Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISO XAVIER | ||
Descritores: | LEGITIMIDADE FALTA DE CONTESTAÇÃO CONFISSÃO POR FALTA DE CONTESTAÇÃO SENTENÇA NULIDADE CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESOLUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/30/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) o processo declarativo é um processo cominatório semipleno, dado que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu. Apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem confessados, sempre caberá ao juiz proceder ao respetivo enquadramento jurídico, em termos de julgar a ação materialmente procedente, abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância, julgar a ação apenas parcialmente procedente, ou mesmo julgar a ação improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material. ii) a revelia operante, não arreda o réu da lide, o qual, nos termos do n.º 2, do artigo 567º do Código de Processo Civil, pode apresentar alegações escritas, que se destinam a permitir que a parte, face à circunstância de se registar assente a matéria de facto invocada pelo A., possa apresentar a sua argumentação de direito, ou melhor, expor a sua posição quanto ao direito que poderá ser aplicado quanto àquela factualidade. iii) o que não pode é a parte revel transmutar as alegações de direito na contestação que não apresentou. iv) apresentadas as alegações escritas, segue-se a sentença, mas pode suceder que, analisada a petição, haja necessidade de prolação de despacho pré-saneador, designadamente com vista ao suprimento de uma exceção dilatória sanável (cf. artigo 590º, n.º 2, alínea) e artigo 6º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pois compete ao juiz averiguar a regularidade da instância. v) tendo a R., nas alegações escritas suscitado a questão da ilegitimidade ativa da A., por estar desacompanhada do seu cônjuge, tinha o Tribunal que se pronunciar sobre esta questão, que até é de conhecimento oficioso, a qual, a verificar-se e a não ser suprida, conduziria à absolvição da R. da instância, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia. vi) tal nulidade não impede este Tribunal ad quem de apreciar o recurso, como decorre do n.º 1 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, o que adiante se fará. vii) não tinha o tribunal que se pronunciar na sentença sobre os efeitos da revelia, pela simples razão que já o tinha feito antes, no despacho em que, por falta de contestação, considerou confessados os factos articulados pelo A. viii) a R. limitou-se a invocar a norma da alínea c) do artigo 568.º do Código de Processo Civil, não tendo referido qualquer facto articulado, que alegadamente se tivesse por confessado, em violação deste preceito, pelo que restava-lhe, assim, aguardar pela prolação da sentença e, então, caso verificasse que foram, efetivamente, considerados como provados factos, em violação do disposto no artigo 568.º do Código de Processo Civil, interpor recurso da decisão final. ix) deste modo, não tinha a sentença que se pronunciar sobre tal matéria, nem sobre todos os argumentos invocados pela R. nas suas alegações escritas a propósito do conhecimento do mérito da causa, mas tão só apreciar os pedidos formulados pela A., tendo em conta os fundamentos da ação e as regras de direito aplicáveis. x) o facto de alegadamente não se terem considerado os argumentos da R., explanados nas alegações escritas, não consubstancia nulidade processual. xi) atento o regime de bens e tendo o contrato promessa aqui em causa sido celebrado apenas pela A., tal como vem configurada a ação, a A. é parte legítima, não ocorrendo nenhuma situação de litisconsórcio necessário. xii) o incumprimento não decorre da impossibilidade (culposa ou não) da prestação do promitente vendedor, mas, sim, da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1. M… intentou acção comum contra Ouro Verde – Imobiliária, Lda., pedindo, com fundamento em incumprimento de contrato promessa de compra e venda de imóvel, que seja: a) Reconhecida a validade e eficácia da resolução contratual invocada pela Autora pela presente P. I.; b) Condenada a Ré Sociedade OuroVerde- Imobiliários, Lda., a pagar a Autora a quantia de € 142.000,00 (cento e quarenta mil euros), acrescidos de juros à taxa legal e juros legais contados desde a citação; c) Reconhecida à Autora o direito de retenção invocado e feito valer relativamente ao imóvel, para garantia do crédito invocado. 2. Por falta de contestação, foram julgados confessados os factos alegados na petição inicial (cf. artigo 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil) e determinado o cumprimento do n.º 2 do citado artigo 567º. A R. constituiu mandatário judicial e apresentou alegações escritas. 3. Decorrido o prazo de suspensão da instância requerido pelas partes (e sucessivas prorrogações) para conclusão das negociações em curso, para porem termo ao litígio, que terminou sem acordo, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: - «… julga resolvido o contrato-promessa referido no artº 2º da p.i., celebrado entre A. e R., e condena a Ré Sociedade OuroVerde-Imobiliária, Lda., a pagar à Autora a quantia de € 142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros), acrescidos de juros à taxa contados desde a citação, até integral pagamento. - Mais declara reconhecido à Autora o direito de retenção relativamente ao imóvel fracção autónoma designada pela Letra “N”, correspondente ao quarto andar direito, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, denominado Edifício “Laranjeiras em Flor”, na Av. Miguel Bombarda, …, freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão com o n.º…– N e, inscrito na matriz urbana sob o artigo … N, da freguesia e concelho de Portimão, para garantia do crédito invocado. 4. Inconformada recorreu a R., nos termos e com os fundamentos seguintes: A. Vem o presente recurso de apelação, interposto da sentença proferida nos autos, com o que não se conforma. Tal sentença, salvo o devido respeito, está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, ao não considerar as alegações apresentadas pela Ré ao abrigo do disposto no art. 567.º, n.º 2 do CPC. B. Não foi determinado o prosseguimento dos autos, após suspensão, sendo a sentença omissa quanto ao teor das alegações apresentadas pela Ré, não as levando à matéria de facto nem ao conteúdo dispositivo da sentença. C. Na acção sub judice, a., casada no regime da separação de bens, pretende a resolução do contrato promessa de compra e venda da casa de morada de família, afectando os direitos do terceiro – seu cônjuge - não interveniente na acção. D. A relação jurídica material controvertida, conforme configurado pela A., impõe, o litisconsórcio necessário natural dos intervenientes no contrato-promessa de compra e venda questionado na acção (cit. art. 28º-2 do CPC). E. Na acção sub judice, a A., casada no regime da separação de bens, pretende a resolução do contrato promessa de compra e venda da casa de morada de família, afectando os direitos do terceiro – seu cônjuge - não interveniente na acção. F. A acção tendente à condenação da promitente vendedora à resolução do contrato-promessa, relativa à casa de morada de família da A., proposta apenas pela promitente compradora, com preterição do litisconsórcio necessário natural activo imposto por lei, determina a ilegitimidade activa da Autora (cit. art. 34º, nºs 1 e 2, do CPC). G. A revelia é inoperante, quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção o A. pretende obter, sendo a revelia inoperante, não se podem ter por confessados os factos articulados pela A., em tudo quanto contendam com a excepção estatuída no art. 568.º, al. c) do CPC., o que vai invocado para todos os efeitos legais H. As alegações apresentadas pela Ré ao abrigo do disposto no art. 567.º, n.º 2 do CPC, destinam-se a permitir que a parte, possa apresentar a sua argumentação de direito, e possa expor a sua posição quanto ao direito que poderá vir a ser aplicado quanto àquela factualidade. I. As alegações apresentadas pela Ré, questionam a possibilidade dos factos elencados pela A., poderem dar azo à sua condenação no pedido, invocando excepções que conduzem à sua absolvição do pedido. J. A sentença a quo, limitou-se a dar por reproduzido o pedido formulado, condenando a R., não obstante reconhecer, como a ré defendeu que, não houve interpelação admonitória, não fazendo assim incorrer o devedor em incumprimento definitivo. K. Também, não foi considerado pelo tribunal a quo, as aceitações a título de confissão constantes na petição inicial, aceites pela Ré, e consequentemente irretractáveis de que havia ocorrido incumprimento contratual por parte da A. que só pagou parte do preço, conforme a A. reconhece art. 45.º, 46.º e 47.º da PI. L. Igualmente, não foi considerado pelo tribunal a quo, que o benefício do prazo da marcação da escritura foi estabelecido a favor da ré, vide clausula quinta, número dois do contrato promessa de compra e venda. M. Nem considerou que, o contrato sub judice não foi incumprido pela R., mas sim pela A., que não cumpriu com o estipulado na clausula quarta do contrato promessa de compra e venda, conforme confissão aceite. N. Nem que, não tendo a Ré incumprido com o contrato promessa de compra e venda, não poderia ser decretada a sua execução específica, que deveria improceder, nem deveria ser condenada no pagamento do dobro do sinal a título de indemnização pelo incumprimento, que não existe. O. Alega a Autora que ocorreu incumprimento contratual por sobre o imóvel impenderem ónus e encargos e existir uma execução pendente sobre o imóvel. P. Contudo, dispõe a clausula terceira, número um do contrato promessa de compra e venda sub judice que, à data da outorga da escritura de compra e venda, o imóvel deve estar dotado de licença de utilização; deve estar registado e inscrito na matriz a favor da Ré, e livre de quaisquer ónus, hipotecas, encargos ou responsabilidades. Tal condição, suspensiva, ainda não se verificou, atendendo a que, ainda não foi marcada a data para a outorga da escritura. Q. Sendo certo que a condição estipulada na clausula terceira se verifica, desde que no dia da outorga da escritura, a Ré se faça acompanhar do respectivo distrate da hipoteca e da certidão para cancelamento de penhora que recaem sobre o imóvel, cuja impossibilidade de obtenção não foi alegada pela Autora, como lhe competia. R. Não se verificando assim, qualquer violação do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, por parte da Ré, nem configurada qualquer situação de justa causa objectiva de resolução contratual. S. E não se venha defender, como faz a A. que, atento os ónus e encargos que impendem sobre o imóvel, o cumprimento do contrato pela R., mostra-se impossível, devendo ser resolvido o contrato, pois, contrariamente ao defendido pela A., a celebração do contrato prometido não se mostra impossível, nem está inviabilizada a transmissão, sem ónus nem encargos, nos moldes contratualmente fixados. T. Não tendo a A. logrado provar, como lhe competia que a R. se recusou a cumprir o contrato, não tendo efectuado interpelação admonitória, como o próprio tribunal reconhece, nem tendo demonstrado ter intentado nenhuma acção de fixação judicial de prazo para outorga da escritura, prevista nos art.º 1026.º e 1027.º do C. P. Civil, que a Ré tenha incumprido. U. Não pode, por o imóvel se encontrar onerado – por dívida de terceiro a que a R., é alheia – defender como defende que o contrato foi incumprido pela R, nem que existe incumprimento definitivo culposo da R. V. Tanto mais que, foi a A. quem incumpriu culposamente, com o estipulado na clausula quarta do contrato promessa de compra e venda, não tendo entregue à R. o valor do sinal a que se havia obrigado no montante global de 88.500,00€. W. Tendo a A. incumprido a clausula quarta do contrato promessa de compra e venda, não pode resolver o contrato promessa que incumpriu, por causa imputável à Ré, conforme pretende. X. Tendo a Autora confessado, ter incumprido culposamente o contrato promessa de compra e venda a que se obrigou, ao não ter efectuado o pagamento do sinal a que estava adstrita, sendo-lhe imputável, in totum, a falta de marcação da escritura de compra e venda, por permanecer na presente data por entregar a título de sinal e princípio de pagamento pelo menos 17.500,00€ (dezassete mil e quinhentos euros) do sinal acordado de 88.500,00€. Y. Tendo sido aceite a título de confissão irretractável a constante do art. 10 da PI de que a Ré comprometeu-se a proceder à marcação da Escritura Pública de compra e venda, notificando a Autora a data, a hora e o local da sua celebração, por intermédio de carta registada com aviso de recepção, remetida com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência, conforme clausula 5.º, n.º 2 do contrato promessa de compra e venda, o que de facto ainda não sucedeu, atento o incumprimento da A.. Z. Tem de se considerar verificado que o benefício do prazo da marcação da escritura foi estabelecido a favor da ré, vide clausula quinta, número dois do contrato promessa de compra e venda. AA. Não se verificando qualquer violação do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, por parte da Ré, nem configurada qualquer situação de justa causa objectiva de resolução contratual. BB. Não tendo a Ré incumprido com o contrato promessa de compra e venda, não deveria proceder a acção de execução específica, nem deveria a ré ser condenada no pagamento do dobro do sinal a título de indemnização pelo incumprimento, nem ser reconhecido direito de retenção sobre a fracção autónoma prometida vender. CC. Tanto bastaria para que o Mmo. Juiz, não proferisse a decisão, desconsiderando, ou considerando inexistentes as alegações apresentadas, pois a Ré exerceu um direito que lhe assistia e que não foi devidamente considerado, como devia, para a decisão da causa. DD. Consequentemente, entende-se que foi praticada uma nulidade – prática dum acto que a lei não admite, sendo certo que o mesmo é susceptível de influir objectivamente no exame e decisão da causa (art.º 195.º, n.º 1do Código de Processo Civil). EE. Com efeito, não obstante a Ré, ter tido oportunidade de exibir a sua posição sobre a factualidade dada como provada, o que se destinaria a permitir uma decisão final (sentença) enformada com todas as posições jurídicas que as partes transmitiriam, tal não sucedeu. FF. Não considerar que as alegações apresentadas ao abrigo do art. 567.º, n.º 2 do CPC, destinam a permitir que a parte, possa apresentar a sua argumentação de direito, e possa expor a sua posição quanto ao direito que poderá vir a ser aplicado quanto àquela factualidade é aceitar-se que essa fase processual não influiria no exame e decisão da causa seria reconhecer que a lei teria criado uma fase processual sem qualquer utilidade, o que ela própria não permite (art.º 130.º do Código de Processo Civil). GG. Desta forma, deve ser julgada verificada a indicada nulidade, determinando-se a anulação da sentença bem como dos demais termos subsequentes do processo, atento o disposto no art.º 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Termos em que sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve proceder o presente recurso e ser julgada verificada a indicada nulidade, determinando-se a anulação da sentença bem como dos demais termos subsequentes do processo, atento o disposto no art.º 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 5. Não se mostram juntas contra-alegações. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. O Mmo. Juiz a quo proferiu o despacho previsto no n.º 1 do artigo 617º do Código de Processo Civil, concluindo não ter sido cometida qualquer nulidade. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.II – Objecto do recurso Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir se ocorreu nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e/ou nulidade processual, por a sentença ter “desconsiderado” as alegações de direito da R. (revel), se ocorre a excepção de ilegitimidade activa, e se ocorre fundamento para a resolução do contrato promessa.. * A) - Os FactosIII – Fundamentação Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. A Ré Sociedade OuroVerde – Imobiliários, Lda., desenvolve a actividade de compra e venda de bens imobiliários. 2. No exercício da sua actividade e, em 09-09-2011, a Autora celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma designada pela Letra “N”, correspondente ao quarto andar direito, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, denominado Edifício “…, freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão com o n.º … – N e, inscrito na matriz urbana sob o artigo … – N, da freguesia e concelho de Portimão e, com o alvará de Licença de Utilização número …, pela Câmara Municipal de Portimão. 3. A referida fracção autónoma destinada a habitação é constituída por 3 (três) divisões assoalhadas, sala comum, cozinha, duas casas de banho, tem a área de 116,40 m2 e, dois lugares de estacionamento na garagem comum que, fica situada no piso menos um, do identificado prédio, atribuídos o número 13 e 14. 4. Conforme clausulado no dito contrato promessa de compra e venda, a Ré comprometeu-se vender à Autora, a identificada fracção. 5. A Ré vendedora comprometeu-se notificar por escrito à Autora, promitente compradora, no prazo máximo de quinze dias, caso tenha conhecimento de qualquer penhora, arresto ou qualquer outro ónus que viesse recair sobre a identificada fracção autónoma, objecto do referido contrato promessa de compra e venda. 6. Também a primeira outorgante e Ré responsabilizou-se pelo pagamento ao banco mutuário, a quantia total da dívida e, a obter da referida instituição bancária o competente documento de distrate da hipoteca, à data da celebração da Escritura Pública de Compra e Venda, para que a venda fosse efectuada livre de ónus, encargos ou responsabilidades, condição essencial para a celebração do negócio prometido. 7. A Autora e a Sociedade Ré acordaram também a entrega da chave da identificada fracção autónoma, na data da assinatura do citado contrato promessa de compra e venda, conferindo assim à posse do apartamento à Autora. 8. Nesse contrato promessa de compra e venda foi estabelecido pelas partes contratantes, o preço da fracção autónoma, a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) cujo pagamento seria efectuado da forma seguinte: a) € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento, no acto da assinatura do contrato promessa de compra e venda, quantia a qual o primeiro outorgante recebeu e deu quitação em documento à parte. b) O remanescente, ou seja, € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), foi acordado o pagamento mensal, a partir de Outubro de 2011 inclusive, o montante de € 1.500,00 (mil quinhentos euros), até ao dia 10 de cada mês, por meio de transferência bancária, para a conta com o NIB ---, do Banco BANIF, balcão de Alvor, a título de reforço do sinal. c) Além do montante indicado na alínea anterior, a Autora também pagaria a título de reforço do sinal, o mínimo anual € 5.000,00 (cinco mil euros), com início em 2012, 2013 e 2014, por meio de transferência bancária para a conta com o NIB indicado na al. b). d) O montante remanescente em dívida seria pago no acto da celebração da escritura pública de compra e venda. 9. Mais ainda, o local e prazo da realização da Escritura Pública seriam indicados pela Sociedade Ré, até o dia 15 de Dezembro de 2014. 10. Comprometeu-se também, a Ré proceder à marcação da escritura pública de compra e venda, notificando a Autora a data, a hora e o local da sua celebração, por intermédio de carta regista com aviso de recepção, remetida com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência. (ex. vi n.º 2 da quinta cláusula contratual). 11. Acordaram que, os custos com a transacção, ou seja, todas despesas relacionadas com a escritura pública de compra e venda e, com a transmissão do bem imóvel supra descrito, nomeadamente, imposto municipal sobre transacção de imóveis (IMT), emolumentos Notariais e Registos e demais seriam da responsabilidade da ora Autora, tudo conforme lê-se na sexta cláusula do referido contrato promessa. 12. Na cláusula sétima do contrato promessa ficou assente que, o incumprimento culposo de qualquer das obrigações emergentes do contrato, por parte da Promitente Vendedora e Ré, confere à Promitente Compradora e Autora, o direito de imediata, automática e independentemente de qualquer prazo, resolver o referido contrato promessa de compra e venda e, de exigir da Ré a restituição da quantia paga a título de sinal e os reforços de sinal em dobro, como vem previsto na segunda parte, no n.º 2, do art.º 442.º do Código Civil. Ex. vi, “sétima cláusula, n.º 1” do referido contrato promessa de compra e venda. 13. A Autora pagou € 71.000,00 (setenta e um mil euros) a título de sinal. 14. A entrega à Ré da quantia acima indicada ocorreu da seguinte forma: a) € 15000,00 (quinze mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento; b) € 1500,00 (mil e quinhentos euros) a título de reforço de sinal, em 09-09-2011, 26-09-2011, 06-11-2011, 15-12-2011, 09-01-2012, 06-02-2012, 17-04-2012, 09- 11-2012, 07-01-2013 a 10-06-2014; c) € 4500,00 (quatro mil euros) a título de reforço de sinal, em 10-12-2012; d) € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de reforço, em 02-02-2012, 08-03-2012 e 29-03-2012; 15. Os montantes acima descritos, a Autora entregou-os até o mês de Junho do ano de 2016. 16. A Autora instou à Ré diversas vezes, verbalmente, insistindo no agendamento da escritura pública de compra e venda e, não obteve resposta, pelo que enviou carta, com intervenção da sua mandatária judicial à data, que também não produziu efeito. 17. A Ré nunca marcou local e data da outorga da escritura pública de compra e venda da fracção, como havia prometido. 18. A Ré havia, na data da celebração do contrato, entregou à Autora as chaves da aludida fracção. 19. A Autora instalou na identificada fracção autónoma a sua residência habitual e celebrou contratos, com a EDP, para instalação de energia eléctrica e com companhia de águas (EMARP), para o fornecimento de água. 20. Enquanto decorriam os contactos com a Ré, para a marcação da data da outorga escritura pública, a Autora foi surpreendida com a informação duma execução, Proc. n.º 934/13.2TBPTM, que deu entrada no 2.º Juízo Cível, do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Portimão. 21. Actualmente, a referida acção executiva continua e corre no Juízo de Execução de Silves, Tribunal de Comarca de Faro e a identificada fracção autónoma está penhorada, penhora registada no sistema, pela Ap. 3223, de 2015/03/23, a favor da Caixa Económica Montepio Geral, com sede na Rua Áurea n.ºs 219 a 214, em Lisboa. 22. Deu origem o referido processo executivo e consequente penhora da fracção em causa, o seguinte: a. A Caixa Económica Montepio Geral, com sede na Rua Áurea, 219 a 241, 1100-062 Lisboa, celebrou com a CUPH – Urbanizações Janelas de Portimão I, C. R. L., com sede na Praça da Paz, Lote B, 8000-165 Faro um contrato de abertura de crédito em conta corrente de hipoteca até ao montante de € 3.450.000,00 (três milhões, quatrocentos e cinquenta mil euros), destinado à construção de dois edifícios nos imóveis, de entre elas o imóvel aqui em causa pela mesma escritura hipotecária. b. O contrato foi celebrado por um período de três anos, a contar da data da celebração e prorrogável por períodos anuais até ao máximo de dois anos. c. Foi celebrado um contrato adicional em 30-09-2010, onde foi acordado um novo prazo de duração, de sete anos, a contar da data da celebração, em 04-10-2005. d. Ainda por acordo, datado de 28-07-2011 foi reduzido o limite máximo do crédito de € 1. 680.000,00 (um milhão, seiscentos mil euros) e no referido contrato adicional, para € 11.755.000,00 (um milhão, setecentos e cinquenta e cinco mil euros). e. A CUPH, Urbanizações Janelas de Portimão I, C. R. L., movimentou a referida conta bancária e alcançou o montante de € 1.755.000,00 (um milhão e setecentos e cinquenta e cinco mil euros), correspondente ao capital devido. f. Sucede que, seis (6) daquelas fracções foram adquiridas pela OuroVerde, Imobiliária, Lda., mostrando-se esta como titular, inscrita na respectiva Conservatória do Registo Predial, na posse das mesmas e mantendo-se em vigor as hipotecas registadas a seu favor. g. Contudo, a aquisição das citadas seis (6) fracções foi feita sem a autorização escrita, nem verbal e/ou com o consentimento da Caixa Económica Montepio Geral. h. Tendo em conta que, os actos de alienação ou oneração posteriores ao registo da hipoteca são inoponíveis ao credor e no caso de transmissão ele pode fazer executar a coisa hipotecada no património. i. a Caixa Económica Montepio Geral considerou a OuroVerde, Imobiliária, Lda. responsável em virtude da aquisição das fracções, nomeadamente, “N”, propriedade da ora Autora, tituladas pela CUPH. j. De maneira que, também a Ouro Verde é executada, sendo penhoradas as fracções por ela adquiridas inclusive a fracção “N”, prometida para vender a Autora. * B) – O Direito1. Começa a R./Recorrente por invocar que a sentença está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, ao não considerar as alegações apresentadas pela R. ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil. De acordo com a 1.ª parte da alínea d), do n.º1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (cf. artigo 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil). E a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art.º 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia. Como escreve Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 57, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. E acrescenta, citando Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. 2. No caso, a R., que não contestou, entretanto, constituiu mandatário e apresentou alegações de direito, como lhe é facultado pelo n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil. Importa lembrar, que, nos termos do n.º 1 do artigo 567º do Código de Processo Civil, a falta de contestação, quando o réu tenha sido regularmente citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, implica, em regra, que se consideram confessados os factos articulados pelo autor (confissão tácita ou ficta), apenas se excepcionando os casos previstos nas alíneas do artigo 568º do Código de Processo Civil. “Nos termos gerais, e sem prejuízo das excepções referidas no art. 568º, não tendo o réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa “conforme for de direito” (n.º 2, in fine). Com efeito, confessados que passam a ter-se os factos articulados na petição (não assim quanto aos que designadamente exijam prova documental), deixa de haver controvérsia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos factos. É de notar que o estado de revelia operante em que se encontra o réu, embora seja susceptível de potenciar tal desfecho, não conduz, sem mais, à procedência da acção” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 654). De facto, o processo declarativo é um processo cominatório semipleno, dado que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu. Na verdade, como salientam os referidos autores (ob. cit., pág. 655), apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem confessados, sempre caberá ao juiz proceder ao respectivo enquadramento jurídico (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil), em termos de julgar a acção materialmente procedente, abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (com fundamento em questões processuais – artigo 608º, n.º 1), julgar a acção apenas parcialmente procedente, ou mesmo julgar a acção improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material. Por outro lado, a revelia operante, não arreda o réu da lide, o qual, nos termos do n.º 2, do artigo 567º do Código de Processo Civil, pode apresentar alegações escritas, que se destinam a permitir que a parte, face à circunstância de se registar assente a matéria de facto invocada pelo A., possa apresentar a sua argumentação de direito, ou melhor, expor a sua posição quanto ao direito que poderá ser aplicado quanto àquela factualidade. O que não pode é a parte revel transmutar as alegações de direito na contestação que não apresentou. No caso concreto, em sede das ditas alegações escritas, a R. refere-se à “revelia inoperante”, à ilegitimidade activa da A. e pronuncia-se quanto ao mérito da causa, expondo os seus argumentos no sentido da improcedência da acção. Apresentadas as alegações escritas, segue-se a sentença, mas pode suceder que, analisada a petição, haja necessidade de prolação de despacho pré-saneador, designadamente com vista ao suprimento de uma excepção dilatória sanável (cf. artigo 590º, n.º 2, alínea) e artigo 6º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pois compete ao juiz averiguar a regularidade da instância. 3. Deste modo, tendo a R., nas alegações escritas suscitado a questão da ilegitimidade activa da A., por estar desacompanhada do seu cônjuge, tinha o Tribunal que se pronunciar sobre esta questão, que até é de conhecimento oficioso, a qual, a verificar-se e a não ser suprida, conduziria à absolvição da R. da instância (cf. artigos 278º, n.º 1, alínea d), 2 e 3, 576º, n.º 2, 577º, alínea e) e 578º, do Código de Processo Civil). Assim, e não tendo feito antes, tinha o tribunal a quo que se pronunciar sobre a alegada excepção de ilegitimidade activa na sentença, pelo que, não o tendo feito ocorreu nulidade por omissão de pronúncia. Porém, tal nulidade não impede este Tribunal ad quem de apreciar o recurso, como decorre do n.º 1 do artigo 665º do Código de Processo Civil, o que adiante se fará. 4. O mais invocado pela recorrente não constitui nulidade da sentença. Na verdade, não tinha o tribunal que se pronunciar na sentença sobre os efeitos da revelia, pela simples razão que já o tinha feito antes, no despacho em que, por falta de contestação, considerou confessados os factos articulados pelo A.. Além disso, nas ditas alegações, a R. limitou-se a invocar a norma da alínea c) do artigo 568º do Código de Processo Civil, não tendo referido qualquer facto articulado, que alegadamente se tivesse por confessado, em violação deste preceito. Restava-lhe, assim, aguardar pela prolação da sentença e, então, caso verificasse que foram, efectivamente, considerados como provados factos, em violação do disposto no artigo 568º do Código de Processo Civil, interpor recurso da decisão final. Deste modo, não tinha a sentença que se pronunciar sobre tal matéria. Acresce que também não diz quais os factos que foram tidos como provados que não podiam ser tidos como tal, por violação da alínea c) do artigo 568º do Código de Processo Civil, pelo que esta questão suscitada no recurso não se mostra fundada. 5. E também não tinha a sentença que se pronunciar sobre todos os argumentos invocados pela R. nas suas alegações escritas a propósito do conhecimento do mérito da causa, mas tão só apreciar os pedidos formulados pela A., tendo em conta os fundamentos da acção e as regras de direito aplicáveis. E foi isso que o Tribunal recorrido fez, tendo concluído pela procedência da acção. Aliás, se bem virmos, as “questões” que a Recorrente refere a propósito da nulidade, no essencial, reconduzem-se ao facto de não terem sido atendidos os argumentos por si invocados, no que à subsunção jurídica da causa respeita, o que que nada tem a ver com a matéria de nulidades da sentença, mas sim com a apreciação de mérito. 6. Por fim, no que se reporta a nulidades, não vemos como é que o facto de alegadamente não se terem considerado os argumentos da R., explanados nas alegações escritas, consubstancia nulidade processual, a sancionar nos termos do artigo 195º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Tal situação não ocorre, posto que não foi preterido qualquer acto processual previsto na lei, nem praticado acto que a lei não permita. Tanto basta para que se indefira a arguida nulidade. 7. Quanto à questão da falta de legitimidade activa da A., por estar em juízo desacompanhada do seu cônjuge, funda-a a R. no facto de o imóvel a que se reporta o contrato promessa, cujo incumprimento a A. pretender fazer valer em juízo, constituir casa de morada de família e, assim, em face do disposto no n.º 1 do artigo 34º do Código de Processo Civil, a acção tinha que ser proposta por ambos os cônjuges, acrescentando que a relação material controvertida impõe o litisconsórcio natural dos intervenientes no contrato promessa de compra e venda questionado na acção. Mas sem razão. Na verdade, tal como a A. configurou a acção, esta tem por fundamento a resolução do contrato promessa de compra e venda, em que interveio como promitente compradora e a R. como promitente vendedora. A A., tal como consta identificada, é casada sob o regime da separação de bens e o seu cônjuge não interveio no contrato, ao contrário do que parece sugerir a R.. Por outro lado, não resulta dos factos alegados, nem dos documentos juntos, que o imóvel objecto do contrato promessa constitua “casa de morada de família”. Deste modo, não tendo a A. apresentado contestação, em que houvesse alegado tal factualidade, atento o regime de bens e tendo o contrato promessa aqui em causa sido celebrado apenas pela A., tal como vem configurada a acção – em que se pretende o recebimento do sinal em dobro, pelo incumprimento da R., e o reconhecimento do direito de retenção sobre esta –, a A. é parte legítima, nos termos do artigo 30º do Código de Processo Civil, não ocorrendo nenhuma situação de litisconsórcio necessário, como pretende a R.. 8. Quanto à apreciação jurídica da causa, propriamente dita, entendeu-se na sentença o seguinte: «O contrato em causa nos autos, celebrado ente as partes, constitui, como a A. alega, contrato-promessa de compra e venda, de imóvel, e está definido no art.º 410º, nº1 do Código Civil como sendo a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. Por seu lado, preceitua do nº 2, do art.º 442.º do Código Civil que, se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago. A coisa objecto do contrato-promessa, um imóvel foi entregue no acto da assinatura do contrato, pretendendo a A. prevalecer-se da existência de direito de retenção, nos termos em que o mesmo se encontra previsto no nº 1, al. f) do art.º 755.º do Código Civil que dispõe o seguinte: o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º. Ora, vistos os factos e ponderadas as referidas regras de direito, entendemos dever reiterar o por nós exposto no despacho de 8 de Julho de 2019, no sentido de que a presente acção constitui um caso que se situa na fronteira de vários entendimentos possíveis a respeito da matéria em litígio. Por um lado, afigura-se nos que, sendo pacificamente aceite que é necessário existir incumprimento para a resolução do contrato-promessa e que para existir esse incumprimento, em regra, é necessário haver interpelação admonitória, a interpelação que se prova ter ocorrido nos autos poderá não revestir essas características. Em particular, não reveste as características de advertência bastante clara de que a falta da prestação no prazo estabelecido fará incorrer o devedor em incumprimento definitivo da obrigação. Neste sentido, o acórdão do STJ de 19/12/2018 (rel. OLINDO GERALDES), disponível, como os demais que se citarão, em www.dgsi.pt, é bastante peremptório na afirmação desta exigência, ao referir que: O credor, para converter a mora em incumprimento definitivo, tem de interpelar o devedor, intimando-o a cumprir a prestação, dentro de prazo razoável, fixado de acordo com as circunstâncias concretas do contrato a celebrar, com a advertência, muito clara, de que a falta da prestação, no prazo estabelecido, o fará incorrer em incumprimento definitivo da obrigação. Todavia, outra corrente jurisprudencial tem vindo a formar-se ao longo do tempo, no sentido de que se existir um comportamento por parte do devedor que demonstre que o mesmo se desinteressou, que tacitamente se desvinculou de possibilidade de cumprir a obrigação decorrente do contrato-promessa, não será de exigir a referida interpelação. Neste sentido, podemos atentar nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16/5/2000 (rel. QUIRINO SOARES), 24/1/2008 (rel. SANTOS BERNARDINO), 20/5/2015 (rel. JOÃO BERNARDO). No acórdão de 16/5/2000 refere-se que: A penhora de fracção autónoma prometida vender e comprar não inviabiliza, só por si, o cumprimento do contrato-promessa (pode ser levantada, além de não retirar ao executado o poder de disposição inerente ao direito de propriedade, ressalvadas a ineficácia da venda, relativamente ao exequente, bem como as regras do registo). Se o promitente-vendedor deixa penhorar a fracção, sem reagir e sem dar conhecimento ao promitente comprador, incumpre, pois a partir de então deixou bem entendido que o contrato não era para cumprir, pelo que de nada interessa se após houve ou não interpelação. O incumprimento não decorre da impossibilidade (culposa ou não) da prestação do promitente vendedor, mas, sim, da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa. Já no acórdão de 24/1/2008 é referido que: O incumprimento não resulta da impossibilidade da prestação dos promitentes vendedores, mas antes da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa, deixando os promitentes vendedores patente que, da sua parte, o contrato não era para cumprir, de nada passando a interessar a interpelação para o cumprimento Por seu lado, o acórdão de 20/5/2015 menciona que: Ainda que não tenha sido fixado prazo para cumprimento dum contrato-promessa e não obstante ser necessária a obtenção de documentação para a celebração da escritura pública, é de considerar, se necessário com recurso ao princípio da boa fé, que o promitente - vendedor entrou em mora se, repetidamente interpelado, pediu sempre “mais prazo” que não veio a observar. A apreciação objectiva da perda do interesse do credor, prevista no n.º 2 do artigo 808.º do Código Civil deve ter lugar tendo em conta os interesses deste no cumprimento da obrigação. É de considerar tal perda se, em contrato-promessa de compra e venda de imóvel para habitação, o promitente - comprador entregou elevada quantia a título de sinal, foi viver para lá e, apesar de naquele estar previsto que “a venda será feita livre de quaisquer foros, ónus, encargos ou outras responsabilidades, sejam elas de que natureza forem”, viu sobre o mesmo, sem seu conhecimento, incidirem duas hipotecas e duas penhoras, estando o processo executivo relativo a uma delas já na fase da venda. Se necessário, mesmo independentemente do incumprimento definitivo, esta situação é de tal modo violadora do princípio da boa fé contratual, que justificaria, logo por aqui, a resolução por parte do promitente - comprador. Ainda com interesse, escreve-se no, já mais antigo, acórdão da Relação de Lisboa de 14/4/1994 (rel. EDUARDO BAPTISTA), neste caso chamando-se a atenção também para a existência de um prazo demasiado longo sem que o contrato definitivo se tivesse celebrado, que: Segundo as regras da boa fé e ressalvado o caso de isso resultar claramente da vontade das partes, um contrato sinalagmático oneroso não deve ser interpretado como tornando-se fonte de obrigações "cum voluerit". Assim, se os promitentes vendedores mantiverem uma conduta de absoluta omissão de celebração da escritura publica por um período intoleravelmente longo (17 anos, aqui) ainda que não houvesse prazo assinado no contrato e a iniciativa da marcação daquela lhes coubesse, tornam-se inadimplentes, havendo incumprimento definitivo. Finalmente, o acórdão do STJ de 2/2/2017 (rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO) salienta ainda que, sem prejuízo da existência de um comportamento que a corrente jurisprudencial que temos vindo a citar considera um comportamento concludente, no sentido de o contrato promessa não vir a ser cumprido pelo promitente-vendedor, acresce ainda a existência de uma grave violação do princípio de boa fé, nomeadamente quando ocorre que se gera uma situação que é insustentável para o promitente comprador, por exemplo por pendência de acção executiva onde o imóvel esteja para venda. Ali se refere, então, que: Para que tal regime seja aplicável é necessário: (i) que exista mora nos termos do art. 805º do CC; e (ii) que esta se transforme em incumprimento definitivo por uma das vias do art. 808.º do CC: perda do interesse do credor apreciada objectivamente; decurso de um prazo adicional razoável fixado pelo credor (interpelação admonitória). Além disso, a doutrina e a jurisprudência admitem a relevância de uma declaração antecipada de não cumprimento (expressa ou tácita) por parte do devedor. A penhora do bem prometido vender não produz, por si só, a impossibilidade da obrigação de contratar. Porém, tendo ficado provado que a promitente-vendedora deixou penhorar o bem imóvel que prometeu vender, sem reacção e sem dar conhecimento à promitente-compradora, induzindo esta em erro acerca do desenvolvimento do processo executivo – quando, nessa data, já se encontrava marcada data para a venda judicial –, é de concluir, à luz da orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelo STJ, que se está perante um comportamento concludente, com relevância declarativa, já que a primeira se desligou em definitivo dos compromissos assumidos perante a segunda, deixando patente que o contrato-promessa não era para cumprir. Demonstrado o incumprimento definitivo desse contrato, imputável à promitente-vendedora, não restava à promitente-compradora outra alternativa que não fosse deduzir reclamação de créditos no processo de execução no qual o bem prometido vender foi penhorado, e, consequentemente, resolver o contrato. Ainda que se seguisse orientação distinta – considerando que a conduta da promitente-vendedora não constitui comportamento concludente – a solução sempre seria idêntica: quer porque, na data da reclamação de créditos, a celebração do contrato prometido era já impossível por estar inviabilizada a obtenção de empréstimo bancário por parte da promitente-compradora (condição a que o contrato estava sujeito); quer porque a conduta da promitente-vendedora, constituindo uma grave violação do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, configuraria uma situação de justa causa objectiva de resolução, admitindo-se que esta figura seja aplicável a contratos com as características do contrato promessa dos autos. No entanto, da matéria provada, sem prejuízo da ausência da referida interpelação “firme”, mas não da total ausência de interpelação (posto que, quer escrita, quer verbalmente, a A. manifestou junto da R. a vontade de que a R. celebrasse a escritura pública), afigura-se-nos resultar que a A. sempre manteve interesse na celebração da escritura definitiva, não sendo de lhe assacar qualquer espécie de responsabilidade na não celebração do contrato em causa nos autos. Assim, tudo visto e ponderado, e embora se conceda que a interpelação efectuada pela A. poderia ter sido mais concludente, entende-se que o que foi verdadeiramente concludente foi o comportamento da R., no sentido de se desinteressar do negócio, deixando penhorar a fracção prometida vender à A., pelo que, estando já há muito decorrido o prazo em que a escritura definitiva devia ter sido celebrada, assiste à A., perante o incumprimento da R. e considerando-se legítima a resolução do contrato, nos termos das disposições citadas, o direito a haver em dobro o sinal que prestou. Tendo, entretanto, havido tradição da coisa, e tendo a A. o referido crédito pela devolução do sinal em dobro, assiste-lhe igualmente o pretendido direito de retenção sobre a coisa, nos termos do artº 755º, nº 1, f) do Código Civil.» (fim de citação) 9. A R. discorda desta decisão, começando por referir que era a A. que estava em incumprimento, pois entregou à R. menos cerca de € 17.500 do que estava obrigada a entregar como sinal e reforço de sinal, uma vez que do clausulado do contrato resulta que deviam ter sido pagos € 88.500 até Dezembro de 2014, e a A. alega ter pago a quantia de € 71.000, não podendo, assim, resolver o contrato, sendo-lhe imputável a falta de marcação da escritura de compra e venda. É certo que a A. funda a sua pretensão no mecanismo previsto no artigo 442º do Código Civil, qua a lei faculta ao promitente não faltoso para agir conta contraente inadimplente. Porém a excepção de incumprimento por parte da A. não foi invocada pela R. nos articulados da acção, pois a R. não contestou, e, como se sabe, é na contestação que o R. deve deduzir a sua defesa, impugnado os factos articulados, excepcionando os que obstam à apreciação do mérito ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido. O facto de a A. ter alegado que pagou quantia a título de sinal/reforço que é inferior à que resulta da que seria devida em função das cláusulas contratuais, por si só, não permite concluir que a A. se encontra em incumprimento, pois desconhecem-se as circunstâncias em que tal ocorreu, pelo que, não tendo oportunamente sido alegadas, não podem ser apreciadas. De resto, não há qualquer facto que demonstre que foi por a A. ter pago menos do que seria devido a título de sinal/reforço que a escritura não foi realizada, como diz a R.. 10. No mais, invoca a R. que não foi efectuada a interpelação admonitória e que é ainda possível o cumprimento, podendo a R. cumprir a condição estipulada na cláusula terceira do contrato, de se fazer acompanhar do distrate da hipoteca e da certidão de cancelamento da penhora que recaem sobre o imóvel, no dia da escritura. Vejamos: O contrato promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato (prometido). Cria para o promitente uma obrigação de contratar cujo objecto é uma prestação de facto (facere jurídico consistente na emissão da declaração negocial prometida) gozando – em princípio – de eficácia meramente obrigacional (artigos 412º e 413º do Código Civil), sendo que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762º, n.º 1 CC). O inadimplemento do contrato-promessa, encontra-se submetido ao regime geral do não cumprimento das obrigações (previsto pelas disposições dos artigos 790º e ss. do Código Civil, já que o artigo 410º, nº 1, do mesmo diploma, faz equiparar o contrato-promessa ao contrato prometido), ou seja, apenas o incumprimento definitivo e não a simples mora, podem determinar a resolução do contrato. A simples mora, não havendo convenção em contrário, só se converterá em incumprimento definitivo se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, ou se o credor da prestação perder, numa perspectiva objectiva, o interesse na mesma ou, ainda, se dirigir ao devedor uma interpelação admonitória, concedendo-lhe um prazo razoável para cumprir, sob a advertência que, não sendo tal feito, terá a obrigação como não cumprida (artigo 808º, n.º 1 do Código Civil). Quando a obrigação tem prazo certo de realização, o momento relevante para a constituição em mora coincide, sem mais, com o decurso desse prazo (artigo 805º, n.º 1 e n.º 2, a) do Código Civil) e no incumprimento contratual, presume-se a culpa do devedor. Porém, deve notar-se que o incumprimento definitivo surge não apenas quando por força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor, mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento. Efectuado este enquadramento legal do regime do contrato promessa, vejamos o caso dos autos. Concordamos que a não ter ainda sido vendido o imóvel na acção executiva, seria ainda possível à R. obter o distrate da hipoteca e o levantamento da penhora que onera o imóvel, de modo a proceder à venda do mesmo ao A. livre de ónus e encargos, como se comprometeu. Porém, lembramos que o contrato promessa foi celebrado em 09/09/2011 e que a escritura devia ter sido celebrada até ao dia 15 de Dezembro de 2014, sendo que a R. “responsabilizou-se pelo pagamento ao banco mutuário, a quantia total da dívida e, a obter da referida instituição bancária o competente documento de distrate da hipoteca, à data da celebração da Escritura Pública de Compra e Venda, para que a venda fosse efectuada livre de ónus, encargos ou responsabilidades, condição essencial para a celebração do negócio prometido” (ponto 6 dos factos provados), e “comprometeu-se notificar por escrito à Autora, promitente compradora, no prazo máximo de quinze dias, caso tenha conhecimento de qualquer penhora, arresto ou qualquer outro ónus que viesse recair sobre a identificada fracção autónoma, objecto do referido contrato promessa de compra e venda” (ponto 5 dos factos provados). E tinha a R. que marcar a escritura. Mas, apesar do tempo decorrido desde a celebração do contrato até à data prevista para realização da escritura, a R. não providenciou pelo distrate da hipoteca, nem o fez posteriormente, pois deixou que o imóvel fosse penhorado, em 23/03/2015 (data do registo da penhora), na execução identificada no ponto 20 dos factos provados, não tendo desse facto dado conhecimento à A., que só soube da ocorrência em virtude da notificação que lhe foi dirigida. Porém, independentemente da relevância que se retire da conduta da R. quanto à intenção de não cumprir o contrato, pelo decurso do tempo e por ter deixado penhorar a fracção, certo é que assistia à A. o direito potestativo de proceder à resolução do contrato por ter operado a cláusula resolutiva a que se reporta o ponto 12 dos factos provados. De facto, as partes acordaram, na cláusula 7ª do contrato promessa que “o incumprimento culposo de qualquer das obrigações emergentes do contrato, por parte da Promitente Vendedora, confere à Promitente Compradora, o direito de imediata, automática e independentemente de qualquer prazo, resolver o referido contrato promessa de compra e venda e, de exigir da Ré a restituição da quantia paga a título de sinal e os reforços de sinal em dobro, como vem previsto na segunda parte, no n.º 2, do art.º 442.º do Código Civil”. Ora, estando provado que a escritura devia ter sido realizada até 15 de Dezembro de 2014, competindo à R. a respectiva marcação, e que a A. instou a R. diversas vezes, verbalmente, insistindo no agendamento da escritura pública de compra e venda e não obteve resposta, e enviou carta, com intervenção da sua mandatária à data, que também não produziu efeito, não tendo a R, nunca marcado a escritura (cf. pontos 9, 16 e 17 dos factos provados), sem causa justificativa para tanto, incumpriu a R. esta obrigação, presumindo-se a culpa, pelo que operou a cláusula resolutiva acordada pelas partes. Em consequência, tinha a A. fundamento para a resolução do contrato e o direito à restituição do sinal e reforços do sinal em dobro, como previsto no contrato. E, tendo havido tradição da coisa, assiste-lhe igualmente o pretendido direito de retenção sobre a coisa, pelo crédito que detém sobre a R., pelo incumprimento do contrato, nos termos do artigo 755º, nº 1, f) do Código Civil. Tanto basta para a procedência da acção. 11. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida. * Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a sentença recorrida.IV – Decisão Custas a cargo da apelante. * Évora, 30 de Junho de 2021 Francisco Xavier Maria João Sousa e Faro Florbela Moreira Lança (documento com assinatura electrónica) |