Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1492/23.5T8PTM-A.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A lei não elenca as questões de particular importância para a vida das crianças que devem ser exercidas em comum por ambos os pais e, em regra, as viagens ao estrangeiro com os progenitores quando assumem carácter de lazer podem ser consideradas “actos da vida corrente”.
II. Porém, havendo o risco que a coberto de uma viagem ao estrangeiro, mais concretamente para um dos países que não seja signatário da Convenção de Haia de 25.10.1980, sobre os “Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças”, a progenitora “altere de facto” a residência dos menores, temor esse que é, no entendimento do apelante, reforçado pela circunstância de a mesma não ter quaisquer laços com Portugal, a sua família residir no Kuwait, de ter requerido a regulação da “ custódia “ dos menores em processo intentado no Dubai e de ter pendente contra si inquérito criminal, justifica-se a consagração de uma cláusula que as condicione à autorização prévia do progenitor que não as acompanhe.
III. O regime de residência alternada semanal é o que melhor salvaguarda o superior interesse do jovem pois é o que lhe permitirá dividir o tempo igualitariamente entre o pai e a mãe e lhe proporcionará convívio regular com a sua irmã que lhe é tão próxima e com quem mantém laços de afecto.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO
1. AA, progenitor dos jovens BB, nascida a ../../2010, e CC, nascido a ../../2011, instaurou acção para regulação do exercício das responsabilidades parentais contra a progenitora destes, DD, requerendo, designadamente, que fosse fixada a guarda partilhada com residência alternada por ser o regime que melhor acautela o superior interesse dos filhos.
Realizou-se a conferência de pais, na qual não foi possível chegar a acordo, que foi suspensa por dois meses e remetidas as partes para audição técnica especializada.
Porém, na mesma conferência foi regulado provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais nos exactos termos propostos pelo Ministério Público, com o seguinte teor decisório:
I. Residência e Exercício das responsabilidades parentais:
1. A jovem BB fica entregue aos cuidados do pai e com ele residente, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano;
2. O jovem CC fica entregue aos cuidados da mãe e com ela residente, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano;
3. As responsabilidades parentais, no que concerne às questões de particular importância para a vida dos menores, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
II.Visitas:
4. O/A pai/mãe pode estar e visitar o/a menor, sem prejuízo das horas de descanso e afazeres escolares deste/a, combinando com a/o progenitor/a com antecedência razoável;
5. Os jovens passam com o/a pai/mãe os fins de semana alternados, de 15 em 15 dias, de sexta-feira a domingo;
6. Os jovens passam metade das férias escolares de Páscoa, em semanas alternadas com cada um dos progenitores:
7. Os jovens passam este ano a véspera de natal com o pai e o dia de natal com a mãe; véspera de ano novo com a mãe e dia de ano novo com o pai, alternando nos anos seguintes;
8. Os jovens passam metade das férias escolares de verão com cada um dos progenitores, a combinar com antecedência entre ambos
9. No período das férias e fins-de-semana, os jovens devem passar juntos esses períodos com cada um dos progenitores, coincidindo quando alternam de progenitor;
III. Alimentos:
10. Cada progenitor suporta as despesas de alimentos e correntes com o jovem que tem a seu cargo;
11. Os progenitores suportarão em partes iguais as despesas médicas e medicamentosas dos jovens, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da apresentação;
12. As despesas escolares e extracurriculares de ambos os filhos são suportadas na íntegra pelo progenitor.”.

2. Parcialmente desaprazido com o decidido, recorreu o progenitor dos jovens, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

A) Ao omitir no regime provisório qualquer disposição atinente às deslocações dos menores para fora do território nacional, não obstante tal questão ter sido recorrentemente suscitada pelo Requerente e se afigurar existir um risco real e efetivo de as crianças poderem ser deslocadas para países terceiros à União Europeia, com os quais não existem mecanismos de cooperação internacional que assegurem o efetivo retorno das crianças em caso de deslocamento ilícito, incorreu a douta decisão recorrida em vício de omissão de pronúncia, nos termos da aplicação conjugada do disposto nos art. 615º nº 1 d) do CPC, aplicável ex vi do art. 3º alínea c) e art. 12º, ambos do RGPTC.
B) Face aos elementos já adquiridos nos autos, designadamente os diversos requerimentos e documentos apresentados pelo Recorrente, nos quais alertava o tribunal para o risco da Requerida poder abandonar o território nacional levando consigo as crianças, para o Kuwait de onde é natural e onde reside a sua família mais próxima, ou para os Emirados Árabes Unidos, onde residira anteriormente, posto que : (i) nenhum daqueles países é signatário da Convenção de Haia de 25/10/1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças; (ii) não ter a Requerida qualquer vínculo laboral ou outro com Portugal; (iii) ter a progenitora interposto no Dubai uma ação judicial na qual peticionava a custódia das crianças, o que não se afigura coerente com a intenção de manter a residência das crianças em Portugal ou com o reconhecimento por parte da progenitora da competência dos tribunais portugueses para regular o poder paternal dos menores; (iv) o facto de a Requerida sofrer há vários anos de doenças do foro mental; (v) encontrar-se pendente um inquérito-crime em que se averiguam factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica, mormente uma agressão da Requerida à sua filha BB em 4/06/2023, impunha-se que o Tribunal acautelasse devidamente o risco da Requerida poder abandonar o país com as crianças, prevendo no regime provisório uma cláusula específica que exija para qualquer deslocação das crianças para fora do território nacional (na companhia de um dos progenitores ou de terceiros), a prévia autorização de ambos os progenitores ou autorização judicial;
C) A manifestação de oposição à saída dos menores deduzida pelo Recorrente junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao abrigo do artigo 31-A da Lei nº 23/2007, não é por si só suficiente para acautelar o risco de saída da Requerida com as crianças do território nacional, face ao disposto no artigo 23º do Decreto-Lei nº 83/2000 e considerando que como decorre do citado artigo 31-A da Lei 23/2007, a manutenção dos efeitos da oposição manifestada pelo progenitor, necessita de posterior validação por decisão judicial, pelo que deveria o Tribunal a quo ter considerado, face a toda a factualidade indiciada no processo, que a saída dos menores do território nacional constitui in casu uma questão de particular importância, por estar em causa a segurança dos menores e ter especificamente regulado esta questão.
D) Em matéria de direito de convívio ou de organização dos tempos da criança (ou direitos de visita) cabe ao julgador, em presença das circunstâncias do caso concreto, procurar conciliar as prerrogativas do “progenitor guardião”, o interesse do titular do direito de visita e o superior interesse das crianças, de molde que em caso de incompatibilidade entre estes interesses e direitos deverá sempre conceder-se primazia ao interesse das crianças, nos termos previstos no artigo 1906º nºs 5 e 7 do Código Civil.;
E) Das declarações prestadas por BB na conferência de pais, gravadas em suporte digital do momento 00.06:13 ao momento 00:09:19 e do momento 00:08:21 ao momento 00:09:18, bem como do relatório da CPCJ de 27/07/2023, resulta que a menina não se sente ainda preparada para voltar a viver com a mãe ou com ela passar períodos prolongados, pelo que nessa medida andou bem o Tribunal ao fixar provisoriamente a residência da menina com o pai, com regimes de fins-de-semana alternados com a mãe.
F) Porém, pelos elementos carreados para o processo não se afigura que a imposição à jovem BB do regime provisório previsto nos artigos 6 e 8, no que respeita à partilha dos tempos de férias escolares, corresponda ao superior interesse da menor, porquanto, ao estabelecer a obrigatoriedade de BB passar com a mãe metade desses períodos, não teve o tribunal em devida conta a vontade manifestada pela criança e todo o circunstancialismo subjacente a essa manifestação de vontade, que se reconduz a um episódio de violência, que se traduziu numa quebra muito significativa da relação de BB com a sua mãe e que não se mostra ainda ultrapassada, pelo que a obrigatoriedade dessa permanência, não desejada pela jovem, constituirá um fator de desestabilização emocional para a menina.
G) Mais consentâneo com o superior interesse e com a estabilidade emocional de BB, seria a fixação de um período intermédio de adaptação, não sendo partilhadas as férias escolares da Páscoa, uma vez que até àquela data dificilmente estará o tribunal na posse de todos os elementos necessários à prolação de uma decisão definitiva e fazendo-se a reavaliação desse regime antes de se iniciarem as férias escolares de Verão, com vista a aquilatar se nessa altura a relação com a mãe já se encontrará devidamente restabelecida, de molde a permitir a permanência da menina com mãe durante metade das férias escolares de Verão.
H) Na fixação de um regime provisório, o tribunal não está dispensado de um mínimo de fundamentação de facto e de direito e neste conspecto não se compreende, nem consta da fundamentação da decisão, por que razão não foi instituído para o jovem CC um regime provisório de residência alternada, com cada um dos progenitores, privilegiando-se de forma idêntica o contacto do menino com ambos os pais e promovendo-se o convívio entre os irmãos, o qual deverá constituir um fator preponderante na fixação do regime de regulação.
I) Nas declarações prestadas por CC na conferência de pais, do momento 00:09:19 ao momento 00:10:28 e através do relatório da CPCJ de 27/07/2023, é notório que o menino mantem uma relação de grande proximidade e afetividade com o pai, que em nada foi afetada pela separação dos progenitores e que o CC aprecia todo o tempo passado na companhia do pai e da irmã, referindo sentir saudades daquela, pelo que contrariamente ao que se passa com BB, não se existe qualquer razão que justifique a imposição da residência de CC apenas com a mãe, conforme estabelecido na cláusula 2 do regime provisório, existindo um notório beneficio para CC e para a sua irmã na instituição de um regime de residência alternada para o CC, promovendo desta forma a manutenção dos laços entre os irmãos e um vínculo de igual afetividade do menino com ambos os pais.
J) Ao dispor de forma diversa fez o tribunal a quo uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 1906º nrs 5 e 7 do CC e art. 27º do RGPTC.
TERMOS EM QUE, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar- se a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que atendendo ao supra alegado e interpretado o superior interesse das crianças, decida pela:
a) Inclusão no regime provisório de uma cláusula que disponha expressamente que todas deslocações dos menores para o estrangeiro, seja na companhia apenas de um dos progenitores, ou na companhia de terceiros, carece sempre de autorização escrita e com assinatura devidamente reconhecida notarialmente ou por advogado, do progenitor que não as acompanha, no primeiro caso e, de ambos os progenitores no segundo caso, ou de autorização judicial;
K) Estabelecimento de um período intermédio de adaptação, no que concerne às férias escolares de BB, suprimindo-se o regime estabelecido na cláusula 6 do regime provisório e determinando- se uma reavaliação antes do início das férias escolares Verão, para aferir se a relação entre mãe e filha se encontra restabelecida, de molde a permitir a permanência da menina com mãe durante metade das férias escolares de Verão.
b) Substituição do regime de residência previsto para o jovem CC na cláusula 2 do regime provisório, por um regime de residência semanal alternada, com cada um dos progenitores.”.

3. Apenas o Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção integral do decidido.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões da apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação das seguintes questões:
4.1. Se a decisão proferida enferma de nulidade;
4.2. Se deve ser aditado ao regime de regulação provisória uma cláusula atinente às deslocações dos jovens para o estrangeiro;
4.3. Se o jovem CC deve passar a residir alternadamente com o pai e com a mãe[1].
4.4. Se a antes das férias escolares do verão deve ser reavaliada a relação entre a BB e a mãe antes de se executar o vertido no ponto 8.

II.FUNDAMENTAÇÃO
5. A factualidade a ter em conta na decisão é a que emerge do antecedente relato,
sendo de considerar, ainda, o seguinte:
- A mãe dos jovens é natural do Kuwait onde tem a sua família mais próxima.
- No dia 24.5.2023, o progenitor requereu ao Tribunal para “(c)onfirmar, nos termos e para os efeitos previstos no art. 31º-A nº 7 da Lei nº 23/2023, de 4 de julho, a manifestação de oposição deduzida pelo progenitor junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo do nº 6 do citado artigo”;
- Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho em 25.5.2023: “(…) dos elementos juntos aos autos, bem assim, do alegado pelo progenitor, nada de concreto resulta que indicie que os menores se encontrem numa das situações a que se alude no art. 31º -A, nº2 al. c) ou d) da Lei nº 23/2007 de 4.7, ou seja, que corram risco, concreto e manifesto, de iminente rapto por um dos progenitores, ou se encontrem em risco, concreto e manifesto, de serem retirados ou de deixarem o território nacional.
Por outro lado, o progenitor já terá encetado diligências junto do SEF o sentido de se opor a qualquer saída dos filhos do território nacional”.
- Em 30.5.2023, o progenitor fez juntar aos autos “Comprovativo digital do pedido apresentado pela Requerida DD, junto do Departamento de Conciliação de Família do Tribunal do Dubai, a que corresponde o proc. nº 491/20...” tendo por objeto o divórcio, custódia das crianças e outras despesas.”;
- Está pendente um inquérito-crime em que, designadamente, se averiguam factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica por parte da Requerida em relação à sua filha BB em 4/06/2023.

6. Do mérito do recurso
6.1. Da alegada nulidade da decisão recorrida, à luz do disposto na alínea d) do nº1 do CPC, por não ter consignado uma cláusula atinente às deslocações dos jovens para o estrangeiro.

Defende o apelante que a questão das viagens dos menores para o estrangeiro é uma questão de particular importância - atentas as implicações que destas viagens podem advir para a vida dos menores, designadamente para a segurança dos menores, face ao perigo de poderem ser deslocados para os Emirados Árabes Unidos ou para o Kuwait e perderem por completo o contacto com o pai - sendo que tal questão não foi devidamente acautelada pelo juiz que deveria ter consignado no regime provisório as condições de saída dos menores do território nacional, como insistentemente peticionado pelo apelante.

O Ministério Público, nas suas doutas alegações entende que o Tribunal “ a quo” não tinha a obrigação de contemplar no regime provisório tal questão por se tratar de uma “ questão da vida corrente que compete ao progenitor com quem os menores residem habitualmente ou ao progenitor com quem eles se encontram temporariamente”.
Além disso, acrescenta o Ministério Público, tal situação foi objecto de despacho proferido em 25.5.2023.

Vejamos.

Compulsando o regime provisório em apreço, constata-se que o Tribunal fez consignar, no ponto 3., que “as responsabilidades parentais, no que concerne às questões de particular importância para a vida dos menores, são exercidas em comum por ambos os progenitores (…)”.

Por conseguinte, a questão está em saber se as deslocações dos menores ao estrangeiro serão de considerar, no caso concreto, uma questão de particular importância.

O que não se pode afirmar é que o Tribunal tenha omitido pronúncia sobre tal matéria (tanto mais que já tinha proferido o despacho de 25.5.2023) e que a decisão padeça de nulidade por esse motivo.

Improcede, pois, sem necessidade de ulteriores considerações a suscitada nulidade.

6.2. Da (des) necessidade de aditamento ao regime de regulação provisória de uma cláusula atinente às deslocações dos jovens para o estrangeiro.
Nos termos do artigo 1906.º do Código Civil, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (n.º 1); quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores (n.º 2), sendo que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (n.º 3).

A lei não elenca as questões de particular importância para a vida das crianças que devem ser exercidas em comum por ambos os pais.
Porém, em consonância com o que tem vindo a ser entendido na jurisprudência e na doutrina, podem ser qualificadas como “questões de particular importância para a vida das crianças”, nomeadamente as seguintes:
a) a fixação da residência no estrangeiro;
b) as decisões sobre o credo religioso até completarem 16 anos;
c) a administração de bens que impliquem oneração;
d) a autorização para casamento;
e) a autorização para obter licença de condução de ciclomotores;
f) as intervenções cirúrgicas que impliquem perigo de vida ou estéticas;
g) representação em Juízo.
h) frequência de ensino público ou privado.

O que o apelante teme é que a coberto de uma viagem ao estrangeiro, mais concretamente para um dos países que não seja signatário da Convenção de Haia de 25.10.1980 sobre os “ Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças” a apelada “altere de facto” a residência dos menores, temor esse que é, no entendimento do apelante, reforçado pela circunstância de a mesma não ter quaisquer laços com Portugal, a sua família residir no Kuwait , de ter requerido a regulação da “ custódia “ dos menores em processo intentado no Dubai e de ter pendente contra si inquérito criminal.

Vejamos.

Em regra, as viagens ao estrangeiro com os progenitores quando assumem carácter de lazer podem ser consideradas “actos da vida corrente”.

Porém, cada caso é um caso.

E no caso que temos em mãos, cremos que a saída dos menores do território nacional, sob qualquer pretexto, se pode configurar como uma “questão de particular importância” já que pode redundar numa viagem sem retorno.

Para além disso, aquelas razões são suficientemente ponderosas para justificar a consagração de uma cláusula do jaez do pretendido pelo apelante, cláusula essa que lhe é igualmente aplicável.

Aliás, nem vemos que a mesma acarrete qualquer prejuízo para os menores ou para qualquer dos seus progenitores, aplicando-se na plenitude a locução “quod abundat non nocet”.

Em todo o caso, convém recordar que esta cláusula é transitória e alicerçada nos dados fácticos até agora conhecidos.

Termos em que, deferindo-se a pretensão do apelante, se adita ao regime de regulação provisória uma cláusula com o seguinte teor:
“Todas deslocações dos menores para o estrangeiro, seja na companhia apenas de um dos progenitores, ou na companhia de terceiros, carece sempre de autorização escrita e com assinatura devidamente reconhecida notarialmente ou por advogado, do progenitor que não as acompanha, no primeiro caso e, de ambos os progenitores no segundo caso, ou de autorização judicial quando tal autorização não for concedida por um deles”.

6.3. Da residência alternada do jovem CC
No tribunal “a quo” decidiu-se, como vimos, que a jovem BB ficasse entregue aos cuidados do pai e com ele residente e que o jovem CC ficasse entregue aos cuidados da mãe e com ela residente.

Conquanto se entenda a razão da decisão relativamente à jovem BB- motivada pela relação de conflito que manteve ( ou mantém) com sua mãe - não se compreende a razão pela qual o jovem CC – praticamente da mesma idade da sua irmã e afectivamente próximo dela - tivesse sido entregue aos cuidados da mãe ao invés de lhe ter sido fixada a guarda e residência alternadas com cada um dos progenitores.
Ora, “o princípio da igualdade dos progenitores, o superior interesse da criança, e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, constituem princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da sua residência[2].”
Aliás, nos termos do nº8 do art.º 1906º do Cód. Civil : “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”.
“Acresce que este regime reduz os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respectivos filhos, com a envolvência directa e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a actividade e os laços afectivos entre os filhos e será a situação que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um “espaço” próprio e não um espaço sentido como “provisório” ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar[3].”.
Cremos, pois, que o regime de residência alternada semanal é a que melhor salvaguarda o superior interesse deste jovem pois lhe permitirá dividir o tempo igualitariamente entre o pai e a mãe e lhe proporcionará convívio regular com a sua irmã que lhe é tão próxima e com quem mantém laços de afecto.
Procede, assim, também neste conspecto a apelação.

6.4. Da (des) necessidade de reavaliação da relação entre a BB e a mãe antes de se executar o vertido no ponto 8.
O tribunal “a quo” decidiu, e a nosso ver bem, determinar que:” 8. Os jovens passam metade das férias escolares de verão com cada um dos progenitores, a combinar com antecedência entre ambos”.
Todos os argumentos acima alinhados no sentido de ser intensificada a relação entre pais e filhos apontam, ainda que a relação da BB com a sua mãe não seja idílica, para a promoção de tal convívio, sobretudo nas férias de verão em que o descomprometimento com os deveres escolares e profissionais permite o fortalecimento dos laços parentais, ajudam ao entendimento mútuo e à aproximação entre os membros da família.
Sendo certo que a jovem estará nesse período também acompanhada por seu irmão, não vemos qualquer fundamento para condicionar a execução do decidido ao que quer que seja.
Não há, pois, fundamento sério para alterar o aí decidido.

III.DECISÃO
Por todo o exposto, se acorda em julgar parcialmente procedente a apelação e em alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:
A) Adita-se um parágrafo único ao ponto 3 do regime provisório de regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais dos jovens BB e CC com o seguinte teor : “Todas deslocações dos menores para o estrangeiro, seja na companhia apenas de um dos progenitores, ou na companhia de terceiros, carece sempre de autorização escrita e com assinatura devidamente reconhecida notarialmente ou por advogado, do progenitor que não as acompanha, no primeiro caso e, de ambos os progenitores no segundo caso, ou de autorização judicial quando tal autorização não for concedida por um deles”.

B) Altera-se o ponto 2 do mesmo regime que passa a ter a seguinte redacção:

“2. Fixa-se a residência do jovem CC com ambos os progenitores, em semanas alternadas, com início ao domingo, sendo que o exercício das responsabilidades parentais por actos da vida comum deverá caber ao progenitor com quem o jovem se encontra”.
C) No mais se mantém a decisão recorrida.


Custas por apelante e apelada, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.

Évora, 9 de Maio de 2024
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Maria Adelaide Domingos
Elisabete Valente

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[1] A questão relativa às férias da Páscoa da jovem BB mostra-se ultrapassada considerando que o recurso foi remetido a este tribunal apenas em 17.4.2024.
[2] Assim, Tomé Ramião in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, Quid Juris, 4ª edição, pág. 138.
[3] Assim, Acórdão desta Relação de 15.12.2022 proferido no processo n.º 3448/19.3T8FAR.E1.