Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
275/18.9T8PTM.E1
Relator: MOISÉS PEREIRA DA SILVA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS
REGISTO DO TEMPO DE TRABALHO
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: i) o art.º 202.º n.º 1 do CT obriga a empregadora a manter e a exibir de imediato o registo dos tempos de trabalho, mas nada diz quanto ao local onde deve ser efetuado.
ii) os números seguintes do artigo 202.º do CT, ou qualquer outro preceito legal, não excecionam a regra da exibição imediata.
iii) o n.º 1 do artigo não exige que o registo dos tempos de trabalho esteja no local onde o trabalho é prestado ou na sede da empresa. O que o artigo 202.º n.º 1 do CT exige é que o registo exista e seja efetuado de modo a que possa ser consultado, exibido ou dado a conhecer de forma imediata.
iv) O registo dos tempos de trabalho pode ser exibido através de qualquer meio, nomeadamente, exibição do sítio da empresa onde conste o registo dos tempos de trabalho, envio através de correio eletrónico imediato, fax, fotografia ou qualquer outro meio expedito.
v) Se tiver dúvidas sobre a veracidade do registo, pode solicitar a exibição do original. Neste caso, a empregadora poderá não o exibir de imediato, mas em tempo que lhe for concedido, atendendo às características do caso concreto e de modo a que possa cumprir sem dificuldades exageradas.
vi) o que o n.º 3 do art.º 202.º do CT pretende é facilitar a validação do registo dos tempos de trabalho pelo trabalhador nos casos em que este presta trabalho no exterior da empresa, mas nada tem a ver com a obrigação da empregadora em exibir o registo que tiver, independentemente de ter ou não sido validado pelo trabalhador no prazo de 15 dias.
Uma coisa é a existência do registo e a sua exibição e outra é a sua verificação pelo trabalhador. A empregadora que exibe de imediato o registo dos tempos de trabalho sem estar ainda visado pelo trabalhador, cumpre a sua obrigação.
vii) comete a contraordenação prevista no art.º 202.º n.º 5 do CT a empregadora que tendo sido notificada pela inspetora da ACT para exibir o registo dos tempos de trabalho no dia 13, só o faz no dia 17 do mesmo mês.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 275/18.9T8PTM.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Recorrente: BB, Lda (arguida).
Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho.

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J1.

1. A arguida veio interpor recurso de impugnação da decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho proferida nos processos de contraordenação n.ºs 311700154 e 311700155, que lhe aplicou a coima única de € 8 160 (80 UC) por contraordenação ao disposto nos artigos 202.º n.ºs 1 e 2 e 215.º n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Trabalho.
A recorrente alegou como consta a fls. 110 e ss., e nas suas conclusões veio invocar, em suma, que: tinha o registo de horas de entrada e saída dos seus trabalhadores em sistema informático na sede da empresa; o mapa de horário de trabalho continha todos os elementos, encontrava-se nos serviços administrativos da empresa e é distribuído mensalmente pelos postos de trabalho.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
O recurso foi recebido pelo despacho de fls. 215.
Procedeu-se a julgamento como consta da ata.
De seguida, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto decide-se conceder parcial provimento ao recurso da arguida/recorrente e, em consequência:
a) Mantem-se a decisão da autoridade administrativa quanto à condenação da arguida “BB, Lda.”, NIPC… pela prática das duas contraordenações em causa (processos n.ºs 311700154 e 311700155), por violação ao disposto nos artigos 202.º n.ºs 1 e 2 e 215.º n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Trabalho nas coimas de 40 UC por cada uma delas;
b) Altera-se o cúmulo jurídico efetuado, condenando-se a arguida “BB, Lda.”, NIPC …, pela prática das duas contraordenações em causa, na coima única de 55 UC (cinquenta e cinco unidades de conta) ou € 5 610 (cinco mil, seiscentos e dez euros), de que são solidariamente responsáveis pelo pagamento CC (NIF…) e DD (NIF …), que a mesma deverá pagar no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão.
Condena-se a recorrente no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) Unidades de conta – artigo 93.º do Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e artigo 8.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa a este diploma.
Comunique à autoridade administrativa, enviando cópia.

2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e concluiu do modo que se transcreve:
1.- Dispõe o art.º 202.º/1 do Código do trabalho que: o empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.
2.- E o n.º 3 deste comando prescreve: o empregador deve assegurar que o trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa, ou envie o mesmo devidamente visado, de modo que a empresa disponha do registo devidamente visado no prazo de 15 dias a contar da prestação.
3.- Os trabalhadores da arguida prestavam serviço em Lagoa, a mais de 500 km da sede da arguida sita em Santa Maria da Feira, pelo que executavam o mesmo no exterior da empresa.
4.- Daí que o art.º 202.º/3 do CT imponha ao empregador, como a aqui arguida/recorrente, o dever de dispor do registo de tempos de trabalho dos seus trabalhadores devidamente visados no prazo de 15 dias após a prestação do trabalho.
5.- Sendo esta a norma aplicável aos seus trabalhadores por prestarem serviço no exterior da empresa, ou seja, fora da sua sede e não o disposto no art.º 202.º/1 do CT.
6.- Sendo certo que a obrigação ínsita no art.º 202.º/3 do CT foi cumprida pela arguida, porquanto os registos de tempos de trabalho encontravam-se na sede empresa e devidamente visados pelos trabalhadores, intercalados por períodos temporais de 15 dias.
7.- De resto, a arguida, notificada em 13/04/2017 para apresentar os referidos registos de tempos de trabalho, fê-los chegar à ACT Centro Local de Portimão no primeiro dia útil seguinte, 17/04/2017, uma vez que os dias 14, 15 e 16 não foram dias úteis (Sexta-Feira Santa, Sábado e Domingo de Páscoa, respetivamente).
Nestes termos, deve a douta sentença ser parcialmente revogada por violação do art.º 202.º/ 3 do CT e a arguida ser absolvida da contraordenação prevista no art.º 202.º/ 5 do CT.

3. O Ministério Público respondeu e concluiu que o recurso não merece provimento e deve ser mantida a decisão recorrida.

4. O Ministério Público, junto desta Relação, apresentou parecer onde conclui que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, devendo ser mantida na íntegra. Não foi apresentada resposta.

5. O recurso foi admitido pelo relator.

6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
Em face das conclusões apresentadas, verifica-se que a arguida só recorre relativamente à contraordenação por violação do dever de apresentação do registo dos tempos de trabalho. Note-se que a arguida só pede a absolvição pela “contraordenação prevista no art.º 202.º/ 5 do CT”.
Quanto à contraordenação relativa ao mapa de horário de trabalho, a arguida nada diz.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) A sentença considerou provada a matéria de facto seguinte:
1. A arguida “BB, Lda.”, com o NIF …, desenvolve a atividade de segurança privada.
2. No dia 6/04/2017 a arguida desenvolvia essa atividade na portaria principal do…, Lagoa.
3. Naquele local, a prestar serviço para a arguida, sob as suas ordens, direção e mediante remuneração, no desenvolvimento da atividade a que se dedica, aquela mantinha, nesses dias, os trabalhadores EE, FF, GG e HH, todos com a categoria de vigilante, a exercer funções na portaria, controlo de entrada no recinto da ….
4. No referido dia 6/04/2017 não estava afixado em lugar visível o mapa de horário de trabalho.
5. Também não estava a ser efetuado, no local de trabalho, qualquer registo de assiduidade dos referidos trabalhadores, não se encontrando acessível ou disponível para ser mostrado a pedido da inspetora autuante.
6. Nesse dia apenas foi exibido à inspetora da ACT um documento contendo turnos de trabalhadores com 12 horas consecutivas como período normal de trabalho, sem qualquer outra referência.
7. Na sequência de notificação, a arguida apresentou um mapa de horário de trabalho abrangendo um período de 1 a 13 de abril onde estavam identificados seis trabalhadores e a indicação que prestavam um período normal de trabalho de 8 horas.
8. Foi a arguida notificada para apresentar os registos do tempo de trabalho no dia 13/04/2017 e só a 17/04/2017 veio a juntar esse registo.
9. A arguida sabe que deve manter o registo dos tempos de trabalho em local acessível e que permita a consulta imediata, bem como sabe que o mapa de horário de trabalho com as indicações previstas na lei deve estar afixado, mas optou, de forma consciente, por não cumprir tais obrigações.
10. A arguida apresentou um volume de negócios de € 13 459 999 e um número médio de 839 trabalhadores no ano de 2016.
11. A arguida presta serviços de vigilância em postos dispersos por todo o país.
12. A arguida mantém registos dos tempos de trabalho assinados pelos trabalhadores na sede da empresa.


B) APRECIAÇÃO
A questão a resolver é a que já mencionamos.
A questão reside em apurar se a arguida deveria ter no local onde os trabalhadores prestam a sua atividade diária o registo dos tempos de trabalho, para apresentação imediata quando fossem solicitados pela entidade competente, ou se bastaria tê-los na sua sede, como ocorre no caso concreto.
O artigo 202.º do Código do Trabalho prescreve que:
O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata (n.º 1).
O registo deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador, por dia e por semana, bem como as prestadas em situação referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 257.º (n.º 2).
O empregador deve assegurar que o trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa, ou envie o mesmo devidamente visado, de modo que a empresa disponha do registo devidamente visado no prazo de 15 dias a contar da prestação (n.º 3).
O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, bem como a declaração a que se refere o artigo 257.º e o acordo a que se refere a alínea f) do n.º 3 do artigo 226.º, durante cinco anos (n.º 4).
Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo (n.º 5).
O n.º 1 do artigo acabado de citar estabelece uma regra muito clara: o empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata. O imediatismo constitui uma pedra angular na obrigação de registar os tempos de trabalho. O legislador, com esta firme, concisa e objetiva afirmação, quer deixar bem claro que o registo tem de ser efetuado em tempo real, não em momento posterior, e deve estar pronto a ser mostrado às entidades competentes para a fiscalização das obrigações em matéria de trabalho.
Os números seguintes do artigo 202.º do CT, ou qualquer outro preceito legal, não excecionam a regra da exibição imediata.
Nota-se que o n.º 1 do artigo não exige que o registo dos tempos de trabalho esteja no local onde o trabalho é prestado ou na sede da empresa. O que o artigo 202.º n.º 1 do CT exige é que o registo exista e seja efetuado de modo a que possa ser consultado, exibido ou dado a conhecer de forma imediata. Quer os trabalhadores prestem a sua atividade em instalações da empresa - sejam elas na sua sede ou não - ou fora dessas instalações, ou em local onde nem sequer existam quaisquer instalações, o regime é o mesmo: a empregadora tem que manter o registo efetuado e em condições de ser exibido de imediato à entidade competente que o solicite.
Realce-se que a empregadora tem de ser interpelada para apresentar o registo dos tempos de trabalho. Parece evidente, mas convém lembrar que se não for interpelada para o efeito, não tem de o fazer. No momento em que é interpelada, a empregadora está juridicamente obrigada a exibir o registo. A exibição pode ser por qualquer via. O que importa é que a entidade interpelante tenha acesso ao registo de forma imediata. O registo dos tempos de trabalho pode ser exibido através de qualquer meio, nomeadamente exibição do sítio da empresa onde conste o registo dos tempos de trabalho, envio através de correio eletrónico imediato, fax, fotografia ou qualquer outro meio expedito. O que importa é que a entidade competente possa ter acesso imediato ao registo dos tempos de trabalho para cumprir a sua missão. Se tiver dúvidas sobre a veracidade do registo, pode solicitar a exibição do original. Neste caso, a empregadora poderá não o exibir de imediato, mas em tempo que lhe for concedido, atendendo às características do caso concreto e de modo a que possa cumprir sem dificuldades exageradas.
Todavia, se quando for exibido a entidade competente constatar que existem divergências entre o que foi exibido e o original e aquele não respeitar as exigências legais, tudo se passará como se não houvesse o registo dos tempos de trabalho e a empregadora poderá ser responsabilizada pela contraordenação respetiva. Nesta hipótese, tudo se passa como se não tivesse sido exibido o registo dos tempos de trabalho, pois o que foi mostrado não respeitava as exigências legais.
Existe liberdade de empregar os mais diversos meios para fazer chegar o conteúdo do registo dos tempos de trabalho à entidade competente, mas existe também a responsabilidade do apresentante em que o que foi exibido está igual ao original. Se tal não ocorrer, poderá ter cometido a contraordenação prevista no n.º 5 do art.º 202.º do CT. Liberdade com responsabilidade.
A confusão sobre a obrigação de apresentação imediata do registo surge por causa do n.º 3 do mesmo artigo. O que esta norma jurídica pretende é facilitar a validação do registo dos tempos de trabalho pelo trabalhador nos casos em que este presta trabalho no exterior da empresa, mas nada tem a ver com a obrigação da empregadora em exibir o registo que tiver, independentemente de ter ou não sido validado pelo trabalhador no prazo de 15 dias.
Uma coisa é a existência do registo e a sua exibição e outra é a sua verificação pelo trabalhador. A empregadora que exibe de imediato o registo dos tempos de trabalho sem estar ainda visado pelo trabalhador, cumpre a sua obrigação.
No caso de já terem decorrido 15 dias, a empregadora poderá ser responsabilizada pela contraordenação, a menos que prove que assegurou ao trabalhador que verificasse o registo, mas este não o fez por facto só a si imputável.
Daí que, salvo o devido respeito, o entendimento de que a empregadora tem de ter o registo dos tempos de trabalho em qualquer local onde o trabalhador presta a sua atividade, não encontra suporte na letra da lei. O intérprete não pode exigir o que a lei não exige.
Além do mais, realçamos que estamos no campo das contraordenações, as quais obedecem ao princípio da tipicidade e da legalidade (art.ºs 1.º e 2.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 20.10, aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09. A interpretação que conduza à imputação de uma contraordenação não prevista na lei, é nula.
No caso concreto está provado que:
“Não estava a ser efetuado, no local de trabalho, qualquer registo de assiduidade dos referidos trabalhadores, não se encontrando acessível ou disponível para ser mostrado a pedido da inspetora autuante.
Foi a arguida notificada para apresentar os registos do tempo de trabalho no dia 13/04/2017 e só a 17/04/2017 veio a juntar esse registo”.
O que os factos provados evidenciam é que a empregadora foi notificada no dia 13 para apresentar os registos dos tempos de trabalho e não o fez de imediato. Tal só ocorreu passados quatro dias. A conduta da empregadora é censurável e ilícita por não ter disponibilizado de imediato o registo dos tempos de trabalho. Deveria tê-lo feito. O facto de ter sido fim de semana e feriado entre o dia 13 e o dia 17, não é desculpante.
A empregadora, aqui arguida, deveria ter proporcionado em tempo imediato a consulta dos registos dos tempos de trabalho, o que não fez.
Assim, a arguida cometeu a contraordenação prevista no art.º 202.º n.º 1 e 5 do CT, por falta de exibição imediata do registo dos tempos de trabalho.
Não está em causa a moldura da coima aplicada, mas apenas a existência desta contraordenação.
Nesta conformidade, decidimos julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso apresentado pela arguida e confirmam a sentença recorrida.
Custas pela arguida.
Notifique
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 15 de novembro de 2018.
Moisés Pereira da Silva (relator)
João Luís Nunes