Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PRESUNÇAO DE LABORALIDADE LOCAL DE TRABALHO INSTRUMENTOS DE TRABALHO INTEGRAÇÃO DO TRABALHADOR | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. As presunções de laboralidade visam facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho em situações de dúvida, bastando a demonstração de dois dos indícios constantes do art. 12.º n.º 1 do Código do Trabalho. 2. Para os fins da al. a) deste normativo, o que releva como elemento caracterizador é a relação entre o local de exercício da actividade e o respectivo beneficiário, retirando-se ao prestador de actividade a possibilidade de a exercer noutro local. 3. A lei não exige uma relação jurídica de propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do beneficiário da actividade, podendo ter a disponibilidade de tais bens por qualquer título legítimo, e assim os poder facultar ao prestador de actividade. 4. A existência de contrato de trabalho confirma-se pela efectiva integração da prestadora na organização da beneficiária. 5. Tal sucede quando a prestadora foi inserida na organização de uma Associação de Turismo, para execução de tarefas rigorosamente definidas, no âmbito do “Programa 365 Algarve – Valorização Artística e Promoção do Território”, sendo coordenada pela comissária desse programa, que exercia tarefas de controlo da actividade da prestadora, estando esta sujeita a instruções e não dispondo de autonomia técnica. 6. A tal não obsta a circunstância da prestadora não estar sujeita a controlo de assiduidade, nem lhe ser solicitada a justificação de ausências, o que apenas demonstra o não exercício de certos direitos pela beneficiária (notando-se que a mesma situação também ocorre em alguns contratos de trabalho com isenção de horário). 7. A circunstância da prestadora emitir recibos verdes e não estar inscrita na Segurança Social não afasta a presunção de laboralidade, pois apenas revela o incumprimento de regras fiscais e de segurança social. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Faro, AA demandou a Associação de Turismo do Algarve, pedindo que: a) seja reconhecida a transmissão da posição contratual da Região Turismo do Algarve para a Ré, no contrato de trabalho celebrado com aquela, operada em 01.07.2017; b) seja reconhecida a existência de um único contrato de trabalho sem termo, com início a 28.11.2016; c) seja declarada a ilicitude do despedimento promovido pela Ré; d) seja a Ré condenada a reintegrar a A. na sua estrutura laboral ou a pagar-lhe o montante total de € 12.556,25, na eventualidade de optar, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, por uma indemnização em substituição da reintegração; e) seja a Ré condenada a pagar as retribuições que a A. deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na presente acção; f) seja a Ré condenada a pagar os valores devidos a título de subsídios de férias e de Natal vencidos, no total de € 15.633,32, e os vincendos desde a data do despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na presente acção; g) seja a Ré condenada a pagar os juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias anteriormente referidas, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento; h) seja a Ré condenada a regularizar a situação da A. na Segurança Social, com a inscrição como trabalhador da Ré, com efeitos a partir da sua admissão, e com o pagamento de todas as contribuições em falta. Para tanto, alega ter celebrado, em 28.11.2016, com a Região de Turismo do Algarve (RTA) um contrato visando o acompanhamento dos serviços prestados pela mesma ao nível de produção e organização de eventos culturais no âmbito do “Programa 365 Algarve – Valorização Artística e Promoção do Território”, que foi anualmente renovado até 31.12.2020. Em 01.07.2017 celebrou com a Ré (de quem a RTA é associada fundadora e para quem esta transmitiu a posição contratual) contrato com o mesmo objecto, renovado em 01.07.2018 e em 01.07.2019. No desenvolvimento de tais contratos sempre desempenhou as funções na sede da Ré, que é comum à RTA, sempre usou os instrumentos de trabalho disponibilizados pela Ré, tinha horário de trabalho determinado pela Ré, a mesma atribuía-lhe um período de férias remunerado (não lhe pagando, contudo, subsídio de férias e de Natal) e pagava-lhe, por transferência bancária, uma remuneração fixa e periódica, sendo que a Ré lhe impunha tarefas obrigatórias e dava-lhe instruções. Tal relação veio a findar em 31.12.2020, através de comunicação unilateral da Ré, o que constitui despedimento ilícito. Contestando, a Ré alegou que a RTA é hoje um dos seus 400 associados, e que contratou a A. apenas para prestação de serviços no âmbito do programa 365 Algarve, celebrado com o Turismo de Portugal, I.P., o qual não teve continuidade a partir de 31.12.2020. Alega que a A. não estava sujeita ao dever de assiduidade, nem tinha qualquer horário de trabalho, não marcava férias, não estava sujeita ao poder disciplinar da Ré, não usava instrumentos que lhe pertencessem, nem prestava serviço nas suas instalações, tinha liberdade para prestar serviços a partir de local que entendesse, nunca lhe foi pago subsídio de férias ou de Natal, não estava integrada hierarquicamente, nem reportava a qualquer trabalhador ou membro da Ré sendo coordenada pela comissária do programa, nomeada pela Secretaria de Estado da Cultura. Mais referiu que a A. só lhe prestava serviços no âmbito do programa 365 Algarve, suportando a sua própria alimentação, deslocação e chamadas telefónicas, não tinha endereço electrónico da Ré e era paga mediante a apresentação de recibos verdes. Mais referiu que não estava submetida a ordens ou instruções da Ré e a sua actividade não era controlada nem fiscalizada. Após julgamento, a sentença julgou a causa improcedente. Inconformada, a A. recorre e coloca as seguintes questões:[1] · Impugnação da decisão da matéria de facto, devendo ser alterada a resposta aos factos dados como provados sob os pontos 19, 20, 21, 22, 23, 25, 28, bem como a resposta dada aos factos dados como não provados sob os pontos 2, 3, 4, 5 e 6; · A relação estabelecida entre as partes consubstancia uma relação laboral, com início em 28.11.2016. · O contrato de trabalho tem como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. · Subordinação essa que se encontra reflectida no próprio clausulado dos contratos celebrados entre A. e Ré. · A não tinha autonomia no exercício da sua actividade; exercia a sua prestação em local pertencente à Ré – a sua sede – e por si determinado; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados no exercício da actividade pertenciam à Ré e eram por esta fornecidos; observava um horário de trabalho determinado pela Ré, das 09h às 17h, com intervalo de 1 hora para almoço, de segunda a sexta-feira; a Ré atribuía, anualmente, um período de férias remunerado; auferiu sempre uma remuneração fixa e mensal, em contrapartida da actividade prestada; e estava sujeita às instruções e ordens emanadas pela Ré e pela comissária designada para o programa 365 Algarve. · Estão verificados os indícios previstos nas als. a), b), c) e d) do art. 12.º do Código do Trabalho, pelo que é de operar a presunção de laboralidade constante dessa norma. · Operando a presunção de laboralidade, competia à Ré a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica. · A Ré não logrou ilidir tal presunção, ou seja, não demonstrou que, a despeito de se verificarem todas aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. · Os indícios eminentemente formais atinentes à denominação dos contratos celebrados, à emissão dos designados “recibos verdes”, ao regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores independentes, ao não registo de faltas e presenças, à não integração da trabalhadora nos mapas de férias, etc., são irrelevantes. · Com efeito, tais indícios são consentâneos com a aparência jurídica que – precisamente – se pretende ajuizar se tem correspondência na efectiva relação jurídica querida e executada pelos outorgantes dos denominados “contratos de prestação de serviços”, não assumindo, na apreciação global, relevância para afastar o modo convencionado de execução do contrato da figura de contrato de trabalho. · Tais indícios apenas reforçam a intenção da Ré não querer assumir a existência da relação laboral, munindo-se de aspectos formais que não correspondem aos termos reais em que a relação contratual se desenvolvia. · Tendo a A. provado factos que permitem ter por verificadas quatro das características do contrato de trabalho previstas no art. 12.º do Código do Trabalho, deverá ser reconhecida a existência de contrato de trabalho. A resposta sustenta a manutenção do decidido. Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer. Cumpre-nos decidir. Da impugnação da matéria de facto Ponderando que se encontram reunidos os pressupostos do art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil para se conhecer da impugnação fáctica deduzida pela Recorrente, procedamos à respectiva análise, consignando que se procedeu à audição dos depoimentos gravados em audiência. * No ponto 19 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que a “A A. não estava sujeita a controlo de assiduidade”, pretendendo a A. que a resposta seja alterada em sentido precisamente oposto, i.e., de estar sujeita a tal controlo.Nas suas declarações de parte, a A. reconheceu que não registava em suporte papel a sua presença nas instalações da Ré, possuindo um cartão magnético que lhe permitia abrir a porta do edifício, embora desconhecesse se tal cartão efectuava o registo de entradas e saídas. Acresce que os demais depoimentos que incidiram sobre esta matéria – BB, que também prestava serviços para a Ré no âmbito do mesmo programa 365 Algarve, CC, gestora financeira da Ré, e DD, director executivo da Ré – confirmaram que tal controlo de assiduidade não era realizado em relação às três pessoas que trabalhavam no dito programa. A simples circunstância do legal representante da Ré, EE, ter enviado à A. um SMS desejando rápidas melhoras à filha e não se preocupar com o trabalho, podendo ficar em casa, não revela, apenas per se, que ocorria uma sistemático controlo de assiduidade, motivo pelo qual a resposta a este ponto da matéria de facto não deve ser alterada. * No ponto 20 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que a “A R. nunca solicitou à A. a justificação de ausências”, pretendendo a A. que a resposta seja alterada no sentido dessa justificação ser solicitada, ainda que tacitamente.Argumenta a A. que os depoimentos prestados acerca desta matéria pelas testemunhas FF, CC e DD, não se revelaram imparciais e isentos, devendo considerar-se os depoimentos prestados sobre esta matéria pela A. e pela testemunha BB. Analisando a documentação junta aos autos, não consta qualquer recibo de entrega de justificações, nem qualquer exigência de entrega das mesmas. Certo é que a comissária do programa 365 Algarve, FF, com quem a A. trabalhava directamente, declarou que não exigia tais justificações, apesar da A. lhe dizer quando faltava e porque faltava. Ponderando que a testemunha BB também confirmou que nunca lhe foi solicitada a entrega de justificações de ausências, apesar de trabalhar no mesmo programa 365 Algarve com idêntico contrato de prestação de serviços, e ainda que as testemunhas CC e DD também declararam nunca ter solicitado tais justificações, tanto mais que nunca foram descontados quaisquer valores respeitantes a ausências, entendemos que a prova produzida não impõe decisão diversa quanto a este ponto da matéria de facto, que assim não será alterado. * No ponto 21 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que a “A R. não marcava férias à A., nem a A. lhas solicitava”, enquanto no ponto 4 da matéria de facto não provada ficou a constar como não provado que “A R. atribuísse à A., anualmente, um período de férias remunerado.”Pretende a A. que se declare provado, tout court, que “A A. solicitava férias à Ré, que as marcava.” As testemunhas CC e DD revelaram que existia um mapa de férias na Ré, do qual a A. nunca constou, pois era considerada mera prestadora de serviços. Mas o que está aqui em causa é saber se as férias eram gozadas por livre escolha da A., ou se esta carecia de obter autorização junto da Ré para as gozar. Ora, a testemunha FF, a coordenadora do programa 365 Algarve, revelou que as férias não eram tiradas ao livre arbítrio da A., pois esta tinha de apresentar uma proposta de férias, que a coordenadora do programa validava ou não validava, de modo a garantir que não era afectada a execução dos projectos em curso e que pelo menos uma das pessoas afecta ao programa 365 Algarve permanecia ao serviço. A este propósito, é paradigmática a seguinte declaração (entre 6m14s e 6m25s do depoimento desta testemunha): “A AA, normalmente quando ia de férias, colocava à consideração se podia ir de férias naquela altura. Nós avaliávamos se sim ou se não, para efeitos do que era a execução do projecto no terreno.” Ponderando, ainda, que a testemunha BB também confirmou que as férias não eram livremente gozadas, carecendo de marcação junto da coordenadora do programa, e que tal era levado ao conhecimento do presidente da Ré (isto também foi admitido pela testemunha FF), e ponderando que as férias eram sempre remuneradas (a A. não deixava de receber pelo facto de estar de férias), impõe-se a alteração da matéria de facto, nos seguintes termos: - ponto 21 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A A. apresentava proposta de férias, sujeita a validação pela Ré”; - o ponto 4 da matéria de facto não provada é eliminado, passando a constar um novo ponto do elenco de factos provados, com o n.º 30 e a seguinte redacção: “A Ré remunerava as férias gozadas pela A..” * No ponto 22 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que “Os instrumentos de trabalho que a A. usava não pertenciam à Ré”, enquanto no ponto 2 da matéria de facto não provada ficou a constar como não provado que “A Autora, no desempenho das suas funções, trabalhasse com instrumentos e equipamentos pertencentes à Ré.”A sentença justificou a sua decisão pois a A. “usava computador da Região de Turismo do Algarve, telefone fixo, papel, canetas, cadernos, réguas, dossiers, impressora e pen drive da Região de Turismo do Algarve – o que foi confirmado por todas as testemunhas – demos como provado o facto n.º 22 e, porque além disso nenhuma prova se fez de que, conforme declarado pela A. o economato da R. e da Região de Turismo do Algarve era comum, não provado no nº 2 da alínea B).” No entanto, o que se discute neste ponto da matéria de facto, não é a relação jurídica de propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do beneficiário da actividade, que os pode deter por qualquer título legítimo – locação, comodato, etc.. O que está em causa é saber se o prestador utiliza instrumentos de trabalho facultados pela beneficiária da actividade, sendo perfeitamente indiferente apurar quem era o proprietário de tais instrumentos. Ponderando que todas as testemunhas – BB, FF, CC e DD – confirmaram que a A. exercia as suas funções no edifício onde a RTA e a Ré têm as suas instalações comuns e com os instrumentos que ali lhe eram colocados à disposição (computador, impressoras, papel e outros equipamentos de escritório), entendemos que mais uma vez se impõe a alteração da matéria de facto, nos seguintes termos: - ponto 22 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A A., no desempenho das suas funções, trabalhava com instrumentos e equipamentos disponibilizados pela Ré”; - o ponto 2 da matéria de facto não provada é eliminado. * No ponto 23 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que a “A A. desenvolvia a sua actividade na Avenida 5 de Outubro, n.º 18, 8000-076 Faro, no 6º piso afecto à Região de Turismo do Algarve.”Ora, a A. havia alegado na sua petição inicial que “desempenhou sempre as funções para as quais foi contratada na sede da Ré, que (…) é comum à Região de Turismo do Algarve” – art. 10.º daquela peça – exercendo assim a sua actividade em local determinado pela Ré. A sentença dá relevo à circunstância do 6.º piso estar afecto à RTA, mas certo é que o edifício na morada supra citada é, também, a sede da Ré, onde tem as suas instalações e onde os seus trabalhadores exercem as suas funções. Ponderando, ainda, que a Ré contratou a A. para prestar a sua actividade no âmbito do programa 365 Algarve e a colocou a trabalhar num gabinete do 6.º piso, pouco releva se o resto desse piso estava afecto à RTA – pelo menos aquele gabinete estava afecto à Ré, que ali colocou a A. para desempenho das tarefas associadas ao programa 365 Algarve, e esse é o ponto relevante. Assim, o ponto 23 da matéria de facto provada passará a ter a seguinte redacção: “A A. desenvolvia a sua actividade na sede da Ré, sita na Av. 5 de Outubro, n.º 18, 8000-076 Faro, num gabinete que lhe atribuiu, sito no 6.º piso.” * No ponto 25 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que “A A. era coordenada pela comissária do programa 365 Algarve, nomeada pela Secretaria de Estado da Cultura onde exercia funções, a quem competia tomar as decisões relacionadas com o programa, após aprovação da despesa por parte da R. ou da Região de Turismo do Algarve.”Por seu turno, nos pontos 5 e 6 da matéria de facto não provada ficou a constar como não provado que “A A. estivesse sujeita a instruções emanadas pela R.” e que “As instruções da comissária designada para os projectos derivassem da R..” Entende a A. que também era coordenada pela Ré e dela recebia também ordens e instruções, designadamente através do seu presidente e director executivo. A sentença argumentou que a comissária do programa 365 Algarve não era uma funcionária ou representante da Ré ou da RTA, mas antes uma personalidade nomeada pela Secretaria de Estado da Cultura para exercício desse cargo, com a responsabilidade de proceder à execução artística do programa, decidindo a programação cultural com total liberdade, dentro do orçamento atribuído. Mais sustentou que a A. estava na área da comunicação do programa, cabendo-lhe a publicitação dos projectos, reportando apenas à coordenadora. No entanto, a Ré e a RTA eram as entidades promotoras do programa 365 Algarve, como se vê nos contratos de apoio financeiro celebrados com o Turismo de Portugal, I.P., anexos à contestação. Foi para a execução desse programa que a A. foi contratada e da cláusula segunda do contrato de prestação de serviços, para além de uma minuciosa descrição das “tarefas obrigatórias” – sic – que a A. deveria desempenhar, consta o seguinte: “Todas as decisões devem ser tomadas em conjunto com o Primeiro Outorgante (a Ré), designadamente através da comissária designada para o projecto.” Daqui resulta que a Ré atribuiu àquela comissária uma função específica de controlo da actividade da A., obrigada contratualmente a tomar todas as decisões após aprovação pela comissária. Se logo pelo texto contratual se constata que a comissária exercia funções de controlo da actividade da A., por expressa determinação da Ré, existem outros elementos probatórios recolhidos nos autos que demonstram que o presidente da Ré também dava instruções específicas à A.. Com efeito, estão juntos aos autos mensagens de correio electrónico datadas de 03.12.2019, 05.06.2020 e 16.06.2020, expedidas pelo presidente da Ré, EE, dando instruções específicas à A.. acerca da execução de vários eventos culturais que esta lhe propôs. Não impressiona, minimamente, que essa pessoa invoque nessas mensagens a sua qualidade, também, de presidente da RTA – o que importa é que acumula os cargos de presidente da RTA e da Ré, e dá ordens específicas à A., sabendo bem que esta estava contratada pela Ré, exercendo assim poderes de representação desta. Ponderando, ainda, que a testemunha BB revelou que a A. desempenhava as suas funções não apenas no âmbito programa 365 Algarve, mas também noutras tarefas determinadas pelo Presidente da Ré – nomeadamente no evento SunShot ocorrido em Sagres – entendemos que mais uma vez se impõe a alteração da matéria de facto, nos seguintes termos: - mantém-se o ponto 25 da matéria de facto provada, mas adita-se um novo ponto, que será o 31, com a seguinte redacção: “A A. estava sujeita a instruções emanadas pela Ré e todas as suas decisões deviam ser tomadas em conjunto com esta, também através da comissária designada para o projecto”; - os pontos 5 e 6 da matéria de facto não provada são eliminados. * No ponto 28 da matéria de facto provada, a sentença declarou provado que “A A. não tinha endereço electrónico atribuído pela Ré”, argumentando para o efeito que o endereço que a A. utilizava – ...@turismodoalgarve.pt – havia sido atribuído pela RTA e não pela Ré, cujos endereços terminam em @atalgarve.pt.O argumento não é válido, pois a A. estava contratada pela Ré e usava o endereço electrónico que esta lhe atribuiu. Se tal endereço designava a Ré ou a RTA, não é assunto que à A. diga respeito, o que importa é que estava em causa mais outro instrumento de trabalho disponibilizado à A. pela Ré, sendo irrelevante, para efeitos da decisão dos autos, determinar quem é o proprietário de tal endereço. Consequentemente, também este ponto 28 da matéria de facto provada deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: “A A. tinha endereço electrónico atribuído pela Ré.” * No ponto 3 da matéria de facto não provada ficou a constar como não provado que “A Autora tenha estado sujeita ao cumprimento de um horário de trabalho previamente determinado pela Ré, das 9h às 17h com 1 hora de almoço, de segunda a sexta-feira.”A sentença argumentou que as testemunhas CC e DD declararam que o horário normal de trabalho dos trabalhadores da Ré era outro (das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30m) e que a testemunha FF declarou que a A. não tinha hora certa para chegar nem para sair, nem estava estabelecida hora de almoço. Mas certo é que a A. tinha um conjunto estrito de tarefas para desempenhar, rigorosamente estipuladas no contrato, e desempenhava-as nas instalações da Ré, em gabinete por esta disponibilizado, e tal não sucedia em qualquer hora do dia ou da noite, ou em qualquer dia da semana. Tal sucedia de segunda a sexta, e o depoimento da testemunha BB – que tem a enorme vantagem de já não estar vinculada à Ré e não ter qualquer conflito com esta, e como tal tem maiores garantias de imparcialidade – foi bem explícito ao mencionar que lhe foi imposto um horário das 9 às 17 h, com uma hora de intervalo para almoço, de segunda a sexta-feira. Temos, pois, que também aqui se impõe a alteração da matéria de facto, nos seguintes termos: - adita-se um novo ponto, que será o 32, com a seguinte redacção: “A Autora cumpria um horário de trabalho determinado pela Ré, das 9h às 17h com 1 hora de intervalo para almoço, de segunda a sexta-feira”; - o ponto 3 da matéria de facto não provada é eliminado. * Em resumo, a impugnação da matéria de facto procede, nos seguintes termos:· os pontos 19, 20 e 25 da matéria de facto provada são mantidos; · o ponto 21 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A A. apresentava proposta de férias, sujeita a validação pela Ré”; · o ponto 22 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A A., no desempenho das suas funções, trabalhava com instrumentos e equipamentos disponibilizados pela Ré”; · o ponto 23 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A A. desenvolvia a sua actividade na sede da Ré, sita na Av. 5 de Outubro, n.º 18, 8000-076 Faro, num gabinete que lhe atribuiu, sito no 6.º piso”; · o ponto 28 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A A. tinha endereço electrónico atribuído pela Ré”; · adita-se um novo ponto ao elenco de factos provados, com o n.º 30 e a seguinte redacção: “A Ré remunerava as férias gozadas pela A.”; · adita-se um novo ponto ao elenco de factos provados, com o n.º 31 e a seguinte redacção: “A A. estava sujeita a instruções emanadas pela Ré e todas as suas decisões deviam ser tomadas em conjunto com esta, também através da comissária designada para o projecto”; · adita-se um novo ponto ao elenco de factos provados, com o n.º 32 e a seguinte redacção: “A Autora cumpria um horário de trabalho determinado pela Ré, das 9h às 17h com 1 hora de intervalo para almoço, de segunda a sexta-feira”; · os pontos 2, 3, 4, 5 e 6 da matéria de facto não provada são eliminados. *** Fica assim estabelecida a matéria de facto provada: 1. Em 26 de Novembro de 2016, A. e Região de Turismo do Algarve outorgaram acordo mediante o qual declararam, aquela na qualidade de segunda outorgante e esta na de primeira: “o presente contrato tem por objecto a prestação de serviços de organização de eventos culturais pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante, na sequência do procedimento AD nº27/2016, realizado ao abrigo do CPP.(…) o preço do presente contrato é de 13 739,84 (…) referente ao valor dos serviços a adquirir pelo Primeiro outorgante, isento de IVA. (…) O primeiro outorgante compromete-se a proceder ao pagamento das quantias devidas, no prazo máximo de 60 dias após a recepção das respectivas facturas (…) pagas através de transferência bancária(…) O contrato entra em vigor na data da sua celebração e vigora até ao dia 30 de Junho de 2017.” 2. A actividade supramencionada desenvolveu-se no âmbito do programa “365 Algarve – valorização artística e promoção do território”. 3. Em 01 de Julho de 2017, A. e a R. outorgaram acordo que denominaram de “Aquisição de serviços de produção e organização do programa “365 Algarve – valorização artística e promoção do território” mediante o qual declararam, aquela na qualidade de segunda outorgante e esta na de primeira “o presente contrato tem por objecto a prestação de serviços de produção e organização da 2ª edição do programa 365 Algarve – valorização artística e promoção do território pelo segundo outorgante (…)Os serviços (…) compreendem as seguintes tarefas (…) a) Acompanhar o Programa e dar apoio aos agentes culturais e Municípios, desde a produção à execução; b) Acompanhar, mediar e articular as acções de produção e comunicação do Programa com os agentes culturais e Municípios; c) Realizar o acompanhamento da execução financeira dos contratos; d) Reunir e fornecer todas as informações necessárias para o estudo de avaliação do Programa; e) Apresentar relatórios de execução mensais que contribuam para a elaboração do relatório final de execução do Programa, bem como para o pagamento das respectivas facturas.(…) O preço do presente contrato é de 19 999,93 €(…) pagos mensalmente da seguinte forma : a) De Julho a Dezembro de 2017, 6 (seis) prestações mensais, cada uma no valor de € 1.666,66 (mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), isentos de IVA; b) De Janeiro a Junho de 2018, 6 (seis) prestações mensais, cada uma no valor de € 1.355,01 (mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e um cêntimo), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, no valor mensal de € 311,65 (trezentos e onze euros e sessenta e cinco cêntimos).(…) O primeiro outorgante compromete-se a proceder ao pagamento das quantias devidas, no prazo máximo de 30 dias após a recepção das respectivas facturas (…) pagas através de cheque. (…)O segundo outorgante inicia a execução dos serviços contratualizados na data da celebração do presente contrato (…) o contrato entra em vigor na data da sua celebração e vigora até ao dia 30 de Junho de 2018.” 4. Em 01 de Julho de 2018 A. e a R. outorgaram acordo que denominaram de “Aquisição de serviços de produção e organização do programa “365 Algarve – valorização artística e promoção do território” mediante o qual declararam, aquela na qualidade de segunda outorgante e esta na de primeira “o presente contrato tem por objecto a prestação de serviços de produção e organização da 3ª edição do programa 365 Algarve – valorização artística e promoção do território pelo segundo outorgante (…)Os serviços (…) compreendem as seguintes tarefas (…) a) Acompanhar o Programa e dar apoio aos agentes culturais e Municípios, desde a produção à execução; b) Acompanhar, mediar e articular as acções de produção e comunicação do Programa com os agentes culturais e Municípios; c) Realizar o acompanhamento da execução financeira dos contratos; d) Reunir e fornecer todas as informações necessárias para o estudo de avaliação do Programa; e) Apresentar relatórios de execução mensais que contribuam para a elaboração do relatório final de execução do Programa, bem como para o pagamento das respectivas facturas.(…) O preço do presente contrato é de 24 600,00 € (…) pagos mensalmente da seguinte forma : a) De 01 de Julho de 2018 a 30 de Junho de 2019, 12 pagamentos mensais cada um no valor de 2 050,00 (…), IVA incluído(…)O primeiro outorgante compromete-se a proceder ao pagamento das quantias devidas, no prazo máximo de 30 dias após a recepção das respectivas facturas (…)pagas a através de cheque (…) O segundo outorgante inicia a execução dos serviços contratualizados na data da celebração do presente contrato (…) o contrato entra em vigor no dia 01 de Julho de 2018 e vigora até ao dia 30 de Junho de 2019.” 5. Em 01 de Julho de 2019 A. e a R. outorgaram acordo que denominaram de “Aquisição de serviços de produção e organização do programa “365 Algarve – valorização artística e promoção do território” mediante o qual declararam, aquela na qualidade de segunda outorgante e esta na de primeira “o presente contrato tem por objecto a prestação de serviços de produção e organização da 4ª edição do programa 365 Algarve – valorização artística e promoção do território pelo segundo outorgante (…)Os serviços (…) compreendem as seguintes tarefas (…) a) Acompanhar o Programa e dar apoio aos agentes culturais e Municípios, desde a produção à execução; b) Acompanhar, mediar e articular as acções de produção e comunicação do Programa com os agentes culturais e Municípios; c) Realizar o acompanhamento da execução financeira dos contratos; d) Reunir e fornecer todas as informações necessárias para o estudo de avaliação do Programa; e) Apresentar relatórios de execução mensais que contribuam para a elaboração do relatório final de execução do Programa, bem como para o pagamento das respectivas facturas.(…) O preço do presente contrato é de 24 600,00 €(…) pagos mensalmente da seguinte forma : a) De 01 de Julho de 2019 a 30 de Junho de 2020, 12 pagamentos mensais cada um no valor de 2 050,00 (…), com IVA incluído à taxa legal em vigor (…)O primeiro outorgante compromete-se a proceder ao pagamento das quantias devidas, no prazo máximo de 30 dias após a recepção das respectivas facturas(…)pagas através de transferência bancária(…)O segundo outorgante inicia a execução dos serviços contratualizados na data da celebração do presente contrato (…) o contrato entra em vigor no dia 01 de Julho de 2019 e vigora até ao dia 30 de Junho de 2020.” 6. Por comunicação verbal de 18 de Dezembro de 2020 a R. cessou unilateralmente o acordo referido em 5. 7. A Região de Turismo do Algarve, tem sede na Avenida 5 de Outubro, n.º 18, 8000-076 Faro. 8. A Ré é uma pessoa colectiva de direito privado, na forma de associação sem fins lucrativos, com o objecto de realizar a promoção e divulgação turística do Algarve e seus produtos regionais, proceder à concertação entre entidades públicas e privadas regionais, com vista à definição de politicas, objectivos e estratégias de promoção turística do Algarve no estrangeiro e informação e apoio aos turistas, constituída por escritura pública de dez de Janeiro de dois mil e três, exarada a folhas quatro do Livro de notas número duzentos e noventa e nove – A do Primeiro Cartório Notarial de Faro pelos seguintes associados: (i) a Região de Turismo do Algarve; (ii) ACRAL – Associação de Comércio e Serviços da Região da Algarve; (iii) a AHETA – Associação dos Hoteleiros e empreendimentos turísticos do Algarve; (iv) a AIHSA – Associação dos Industriais Hoteleiros e Similares do Algarve; (v) a Associação Algarve Congressos e Incentivos - Algarve Convention Bureau; (vi) a Algarve Golfe - Associação Regional Golfe do Sul; (vii) a APAVT – Associação das Agências de Viagens e Turismo; e (viii) a ARAC – Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis Sem Condutor. 9. A R. tem sede na Avenida 5 de Outubro, n.º 18, 8000-076 Faro. 10. Actualmente a R. tem mais associados do que os iniciais, em número não concretamente apurado. 11. A R. enquanto agência regional de promoção turística tem por missão a promoção externa do turismo do Algarve. 12. Em 6 de Julho de 2017,a R., na qualidade de Promotor, a Região de Turismo do Algarve, na qualidade de promotor e o Turismo de Portugal, I.P. outorgaram acordo denominado de “Contrato de concessão de apoio financeiro no âmbito do regime geral dos financiamentos do Turismo de Portugal, I.P.” declarando “os promotores apresentaram ao Turismo de Portugal uma candidatura para a execução do programação Cultural – projecto de valorização artística e de promoção do território algarvio 2017-2018 (…) o presente contrato tem por objecto a concessão pelo Turismo de Portugal de um apoio financeiro para a realização pelos promotores do projecto constante na respectiva candidatura, cujo custo estimado é de 1 500 000€ que se traduz na realização de um programa cultural de valorização artística e de promoção do território algarvio 2017-2018 (a realização do projecto pelos promotores decorre de Outubro de 2017 a Maio de 2018 (…) o presente contrato entra em vigor após a sua assinatura e retroage os seus efeitos a 01 de Março de 2017, data de início do projecto constante da candidatura em anexo.” 13. Em 22 de Agosto de 2018, a R., na qualidade de Promotor, a Região de Turismo do Algarve, na qualidade de promotor e o Turismo de Portugal, I.P. outorgaram acordo denominado de “Contrato de concessão de apoio financeiro no âmbito do regime geral dos financiamentos do Turismo de Portugal, I.P.” declarando “os promotores apresentaram ao Turismo de Portugal uma candidatura para a execução do programação Cultural – projecto de valorização artística e de promoção do território algarvio 2018-2019 (…) o presente contrato tem por objecto a concessão pelo Turismo de Portugal de um apoio financeiro para a realização pelos promotores do projecto constante na respectiva candidatura, cujo custo estimado é de 1 500 000€ que se traduz na realização de um programa cultural de valorização artística e de promoção do território algarvio 2018-2019 (…) a realização do projecto pelos promotores decorre de Outubro de 2018 a Maio de 2019 (…) o presente contrato entra em vigor após a sua assinatura e retroage os seus efeitos a 01 de Março de 2018, data de início do projecto constante da candidatura em anexo.” 14. Em 01 de Outubro de 2019, a R., na qualidade de Promotor, a Região de Turismo do Algarve, na qualidade de promotor e o Turismo de Portugal, I.P. outorgaram acordo denominado de “Contrato de concessão de apoio financeiro no âmbito do regime geral dos financiamentos do Turismo de Portugal, I.P.” declarando “os promotores apresentaram ao Turismo de Portugal uma candidatura para a execução do programação Cultural – projecto de valorização artística e de promoção do território algarvio 2019-2020 (…) o presente contrato tem por objecto a concessão pelo Turismo de Portugal de um apoio financeiro para a realização pelos promotores do projecto constante na respectiva candidatura, cujo custo estimado é de 1 500 000€ que se traduz na realização de um programa cultural de valorização artística e de promoção do território algarvio 2019-2020 (…) a realização do projecto pelos promotores decorre de Outubro de 2019 a Maio de 2020 (…) o presente contrato entra em vigor após a sua assinatura e retroage os seus efeitos a 01 de Março de 2019, data de início do projecto constante da candidatura em anexo.”. 15. Em 23 de Outubro de 2019 as partes realizaram adenda ao referido acordo constante de fls. 53 vº a 55. 16. Por adenda datada de data não concretamente apurada, em virtude da pandemia de SARS Cov-2, o acordo foi prorrogado até 31 de Dezembro de 2020. 17. A R. nunca processou ou pagou à Autora subsídio de férias ou de Natal. 18. A R. nunca intentou processo disciplinar à A.. 19. A A. não estava sujeita a controlo de assiduidade. 20. A R. nunca solicitou à A. a justificação de ausências. 21. A A. apresentava proposta de férias, sujeita a validação pela Ré. 22. A A., no desempenho das suas funções, trabalhava com instrumentos e equipamentos disponibilizados pela Ré. 23. A A. desenvolvia a sua actividade na sede da Ré, sita na Av. 5 de Outubro, n.º 18, 8000-076 Faro, num gabinete que lhe atribuiu, sito no 6.º piso. 24. A A. também desenvolvia a actividade a partir do seu domicílio. 25. A A. era coordenada pela comissária do programa 365 Algarve, nomeada pela Secretaria de Estado da Cultura onde exercia funções, a quem competia tomar as decisões relacionadas com o programa, após aprovação da despesa por parte da R. ou da Região de Turismo do Algarve. 26. A comissária não integrava os quadros de pessoal da R. e da Região de Turismo do Algarve. 27. A A. sempre suportou as despesas decorrentes da sua alimentação, deslocações e chamadas telefónicas. 28. A A. tinha endereço electrónico atribuído pela R.. 29. Após 31 de Dezembro de 2020 o programa 365 Algarve não teve continuidade. 30. A Ré remunerava as férias gozadas pela A.. 31. A A. estava sujeita a instruções emanadas pela Ré e todas as suas decisões deviam ser tomadas em conjunto com esta, também através da comissária designada para o projecto. 32. A Autora cumpria um horário de trabalho determinado pela Ré, das 9h às 17h com 1 hora de intervalo para almoço, de segunda a sexta-feira. APLICANDO O DIREITO Da existência de contrato de trabalho O art. 11.º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho é o poder de autoridade e direcção que uma das partes detém em relação à outra, no que diz respeito ao modo como esta deve prestar-lhe a actividade a que se obrigou. Esta relação de dependência em que o trabalhador se encontra no que toca à execução da sua prestação caracteriza o contrato de trabalho e distingue-o do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º do Código Civil). Neste, o trabalhador obriga-se a prestar certo resultado do seu trabalho a determinada pessoa, naquele obriga-se a prestar-lhe o seu próprio trabalho. É óbvio que a obtenção do resultado implica a realização de trabalho, mas a diferença está na forma como ele é prestado. No contrato de prestação de serviços, é o prestador que livre e autonomamente gere, no tempo e no espaço, o exercício da sua actividade, embora se possa dar o caso de aquela autonomia não ser total, pelo facto do prestador estar contratualmente obrigado a respeitar determinadas condições relativamente aos materiais a utilizar, ao figurino a seguir, ao local onde a actividade deve ser prestada, ao horário dentro do qual a mesma pode ser prestada, ou até a realizar pessoalmente a actividade necessária à consecução do resultado. Estaremos, todavia, nesses casos, perante condições contratualmente estabelecidas, fundadas no consenso das partes e não na autoridade directiva (supra-ordenação) de uma perante a outra.[2] No contrato de trabalho, pelo contrário, a direcção da actividade a prestar pelo trabalhador cabe à pessoa que dela beneficia (o empregador), ficando aquele obrigado a obedecer às ordens, regras, instruções e orientações que, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, forem transmitidas ou emanadas pelo empregador. Na verdade, no contrato de trabalho, ao contratar, o trabalhador não se limita a prometer a sua capacidade de trabalho, também concorda que aquele seja orientada pelo outro contratante, ou seja, usando as palavras da lei, concorda que a sua actividade seja prestada “no âmbito de organização e sob a autoridade” do outro contratante, que assim fica investido de um poder de direcção sobre o trabalhador, ficando este, por sua vez, numa situação de dependência em relação àquele, situação que a doutrina e a jurisprudência denominam de subordinação jurídica. E é esse estado de subordinação jurídica que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho, uma vez que a dependência económica, sendo um elemento essencial daquele contrato, também está ou pode estar presente no contrato de prestação de serviço. Por isso, ao averiguar se determinada situação concreta encaixa no contrato de trabalho, deveremos começar por detectar a presença da subordinação jurídica, o que nem sempre é tarefa fácil, uma vez que aquela subordinação não existe em estado puro. A extrema variabilidade das situações, o carácter informal do contrato de trabalho, o facto de a subordinação jurídica poder ser apenas potencial e de haver actividades que por sua natureza implicam uma grande autonomia técnica, mesmo quando são prestadas em regime de contrato de trabalho, são algumas das dificuldades que surgem na tarefa de identificação do contrato de trabalho. Para resolver tais dificuldades o art. 12.º do Código do Trabalho enunciou diversos indícios que fazem presumir a existência de contrato de trabalho, podendo bastar apenas a ocorrência de dois deles: a) a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. A primeira instância considerou apenas demonstrada a ocorrência do indício constante da al. d) – pagamento mensal de uma quantia certa, como contrapartida da actividade – mas considerou que não ocorriam os demais indícios previstos naquela norma. No entanto, em virtude da decisão da impugnação da matéria de facto, temos a considerar que ocorrem os indícios constante das als. a), b) e c), pois a actividade da A. era prestada em local disponibilizado pela Ré (máxime, em gabinete sito no 6.º piso do edifício onde tem a sua sede, embora também fosse permitido à A. o desenvolvimento da actividade no seu domicílio, situação que também ocorre no contrato de trabalho, onde a prestação pode ocorrer em regime de teletrabalho); a A., no desempenho das suas funções, trabalhava com instrumentos e equipamentos disponibilizados pela Ré; e observava horas de início e termo da prestação, determinadas pela beneficiária da actividade. Note-se que a circunstância das instalações onde a A. tinha um gabinete atribuído pertencer a uma terceira entidade (a RTA que, no caso, é uma associada fundadora da Ré), não afasta a verificação do indício da al. a), pois o que releva como elemento caracterizador é a determinação do local de exercício da actividade pelo respectivo beneficiário, retirando ao prestador a liberdade de a exercer em qualquer outro local. Quanto ao indício da al. b) – equipamentos e instrumentos de trabalho fornecidos ou disponibilizados pela Ré – a lei não exige uma relação jurídica de propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do beneficiário da actividade, podendo ter a disponibilidade de tais bens por qualquer título legítimo, e assim os poder facultar ao prestador de actividade.[3] Maria do Rosário Palma Ramalho[4] nota que «no caso das presunções de laboralidade, pretende-se, pois, facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho em situações de dúvida. Assim, porque beneficia de tal presunção, o trabalhador tem apenas que alegar os indícios de subordinação jurídica que, no caso, considere relevantes, bem como a existência dos restantes elementos essenciais do contrato de trabalho (indicando que desenvolve uma actividade produtiva mediante uma retribuição); e, nos termos gerais do art. 350.º, n.º 2, do CC, compete ao empregador ilidir tal presunção, provando, em contrário, que os indícios alegados pelo trabalhador não evidenciam, no caso concreto, a subordinação e, assim, afastando a qualificação do vínculo como um contrato de trabalho. Em suma, a presunção de laboralidade facilita a posição do trabalhador no diferendo sobre a qualificação do seu contrato.» Deste modo, o Tribunal deverá proceder à avaliação do conjunto dos factos apurados, a fim de determinar se a prestadora de actividade actuava com autonomia ou com efectiva subordinação jurídica à autoridade da beneficiária. Como já se decidiu Supremo Tribunal de Justiça[5], «os índices de qualificação mais significativos e utilizados são: (i) vontade real das partes quanto ao tipo contratual; (ii) objecto do contrato (prevalência da actividade ou do resultado; grau de (in)determinação da prestação; grau de disponibilidade do trabalhador e repartição do risco); (iii) momento organizatório da prestação (pessoalidade da prestação; exclusividade e grau de dependência económica; tipo de remuneração; local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho; tempo de trabalho e de férias; grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte; (iv) indícios externos (regime fiscal e de segurança social; sindicalização).» No caso dos autos, a A. foi inserida numa organização dirigida pela Ré, para execução de tarefas rigorosamente definidas, no âmbito do “Programa 365 Algarve – Valorização Artística e Promoção do Território”, sendo coordenada pela comissária desse programa que, apesar de ser nomeada pela Secretaria de Estado da Cultura, exercia tarefas de controlo da actividade da A., nos termos estipulados na cláusula 2.ª n.º 2 dos contratos por esta outorgados: “Todas as decisões devem ser tomadas em conjunto com o Primeiro Outorgante (a Ré), designadamente através da comissária designada para o projecto.” Ou seja, a A. não dispunha de autonomia técnica na execução das tarefas que estava obrigada a desempenhar, tanto mais que se provou estar “sujeita a instruções emanadas pela Ré e que todas as suas decisões deviam ser tomadas em conjunto com esta, também através da comissária designada para o projecto.” Estes factos presumem a existência de uma relação laboral, que a Ré não logrou ilidir, com efectiva integração da A. na estrutura e organização da Ré e com subordinação jurídica a esta. A circunstância da A. não estar sujeita a controlo de assiduidade, não lhe ter sido solicitada a justificação de ausências, emitir recibos verdes e não estar inscrita na Segurança Social como trabalhadora da Ré, não é essencial para afastar tal presunção. Demonstra, tão só, o não exercício de certos direitos pela beneficiária, com vista a obviar à qualificação do contrato como contrato de trabalho (note-se, de todo o modo, que quanto ao não controlo de assiduidade e à não justificação de faltas, a mesma situação também ocorre em alguns contratos de trabalho com isenção de horário) e o incumprimento de regras fiscais e de segurança social, motivada pela intenção da beneficiária de não respeitar o quadro legal aplicável aos trabalhadores por conta de outrem, nem incorrer nos respectivos custos. Quanto ao não pagamento de subsídios de férias e de Natal, trata-se de situação comum de não assunção da existência de contrato de trabalho, pela poupança que proporciona o não pagamento de tais subsídios.[6] Citando, mais uma vez, Maria do Rosário Palma Ramalho[7], «o elemento organizacional do contrato de trabalho (…) pretende realçar o facto de o trabalhador subordinado (contrariamente ao que sucede com outros prestadores de um serviço ou actividade laborativa) se integrar no seio da organização do credor da sua prestação, com uma especial intensidade. Desta integração resulta, em primeiro lugar, a vinculação do trabalhador a deveres que apenas se justificam por esta componente organizacional (assim, deveres de produtividade ou deveres diversos de colaboração com os colegas de trabalho, mas também a sujeição a horários, ao regulamento empresarial, a códigos de conduta ou a deveres disciplinares); é também esta componente organizacional que explica a influência quotidiana da organização do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores (evidenciada em múltiplos regimes laborais, que conformam os deveres dos trabalhadores em matéria de tempo e de local de trabalho, de alteração da prestação, de mudança do empregador ou de cessação do contrato por motivos de gestão); e é ainda a componente organizacional do vínculo laboral que explica o princípio da interdependência dos vínculos laborais da mesma organização (que se traduz em regras como a igualdade de tratamento entre os trabalhadores e em muitos aspectos da dinâmica colectiva dos contratos de trabalho).» No caso, para além do preenchimento de quatro presunções de laboralidade, a existência de contrato de trabalho confirma-se pela efectiva integração da A. na organização da Ré para, sob a sua autoridade e através de uma entidade contratualmente designada pela beneficiária da actividade – a comissária do programa 365 Algarve – exercer as tarefas acordadas, estando sujeita a instruções que lhe eram transmitidas e tendo, até, a necessidade de obter a validação das suas férias. Estes factos, associados à integração na equipa do programa 365 Algarve, promovido pela Ré, bem como a prestação da actividade em local determinado, com instrumentos de trabalho disponibilizados pela beneficiária da actividade e o regular pagamento de uma remuneração, comprovam a ocorrência de factos integradores da noção de contrato de trabalho estabelecida no art. 11.º do Código do Trabalho, pelo que a sentença recorrida não deve ser mantida. Em consequência do juízo formulado quanto à existência de um contrato de trabalho, que se mantém desde 28.11.2016 com os seus elementos essenciais estabilizados quanto à subordinação jurídica da A. – embora com transmissão da posição contratual da RTA para a Ré, em 01.07.2017 – deve a comunicação de cessação do contrato em 31.12.2020 – alegada pela A. na sua petição inicial e confirmada pela Ré na sua contestação, sob a invocação de caducidade do contrato, que não ocorre no caso, por não estarem reunidos os pressupostos do art. 343.º do Código do Trabalho e estar excedido o prazo máximo de três anos previsto para o contrato de trabalho a termo certo pelo art. 148.º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho, na sua versão original, ainda aplicável ao contrato dos autos[8] – ser considerado um despedimento ilícito, por não precedido do respectivo procedimento legal (art. 381.º al. c) do Código do Trabalho). Tem, pois, a A. direito à reintegração no mesmo estabelecimento da Ré – não consta dos autos que tenha optado pela indemnização substitutiva da reintegração – e aos salários de tramitação, embora devidos apenas desde 30 dias antes da propositura da acção (art. 390.º n.º 2 al. b) do Código do Trabalho). Igualmente tem direito aos valores devidos a título de subsídios de férias e de Natal (arts. 263.º n.º 1 e 264.º n.º 2 do Código do Trabalho), correctamente contabilizados na petição inicial em € 15.633,32, acrescido dos respectivos juros. Quanto à regularização da situação da A. perante a Segurança Social, será efectuada comunicação ao ISS, com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral – art. 186.º-O n.º 9 do Código de Processo do Trabalho. DECISÃO Destarte, concede-se provimento ao recurso e condena-se a Ré no seguinte: a) reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo com a A., com início a 28.11.2016; b) ver declarada a ilicitude do despedimento ocorrido em 31.12.2020, sendo condenada a reintegrar a A. no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) pagar as retribuições que a A. deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão final, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas nas als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, o que será liquidado no respectivo incidente; d) pagar a quantia de € 15.633,32, a título de subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2017 a 2020, inclusive; e) pagar juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do Código Civil, desde a liquidação quanto à condenação supra da al. c) e desde o momento de vencimento de cada um dos subsídios de férias e de Natal constantes supra da al. d). Após trânsito em julgado e regressados os autos à primeira instância, ali se fará comunicação deste Acórdão ao ISS, com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral – art. 186.º-O n.º 9 do Código de Processo do Trabalho. Custas pela Ré. Évora, 12 de Janeiro de 2023 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa __________________________________________________ [1] Não se transcrevem, na íntegra, as conclusões apresentadas, porquanto não cumprem o dever de síntese exigido pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Ademais, compete-nos o dever de analisar as questões suscitadas no recurso, e não o dever de copiar, acriticamente, as conclusões da parte, em especial quando estas não cumprem aquele parâmetro legal. [2] Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., pág. 144. [3] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2015 (Proc. 182/14.4TTGRD.C1.S1), publicado em www.dgsi.pt. [4] In “Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Novo Código do Trabalho – Breves Notas”, publicado no e-book do CEJ “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário”, 2.ª ed., Janeiro de 2016, pág. 63. [5] Acórdão de 21.05.2014 (Proc. 517/10.9TTLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt. [6] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2021 (Proc. 2608/19.1T8OAZ.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt. [7] Loc. cit., pág. 70. [8] Art. 11.º n.º 4 da Lei 93/2019, de 4 de Setembro, que alterou o Código do Trabalho, dispondo: “O regime estabelecido no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com a redacção dada pela presente lei, não se aplica aos contratos de trabalho a termo resolutivo, no que respeita à sua admissibilidade, renovação e duração, e à renovação dos contratos de trabalho temporário, uns e outros celebrados antes da entrada em vigor da referida lei.” |