não é (nem pode ser) aplicável, sob pena de um injustificado protelamento do processo.


Mas isto não significa que não se atribua relevância ao período que decorre entre o pedido de escusa de um patrono e a nomeação do outro para efeitos de aferição da (in) existência de negligência da parte em promover os termos do processo.


É que não pode ser imputável à parte a paragem do processo nesse período em que está privado de patrono.


E, por consequência, o mesmo não pode ser computado no prazo de seis meses a que alude o nº1 do art.º 281º, já que a parte esteve impedida de o impulsionar por esse motivo.


Assim, e considerando que a notificação ao patrono do despacho referido em 4.2. ocorreu em 6.11.2023 mas que decorreram 47 dias entre a data da escusa do anterior patrono e a data da nomeação da nova patrona para prosseguir o processo no período que decorreu entre a instância só poderia ser considerada deserta em 18.6.2024.


Vindo a sê-lo apenas em 21.6.2024, não temos como não imputar à parte – in casu ao cabeça de casal – uma conduta negligente omissiva adequada à paralisação do processo.


E é, por isso, que a decisão recorrida se mantém.


III. DECISÃO


Por todo o exposto, acorda-se em julgar o recurso de apelação improcedente e, em consequência, se mantém a decisão recorrida.


Custas pelo apelante.


Évora, 9 de Abril de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Filipe César Osório


Sónia Moura

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1. In revista Julgar“ on line “ 2015.↩︎

2. Estudo cit.↩︎

3. Idem, Paulo Ramos de Faria in estudo citado.↩︎

4. Aliás, Salvador da Costa Salvador da Costa (Apoio Judiciário, 11ª ed., 2024, pp. 93-95) comenta o art. 24º, 4, LAJ, aludindo sempre a prazo para contestar ou deduzir oposição.↩︎

5. Assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, vol. II, 2ª ed., 2024, p. 575.↩︎