Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PROENÇA DA COSTA | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DECLARAÇÔES DE CO-ARGUIDO ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS BUSCA DOMICILIÁRIA APREENSÃO DE OBJECTOS NULIDADE CASO JULGADO NE BIS IN IDEM IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 12/07/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. O arguido tem o direito a não se auto-incriminar; não a que não seja produzida prova contra si ou que os demais arguidos conjuguem com a sua estratégia de defesa deles. 2. Não existe obstáculo legal à valoração das declarações de co-arguido, apreciadas de acordo com os critérios que devem presidir à livre apreciação da prova, plasmados no artigo 127.º do CPP, desde que garantido o indispensável contraditório e tendo presente que essa valoração deve ter em conta os riscos de menor credibilidade que essas declarações comportam, pelas implicações resultantes da situação de imputação de responsabilidade criminal também a esse co-arguido, circunstância que justifica e exige maior prudência e cuidado na procura de toda a corroboração possível para que a livre apreciação do julgador se fundamente em dados seguros. 3. Não viola o princípio “in dubio pro reo” a valoração das declarações de co-arguido prestadas em julgamento contra aquele que usou do direito ao silêncio. 4. Na comunicação de alteração factual não substancial, nos termos do n.º1 do art. 358.º do CPP, não se impõe que o tribunal explicite os motivos que lhe subjazem. Essa tarefa é cometida ao Tribunal numa outra fase processual, em sede de sentença, conforme decorre do n.º 2, do art.º 374.º do Código de Processo Penal. 5. O caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual. O que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. 6. Sendo diferente esse acontecimento de vida, não se pode vir invocar qualquer violação de caso julgado, o mesmo é dizer violação do princípio do ne bis in idem. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora. Nos autos de Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, com o n.º 602/11.0JACBR, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Mação, a Digna Magistrada do Ministério Público acusou os arguidos: a) JH, solteiro, desempregado, filho de..., natural da freguesia da S. Lourenço, concelho da Portalegre, nascido a 12 de Outubro de 1980, residente na Rua..., Gavião; b) DS, casado, assistente operacional, filho de..., natural da freguesia de Castelo Branco, concelho de Castelo Branco, nascido a 9 de Setembro de 1977, residente na Rua ..., Castelo Branco; e, c) BM, solteiro, empresário de lavagem de automóveis, filho de..., natural da freguesia de Castelo Branco, concelho de Castelo Branco, nascido a 28 de Julho de 1978, residente na Rua..., Castelo Branco, Imputando-lhes a prática dos seguintes crimes: - Ao arguido JH praticou, em concurso real, em autoria imediata e na forma consumada, 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea p, q e ae), 2.º, n.º 3, alínea p), 3º, n.º 1 e 4, alínea a) e 86º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. - Aos arguidos DC e BM praticaram, em concurso real, na forma consumada, em co-autoria imediata, 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro. O arguido JH apresentou a contestação de fls. 1051, arguindo a nulidade da acusação, por não concretizar os factos imputados ao arguido e omitir os factos que caracterizam o crime continuado, bem como a nulidade da busca domiciliária. Pugnou pela sua absolvição de todos os crimes. O arguido BM apresentou a contestação de fls.1174, oferecendo o merecimento dos autos e a sua inserção socioprofissional. Como questões prévias veio declarar nulas e de nenhum valor probatório as escutas telefónicas em questão nos autos, as quais não serão valoradas neste processo pelo Tribunal. Como veio a considerar válida a busca e subsequente apreensão ocorridas a 31 de Agosto de 2011. E, por fim, julgar improcedente a invocada nulidade da acusação por, não concretizar os factos imputados ao arguido JH. Procedeu-se á realização da audiência de Julgamento, vindo-se, no seu seguimento, a prolatar pertinente Acórdão, onde se Decidiu: a) Absolver os arguidos DC e BM do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, que lhes era imputado na acusação; b) Condenar o arguido JH como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Condenar o arguido JH como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea p, q e ae), 2.º, n.º 3, alínea p), 3º, n.º 1 e 4, alínea a) e 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; d) Condenar o arguido JH na pena única de 6 (seis) anos de prisão, operando o cúmulo jurídico das penas supra impostas; e) Condenar o arguido BM como co-autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução ficará suspensa pelo período da sua duração e sob o regime de prova; f) Condenar o arguido DC como co-autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 15 (quinze) meses de prisão, cuja execução ficará suspensa pelo período da sua duração; g) Declarar perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes e respectivas embalagens e balanças, o dinheiro, a arma e munições apreendidas, bem como o veículo automóvel de marca “Opel”, modelo “Meriva”, de matrícula --FJ---. Inconformado com o assim decidido, traz o arguido JH o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões: 1. Na verdade e sempre com o devido respeito, não se pode conformar o ora recorrente quer da matéria de facto dada como provada, quer da pena aplicada decorrente da primeira. 2. Desde logo o arguido recorre porque não concorda com o tipo de crime pelo qual foi condenado não tendo praticado o mesmo na medida em que foi condenado. E pugnará pela reposição da verdade até ao fim, tendo a prova produzida em audiência sido apreciada de forma errada, dando-se por provado o que não o poderia ter sido, nomeadamente tendo sido dado por provado que se dedicava ao tráfico de estupefacientes quando tal não corresponde à verdade. 3. Existiu assim erro notório na apreciação da prova. 4. O arguido ora recorrente, durante toda a fase de julgamento do processo optou pelo seu direito ao silêncio, conforme alude o Art.º 61º, n.º 1, al. d) do Código Processo Penal, não prestando declarações. 5. Verifica-se que a factualidade dada como provada inerente ao arguido ora recorrente foi incorrectamente julgada e que a única prova, e tendo sempre presente o princípio do “in dubio pro reo”, são apenas e tão só as declarações de co-arguidos; do relatório de diligência externa, que é parcos e insuficiente, no ver do ora recorrente, pois nada dizem em concreto, limitando-se a ser meras suposições de quem efectuava as vigilâncias, pois nunca em tempo algum, foi visualizado por nenhum dos elementos da polícia Judiciária o ora recorrente a proceder à venda de produto estupefaciente, ou em prova nula com supra se referenciou, não percebendo o ora recorrente como pode o Tribunal a quo dar como provada a factualidade no sentido de que o arguido se dedicava ao tráfico de estupefacientes. 6. Foi assim que a Polícia Judiciária evidenciou a fraqueza de uma investigação (que obteve noticia da eventual pratica de um crime com base em intercepção telefónica ilegal noutros autos e declarada como tal pelo titular da acção penal no Tribunal de Castelo Branco e numa busca declarada nula por decisão do Tribunal da Relação de Évora), tratou de apresentar o recorrente como o responsável das acções de outros de quem nada sabia. Da matéria de facto Do erro notório na apreciação da prova 7. Tal como resulta expressamente da lei, qualquer um dos vícios enunciados no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal tem que resultar “expressamente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”. 8. Por outro lado, o recurso às regras da experiência comum, de que se pode lançar mão para justificar o vício invocado tem de ser feito cum grano salis, pois tal prescrição não se adequa a todos os vícios referenciados no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. 9.Na hipótese de erro notório na apreciação da prova, as regras da experiência comum, devem ser invocadas quando da sua aplicação ressalte, sem margem para dúvidas, a existência desse erro, ou seja, “quando, contra o que resulta de elementos que constem dos autos, e cuja força probatória não haja sido infirmada, ou de dados do conhecimento público generalizado, se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 94.03.16, Proc. n.º 46102, CJ XVI, 3, 24. 10. Em síntese, estes são os elementos que há-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício de erro notório na apreciação da prova. 11. O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência. 12. Com o devido respeito, dúvidas não restam que o tribunal a quo, se limitou a valorar o que lhe interessava valorar, nomeadamente as declarações das testemunhas indicadas pelo Ministério Público e que constituem prova nula, nos termos da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora no presente processo, colocando de parte o que não lhe interessava. 13. Valorou ainda o tribunal a quo, mesmo após todas as considerações feitas relativamente ao trabalho desenvolvido pelos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária, que diga-se, foram parciais na forma como desenvolveram o processo, omitindo factos importantes quer ao próprio Ministério Público quer á defesa que nestes termos não teve possibilidade de se defender adequadamente, factos importantes e que estiveram na origem de todo o processo, ou seja escutas telefónicas que foram efectuadas noutro processo e não validadas atempadamente, 14. Face ao exposto e na senda do entendimento dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.01.2004, Proc. 30P3213 e de 24.03.2004, Proc. 30P4043, disponíveis em www.dgsi.pt, a compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para a verificação da (in) existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c), conforme se verifica na apreciação em causa. 15. O ora recorrente, coloca assim em causa o princípio da livre apreciação da prova, patente, como acima se referiu, no art.º 127.º do Código de Processo Penal e que prevaleceu sobre a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. 16. No nosso entender, na fundamentação da sua convicção, o Tribunal a quo não foi lógico e congruente, consistente e suficiente, não explicando, a partir da prova produzida, as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado. Da contradição entre a fundamentação e a decisão. 17. Referem a este propósito Leal Henriques e Simas Santos que a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste “na incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. 18. Tratando-se de um vício ínsito no art.º 410.º, n.º 2 (mormente na alínea b) do Código de Processo Penal, tem o mesmo de resultar, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena). 19.É patente que o erro na apreciação na prova atrás aludido, com os fundamentos apresentados, nos fazem constatar por este vício. Da nulidade da sentença. 20. O dever de fundamentar as decisões judiciais decorre directamente da Constituição: “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prescrita na lei” – artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República portuguesa. 21. O art.º 374.º do Código de Processo Penal ao estabelecer os requisitos da sentença penal precisa ainda mais o conteúdo do dever de fundamentação. No n.º 2 estipula o referido preceito legal que, “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível e concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Não basta, assim, que o tribunal forme uma convicção sobre os factos, impondo a lei que essa convicção seja exteriorizada e explicitada através de um exame crítico das provas, o que não sucedeu e que se traduz em nulidade que se argui. 22. O art.º 410.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal ao considerar vício da decisão a “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, indica-nos uma das características básicas da fundamentação: a coerência. 23. A motivação da decisão não pode confundir-se com a exposição de todo e qualquer detalhe, levando amiúde as motivações redundantes e substancialmente inúteis”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16-10-2007, Processo n.º 1238/07-1, disponível em www.dgsi.pt. 24. Desta forma, verifica-se ainda que o acórdão de que agora se interpõe recurso, padece de nulidade, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em virtude de não proceder ao exame crítico das provas, limitando-se o Tribunal “a quo” a efectuar meros juízos conclusivos, valorando provas anteriormente declaradas nulas por Tribunal superior no mesmo processo relativamente ao arguido aqui recorrente. 25. Não poderá o ora recorrente ser conotado pelos ilícitos cometidos por outros cidadãos identificados ou não no presente processo, podendo com isso estar a ser gravemente descriminados e violado claramente o princípio da igualdade e da imparcialidade. Do Recurso da matéria de Direito. 26.Ora, não é claro e inequívoco que o ora recorrente agiu com dolo, tal como o Douto Acórdão veio a fixar. Do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (Art.º 25º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/02) 27.Na verdade, o tribunal a quo, julgou erradamente a prova que se produziu em audiência e, bem assim os resultados que dessa prova retirou não são de molde a decidir da forma como o Douto Tribunal Colectivo o fez, salvo o devido respeito, que se reitera. 28.Vejamos então se a imagem global do facto se apresenta consideravelmente diminuída, a ponto de a conduta dos arguidos poder antes recair na previsão do art. 25º. 29. O tráfico de menor gravidade pressupõe que a ilicitude do facto se encontre diminuída de modo considerável, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. O advérbio “consideravelmente” implica uma ideia de digno de consideração, de notável, grande, importante ou avultado. 30. No caso concreto e no que respeita à qualidade do estupefaciente traficado pelo arguido – Haxixe, trata-se de uma droga “leve” e das menos perniciosas pelo reduzido grau de dependência que cria. 31.Ainda assim, relativamente aos meios utilizados e às circunstâncias da acção, note-se que os “ditos” consumidores, em considerável número, não lograram fazer prova se o produto que dizem ter adquirido ao arguido se tratava efectivamente de produto ilícito, ou seja estupefaciente e o constante da tabela anexa à Lei da Droga, ficando assim por saber o que foi efectivamente vendido, ou seja, se terá sido ou não substancia ilícitas e proibidas por lei ou qualquer outra substância não considerada ilegal pelo nosso ordenamento jurídico. 32. Em suma, estes elementos apontam no sentido da inexistência de uma considerável diminuição da ilicitude do facto. 33. Por tudo isto, afigura-se-nos que a sua conduta, a configurar uma eventual situação de tráfico de estupefacientes, não deve recair na previsão do art. 21º, n.º 1 mas sim no Art.º 25º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/02 - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, sendo esta a decisão mais acertada, e a única que em nossa opinião deverá ser tomada. 34. Pois, dispõe o Decreto-Lei 15/93, de 22/01 que o arguido pode deter na sua posse, até determinada quantidade de produto estupefaciente para seu consumo durante um período de 10 dias. 35.Uma vez que não nos podemos alhear do facto, de que apenas é proibida a posse de produtos consignados na tabela ali referida, daí, o requerimento apresentado, no sentido de se averiguar qual a percentagem de substância ativa existente no estupefaciente apreendido ao arguido, assim bem como qual o seu peso líquido, uma vez que somente esta percentagem é ilícita e proibida e que no caso em apreço era mínima. 36. Com estes pressupostos, deveria o arguido, considerando o que se provou, por mera cautela de patrocínio, e com base no depoimento das testemunhas, em nossa opinião e salvo o muito e devido respeito pelos MM Juízes que integraram o Tribunal Colectivo, que proferiram o acórdão ora sindicado neste recurso, ter sido condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de que vem acusado, na medida de mero “consumidor/traficante de menor gravidade” e não como traficante. Da comunicação da alteração não substancial dos factos, sua nulidade e suas consequências 37.Já após a produção de prova, mais propriamente no dia 11/07/2012, data que se encontrava agendada para leitura da sentença, foi comunicado ao arguido pelo tribunal a quo, uma alteração não substancial dos factos, nos termos e para os efeitos constantes do art.º 358.º, n.º 1, do CPP. 38.Todavia, em tempo o arguido veio a arguir a sua nulidade porquanto: A comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada, concretizando os novos factos indiciados e respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os seus direitos de defesa, neste sentido vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/12/2011, em que foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador Luís Teixeira, no âmbito do processo 878/07.7TACBR.C1. 39 Verifica-se que ao arguido apenas foram comunicados como alteração não substancial dos factos um enorme elenco de situações, sem que tenha sido fundamentado e indicado os respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação. 40. Salvo melhor opinião, a audiência considera-se encerrada após o cumprimento do disposto no artigo 361º do Código de Processo Penal, isto é, após as últimas declarações do Arguido. 41. Finda a audiência a mesma só poderá ser reaberta nos casos tipificados na lei penal (371º e 371º-A do CPP) porquanto tal reabertura contenderá sempre com os direitos e garantias do Arguido processualmente protegidos. 42.Nos presentes autos decidiu-se, após o encerramento da audiência, ao invés de proceder à leitura de sentença, reabrir a audiência de discussão e julgamento para proferir despacho de alteração não substancial dos factos 43.Consequentemente, salvo melhor opinião, não é admissível a prolação de despacho a alterar não substancialmente a factualidade descrita na acusação finda a audiência de discussão e julgamento porquanto tal possibilidade não é permitida nem pelo próprio artigo 358° n°1, do CPP, nem se encontra tipificada, como seria necessário atentas as necessidades de protecção do Arguido, em nenhuma outra norma penal. 44. Deste modo, os artigos 358°, 361° e 371° do Código de Processo Penal são inconstitucionais na interpretação feita pelo Tribunal, por violação do disposto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, ao permitir a reabertura da audiência, para fins que não os descritos no artigo 371° do Código de Processo Penal, depois de ao arguido ter sido permitido prestar as últimas declarações e este o ter feito ao abrigo do disposto no artigo 361° do Código de Processo Penal. 45. A alteração não substancial dos factos traduz-se numa modificação do objecto do processo como tal definido pela Acusação do Ministério Público e a cujo conteúdo factual se encontra o Tribunal vinculado. 46. O despacho cuja nulidade se volta a arguir é completamente omisso quanto (i) à especificação dos factos em que se concretiza aas novas situações ali elencadas; (ii) fundamentação do juízo de nexo de causalidade entre esses factos e o arguido (iii) total ausência de referência a meios probatórios de que tais indícios poderiam ter resultado; (iv) fundamentação lógica e congruente no que diz respeito ao percurso feito pelo Tribunal para dar como provado que o HAXIXE que se fala nos inúmeros factos novos, se tratava efectivamente de uma substancia ilícita e não de outra qualquer lícita. 47. Em momento algum se fez referência (i) aos indícios em concreto de onde resulta o juízo positivo quanto à existência de nexo de causalidade; aos meios probatórios concretos que permitiram concluir pela existência desses indícios; (iii) a um qualquer juízo negativo/exclusório quanto à possibilidade aventada agora pelo arguido, da existência de outros possíveis nexos de causalidade para a verificação dos referidos factos. 48. A completa ausência de fundamentação demonstra uma clara e notória postergação dos direitos do Arguido que assim vê claramente esbatidas as suas hipóteses de defesa, constituindo portanto uma claríssima violação do artigo 61°, n°1 e 97.º, do Código de Processo Penal, bem como do artigo 205º da Constituição da Republica. 49. O direito de defesa do arguido é um direito constitucionalmente garantido, e que não pode ser, de modo algum, denegado pelo Tribunal. A alteração dos factos, quer seja substancial quer seja não substancial, traduz-se sempre numa alteração do objecto inicial do processo definido ou delimitado pelo teor da acusação (pública ou particular). Com efeito, o nosso processo penal tem natureza/estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório – nº 5, do artigo 32º, da CRP/76. O que significa que o objecto do processo a discutir e a apreciar pelo tribunal, ou dito de outro modo, os factos em apreciação e o seu enquadramento jurídico, estão delimitados pelo teor da acusação. 50. Entende-se que o não foi porque, por um lado, o despacho limita-se a enunciar factos conclusivos sem explicitar a sua razão de ciência e dedução lógica, na qual assenta e dá como provado que a substancia referida como HAXIXE, se trata de uma substancia ilícita e não lícita. 51.Também no que respeita à indicação dos meios de prova de onde resultam tais indícios, manifestamente o despacho não deu cumprimento ao exigido nem ao cumprimento fiel do que deve se feito: a concretização dos meios de prova de onde resulta esta indiciação dos novos factos com relevo para a decisão. 52. Afirmar que tais indícios resultam de prova testemunhal que consta do processo, não é aceitável segundo o rigor da fundamentação que deve estar subjacente a qualquer despacho judicial até porque tais testemunhos resultam de prova proibida (nomes obtidos de lista apreendida em busca declarada nula por decisão do Tribunal da Relação de Évora). 53. Em forma de síntese, pode dizer-se que a comunicação feita pelo tribunal ao arguido, da alteração não substancial dos factos, não observou o legalmente exigido quanto à sua fundamentação, que no caso se traduz na explicitação ou concretização dos factos e meios de prova indiciários - Esta individualização ou concretização dos meios de prova justifica-se essencialmente quando são produzidas várias provas e possam surgir dúvidas ou dificuldades para o arguido em estabelecer a correspondência entre tais provas produzidas e os novos factos indiciados, dificultando ou impossibilitando a sua defesa de modo eficaz - nos termos supra referidos, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os direitos consignados no artigo 61º, nº 1, alínea c) e 358º, nº 1, ambos do CPP e 32º, nºs 1 e 5, da CRP/76, violador, pois, dos direitos de defesa e do princípio do contraditório, nulidades que desde já se argúem. 54.Nesta medida, pode afirmar-se e concluir-se que uma vez que a condenação do arguido teve por base factos que não integravam a acusação, sendo que tal facto constituirá a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP, pois ocorreu fora do caso e condições do artigo 358º, do mesmo diploma. Da declaração de nulidade das buscas domiciliárias e suas consequências . 55.Certo é que as buscas foram efectuadas, alegadamente com a autorização do arguido, validadas nesses termos e posteriormente declaradas nulas pelo Tribunal da Relação de Évora, sendo que tal decisão não foi tida em conta em sede de inquérito apesar de suscitada a questão de as aludidas buscas terem sido declaradas nulas. 56. Assistiu-se assim, a uma tentativa de contornar uma decisão bem tomada pelo Tribunal da Relação de Évora, que declarou nulas as buscas domiciliárias e consequentemente todas as provas daí inerentes. 57. Dado que essa nulidade ocorreu e foi decretada, consequentemente, tal declaração implica a nulidade da prova posteriormente produzida e que sustentou a condenação do arguido. O mesmo não tem qualquer culpa nisso, requerendo apenas que se cumpram todas as formalidades legais e constitucionais legalmente previstas. Não pode, salvo melhor opinião, o recorrente sair prejudicado por factos praticados ilegalmente e que devem, como já o foram, ser considerados nulos. 58. Note-se que os artigos apreendidos não se encontravam na sua posse e apenas foram alcançados com recurso a este tipo de subterfúgio que é incompreensível á luz da Lei. 59. Estamos assim, perante uma busca ilegal e consequentemente nula, nos termos do art.º 177.º, n.º 1, do CPP, nulidade essa que desde logo se arguiu e foi decretada pelo Tribunal da Relação de Évora. 60. A busca domiciliária foi assim declarada nula, nos termos do art.° 177.°, n.º 1, do CPP, porquanto não foram cumpridas as formalidades legais inerentes à mesma, ou seja, não foi autorizada por Juiz, nem tão pouco autorizada pelo visado nos termos do art.° 174.°, n.º 5, al. b) do CPP. 61. Todos os meios de prova recolhidos, na sequência da supra referida busca foram igualmente considerados nulos, ou seja, não devia ser tido em conta no processo as apreensões efectuadas na casa do arguido, nomeadamente da arma, do dinheiro, das balanças e de outros produtos suspeitos de ser estupefaciente, assim como as declarações das testemunhas a que o OPC teve acesso, somente perante o tal “livro/agenda” apreendida na casa do arguido. 62. Pois, como bem é sabido, dispõe o art.º 178.º, n.º 5, do CPP, que “as apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas”. 63. Logo, em ultima ratio, a referida prova seria sempre nula, nos termos do art.º 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, por não ter sido validada. 64. O que acontece porém, é que a mesma foi validada, mas por motivos que não o poderia ter sido, conforme bem ficou explicado no Acórdão em análise. 65. Por outro lado, bem andaram os Venerandos Desembargadores na decisão que tomaram no referido Acórdão, na medida em que procederam a uma análise correcta e detalhada dos factos que lhe foram apresentados nas conclusões quer do recorrente quer do Ministério Público, não indo além do objecto que lhes foi solicitado apreciar. 66.Todavia, e para espanto do arguido aqui requerente, apesar de existir uma decisão de mérito relativamente á questão da nulidade das buscas domiciliárias por um Tribunal Superior, veio o tribunal a quo, agora, a fundamentar a sua decisão com base nessas buscas domiciliárias que considerou agora válidas, validando-as precisamente nos termos em que não foram validadas atempadamente pelo próprio Ministério Público, nem tão pouco pelo juiz de Instrução Criminal. 67. Assim, na opinião do arguido requerente, devem as referidas buscas domiciliárias e a prova consequentemente obtida dessas ser considerada nula, como já o havia sido, pelos motivos de facto e de direito supra mencionados e que se reiteram. Do efeito do caso julgado pelo Tribunal da Relação e agora valorado pelo tribunal a quo. 68. A Constituição da República estabelece no seu art. 29.º, n.º 5 que "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime", decorrendo daqui um princípio constitucional da proibição, em regra, da repetição do julgado já transitado e vulgarmente conhecido por "non bis in idem". 69. Trata-se, de resto, de um direito fundamental dos cidadãos em relação ao Estado, com expressão no art.º 14.º, n.º 7 do PIDCP e também no Protocolo Adicional 7.º à CEDH, mais concretamente no seu art.º 4.º, n.º 1, segundo o qual "Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado". 70. Aliás e ainda recentemente a jurisprudência do STJ [Ac. 15/2009] tem vindo a encontrar no princípio constitucional de "non bis in idem" uma dupla dimensão, a saber: o direito subjectivo do arguido a não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto (i) e o princípio objectivo consagrador do caso julgado material (ii). 71. Também da consagração do Estado de Direito Democrático no art. 2.º da C. Rep., resulta a existência de um princípio constitucional de confiança ou da segurança jurídica, assegurando a preservação dos direitos ou expectativas jurídicas legalmente consagradas ou judicialmente reconhecidas. 72. Porém e em suma, sempre se poderá dizer que a proibição resultante dos princípios constitucionais "non bis in idem" e da confiança do Estado de Direito Democrático, conduz, em regra e na sequência do trânsito em julgado de uma decisão, à extinção definitiva da lide processual penal e à perempção do direito-dever do Estado em julgar o mesmo acusado, o que sucedeu relativamente á decisão que o TRE tomou relativamente às buscas realizadas e prova produzida com base nas mesmas e que o tribunal a quo olvidou. 73. No caso em apreço, a decisão do tribunal a quo, que julgou válidas as buscas domiciliárias a casa do arguido aqui recorrente, não teve em atenção a existência de uma outra decisão já proferida no mesmo processo do Tribunal da Relação de Évora. 74. Houve, por isso, um equívoco ou desacerto, que configura um erro de julgamento, que foi posto tempestiva e legalmente em causa pelo arguido recorrente e que se reitera. Da nulidade das escutas telefónicas e suas consequências 75. Todavia, apesar do tribunal a quo, ter considerado nulas as referidas intercepções telefónicas, pelas razões de facto e de direito que aqui se subscrevem por uma questão de economia processual, acabou por indirectamente vir a valorar as mesmas, o que constitui nulidade na opinião do arguido aqui requerente. 76. Indirectamente na medida em que o tribunal a quo, fundamentou essencialmente a sua decisão no depoimento dos outros co-arguidos no processo, violando claramente o disposto no artigo 345.º, n.º 4, do CPP, que dispõe que “não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”, nulidade essa, que desde já se argui. 77. Pois, o arguido aqui recorrente, ao longo de todas as sessões de audiência de discussão e julgamento remeteu-se sempre ao silêncio, encontrando-se assim, conforme supra explanado, claramente violado o princípio in dubio pro reo. Da medida da pena 78. Analisando os critérios legais, poderíamos resumir toda a problemática da escolha e medida da pena na escolha da pena (art. 70º), em que o agente deve ser apreciado como a pessoa que é e na fixação do quantum da pena (art. 71°), sendo que o agente deve ser apreciado por aquilo que fez. 79. Dispõe o art. 40º do C. Penal que: 1. “A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. 80. O art. 71º, nº1 (denotando não ter sido adaptado à nova redacção do art. 40º com a qual importa harmonizá-lo) estabelece um critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Critério que é precisado depois no nº2: na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. 81. A determinação da medida concreta das penas aplicada ao arguido ora recorrente e das respectivas penas aplicadas em cúmulo jurídico, não se encontra devidamente fundamentada pelo acórdão recorrido nos critérios definidos nos artigos 40º e 71º do CP e, quanto ao cúmulo, no art. 77º do mesmo Diploma. (destacado nosso). 82. Ainda assim, se não se entender desta forma a pena em que o arguido foi condenado, deveria ter sido especialmente atenuada, atento o disposto nos artigos 70º; 71.º e 72.º , conjugados com Art.º 33º, n.º 1, todos do Código Penal, considerando diminuída de forma acentuada a conduta dos arguidos e assim devendo ser-lhes atenuada especialmente a pena, fundamentalmente por razões que entroncam na juventude destes, ambos com 29 anos à data dos factos, sendo que em qualquer dos casos, a simples ameaça de cumprimento da pena seria suficiente para cumprir as razões de prevenção geral e especial. 83. Pelo que deverá a decisão recorrida ser apreciada atentos os fundamentos invocados e ser substituída por outra, devendo ser reapreciada toda a prova produzida em audiência que se requer a transcrição a efectuar pelo Tribunal, apreciando-se a prova nos termos constantes no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Assim, a prova que deve ser renovada consiste na leitura atenta das declarações das testemunhas de acusação, as quais permitem concluir claramente pelo facto de que ninguém presenciou ou teve influência na prática de algum ilícito imputável ao ora recorrente, não sendo apresentada alguma versão, minimamente substancial que seja, que contradiga a versão deste e sufragadas as nulidades supra invocadas proferida decisão consentânea. Nestes termos e demais de Direito que V.ª Exa. Doutamente suprirá, requer-se que seja admitido o presente Recurso e que sufragados que sejam os vícios apontados, bem como, a discordância sustentada quanto à inexistência da prática do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22/02, devendo o arguido ora requerente ser apenas condenado como “consumidor/traficante de menor gravidade”. Deverá assim o arguido recorrente ser punido a título de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo Art.º 25º, DL n.º 15/93, de 22/02, e pelas razões expostas, requer que seja proferida decisão consentânea com o alegado, passando por lhe ser efectivamente aplicada uma pena de prisão que não passe dos 5 (cinco) anos e consequentemente suspensa na sua execução, face à menor gravidade dos factos por si praticados. Devendo ainda ser declaradas as nulidades supra arguidas e consequentemente ordenada a devolução dos artigos apreendidos nos autos, por não ter ficado provado que os mesmos fossem proveniente de lucros relacionados com o tipo de ilícito pelo qual o ora requerente foi condenado. Respondeu ao recurso o Exmo. Procurador da República, dizendo: 1ª) – Foi o arguido, JH, correctamente, condenado, para além do mais: - Como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea p, q e ae), 2.º, n.º 3, alínea p), 3º, n.º 1 e 4, alínea a) e 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; - Ou seja, na pena única de 6 (seis) anos de prisão, operando o cúmulo jurídico daquelas penas parcelares; - Bem como foram declarados perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes e respectivas embalagens e balanças, o dinheiro, a arma e munições apreendidas, bem como o veículo automóvel de marca “Opel”, modelo “Meriva”, de matrícula ---FJ---. 2ª) - O acórdão recorrido procedeu de acordo com as regras penais e processuais penais, bem examinando/analisando e explicitando as razões que conduziram à decisão, com base na apreciação fundamentada da prova produzida, sem qualquer erro ou contradição na sua apreciação, não resultando qualquer nulidade. 3ª) – Tal como resulta da lei, da doutrina e da jurisprudência: «… Uma coisa é a discordância da decisão de facto do julgador e outra aquela que teria sido a do próprio recorrente. (…) No caso sub judice o recorrente faz decorrer o alegado vício (…) de uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova. A motivação ex-presa pelo Tribunal “a quo” é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso (…); o Colectivo seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras de experiência comum na apreciação da prova. (…) Ou seja, conclui-se que o Tribunal Colectivo, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, fez uma correcta valoração e apreciação da prova (…) Ora, uma coisa é a forma como o tribunal aprecia e interpreta a prova produzida em audiência, outra coisa é o (…) vício apontado pelo recorrente.» (In Ac. da R. P. de 21-12-2004, proc. 0444045, in www.dgsi.pt . sublinhados nossos). 4ª) - Atentos todos os elementos probatórios recolhidos, v. g. os depoimentos da prova testemunhal e, até, relativamente ao estupefaciente que foi apreendido e examinado pelo L. P. C. da P. J, «O haxixe (canábis) apreendido tinha um grau de pureza entre 1,9 % e 14,1 %, e equivalia a cerca de 527 doses individuais – ut fls. 1679», como consta do ponto 2.14, p. 16 do texto do acórdão, manifestamente e contrariamente à pretensão do recorrente, tal não traduz «…uma considerável diminuição da ilicitude do facto», não possibilita a integração da conduta do JH (apenas) no crime de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, nº1 do D-L nº15/93 de 22-02. 5ª) - Basta atentarmos no texto do acórdão recorrido, v. g. no ponto «2-Fundamentação de Facto», para concluirmos pela ausência de qualquer dos vícios apontados pelo recorrente: não resulta da própria decisão, do texto da presente decisão judicial, v. g. da «Motivação», pp. 21 a 23 e da «Breve apreciação crítica da prova», pp. 23 a 25, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, qualquer vício, v. g. erro ou, muito menos, erro patente/notório/evidente/manifesto ou qualquer contradição e, muito menos, insanável; tendo o acórdão explicitado a sua convicção, coerentemente e através de exame crítico, como exige o artigo 374º, nº2 do C. P. P.. 6ª) - O tribunal a quo bem se pronunciou, desde logo, no ponto «1.3» do texto do acórdão, quanto às aludidas nulidades das intercepções telefónicas e buscas e sua relevância, sendo que o recorrente não se pronunciou, agora, no seu recurso, sobre essa concreta fundamentação/explicitação do tribunal!... 7ª) - Na verdade o que aconteceu foi, apenas e para além do mais, a descoberta, através de intercepção telefónica, em processo de inquérito dos Serviços do Mº Pº do T. J. de Castelo Branco, de um encontro que dois arguidos (um deles o ora recorrente) combinaram para local onde foram detidos, em flagrante, a praticar crime de tráfico de estupefacientes, originando-se, assim, validamente, o presente processo, com as consequente busca e posterior produção de prova, v. g. testemunhal, após identificação de testemunhas que constavam de escrito encontrado nessa busca, na casa do ora recorrente. 8ª) – O tribunal, a p. 12, do respectivo texto do acórdão, salientou que «Por conseguinte, nada impedia que se considerassem tais intercepções telefónicas como notícia do crime – aliás, reforço da notícia que já havia do crime – e que a Polícia Judiciária desencadeasse as acções de investigação e recolha probatória que fossem pertinentes. Os actos subsequentes, nomeadamente as buscas e apreensões não se mostram inquinadas pela declaração de nulidade das intercepções telefónicas.» 9ª) - Ficou claro que «…À luz do disposto no art.º 177.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, a Polícia Judiciária não carecia de consentimento do visado para proceder à busca, como medida cautelar e urgente de conservação da prova…» - vide p. 13 do texto do acórdão e, sobre este entendimento, o recorrente não se pronuncia. 10ª) – De resto, não foi caso para validação judicial como decorre do disposto nos artigos 177º, nº3, alíneas a) e b) e nº4, este a contrario, do C. P. P.. 11ª) - No caso, estava-se, até, perante crime de tráfico de estupefacientes, crime integrável na designada «criminalidade altamente organizada» - al. m) do art. 1º do C. P. P., seguindo-se a busca domiciliária (realizada pelo OPC) a flagrante delito, pelo que a mesma não carecia de autorização do visado nem reclamava validação judicial, sendo que o OPC tivera prévio conhecimento, através de intercepção telefónica (sem validação judicial) do encontro em que dois arguidos foram, depois, pessoalmente interceptados e detidos nesse flagrante. 12ª) - Ou seja, num caso destes, como ensina COSTA ANDRADE: «a violação duma proibição de produção de prova não determina a proibição de valoração do meio de prova sempre que se possa afirmar que aquele meio se teria igualmente obtido caso se tivessem respeitado as normas processuais violadas”; ou, por exemplo, estamos perante caso admissível de valoração, no entendimento de «ROXIN, que só admite a valoração quando, em concreto, se possa afirmar que, se tivesse sido pedido o mandado judicial, este seria “com alta probabilidade” - ou com uma probabilidade próxima da certeza – concedido.» 13ª) – Também, contrariamente ao recorrente, deveremos salientar que o arguido, efectivamente, prestou as últimas declarações no momento apropriado, tal como dispõe o artigo 361° do Código de Processo Penal, posto que, apesar de lhe ter sido concedido um prazo para eventual apresentação de prova, nos termos e atento o disposto no artigo 358º, nº1 do C. P. P., após tais declarações, nada veio apresentar ou requerer, pelo que não se justificava conceder-lhe mais uma possibilidade para (novamente?) repetir o que já tinha dito…não tendo sido caso, aliás, de produção de prova suplementar. 14ª) – Ainda, contrariamente ao entendimento do recorrente, o tribunal, nos pontos «3.4.» e «3.5.», pp. 29 a 32 do texto do acórdão, quanto à escolha e medida das penas, bem explicou a justeza, necessidade e proporcionalidade das penas parcelares encontradas e da pena única/unitária, que, consequentemente, resultou. 15ª) – E, como consta do ponto «3.7.», p.33 do texto do acórdão, bem foram declarados perdidos a favor do Estado, os objectos apreendidos, v. g. ao JH. Pelo que, confirmando-se a decisão do tribunal colectivo, se fará JUSTIÇA. Nesta Instância, o Exmo. Procurador Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Em sede de Decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos: Julga-se provada a seguinte factualidade com interesse para a decisão: 1.-No dia 31 de Agosto de 2011, o arguido BM contactou telefonicamente o arguido JH pretendendo comprar-lhe duas placas de “Haxixe”, ao que este último arguido acedeu. 2.-Como o arguido BM não tinha possibilidade de se deslocar ao encontro do arguido JH, o primeiro solicitou, com conhecimento e consentimento do segundo, ao arguido DS que este se deslocasse ao local combinado para a compra do produto estupefaciente, ao encontro do arguido JH, entregando-lhe, em numerário, a quantia de € 340,00. 3.-Em contrapartida, o arguido BM cederia parte não concretamente apurada desse produto estupefaciente ao arguido DS. 4.-Como combinado entre os três arguidos, JH e DS encontraram-se no mesmo dia, 31 de Agosto de 2011, pelas 17 horas e 20 minutos, num local ermo, junto a uma capela, sito no Lugar de Domingos da Vinha, Belver, Gavião, nesta Comarca de Mação, com o objectivo de comercializarem produto estupefaciente. 5.-Nesse dia e hora, o arguido JH dirigiu-se ao local supra referido, ao volante do veículo automóvel de marca «Opel», modelo «Meriva», de matrícula ---FJ---, sua propriedade. 6.-Nesse local encontrava-se já o arguido DS ao volante do veículo automóvel marca «Ford», modelo «Focus», matrícula ---CO---. 7.-O arguido DS manteve-se no interior do seu veículo e o arguido JH saiu do seu e entregou ao primeiro dois volumes / placas de «Haxixe», tendo o arguido DS entregue ao arguido JH dinheiro em numerário, no valor de € 340,00, dinheiro este que lhe tinha sido previamente entregue pelo arguido BM exclusivamente para este fim. 8.-O arguido DS guardou as duas placas de produto estupefaciente na forra traseira do banco do “pendura” do veículo que conduzia. 9.-O arguido JH guardou o dinheiro em numerário recebido pelo arguido DS num bolso das calças. 10.-Após, foram os arguidos interceptados por elementos da Polícia judiciária que se encontravam a efectuar vigilâncias aos arguidos JH e DS. 11.-As duas paletes de pólen de Haxixe supra referidas detinham o peso total de 190,712 gramas, tabela I-C anexa ao Dl. N.º 15/93. 12. -Na sequência dessa intercepção e detenção dos referidos arguidos, bem como da apreensão de estupefaciente e dinheiro, os elementos da Polícia Judiciária decidiram realizar, de imediato, uma busca à casa do arguido JH. 13.-No mesmo dia, o arguido JH detinha na sua residência, nomeadamente na cozinha, sita na Rua..., Gavião: - 22,901 gramas de Liamba (cannabis), devidamente acondicionados em sacos plásticos, tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 97,860 Gramas de pólen de haxixe, constituído por uma placa (idêntica àquelas que foram transaccionadas com o arguido DS), tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93; - 13,976 gramas de pólen de haxixe dentro de um envelope, tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 3,947 gramas de pólen de haxixe (bolota), tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 18,500 gramas de liamba (cannabis), tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 8,608 gramas de MDMA e cocaína em pó, tabelas II-A e I-B, anexas ao DL n.º 15/93; - uma pistola, da marca com os dizeres “STAR”, classe B1, não registada, adaptada ao calibre 6,35 mm devidamente municiada com três munições do mesmo calibre, classe B; - uma munição de calibre 6,35 mm, classe B; - uma munição de calibre 38 Spécial, classe B; - € 2.280,00 (dois mil e duzentos e oitenta euros em numerário); - Duas balanças electrónicas de precisão, de marca Dalman, modelo DM300, e de marca Fuzion, com resíduos de produto estupefaciente; - Uma agenda com anotações diversas, com indicação de compradores / clientes do arguido JH, n.ºs de telemóveis, valor da compra e indicação de produto e valor em dívida. 14.-O haxixe (canábis) apreendido tinha um grau de pureza entre 1,9 % e 14,1 %, e equivalia a cerca de 527 doses individuais – ut fls. 1679; 15. -O arguido JH não é detentor de qualquer licença de uso e porte de arma. 16.-O produto estupefaciente encontrado na residência do arguido JH destinava-se à sua comercialização. 17.-A venda de produto estupefaciente era uma fonte de rendimento do arguido JH e do seu agregado familiar. 18.-O arguido JH estabeleceu contactos com os seus clientes de estupefacientes predominantemente através de telemóvel, combinando quantidades, valores e locais de encontro. 19.-Algumas dessas transacções foram realizadas na residência do arguido JH, nomeadamente na cozinha. 20. Noutras ocasiões, o arguido JH deslocou-se ao volante do veículo automóvel matrícula --FJ---, ao encontro dos seus clientes, em locais previamente combinados. 21.-O arguido JH realizou, ainda, pelo menos, as seguintes transacções/vendas de produto estupefaciente proibido: 22.- No ano de 2008 ou 2009, por duas vezes, após contacto telefónico do LM do «Beta», pelo tlm. 96----, vendeu-lhe entre 25 a 50 gramas de haxixe, para o consumo de um mês, pelo valor de € 100 a € 150. 23.- Desde o ano de 2010, desde mês que não é possível concretizar, pelo menos, por cinco vezes, após contacto telefónico do SJ, pelo tlm. 968----, vendeu-lhe haxixe, em quantidades que custavam entre os € 50 a € 150, chegando mesmo a vender-lhe quantidades que pesavam cerca de 50 grs. e que custaram € 150. 24.- Entre os anos de 2008 a 2010, desde que o LF, começou a residir em Cadafaz, Gavião, vendeu-lhe haxixe, em pequenas quantidades, no valor de € 20, pelo menos em duas ocasiões, após contacto do LF, pelo tlm. 939----. 25.- No começo dos «festivais de música alternativa», no Verão de 2011, em Julho/Agosto, em estabelecimento comercial de café, situado em praça pública do lugar do Gavião, após contacto telefónico do NZ, pelo tlm. 932----, vendeu-lhe duas placas de pólen de haxixe, cada uma com o peso aproximado de 98,1 gramas (peso bruto), no valor de quatrocentos euros. 26.- Em datas não apuradas do ano de 2009, ao MC, na cozinha da sua casa de residência, em Gavião, vendeu, após o telefonema daquele, pelo tlm. 910----, pelo menos, quatro placas de haxixe, cada uma com cerca de 100 gramas e com o valor de € 200, cada uma. 27.- Desde 2009/2010 até 2011, após contacto telefónico de JD, pelo tlm. 936---, vendeu-lhe tiras de haxixe, ao preço unitário de € 10,00, o que sucedeu pelo menos em 3 ocasiões. 28.- Desde há cerca de um ano, após contacto telefónico de LF, pelo tlm. 967---, vendeu-lhe quantidade não concretamente apurada de haxixe, mas cujos preços rondavam entre € 40,00 e € 50,00, em pelo menos 3 ocasiões. 29.- Em data não concretamente apurada do ano de 2010, após contacto telefónico de BG, cedeu-lhe quatro línguas de haxixe, no valor de € 20,00 cada. 30.- Durante o ano de 2010, em diversas ocasiões não concretamente apuradas, após contacto telefónico de JP, também conhecido como “Palhaço”, pelo tlm. 967---, vendeu-lhe uma placa de haxixe, no valor de € 200,00 e outras quantidades mais pequenas, não concretamente apuradas, em pelo menos 3 ocasiões. 31.- No ano de 2010, pelo menos em três ocasiões, durante ocasiões festivas, após contacto telefónico de PM, pelo tlm. 966----, na sua residência, nomeadamente na cozinha, vendeu-lhe porções de haxixe, de 50, 20 e 15grs., sendo que pela porção de 50 grs. o referido PM pagou pelo menos € 100,00. 32.- No ano de 2010, em data não concretamente apurada, após contacto telefónico de CT, pelo tlm. 963----, na sua residência, nomeadamente na cozinha, vendeu-lhe duas bolotas de haxixe, no valor de € 90,00, cada uma. 33.- Em Maio de 2011, após contacto telefónico de JC e de DM, na sua residência, nomeadamente na cozinha, vendeu-lhes duas placas de haxixe, no valor total de € 400,00. 34.- Em pelo menos 2 ocasiões, durante os anos de 2010 e 2011, a JM, também conhecido como “J. Gordo”, na discoteca “Zona Forte”, no Gavião, vendeu-lhe haxixe em quantidades cujo valor ascendia a € 20,00. 35.- Desde Janeiro até Maio de 2011, em pelo menos 6 ocasiões, após contacto telefónico de DG, pelo tlm. 964---- e após combinarem encontro num café em Gavião, a cujo local o arguido JH se deslocou ao volante do veículo automóvel de matrícula ---FJ----, vendeu-lhe vários pedaços de haxixe no valor de € 50,00 cada e ainda duas placas de haxixe, no valor de € 400,00. 36.- Em 2009, após contacto telefónico de FJ, pelo tlm. 938---, na sua residência, em datas não concretamente apuradas, vendeu-lhe seis placas de haxixe no valor total de € 1.200,00. 37.- Desde Junho de 2009 a Março de 2011, após contacto telefónico de TF, também conhecido como “Tiaguinho”, pelos tlm. 918--- e após combinarem encontro no estabelecimento de café «S. João», no Gavião, a cujo local o arguido JH se deslocou ao volante do veículo automóvel de matrícula --FJ--, vendeu-lhe várias tiras de haxixe, cujos valores variavam entre € 5 e € 10, bem como placas de haxixe, de 100 gramas, cujos valores variavam entre € 190,00 e € 250,00. Algumas dessas compras foram pagas por TF através de transferência bancária da quantia de € 590 para a conta do arguido JH. 38.- No ano de 2011, após contacto telefónico de PI, também conhecido por “Rapa”, pelo tlm. 937---, na sua residência, vendeu-lhe uma placa de haxixe, com 100 gramas, no valor de € 250,00 e ainda diversas barras cortadas ao valor unitário de € 20. 39.- Desde há, pelo menos, dois anos, em datas e locais não concretamente apurados, após contacto telefónico de JG, também conhecido por “Tiko”, pelo tlm. 910---, vendeu-lhe várias tiras de haxixe cujos preços oscilavam entre € 5 e € 10, bem como quartos de placas de haxixe, com o peso de 100 gramas, cujo valor ascendia a € 60,00. 40.-Agiu o arguido JH de forma livre e consciente, conhecendo a natureza e características estupefacientes dos produtos que vendia a terceiros, tendo sempre o propósito concretizado de, com a sua conduta, auferir vantagem económica, o que representou. 41.-Agiu ainda o arguido JH livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não poderia deter a referida arma de fogo consigo bem como as munições, com tais características e que não tinha licença para o seu uso e porte. 42.-Agiram os arguidos DS e BM de forma livre e consciente, em comunhão e conjugação de esforços, com a mesma resolução criminosa, conhecendo a natureza, quantidade e características estupefacientes dos produtos que pretendiam adquirir e efectivamente compraram ao arguido JH, o que representaram, destinando aqueles tal produto exclusivamente ao seu consumo. 43.-Os arguidos bem sabiam da censurabilidade e punibilidade criminal das suas condutas. 44.-Nada consta do C.R.C. do arguido JH a fls. 1477. 45.-Nada consta do C.R.C. do arguido DS a fls. 1478. 46.-O arguido BM foi condenado na pena de 18 meses de prisão, cuja execução foi suspensa, por decisão transitada em julgado a 29/3/2006, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, e na pena de 110 dias de multa, por decisão transitada em julgado a 7/6/2010, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, nos termos certificados a fls. 1479 a 1482. 47.-O arguido JH é o mais novo de três irmãos. A família fixou residência no xxx, tendo o seu pai explorado um restaurante, mais tarde ampliado com uma residencial e cervejaria. Foi um aluno regular até ao 10.º ano, tendo então reprovado 2 anos seguidos. Durante a frequência do 11.º ano, por desmotivação e desinteresse, acabou por desistir a abandonar a escola. Ajudou o seu pai no negócio familiar da restauração, trabalhou com um tio na indústria têxtil, como distribuidor de electrodomésticos, como carteiro e, de forma pontual, na apanha da cortiça. Refere ter iniciado o consumo de estupefacientes (haxixe) com 15 anos. Casou recentemente com a sua companheira e tem dois filhos de 3 e 1 ano de idade. Mantém-se integrado no agregado familiar dois pais, juntamente com a esposa e os filhos. Vive com o apoio dos pais e o subsídio de desemprego da esposa. 48. -O arguido BM é o mais novo de dois irmãos. Teve um percurso regular até ao 7.º ano, altura em que iniciou o contacto com os estupefacientes. Iniciou-se na actividade laboral como repositor e chefe de armazém. Concluiu o 9.º ano no programa Novas Oportunidades. Há cerca de cinco anos iniciou actividade na montagem de antenas eólicas. Vive com a companheira e um filho num apartamento arrendado, no mesmo prédio dos progenitores, os quais os auxiliam economicamente. Encontra-se a trabalhar por conta própria com uma empresa de lavagem de automóveis. 49.-O arguido DS é o mais velho de dois irmãos. Teve um percurso escolar regular até ao 11.º ano. Após uma paragem por razões de saúde, terminou o 11.º ano e iniciou funções no Centro de Saúde de Castelo Branco, como assistente técnico. Ingressou num curso superior de recursos humanos, mas suspendeu a sua frequência. Está casado e tem um filho de 2 anos de idade. Factos não provados. Não se dão como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão, designadamente que o arguido JH tenha cedido haxixe a outras pessoas (nomeadamente a EN) ou noutras ocasiões. Em sede de fundamentação da Decisão de facto consignou-se o seguinte: A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global dos seguintes meios de prova: a) No depoimento dos arguidos DS (admitiu ter-se encontrado com o arguido JH e lhe ter comprado haxixe, quando foi surpreendido pela abordagem e detenção pela Polícia Judiciária; referiu que tal compra foi combinada e acordada com o arguido BM que lhe entregou uma parte do dinheiro e que iria receber uma parte do haxixe que foi comprado ao arguido JH; declarou que o arguido BM não tinha disponibilidade para se ir encontrar com o arguido JH, pelo que foi o próprio que se deslocou ao encontro e realizou a compra) e BM (admitiu ter combinado a compra do haxixe ao arguido JH, mas como não tinha disponibilidade, combinou com o arguido DS, a quem entregou dinheiro, para ir realizar a compra; declarou que iam comprar 2 placas de haxixe, com o peso aproximado de cem gramas, ao preço unitário de € 170), cujos depoimentos foram globalmente considerados idóneos, pelos pormenores apresentados e porque revelaram um discurso conforme aos restantes meios de prova, sem procurarem aligeirar a sua responsabilidade em detrimento dos restantes co-arguidos; b) No depoimento das testemunhas JB (inspector da Polícia Judiciária que relatou a prévia existência de uma investigação criminal, com notícia do envolvimento dos arguidos e da montagem de uma operação que culminou com a detenção de dois dos arguidos junto do nó da auto-estrada A23, quando foram encontrados a passar o haxixe), MS (inspector da Polícia Judiciária que relatou a prévia existência de uma investigação às actividades dos arguidos B e D, a decisão de seguirem e abordarem o arguido D junto do nó da auto-estrada A23, já na companhia do arguido J, a apreensão do estupefaciente e a busca domiciliária), SX (inspector da Polícia Judiciária que relatou a busca realizada em casa do arguido, na sequência da sua detenção em flagrante delito), AG (idem), LM, SV, LF, DM, BG, NZ, FC, TF, PI, JG, DG, JM, JP, JD, MC, LF, PM, CT, JC (toxicodependentes que relataram detalhadamente a aquisição de haxixe ao arguido J), MF (irmã do arguido BM, relatou o consumo de estupefacientes pelo seu irmão e abonou o seu carácter) que foram convincentes pois revelaram conhecer os factos directamente e os descreveram de forma pormenorizada e patenteando isenção (naturalmente, em graus muito distintos); c) Nos indicados certificados de registo criminal, nos autos de apreensão, exames, relatórios sociais e documentos de fls. 4, 18, 24, 28, 30, 36 a 51, 67 a 69, 418 a 421, 423, 424, 434 a 441, 462, 463, 650, 1492 a 1495, 1549 a 1552, 1466 a 1466 e 1679. Não se deram como provados quaisquer outros factos por falta de prova bastante, segura e credível. Breve apreciação crítica da prova. O Tribunal não teve a menor dúvida em considerar demonstrada a prática de actos próprios da actividade de tráfico de estupefacientes, por várias ordens de razões. Em primeiro lugar, quanto aos factos ocorridos no 31 de Agosto de 2011, a convicção do Tribunal resultou no teor dos autos de apreensão, do relato isento dos senhores inspectores da Polícia Judiciária que realizaram tais apreensões e na confirmação confessória dos arguidos D e B. Tais factos foram presenciados pelos indicados inspectores, que confirmaram a sua veracidade. O depoimento dos arguidos D e B permitiu reforçar tal convicção que assentava já, em grande medida, na prova pré-constituída. Quanto à questão de implicarem também o co-arguido JH, o Tribunal valorou e aceitou tais depoimentos dos arguidos D e B, na medida em que nada impedia a sua consideração. O silêncio do arguido J não emudece as palavras dos arguidos D e B, se bem que tais depoimentos devam ser sopesados em face de não estarem ajuramentados ou, regra geral, sujeitos a procedimento criminal por falsidade. Porém, notou-se que os depoimentos dos arguidos D e B patentearam verdade, eram concordantes com a generalidade da restante prova validamente apreciada e não visavam aligeirar a sua responsabilidade em detrimento do co-arguido JH. Perante a convicção da idoneidade desses depoimentos seriam uma deturpação e impostura, por exemplo, aceitar a confissão dos arguidos D e B em como realizaram contactos telefónicos com o arguido J para adquirem haxixe e rejeitar que fosse este que estava do outro lado da linha telefónica, só porque se remeteu ao silêncio e é co-arguido no mesmo processo. Em segundo lugar, como resulta das regras da experiência comum, a actividade desenvolvida pelo arguido JH prolongou-se no tempo e envolveu múltiplos actos e episódios cuja exacta e precisa concretização factual é de muito difícil apreensão. É indiscutível que o arguido cedeu haxixe a outras pessoas em diversas ocasiões, mas ninguém fez um registo rigoroso desses actos. Como é óbvio, o arguido não registou em livro próprio as cedências (apesar de possuir registos escritos, inequivocamente comprometedores, em que aparecem várias referências à actividade do tráfico, como foi depois confirmado pelo depoimento de várias testemunhas), não passou facturas, não pesou rigorosamente cada placa, etc., etc.. Também nem todos os toxicodependentes ouvidos revelaram um discurso que pautasse pela rigorosa exactidão e pormenor no que diz respeito a datas exactas, quantidades concretas ou preços exactos relativamente às relações que estabeleceram com os arguidos. Por vezes, notou-se um discurso evasivo de algumas testemunhas que procuraram não comprometer excessivamente o arguido. Daí que a matéria considerada como provada pelo Tribunal se paute pela tentativa de aproximação à verdade material, sem que fosse possível, na maioria dos actos, concretizar exactamente todas as condutas (as datas e locais exactos de cada passagem de droga, o peso de cada placa, a forma de contacto, etc.). Por conseguinte, optou-se pela enunciação possível, em face das exigências de segurança e prudência, com recurso a expressões dilatadas na maior parte dos casos. Não obstante a forma genérica dos relatos das várias testemunhas, a indiscutível verdade apurada na audiência foram uma sucessão de actos de cedência de haxixe por parte do arguido JH. A convicção do tribunal quanto a tais actos teve que resultar da prudente avaliação e ponderação crítica de todos os indicados meios de prova, por vezes contraditórios. De maneira geral, o Tribunal procurou avaliar criticamente e relacionar entre si os vários relatos, relevando aqueles que se apresentavam com maior claridade e convicção. Como é natural, com excepção dos estupefacientes apreendidos, não foi possível quantificar o peso de todas as substâncias transaccionadas. Os factos sobre a situação sócio-familiar dos arguidos resultaram do teor das suas declarações (nos casos em que as prestaram) e dos relatórios sociais acima indicados. A circunstância dos arguidos B e D destinarem todo o estupefaciente que lhes foi apreendido ao seu próprio consumo foi um facto que resultou sobremaneira das suas próprias declarações, que pareceram ser sinceras, além de ser algo conforme às regras da experiência comum (em vista das quantidades e circunstâncias próprias do negócio) e parcialmente corroborado pelas declarações da irmã de um deles. Como consabido, são as conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem. Da leitura das conclusões aqui formuladas pelo recorrente vemos que se pretende quer o reexame da matéria da matéria de facto e bem assim o reexame da matéria de direito. Conhecendo, como conhece, a Relação de facto e de direito, de harmonia com o que se dispõe no art.º 428.º, do Cód. Proc. Pen., nada obsta a que se venha conhecer do recurso com a amplitude cognitiva pretendida pelo aqui recorrente. Face ao modo como se suscita a questão, o que se pretende é impugnar a matéria de facto considerada pelo Tribunal recorrido, com recurso ao que se convencionou chamar de revista alargada, pelo deitar mão dos vícios compaginados no art.º 410.º, n.º2, do Cód. Proc. Pen. Que, como decorre do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.[1] Porém, antes de nos adentrarmos na análise das sobreditas questões, teremos de iniciar o conhecimento do recurso por outras matérias, mormente aquelas que venham respeitar á estabilidade do objecto do processo. Daí que tenhamos de conhecer, de pronto, das nulidades suscitadas pelo recorrente. E de entre essas preditas nulidades, vem o recorrente invocar a nulidade das escutas telefónicas. Porém, se bem atentarmos na forma como suscita a questão, ver conclusões 75.ª a 77.ª, vemos que o que realmente se quer ver discutido é a violação do disposto no art.º 345.º, n.º 4, do Cód. Proc. Pen. Na óptica do recorrente, tendo-se remetido ao silêncio ao longo de todas as sessões de audiência de discussão e julgamento, não haveria que valorar o referido pelos demais arguidos, sob pena de se violar o princípio in dubio pro reo. Ora, atentos os termos vagos como suscita a nulidade das escutas, veja-se a conclusão 75.ª, não se pode afirmar que dirija qualquer ataque, digno desse nome, às preditas escutas, daí que nenhum valor essa alegação revista. Porém, não deixaremos de referir, como o faz a decisão sob recurso, e com a qual se concorda, que apesar de ter declarado nulas as intercepções em causa, de harmonia com o estatuído nos arts. 32.º, n.º 8, da Constituição, 126.º, n.º 3, e 190.º, do Código de Processo Penal, nada impedia que se considerassem tais intercepções telefónicas como notícia do crime – aliás, reforço da notícia que já havia do crime – e que a Polícia Judiciária desencadeasse as acções de investigação e recolha probatória que fossem pertinentes. Para, de seguida, se entrar na problemática da valoração dos depoimentos dos co-arguidos, este sim um dos temas trazido no recurso pelo recorrente. Dispõe-se no art.º 345.º, n.º4, do Cód. Proc. Pen., que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2. Como consabido, esta redacção foi fruto da alteração legislativa introduzida pela lei n.º 48/07, de 29 de Agosto. Pretendendo-se, desta forma, dar acolhimento ao entendimento do Tribunal Constitucional acolhido no Acórdão nº 524/97, de 14.07. 97, que julgou inconstitucional, por violação do art. 32º nº 5 da C.R.P., a norma extraída com referência aos arts. 133º, 343º e 345º (na anterior redacção) do C.P.P., no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido, em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio. Entendimento que o nosso mais alto Tribunal sufragou, como nos dá nota, entre outros, o Acórdão de 25.02.1999, publicado na C.J (Acs. STJ), Ano VII, Tomo I, págs. 229. Ora, não se recusando o co-arguido a responder às perguntas que lhe sejam formuladas [345º CPP], nada impede que as suas declarações sejam valoradas como meio de prova[2]. Fora das situações de recusa as declarações de co-arguido são de valorar, por se tratar de prova permitida por lei, ver art.º 125.º, do Cód. Proc. Pen., e a valorar livremente, de acordo com o disposto no art.º 127.º, do Cód. Proc. Pen., porém, a valorar com certas reservas. Porquanto, um co-arguido, ao prestar declarações incriminatórias para outros co-arguidos, tanto pode ser movido pelo genuíno e louvável propósito de contribuir para a descoberta da verdade e, assim, para a realização da justiça, como podem movê-lo razões que nada têm de nobre e serem mesmo egoístas e de puro oportunismo. Justificando-se, desta sorte, uma certa contenção no aproveitamento da informação prestada por um co-arguido, sobretudo para fins da decisão de condenação de outro ou outros e daí que, por regra, essas declarações só devam ser valoradas quando estejam alicerçadas noutros elementos de prova. Tudo, por ultrapassada se mostrar a fase em que as declarações de um co-arguido servia, única e exclusivamente, como meio de defesa do arguido ou arguidos que as tivessem prestado e delas não se podendo socorrer o Tribunal para formar a sua convicção, sob pena de nulidade, nos termos dos arts. 323.º, alínea f) e 327.º, n.º2 e 374.º, n.º2, todos do Cód. Proc. Pen., como refere Rodrigo Santiago.[3] Chegamos a um entendimento diferente do tema, na linha do pensamento da Prof.ª Tereza Beleza, para quem o depoimento de co-arguido, embora não seja, em abstracto, uma prova proibida no Direito português, é, no entanto, um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação.[4] Para finalmente se chegar ao entendimento perfilhado pelo Prof. Figueiredo Dias, para quem as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe uma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações. A exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas que sejam e credíveis, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se, para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto.[5] Para o Dr. Medina de Seiça as declarações de co-arguido deviam ser corroboradas, isto é o julgador teria de se socorrer de outros meios de prova que lhe permitam confirmar a credibilidade das mesmas. O mesmo é dizer que as declarações de co-arguido constituem material probatório a demandar uma verificação suplementar traduzida numa exigência de corroboração.[6] Entendendo o nosso mais alto Tribunal que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações. Ou noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale”, no mesmo sentido, em abono daquele facto.[7] Deste modo, não existe obstáculo legal à valoração das declarações de co-arguido, apreciadas de acordo com os critérios que devem presidir à livre apreciação da prova, plasmados no artigo 127.º do CPP, desde que garantido o indispensável contraditório e tendo presente que essa valoração deve ter em conta os riscos de menor credibilidade que essas declarações comportam, pelas implicações resultantes da situação de imputação de responsabilidade criminal também a esse co-arguido, circunstância que justifica e exige maior prudência e cuidado na procura de toda a corroboração possível para que a livre apreciação do julgador se fundamente em dados seguros. Se bem lemos o expendido pelo recorrente, não descortinamos como seja de fazer apelo á aplicação ao caso vertente do art.º 345.º, n.º 4, do Cód. Proc. Pen. A questão é outra, e bem distinta. Perante o silêncio do arguido ao longo de todo o Julgamento e tendo os seus co-arguidos optado pelo direito de prestar declarações, e sendo algumas delas incriminatórias do arguido e aqui recorrente, o que se cura de saber é se as ditas declarações incriminatórias podem, ou não ser valoradas contra o aqui recorrente. Esta, e só esta a verdadeira questão e não a da violação do art.º 345.º, n.º4, do Cód. Proc. Pen., que não ocorre, in casu, nem o recorrente diz de que forma ocorreu. Sobre o tema não deixaremos de referir o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14 de Abril de 2010, no Processo n.º 678/09, da 3.ª Secção, onde se apreciou a constitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 345.º, conjugado com os artigos 133.º, 126.º e 344.º do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 61.º, do mesmo Código, entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo. Aí se deu nota de que cada arguido, é senhor da decisão, que deve ser inteiramente livre e esclarecida, de prestar ou não prestar declarações. E isso quer os factos lhe sejam imputados apenas a si, quer respeitem também a outros arguidos. Cada arguido decide, como melhor lhe convier, se presta ou não declarações. E se as prestar serão valoradas, quanto a todos os factos sobre que versem, de acordo com o princípio da liberdade objectiva do juízo de prova. De modo algum a circunstância de as declarações de um dos arguidos poderem ser valoradas contra os demais afecta a livre decisão destes de optarem pelo silêncio. Pode é a estratégia destes revelar-se menos adequada, mas isso é inerente à normal evolução da produção de prova. Pode suceder com esse ou com qualquer outro meio de prova, que os arguidos que exercem o direito ao silêncio acabem por ver-se na necessidade ou conveniência de modificar essa opção face à evolução da produção da prova. E prossegue, as declarações do co-arguido são meio probatório idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade. Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório, como resulta do acórdão n.º 194/97, mas disso não há suspeita na dimensão normativa em apreciação. Para concluir, o recorrente exerceu, como livremente entendeu, o seu direito ao silêncio. O facto de essa sua estratégia de defesa sair debilitada ou, porventura, não surtir o mesmo efeito que teria se o arguido que prestou declarações tivesse igualmente optado pelo silêncio sobre os factos deixa intacta aquela livre opção do recorrente por não prestar declarações. O arguido tem o direito a não se auto-incriminar; não a que não seja produzida prova contra si ou que os demais arguidos conjuguem com a sua a estratégia de defesa deles. A prestação de declarações pelo seu co-arguido e a sua valoração como demonstração da realidade dos factos que a acusação imputou ao recorrente será um acontecimento desagradável para si, mas não constitui ameaça de um mal dirigido a demovê-lo da atitude que escolheu assumir. Depois, e por bem impressivo, não deixaremos de trazer a terreiro o Acórdão do S.T.J., de 2.04.2008, proferido no Processo n.º 578/08, onde se deu nota de que a arguida tem o direito de não se auto-incriminar. Tal direito começa e acaba aí e, sendo respeitado pelo Tribunal, em nada colide com o dever de procura da verdade material que impende sobre o mesmo. Levado às últimas consequências o raciocínio da recorrente, a partir do momento em que o arguido invocasse o seu direito ao silêncio não seria possível fazer mais prova da sua responsabilidade criminal porque tal afrontaria o estatuto do mesmo arguido. Assim se respondendo ao questionado pelo aqui recorrente, para concluir pela não violação do princípio in dubio pro reo e pela sem razão do por si pretendido. Por não questionado, se não analisa da validade dos depoimentos dos co-arguidos, fora da situação em apreço, mas sempre se dirá, e socorrendo-nos do que se deixou retro referido, e mostrando-se os mesmos credíveis, até por corroborados por outros elementos probatórios, como bem resulta da fundamentação da decisão de facto, nada a censurar, a respeito. Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao atender a tal prova para vir fundamentar a sua convicção, como os autos o patenteiam. Depois, entende o recorrente que a sua condenação teve por base factos que não integravam a acusação, sendo que tal facto constituirá a nulidade prevista no art.º 379º, nº 1, alínea b), do Cód. Proc. Pen., porquanto ocorreu fora do caso e condições do artigo 358º, do mesmo diploma. Tudo, por já depois de ter tido lugar a produção de prova, o tribunal recorrido procedeu a uma alteração não substancial de factos, nos termos do art.º 358.º, n.º1, do Cód. Proc. Pen., e ao arguido apenas foram comunicados como alteração não substancial dos factos um enorme elenco de situações, sem que tenha sido fundamentado e indicado os respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação. Sendo o despacho, e sempre na óptica do recorrente, completamente omisso quanto (i) à especificação dos factos em que se concretiza aas novas situações ali elencadas; (ii) fundamentação do juízo de nexo de causalidade entre esses factos e o arguido (iii) total ausência de referência a meios probatórios de que tais indícios poderiam ter resultado; (iv) fundamentação lógica e congruente no que diz respeito ao percurso feito pelo Tribunal para dar como provado que o HAXIXE que se fala nos inúmeros factos novos, se tratava efectivamente de uma substancia ilícita e não de outra qualquer lícita. E que, em momento algum se fez referência (i) aos indícios em concreto de onde resulta o juízo positivo quanto à existência de nexo de causalidade; aos meios probatórios concretos que permitiram concluir pela existência desses indícios; (iii) a um qualquer juízo negativo/exclusório quanto à possibilidade aventada agora pelo arguido, da existência de outros possíveis nexos de causalidade para a verificação dos referidos factos. Como decidir? Desde logo, importa decidir como se satisfaz a exigência contida no art.º 358.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen. Reza, assim, o mencionado inciso normativo: 1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Convém reter qual a epígrafe do normativo citado: “Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”. Estamos pois, no âmbito de uma alteração não substancial de factos, que contendem com o objecto do processo – alterando-o; objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia. Como consabido, é a acusação ou a pronúncia que fixam e delimitam o objecto do processo e, consequentemente, o âmbito de conhecimento do Tribunal. Objecto que, em princípio, se tem de manter até à sentença/decisão final, salvo as excepções previstas na lei. Uma das excepções mostra-se contemplada no art.º 358.º do C.P.P. Porque contende como objecto do processo fixado quer na acusação, quer na pronúncia, a lei fixa determinadas exigências para que tal possa ocorrer. Assim, deve o Tribunal constatar, no decurso da audiência, a ocorrência dessa alteração não substancial dos factos. Tem de especificar – factualmente – em que consiste/se consubstancia, essa alteração, elencando os factos. Comunica a mesma aos intervenientes processuais e concede-lhes, caso o requeiram, prazo para a preparação da defesa relativamente aos factos novos consubstanciadores da alteração não substancial do objecto do processo, “in casu”, definido na acusação. O que se entende, uma vez que a alteração em tal situação vai bulir com o objecto do processo já fixado, impondo-se ao Tribunal que conceda ao arguido (e aos outros sujeitos processuais) a oportunidade de organizar a sua defesa de acordo com essa alteração, o que quer significar que impende sobre o Tribunal a obrigação de lhe comunicar o facto e de lhe conceder, se ele o pedir, o tempo indispensável para afeiçoar a estratégia da defesa à nova situação, nos termos do n.º 1, do art.º 358.º do C.P.P. Daí que sejamos de entendimento que o cumprimento do preceituado no art.º 358.º, n.º 1, do C.P.P., não se satisfaz com a simples concessão de um prazo para produzir alegações de direito, já que a expressão preparação da defesa, nesse lugar utilizada, traduz algo mais do que um mero convite circunscrito á alegação em exclusiva sede jurídica, competindo aos arguidos, com plena autonomia, a definição e fixação dos seus exactos limites.[8] Se se analisar o tecido, a respeito, pelo tribunal “a quo”, dúvidas não subsistem de que se acolheu, no seu todo, o imposto pelo art.º 358.º, do C.P.P. Porém, a óptica do recorrente é outra: Pretende que o Tribunal explicite os motivos que conduziram à alteração não substancial dos factos por si enunciados. Neste particular, e só nele, radica a discordância do aqui recorrente. Se bem se atentar no inciso normativo citado não vislumbramos onde se imponha a explicitação dos motivos que conduziram o Tribunal a proceder à alteração factual. Essa tarefa é cometida ao Tribunal numa outra fase processual, em sede de sentença, conforme decorre do n.º 2, do art.º 374.º do Cód. Proc. Pen. Aí, sim, além de enunciar os factos provados e não provados, impõe-se-lhe que explicite os motivos que o conduziram a essa conclusão sobre os factos. É claro o preceito legal, a respeito: “Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão…”. Só em sede de sentença essa exposição de motivos é imposta por lei, sob pena de acarretar a nulidade da sentença a sua falta (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P.). Exigência que não ocorre em sede do art.º 358.º do C.P.P. É que nesta sede, do que se trata é da enunciação de facto e a correspondente defesa sobre esses factos que contendem com o objecto do processo fixado. A prova ou não prova desses factos e a explicitação dos motivos só em momento ulterior se verificará, ou seja, em sede de sentença. Daí o acerto do Tribunal “a quo” no despacho em que procedeu à alteração não substancial dos factos e bem assim do despacho de fls. 1887 e 1888 dos autos em que se conheceu da nulidade arguida pelo aqui recorrente do despacho em que se procedeu á alteração não substancial de factos ao remeter para momento ulterior, sede de sentença, a explicitação dos motivos (cfr. n.º 2, do art.º 374.º do C.P.P.). Mostrando-se, pois, devidamente fundamentados os aludidos despachos. Não merecendo, por isso, qualquer acolhimento a invocação do preceituado no art.º 97.º, n.º 4, do Cód. Proc. Pen., pelo recorrente. Na lição do Prof. Gomes Canotilho, a necessidade de fundamentação dos actos decisórios decorre de três razões fundamentais, a saber: - Controlo da administração da justiça; - Exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes. - Melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[9] Não se vislumbrando, pois, onde os despachos judiciais violaram a exigência de fundamentação imposta por lei (cfr. art.º 205.º, da C.R.P.). Não se entende a invocação pelo recorrente da violação do princípio do contraditório (art.º 327.º, n.º 2, do C.P.P. O contraditório foi exercido, atente-se que o próprio arguido, entre o mais, veio requerer prazo para preparar a sua defesa. O que inculca a conclusão que pode defender-se, mas não o fez. Limitou-se a vir requerer que o Tribunal explicitasse os motivos que conduziram à alteração pelo Tribunal explicitada. Ora, o arguido defende-se de factos e não de motivos, nesta fase processual, e em todas as restantes fases. Só de si, pois, se pode queixar. Não se exigindo, como referido, que o tribunal indique os motivos que o conduziram a proceder à alteração factual, não se entende em que sentido se vem invocar a violação do art.º 32.º, n.º1, da C.R.P. Se se pretende com tal alegação de que sem essa explanação ficam defraudados os direitos de defesa do arguido, não vemos em que se concretizou essa defraudação. Se se quer aí incluir o estatuído no art.º 61.º, n.º1, al.c), do Cód. Proc. Pen., não vemos como tal seja possível, atento o teor literal do inciso normativo em causa. Aí se diz que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, e, salvas as excepções da lei, dos direitos de: c) ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade. Ora, esses factos foram-lhe comunicados, em estrita observância das regras que regula tal matéria, no caso, o art.º 358.º, do Cód. Proc. Pen. Mesmo a entender-se, tese a que não anuímos, que a comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada, com concretização dos novos factos indiciados e respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os seus direitos de defesa, consignados no artigo 61º, nº 1, alínea c) e 358º, nº 1, ambos do CPP e 32º, nºs 1 e 5, da CRP; não vemos como no caso vertente se tenha cometido a invocada nulidade do art.º 379º, nº 1, alínea b), do Cód. Proc. Pen. Porquanto, e como se deu nota no Ac. Relação de Coimbra, de 13.12.2011, no Processo n.º 878/07.7TACBR.C1, citado pelo recorrente, esta individualização ou concretização dos meios de prova justifica-se essencialmente quando são produzidas várias provas e possam surgir dúvidas ou dificuldades para o arguido em estabelecer a correspondência entre tais provas produzidas e os novos factos indiciados, dificultando ou impossibilitando a sua defesa de modo eficaz. Ora, basta atentar na acta de audiência de julgamento em que teve lugar a alteração não substancial dos factos para se concluir que ao recorrente fácil lhe era estabelecer a correspondência entre tais provas produzidas e os novos factos indiciados, podendo deles eficazmente defender-se. Se assim não agiu, rebus sibi imputat. Donde, a sem razão do por si alegado. Por fim, o limite temporal em que pode ter lugar a alteração/comunicação a que se reporta o art.º 358.º, do Cód. Proc. Pen. Não se discute que a audiência pode ser reaberta para os fins apontados nos arts. 371.º e 371.ºA, ambos do Cód. Proc. Pen. E fora daquelas situações a audiência, depois de encerrada só virá, em regra, a ser reaberta para que venha ter lugar a leitura da decisão final, art.º 361.º, do Cód. Proc. Pen. Porém, nada impedia o Tribunal de, após ter declarado encerrada a audiência, a ter reaberto para que tivesse lugar a alteração/comunicação, nos termos do art.º 358.º, do Cód. Proc. Pen., de que se cuida. Já que o único limite temporal para tanto é a prolação da decisão final, pois só com esta se encerra a audiência. Nem se vê como o arguido que já prestou declarações possa vir a ser afectado nos seus direitos, se sempre lhe será comunicada essa alteração, bem como lhe será concedido tempo para defesa, caso o requeira. Para além de nada obstar a que o Tribunal valore, sem qualquer limitação, as últimas declarações prestadas pelo arguido em audiência, nos termos do art.º 361, n.º1, do Cód. Proc. Pen. Donde, se não descortine em que consistiu a violação dos direitos de defesa do arguido, art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P., ao se ter procedido á alteração/comunicação referida e nos moldes que os autos revelam (ver conclusão 44.ª). Face ao que vem sendo tecido, somos a concluir que a única forma, e, por isso, eficaz, de atacar o Acórdão em crise, passaria pelo lançar mão do mecanismo ínsito no art.º 374.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., por falta de fundamentação da decisão de facto (art.º 379.º, n.º1, al.ª a). Porém, nunca o recorrente veio questionar nesta base o Acórdão recorrido, só ele sabendo explicar a razão para tal actuação. Sem curar de mais delongas importa concluir pela sem razão do pretendido pelo recorrente. Entende o recorrente que Acórdão recorrido padece de nulidade, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., em virtude de não proceder ao exame crítico das provas, limitando-se o Tribunal “a quo” a efectuar meros juízos conclusivos, valorando provas anteriormente declaradas nulas por Tribunal superior no mesmo processo relativamente ao arguido aqui recorrente. Dispõe-se no art.º 374.º, n.º2, do Cód. Proc. Pen., que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. No ensinamento do Professor Germano Marques da Silva, a finalidade da fundamentação prende-se com: - Lograr uma maior confiança do cidadão na Justiça; - Autocontrolo das actividades judiciárias; - O direito de defesa a exercer através dos recursos. A primeira finalidade ajuda á compreensão da decisão e, consequentemente, á sua aceitação, facilitando a necessária confiança dos cidadãos nas decisões das autoridades judiciárias; O autocontrolo (…) manifesta-se a níveis diferentes: por um lado, previne a comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização por parte das autoridades judiciárias de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas a fundamentação será impossível. Assim, a motivação actua como garantia de apreciação racional da prova. A motivação, finalmente, é imprescindível para efeito de recurso, sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgador se poderá avaliar da sua legalidade e razoabilidade.[10] Daí que como referem Simas Santos e Leal Henriques, a Sentença deva revelar o procedimento seguido pelo tribunal na formação da decisão para se poder conformar com o seu acerto.[11] Cabe perguntar como se satisfaz a exigência de fundamentação contida no n.º2, do art.º 374.º, do Cód. Proc. Pen. Como ensina o Professor Germano Marques da Silva, tal exigência não se satisfaz com a mera enumeração dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nem sequer daqueles que serviram para fundamentar a decisão que fez vencimento; é preciso muito mais. E prossegue, como escreve Marques Ferreira, “ exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão: entendendo-se como motivos de facto” (…) os elementos que em razão das regras da experiência ou dos critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.[12] Trata -se de referir os elementos objectivos da prova que permitam constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova, por uma parte, e, de indicar o “ iter” formativo da convicção isto é, o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir, em especial na prova indiciária, comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi irracional ou absurdo. Com Paulo Saragoça da Matta diremos que a fundamentação da sentença consistirá: a) Num elenco de provas carreadas para o processo; b) Numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras; c) Numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e d) Numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente.[13] No fundo, o que se pretende com a vinculação do tribunal à indicação das provas que serviram de base à sua convicção e ao consequente seu exame crítico, é a comprovação, por um lado, que o tribunal não se serviu de provas ilegais e, por outro, que a sua decisão não é arbitrária, ilógica, discricionária ou caprichosa[14]. Na motivação, tanto no aspecto da indicação das provas como da sua crítica, avultando neste particular a explicitação da credibilidade dos meios probatórios, do que se trata é de publicitar por forma suficiente o processo probatório. Porém, importa reter que para a convicção do juiz desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova); e mesmo puramente emocionais.[15] O que se pretende é que o exame crítico das provas permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico/mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, bastando a fundamentação e motivação necessárias à decisão[16]. Com base nos ensinamentos acabados de tecer, debrucemo-nos sobre o caso em apreço nestes autos de recurso. Dispensamo-nos de chamar a terreiro a fundamentação da Decisão de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido, para a qual aqui e agora se remete, para concluir ter sido levado a cabo, como imposição legal, pertinente exame crítico dos meios de prova de que se serviu, e que se indicam, e a partir dos quais se formou a convicção do Tribunal. Explicitando, com clareza, o Tribunal recorrido qual o caminho por si percorrido para vir atingir a conclusão que alcançou, sendo, por tal, infundada a crítica que dirigem o recorrente á sentença em crise. Distinta questão é a tecida pelo aqui recorrente, como bem o expõe na sua motivação, e que se prende com o facto de não aceitar que o tribunal recorrido tenha, como refere, valorado provas anteriormente declaradas nulas por Tribunal superior no mesmo processo relativamente ao arguido aqui recorrente. Face ao acabado de tecer, não ocorre a invocada nulidade da Sentença, por falta de exame crítico da prova, nos termos dos art.ºs 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, al. a), ambos do Cód. Proc. Pen. Suscita igualmente o aqui recorrente a nulidade da busca domiciliária, dizendo que apesar de a mesma ter sido declarada nula, por decisão de um Tribunal Superior, veio, agora,o tribunal a quo fundamentar a sua decisão com base nessa busca domiciliária que considerou agora válida, validando-a precisamente nos termos em que não foi validada atempadamente pelo próprio M. P., nem tão pouco pelo Juiz de Instrução Criminal. Donde, a decisão do tribunal a quo, que julgou válidas as buscas domiciliárias a casa do arguido aqui recorrente, não teve em atenção a existência de uma outra decisão já proferida no mesmo processo do Tribunal da Relação de Évora, violando o que se estabelece no art. 29.º, n.º 5, da C. R. P., onde se dispõe que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, decorrendo daqui um princípio constitucional da proibição, em regra, da repetição do julgado já transitado e vulgarmente conhecido por non bis in idem. O que cumpre apreciar e decidir é se no caso em apreço se mostra, ou não, violado o princípio do ne bis in idem. Como decorre do art.º 29.º, n.º 5, da C.R.P., ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. O citado normativo, dando dignidade constitucional ao clássico princípio ne bis in idem, vem consagrar o caso julgado penal. Princípio que, no ensinamento dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, comporta duas dimensões: a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra os actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador á conformação do direito processual e á definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.[17] O direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez está previsto igualmente no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Onde se diz no seu n.º 1, que ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado. (Ver, ainda, art.º 14°, n° 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis). Tem, assim, o princípio non bis in idem o seu campo de aplicação preferencial na existência de sentença transitada em julgado. Sendo que os efeitos positivos da sentença transitada determinam o carácter negativo do aludido princípio, na medida em que este impede um novo processo sobre os mesmos factos. Depois, importa partir á procura do que se deva entender por mesmo crime, referido no citado inciso normativo. Como refere Frederico Isasca, «crime significa, aqui, um comportamento de um agente espácio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou decisão que se lhe equipare»... «a expressão “crime” não pode ser tomada ao pé da letra, mas antes entendida como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. O que o nº 5 do art. 29º, da Constituição da República Portuguesa proíbe é, no fundo, que um mesmo concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal»[18]. Assim definido o conceito de crime, há que partir para a análise dos limites objectivos do caso julgado (já que quanto aos limites subjectivos nenhum problema se coloca), o mesmo é dizer, concretizar o sentido e o alcance do (concreto) objecto do processo penal. Com Frederico Isasca, diremos que o objecto do processo penal «só pode ser (…) o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço unitário de vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito e que durante a tramitação processual se pretende reconstituir o mais fielmente possível. «Nestes termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados».[19] O objecto processual não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final e que directamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do «objecto do processo”, como se escreveu no Ac. S.T.J., de 15.3.2006. Munidos destes ensinamentos vejamos o caso em apreço. Para se dilucidar a suscitada questão importa fazer um breve excurso pelo que se passou, a respeito, nos autos. O aqui recorrente veio suscitar junto deste Tribunal da Relação a nulidade da busca e apreensões documentadas na certidão e auto de busca e apreensão de fls. 2 a 5 dos autos, por alegada falta de consentimento do arguido. Concluindo este Tribunal da Relação, por Aresto de 31 de Janeiro de 2012, que a busca realizada nos presentes autos sem consentimento do arguido constituia, pois, prova proibida, devendo essa proibição de prova ser conhecida a todo o tempo, mesmo oficiosamente, implicando a não valoração da prova obtida por seu intermédio, sendo certo que em casos como o presente a diligência é irrepetível, pelo que não podiam ser valorados no presente processo as provas obtidas. No seu seguimento, veio a Exma. Procuradora Geral-Adjunta requerer a reforma do dito aresto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 4.º, do Cód. Proc. Pen., e 669.º, n.º2, al), do Cód. Proc. Civ., e, subsidiáriamente, a sua correcção para esclarecimento de ambiguidade, nos termos do art.º 380.º, n.º1, al. b), do Cód. Proc. Pen. Requerendo que: I- Seja declarado que o douto Acórdão proferido a 31/1/2012 nos autos em epígrafe enferma da nulidade prevista no art.º 379.º, n.º1, al.c), do Cód. Proc. Pen., por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar, e, suprindo essa nulidade, se conheça da ocorrência nos autos da situação prevista nos arts. 177.º, n.º 3, al.a) e 174.º, n-º5, al.c), do Cód. Proc. Pen., considerando-se que a busca se realizou validamente ao abrigo destas normas, não sendo proibida a prova da mesma resultante. II- Subsidiáriamente, para o caso de não ser julgada procedente a invocada nulidade, requer-se que se proceda á reforma do Acórdão, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 4.º, do Cód. Proc. Pen. e 669.º, n.º2, al.s a) e b), do Cód. Porc. Civ., dado que, por manifesto lapso, ocorreu erro na determinação da norma aplicável, por não se ter atendido ao disposto nos arts. 177.º, n.º 3, al. a) e 174.º, n.º 5, al.º c), do Cód. Proc. Pen., apesar de constar do processo o interrogatório do arguido, do qual resulta que a busca foi efectuada aquando da detenção em flagrante delito, implicando necessáriamente decisão diversa da proferida, no sentido da validade da busca e da não proibição da prova assim obtida. III- Subsidiáriamente, para o caso de não ser julgada procedente a reforma do Acórdão, requer-se seja o mesmo aclarado, nos termos do disposto no art.º 380.º, n.º1. al.ª b), do Cód. Proc. Pen., de modo a que fique expressamente consignado que a apreciação efectuada se fundamentou únicamente na apreciação do pressuposto previsto noa al.ª b), do n.º 5, do art.º 174.º, do Cód. Proc. Pen., não tendo sido apreciados os restantes pressupostos legais que determinam a manutenção da validade da busca e da prova, nomeadamente o previsto na al.ª c), do n.º5, do art.º 174.º, do Cód. Proc. Pen. Sobre esta questão veio o Tribunal da Relação pronunciar-se, por decisão prolatada a 27 de Março de 2012, nos seguintes termos: Entende o MP requerente que se verifica a nulidade de omissão de pronúncia, na medida em que o acórdão não apreciou se se verificava outro fundamento legal determinante da validade da busca, que foi julgada pelo acórdão como prova proibida por falta de consentimento do visado (art. 177° nº 2 e 174° nº5 b), do CPP), nomeadamente se ocorria a situação prevista no art. 174° nº 5 c) (busca aquando de detenção em flagrante). a) Como se diz, por todos, no Ac STJ de 16-09-2008, (proc. n.º 2491/08 3.a Secção, rel. Henriques Gaspar, acessível em www.stj.pt): II - A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (a "pronúncia") sobre questões que lhe sejam submetidas. III - As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. b) Ora, conforme se refere no relatório do acórdão ora em causa, foi interposto recurso de despacho judicial proferido em 30.11.2011, que indeferiu a arguição de nulidade da busca documentada nos autos (requerimento de 28.11.2011 a fls 35 segs dos presentes autos em separado) e que, reapreciando-a nos termos do art. 213° CPP, decidiu manter nos seus precisos termos a medida de coacção de Prisão preventiva que lhe fora aplicada por despacho de 02.09.2011, na sequência de 1° interrogatório judicial. A questão da validade da busca, porém, foi suscitada, apreciada e decidida em l.ª instância unicamente por referência à alegada falta de consentimento do arguido, tendo o tribunal a quo concluindo pela existência de consentimento válido e, consequentemente, pela validade da busca. O recurso interposto apenas impugnou a decisão proferida com 'base na alegada falta de consentimento do arguido e foi apenas sobre este alegado fundamento de invalidade da busca que se pronunciou o MP em 1ª instância e nesta Relação, concluindo o nosso acórdão de fls 123 e segs pela invalidade da busca - julgando-se procedente o recurso - unicamente por falta de consentimento do arguido, nos termos do art. 174° nº 5 b) ex vi do art. 177° nº 3 a), ambos do CPP, Em face dos elementos de facto disponíveis nos presentes autos de recurso, não se afigurou ao tribunal de recurso que a busca pudesse ser julgada válida à luz de fundamento legal diverso, nomeadamente do disposto no art. 174° nº5 al. c) do CPP, pelo que não apreciou esta questão à luz do ali preceituado, nem tinha que fazê-lo, uma vez que a questão não foi minimamente suscitada no processamento do requerimento que deu origem ao despacho recorrido, o mesmo sucedendo quanto à tramitação do presente recurso. Não estamos, pois, perante questão suscitada pelo recorrente ou pelo MP recorrido que o tribunal de recurso devesse apreciar, nem, tão pouco, perante questão que devêssemos apreciar oficiosamente, pois os dados de facto indiciados nos presentes autos de recurso em separado, maxime na decisão recorrida, não são de molde a impor a apreciação da questão da validade da busca nos termos art. 174° nºs al, c) ex vi do art 177° nº3 a), do CPP, no âmbito do presente recurso, sem prejuízo do que um enquadramento mais amplo, tanto do ponto de vista dos factos, como do direito, possa ditar. Assim e tendo presente o disposto no art. 379° nº l c) do CPP, julga-se improcedente a invocada nulidade do acórdão de fls 123 a 135 por omissão de pronúncia. 3. - Conforme resulta do ora exposto e, em nosso ver, também do acórdão em causa, não há qualquer ambiguidade a esclarecer, pois apenas se decidiu ali da invocada invalidade da busca com fundamento na falta de consentimento do arguido, não obstante o respectivo auto se encontrar assinado por ele, sem que se tenha apreciado daquela validade à luz de qualquer outro fundamento, nomeadamente o previsto no art. 174° nºs al. c) ex vi do art. 177° nº3 a), do CPP, pelo que não se verifica qualquer ambiguidade a este respeito. 4. - Quanto à pretendida reforma do acórdão nos termos do art. 669° nº2 als a) e b) do C.P.Civil ex vi do art. 4° do CPP, caso exista alguma desconformidade entre a factualidade relevante e a sua subsunção à norma aplicada (art. 174° n° 5 al. b) do CPP), a mesma não ficará a dever-se certamente a lapso manifesto deste tribunal, conforme exige o nº2 do art. 669° do C.P.Civil. Por outro lado, não só não é manifesto como consideramos mesmo discutível que se mostre preenchida a previsão da al. c) do nº2 do art. 174° ex vi do art. 177° nº3 a) do CPP, não só em face da factualidade indiciada na sentença recorrida mas também em face do quadro factual que transparece do auto de notícia por detenção em flagrante delito, ora junto de fls. 150 a 153. Em todo o caso, essa é questão jurídica que as partes não discutiram no presente recurso e que o acórdão em causa não decidiu e que o presente acórdão igualmente não tem que decidir, limitando-nos ao estritamente necessário para fundamentar a decisão de indeferimento da pretendida reforma do acórdão de fls 123 a 135. 4. Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a invocada nulidade do acórdão de fls 123 a 135 com fundamento em alegada omissão de pronúncia, indeferindo ainda a pretendida reforma daquele acórdão, bem como o esclarecimento de pretensa ambiguidade daquela mesma decisão. Esta decisão transitou em julgado, formando-se, destarte, caso julgado formal sobre a mesma. O que ocorre quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï)[20] Respeitando o caso julgado formal, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.[21] A Decisão revidenda veio pronunciar-se ,a respeito, nos seguintes termos: O Tribunal da Relação de Évora já se pronunciou no sentido da sua nulidade e o arguido JH não se cansou de o repetir. No entanto, mais uma vez, o problema está nos efeitos jurídicos dessa declaração de nulidade. O alcance do caso julgado é definido pelo art.º 673.º, Código de Processo Civil, ex vi art.º 4.º, Código de Processo Civil: a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que se julga (…). A declaração de nulidade esgotou-se no objecto do recurso e não vincula o Tribunal no julgamento do objecto definido no despacho de acusação. O próprio Tribunal da Relação, a propósito da reclamação apresentada pelo Ministério Público, referiu taxativamente que não estava perante questão que devêssemos apreciar oficiosamente, pois os dados de facto, indiciados nos presentes autos de recurso em separado, maxime na decisão recorrida, não são de molde a impor a apreciação da questão da validade da busca nos termos do art.º 174.º, n.º 5, alínea c), ex vi do art.º 177.º, n.º 3, alínea a), do C.P.P., no âmbito do presente recurso, sem prejuízo do que um enquadramento mais amplo, tanto do ponto de vista dos factos, como do direito, possa ditar – (nosso sublinhado) cfr. fls. 1412 e 1413. Assim sendo, chegou o momento de fazer um enquadramento mais amplo, tanto do ponto de vista dos factos, como do direito. Ora, comprovando-se que a Polícia Judiciária encontrou o arguido JH, no dia 31/8/2011, a vender dois volumes / placas de «Haxixe», ao arguido DS, o qual entregou ao arguido JHs dinheiro em numerário, no valor de € 340,00, é por demais evidente que tinha por indiciado o flagrante delito pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de prisão superior a 3 anos. À luz do disposto no art.º 177.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, a Polícia Judiciária não carecia de consentimento do visado para proceder à busca, como medida cautelar e urgente de conservação da prova. Por conseguinte, tal busca e subsequente apreensão é válida, à luz dos elementos que foram entretanto recolhidos. Para se entender o alcance do decidido, importa chamar á colação todo um conjunto de factos, e de que o tribunal recorrido se serviu para tomar a decisão que tomou, a saber: - No âmbito dos autos n.º 953/10.0JACBR da Comarca de Castelo Branco, a Digna Magistrada do Ministério Público requereu a intercepção de vários aparelhos de telefone, incluindo o n.º 926xxx, utilizado pelo suspeito B, tendo referido que se investigava em tais autos um crime de tráfico de estupefacientes - ut fls. 1685. - A Mma. J.I.C. decidiu que se cumprisse como foi promovido - ut fls. 1688. - No decurso da ordenada intercepção telefónica, a Polícia Judiciária interceptou chamadas telefónicas entre os arguidos B e J em que os mesmos se referiam a coisas e encomendas e combinaram um encontro no dia 31/8/2011 na saída da A23 para a localidade do Gavião, sendo que o arguido D iria no lugar do B a tal local. - Interpretando tal conversa como uma combinação para a passagem de estupefacientes, a Polícia Judiciária decidiu vigiar e eventualmente abordar os arguidos J e D. - Tais intercepções telefónicas não foram apresentadas ao J.I.C. para validação – cfr. fls. 1788. - Como combinado entre os três arguidos, JH e DS encontra-ram-se no mesmo dia, 31 de Agosto de 2011, pelas 17 horas e 20 minutos, num local ermo, junto a uma capela, sito no Lugar de Domingos da Vinha, Belver, Gavião, nesta Comarca de Mação, com o objectivo de comercializarem produto es-tupefaciente. - Nesse dia e hora, o arguido JH dirigiu-se ao local supra referido, ao volante do veículo automóvel de marca «Opel», modelo «Meriva», de matrícula -FJ-, sua propriedade. - Nesse local encontrava-se já o arguido DS ao volante do veículo auto-móvel marca «Ford», modelo «Focus», matrícula ---CO---. - O arguido DS manteve-se no interior do seu veículo e o arguido JH saiu do seu e entregou ao primeiro dois volumes / placas de «Haxixe», tendo o arguido DS entregue ao arguido JH dinheiro em numerário, no valor de € 340,00, dinheiro este que lhe tinha sido previamente entregue pelo arguido BM exclusivamente para este fim. - O arguido DS guardou as duas placas de produto estupefaciente na forra traseira do banco do “pendura” do veículo que conduzia. - O arguido JH guardou o dinheiro em numerário recebido pelo arguido DS num bolso das calças. - Após, foram os arguidos interceptados por elementos da Polícia judiciária que se encontravam a efectuar vigilâncias aos arguidos JH e DS. - As duas paletes de pólen de Haxixe supra referidas detinham o peso total de 190,712 gramas, tabela I-C anexa ao Dl. N.º 15/93. - Na sequência dessa intercepção e detenção dos referidos arguidos, bem como da apreensão de estupefaciente e dinheiro, os elementos da Polícia Judiciária decidiram realizar, de imediato, uma busca à casa do arguido JH. - O arguido JH não deu consentimento à realização de tal busca. - No mesmo dia, o arguido JH detinha na sua residência, nomeadamente na cozinha, sita na Rua..., Gavião: - 22,901 gramas de Liamba (cannabis), devidamente acondicionados em sacos plásticos, tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 97,860 gramas de pólen de haxixe, constituído por uma placa (idêntica àquelas que foram transaccionadas com o arguido Davide Dias), tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93; - 13,976 gramas de pólen de haxixe dentro de um envelope, tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 3,947 gramas de pólen de haxixe (bolota), tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 18,500 gramas de liamba (cannabis), tabela I-C, anexa ao DL n.º 15/93, - 8,608 gramas de MDMA e cocaína em pó, tabelas II-A e I-B, anexas ao DL n.º 15/93; - uma pistola, da marca com os dizeres “STAR”, classe B1, não registada, adaptada ao calibre 6,35 mm devidamente municiada com três munições do mesmo calibre, classe B; - uma munição de calibre 6,35 mm, classe B; - uma munição de calibre .38 Spécial, classe B; - € 2.280,00 (dois mil e duzentos e oitenta euros em numerário); - Duas balanças electrónicas de precisão, marca Dalman, modelo DM300, com resíduos de produto estupefaciente; - Uma agenda com anotações diversas, com indicação de compradores / clientes do arguido JH, n.ºs de telemóveis, valor da compra e indicação de pro-duto e valor em dívida. Não podemos deixar de acompanhar a decisão em crise quando vem considerar válida a busca e a subsequente apreensão á luz dos novos elementos factuais entretanto aportados aos autos e não integrantes destes aquando da prolação da decisão de 31 de Janeiro de 2012 e bem assim da de 27 de Março supra referidas. Aliás, nesta última decisão chega-se mesmo a considerar que a facticidade que lhe foi aportada não era suficiente para poder decidir de modo diverso ao que decidiu, e como pretendia a Exma. Procuradora Geral-Adjunta. Ou seja, conhecer da validade da busca, não por não ter havido consentimento do arguido, mas por esse consentimento ser dispensável, porquanto a busca ocorreu no seguimento de situação de detenção em flagrante delito, arts.174.º, n.º5, alª c) e 177.º, n.º 3, al.ª a), ambos do Cód. Proc. Pen. Aportados esses novos dados factuais aos autos, nada obstava a que se viesse a considerar, nos termos referidos, válida a busca e a subsequente apreensão. Pois, como supra deixamos mencionado, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Sendo diferente esse acontecimento de vida, como referido, não se pode vir invocar qualquer violação de caso julgado, o mesmo é dizer violação do princípio do ne bis in idem. Para concluir, que bem andou o tribunal recorrido ao considerar válida a busca domiciliária e subsequente apreensão. Sendo despiciendo que se venha conhecer da nulidade da busca e dos seus efeitos, como pretende o aqui recorrente, alcançada que se mostra a presente conclusão de considerar válida a busca, nos termos em que o foi pelo tribunal recorrido e sem que qualquer ofensa ao caso julgado entretanto formado se tenha verificado. Estabilizado o objecto do processo, dada a improcedência de todas as invocadas nulidades, retomemos a análise da questão em aberto, a impugnação da matéria de facto, com recurso ao que se convencionou chamar de revista alargada, pelo deitar mão dos vícios compaginados no art.º410.º, n.º2, do Cód. Proc. Pen., e não da impugnação ampla da matéria de facto. Embora, da leitura do recurso se possa retirar a ideia que o aqui recorrente pretende o reexame da matéria de facto, com recurso á sua impugnação ampla, de harmonia com o estatuído no art.º 412.º, ns.º3 e 4, do Cód. Proc. Pen. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.). Ora, se bem lemos o que vem expresso na motivação de recurso, vemos que o aqui recorrente pretende ver reexaminada a matéria de facto considerada pelo tribunal recorrido, através da impugnação ampla dessa mesma matéria. Porém, se bem atentarmos na forma como o recorrente dá cumprimento ao exigido por lei em tal matéria, vemos que o faz de forma bem deficiente, limitando-se a requer ainda a transcrição em auto de tudo quanto se passou em audiência e está gravado em registo áudio (a cargo do Tribunal, Assento n.º 2/2003 de 30/01), sem mais. Questionando em bloco a matéria de facto apurada, procurando sobrepor a sua visão do que se passou no julgamento àquela que colheu o Tribunal recorrido e que veio a reflectir na decisão sob censura. Como bem decorre do por si tecido, ao afirmar que a prova que deve ser renovada consiste na leitura atenta das declarações das testemunhas de acusação, as quais permitem concluir claramente pelo facto de que ninguém presenciou ou teve influência na prática de algum ilícito imputável ao ora recorrente, não sendo apresentada alguma versão, minimamente substancial que seja, que contradiga a versão deste e sufragadas as nulidades supra invocadas proferida decisão consentânea. Ora se a recorrente se dirige ao Tribunal de recurso, não se limitando a indicar parte da prova, antes a sua totalidade, ou parte substancial da mesma, e sem qualquer referência a suportes técnicos, acaba por não indicar as provas que impõem decisão diversa quanto á questão de facto[22]. Ademais, atenta a forma como a recorrente estrutura o seu recurso, o que pretende é que este Tribunal proceda a um verdadeiro, novo julgamento, nesta sede; apreciando-se em 2.ª Instância grande parte da prova que foi produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento que aí teve lugar não tivesse ocorrido. Ora, a função dos recursos é a de constituírem verdadeiros remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros; e nada mais, como o pretendido aqui pela recorrente. Sendo que esta deficiente indicação se verifica tanto na motivação, como nas conclusões. Ora, sem essa indicação da parte seleccionada da gravação, com referência ao seu início e ao seu fim, não vemos como seja possível proceder-se em conformidade com o pretendido. Assim sendo, não é possível convidar a recorrente a corrigir as conclusões, sob pena de se estar a conceder um novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, conforme vem sendo entendimento do tribunal constitucional.[23] Pelo que, e sem necessidade de delongas, se tenha de concluir não ser possível à recorrente ver reexaminada amplamente a matéria de facto considerada pelo tribunal recorrido. Porém, pode vir a discutir a matéria de facto por outra via e que se prende com a chamada revista alargada, visando o conhecimento dos vícios compaginados no art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen. Será, pois, com esta amplitude cognitiva que iremos apreciar o presente recurso. E se bem lemos o explanado pelo recorrente, vemos ser nesta base que vem questionar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova produzida em sede de julgamento. Um dos vícios compaginados no art.º 410.º, do C.P.P., e suscitado pelo recorrente, como afectando a Decisão recorrida, é o do erro notório na apreciação da prova. Como sabido, tal vício ocorre quando existe um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. As provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento. Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou. Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Não se podendo incluir no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/ efectuar á forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º127.º- do Cód. Proc. Pen. Ou dito de outro modo, o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao vício do erro notório sobre matéria de facto.[24] Analisando-se a decisão sindicada, não vislumbramos onde a mesma possa estar eivada do apontado vício. Se bem se atentar na forma como o aqui recorrente funda o vício em causa, vemos que nada mais faz do que dar a sua análise muito pessoal da prova produzida, em contraponto àquela de que o tribunal recorrido se socorreu e verteu em sede de fundamentação da decisão de facto. Bastando, para tanto, atentar no teor das conclusões 12. e 13., para se concluir, como mencionado. O mesmo é dizer que o aqui recorrente se rebela contra a forma como o tribunal formou a sua convicção e que o conduziu a dar como provados factos que, em sua opinião, o não deveriam ter sido. Porquanto ao não aceitar o processo lógico que conduziu á formação dessa convicção, e analisando o processo fora do âmbito da decisão em crise, está a confundir algo que nada tem a ver com a existência do vício do erro notório na apreciação da prova. É que não se diz que a decisão se fundou num meio de prova ilegal, tendo em conta o que se deixou supra referido, ou que se teve por base a deficiente percepção dos depoimentos ou outros meios de prova; antes e apenas que os valorou mal. E tudo, sem que seja questionada a existência de dados objectivos invocados na motivação da decisão recorrida ou que tenham sido violados os princípios para a aquisição desses dados objectivos. Não é, assim, a ilegalidade dos meios de prova que está em causa, mas apenas a sua valoração, contrapondo á convicção alcançada a sua própria análise da prova. O que importa descortinar é se será, ou não, passível de crítica o modo como o tribunal recorrido veio a alcançar e a formar a sua convicção. Como é sabido, vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova- cfr, art.127.º, do Cód. Proc. Pen; livre convicção a processar-se segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente. O que nos conduz á conclusão de que a convicção do julgador só tem de ser objectivável e motivável, aliás como decorre dos requisitos da sentença, atentar no teor do art.374.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen. Sendo que a livre convicção não se confunde com a convicção íntima do julgador. A liberdade do julgador circunscreve-se á livre apreciação dentro dos parâmetros legais, não podendo ela estender-se ao livre arbítrio, impondo-se-lhe, por isso, que proceda com bom senso e sentido da responsabilidade, extraindo das provas um convencimento lógico e motivado. Ora, se é evidente que o tribunal de recurso pode sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância, ou seja, o processo lógico que levou a considerar-se que era uma e não outra a prova que se produziu, já o mais não lhe é possível sindicar. Porquanto impedido está de controlar tal processo no segmento lógico em que a prova produzida naquela instância escapa, foge, ao seu controle, porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. Não sendo, por isso sindicável por este tribunal de recurso o segmento da prova conducente ao maior ou menor convencimento do julgador na análise dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento. Ora, analisando-se as provas produzidas, patente se torna concluir pela sem razão do alegado pelo recorrente, dada a justeza da convicção do tribunal e sua conclusão. Porquanto as provas em análise nos autos conduzirem precisamente á conclusão que delas retirou o tribunal recorrido. Ademais, mostra-se correctamente elaborada a fundamentação da decisão de facto, já que levada a cabo de harmonia com os comandos legais, art.º 374º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., não sendo, por isso, passível de qualquer reparo. O bastante para que se conclua pela não verificação na sentença recorrida do predito vício do erro notório na apreciação da prova, como invocado pelo aqui recorrente. Depois, entende que a Decisão sob censura padece do vício da contradição insanável da fundamentação. Tal vício ocorre quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada, ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face á colisão entre os fundamentos invocados; Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos, quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si de forma a excluírem-se mutuamente. Ainda segundo os mesmos autores, só existe contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, for de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados[25]. Existe contradição insanável da fundamentação quando seja de concluir que não é perfeita a compatibilidade entre /de todos os factos provados. Sendo que o predito vício só é de relevar quando seja insanável e cumulativamente resulte to texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Trata-se, no fundo de um vício ao nível das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão. Como de forma genérica o aqui recorrente ataca a decisão em crise (veja-se o teor das conclusões 17.) a 19.), fica-se sem saber, de forma real e concreta, onde a mesma possa estar eivada do apontado vicio, sempre atendendo ao raciocínio por si desenvolvido. Sendo certo que não vislumbramos nela- decisão em crise- qualquer ponta da existência do alegado vício, tudo, por o aqui recorrente fundar a sua existência fora da decisão recorrida, o que inviabiliza a sua existência. Ademais, nem a decisão o contém, porquanto aos factos se não excluem numa versão lógica da história, nem existe qualquer ilogicidade entre o provado e o não provado e aquilo que foi objecto de fundamentação. Mais uma vez a sem razão no por si alegado, sendo de concluir pela não existência na decisão sob recurso de qualquer dos vícios apontados pelo aqui recorrente, nem de outro qualquer vício que a possa afectar. Face ao acabado de tecer, importa concluir pela imodificabilidade da matéria de facto considerada no Acórdão recorrido. Questiona o recorrente não ser claro e inequívoco que tenha agido com dolo. Sem razão o faz, bastando atentar no teor do vertido sob os arts. 40., 41., 42. e 43., da matéria de facto provada, para se concluir de forma diametralmente oposta á questionada, ver art.º 14.º, do Cód. Pen. Depois, entende que a sua conduta, a configurar uma eventual situação de tráfico de estupefacientes, não deve recair na previsão do art. 21º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.01, mas sim na do art.º 25º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade -, sendo esta a decisão mais acertada, e a única que deverá ser tomada. Como se vem entendendo, para que se esteja perante o cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, necessário se mostra que ocorra a verificação de qualquer das circunstâncias/situações mencionadas no art.º 21.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, fora das situações de consumo, o agente tenha conhecimento da natureza estupefaciente das plantas, substâncias ou preparações e bem assim da ilicitude da sua conduta/actividade. Por se tratar de um crime de perigo comum e abstracto, a sua consumação ocorre logo que o agente detenha a droga, sem necessidade de se apurar o fim visado com a sua actividade. Pelo que, só a demonstração de outro fim permite excluir que a detenção vise o tráfico. Como dos autos resulta foi o aqui recorrente condenado, entre o mais, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Da aludida subsunção discrepa o aqui recorrente, pretendo que a mesma se faça com recurso á figura jurídica do tráfico de menor gravidade contemplada no art.º 25.º, do Dec. Lei, n.º 15/93, de 22.01. Daí que tenhamos, de seguida, analisar de que tipo de tráfico se está falando no caso dos autos, se de tráfico do art.º 21.º, do D.L. 15/93, se de tráfico do art.º 25, al, a), do mesmo diploma legal. Refere o art.º 25.º, al. a) que, se nos casos dos arts. 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Até cinco anos, se se tratar de planta, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI. Como nos dá nota o Dr. Lourenço Martins, com a introdução do art.º 25.º, e no que tráfico de quantidades diminutas respeitava, pretendeu-se permitir ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os «dealers» de rua representam na cadeia do grande tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou se use indevidamente uma atenuante especial.[26] São, assim, susceptíveis de subsunção no crime de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25º, os factos enquadráveis no art. 21º em que seja consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, que se traduzam num menor desvalor da acção. Este será essencialmente avaliado pela imagem global do facto, aferida através dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias, como se mencionou no Ac. S.T.J., de 16-06-2008, no Processo n.º 1228/08. O tipo de ilícito em análise é, assim, um tipo privilegiado, face ao tipo normal, o do art.º 21.º, do D.L. citado. Respigando-se na facticidade tida por indiciada nos autos, e supra descrita, vemos que a actividade do aqui recorrente se desenvolveu ao longo de, pelo menos, dois anos e meio (ano de 2008 a Julho/Agosto de 2011). Desde logo, importa reter que para a qualificação do crime de tráfico não importa só a quantidade de droga apreendida, interessando, também, o total de droga vendida ao longo da sua actividade[27]. Mais se sabe que no dia 31 de Agosto de 2011, o arguido JH entregou ao arguido DS duas paletes de pólen de Haxixe, com o peso total de 190,712 gramas; tendo este pago àquele pelas mesmas a quantia de € 340,00, em dinheiro. Nesse mesmo dia realizou-se uma busca à casa do arguido JH, onde se veio a apreender: - 22,901 gramas de Liamba (cannabis), devidamente acondicionados em sacos plásticos; - 97,860 gramas de pólen de haxixe, constituído por uma placa ; - 13,976 gramas de pólen de haxixe; - 3,947 gramas de pólen de haxixe (bolota); - 18,500 gramas de liamba (cannabis); - 8,608 gramas de MDMA e cocaína em pó. - € 2.280,00 (dois mil e duzentos e oitenta euros em numerário); - Duas balanças electrónicas de precisão, de marca Dalman, modelo DM300, e de marca Fuzion, com resíduos de produto estupefaciente; - Uma agenda com anotações diversas, com indicação de compradores /clientes do arguido JH, n.ºs de telemóveis, valor da compra e indicação de produto e valor em dívida; -O haxixe (canábis) apreendido tinha um grau de pureza entre 1,9 % e 14,1 %, e equivalia a cerca de 527 doses individuais; Mais se apurou que o produto estupefaciente encontrado na residência do arguido JH destinava-se à sua comercialização. E que a venda de produto estupefaciente era uma fonte de rendimento do arguido JH e do seu agregado familiar. Estabelecendo o arguido JH contactos com os seus clientes de estupefacientes predominantemente através de telemóvel, combinando quantidades, valores e locais de encontro. Sendo que algumas dessas transacções foram realizadas na residência do arguido JH, nomeadamente na cozinha, deslocando-se, noutras ocasiões, o arguido no veículo automóvel, de matrícula --FJ---, ao encontro dos seus clientes, em locais previamente combinados. Sendo esta a factualidade a que temos de deitar mão para alcançar a subsunção da conduta do recorrente, é de afastar a aplicação in casu do disposto no art.º 25.º, al. a) e subsumir a sua conduta na previsão do art. 21.º, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, como o fez o Acórdão recorrido. Na óptica do recorrente a pena devia ter sido especialmente atenuada, atento o disposto nos arts. 70º; 71.º e 72.º, conjugados com art.º 33º, n.º 1, todos do Cód. Pen., considerando diminuída de forma acentuada a conduta dos arguidos, fundamentalmente por razões que entroncam na juventude destes, ambos com 29 anos à data dos factos, sendo que em qualquer dos casos, a simples ameaça de cumprimento da pena seria suficiente para cumprir as razões de prevenção geral e especial. Sobre a epígrafe de atenuação especial da pena, diz-se no art,º 72.º, do Cód. Pen., seu n.º1, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Enunciando-se no seu n.º2 várias circunstâncias, a título exemplificativo, que indiciam uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa do agente e da necessidade da pena. Circunstâncias, que se indicam: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. Na lição do Prof. Figueiredo Dias, a diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá (…) considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da (s) circunstância (s) atenuante (s) se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida no tipo de facto respectivo. E continua o insigne Mestre, por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos excepcionais/ extraordinários pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seu limites máximo e mínimo próprios.[28] Seguindo-se tal ensinamento, escreveu-se no Ac. S.T.J., de 29.04.98, que a atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentem especialmente diminuídas ou, por outras palavras, quando não é o caso “normal” suposto pelo legislador quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes reclama, manifestamente, uma pena inferior. O mesmo é dizer que só pode ter lugar a atenuação especial da pena quando a ilicitude e a culpa do agente não atingem a gravidade pressuposta pela norma incriminadora. Estriba, ou parece estribar, o aqui impetrante a sua pretensão, entre o mais, no estatuído no art.º 33.º, n.º1, do Cód. Pen. Não se entende tal alegação! A idade dos arguidos, de nada lhes pode valer para fazer funcionar o almejado instituto, por não lhe conferir a lei qualquer efeito atenuativo, ver, entre o mais, art.º 9.º, do Cód. Pen., e Dec. Lei, n.º 401/82, de 23 de Setembro. Do Acórdão sindicado respiga-se que o aqui recorrente actuou sempre de forma dolosa, no seu patamar mais intenso. Como se considerou o grau de ilicitude (particularmente elevado no caso do crime de tráfico de estupefaciente, pela natureza e quantidade estimada de estupefaciente transaccionado). No que concerne às exigências de prevenção, as de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma elevadíssima, sentindo a comunidade de forma acentuada a prática do crime de tráfico de droga. Perante um tal cenário não se pode concluir por uma diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente, entre o mais. Donde, a imagem global do facto afaste qualquer ideia de aplicação de uma atenuação especial da pena, devendo o caso em apreço ser tratado como um caso normal e não como um caso excepcional. Por fim, dissente o aqui recorrente da medida concreta das penas parcelares aplicadas e bem assim da pena única, por não obedecerem aos critérios definidos nos arts 40º, 71º e 77.º, do Cód. Pen., pugnando pela aplicação de uma pena de prisão não superior a 5 anos e consequentemente suspensa na sua execução. No que respeita á dosimetria da pena valem os critérios fixados no art.º71.º, do Cód. Pen., onde se diz que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente-cfr. Art.º 40.º, n.º1, do Cód. Pen. Sendo que em caso em algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, de acordo com o estatuído no n.º2, do art.º40.º, do diploma legal citado. Decorrendo de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em conta na determinação da medida da pena. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele-art.º71.º, n.º2, do Cód. Pen. Assentando o art.º40.º, do Cód. Pen., numa concepção ético-preventiva da pena: ética, porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção geral e especial. O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados. Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores[29]. Sobre o tema considerou-se na decisão sindicada o seguinte: Apurada a comissão dos crimes de tráfico de estupefacientes, trafico de menor gravidade e detenção de arma proibida, importa determinar as sanções a aplicar, sendo a moldura abstracta de prisão de 4 a 12 anos, prisão de 1 a 5 anos e prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias, respectivamente. Os artigos 71.º e 72.º, do Código Penal, indicam os critérios para a escolha e a determinação das penas a aplicar. O primeiro critério e limite a considerar é o da culpa do agente (art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal). Também as preocupações de prevenção geral e especial devem ser atendidas para efeito de determinação da pena, ponderando-se as consequências a nível social e as expectativas de reintegração e socialização dos arguidos. Atendendo às várias alíneas do n.º 2, do art.º 71.º, do Código Penal, há, em especial, que realçar: a) o grau de ilicitude (particularmente elevado no caso do crime de tráfico de estupefaciente, pela natureza e quantidade estimada de estupefaciente transaccionado); b) o dolo directo; c) as condições pessoais dos arguidos (sendo de destacar a inserção familiar, os hábitos de trabalho e o consumo de haxixe dos arguidos B e D); d) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, particularmente em face da existência de um antecedente criminal por tráfico de estupefacientes no que diz respeito ao arguido BM; e) A circunstância dos restantes arguidos não terem sofrido anteriormente qualquer condenação criminal; f) As vantagens económicas auferidas pelo arguido JH (que se presumem de vulto, em face do volume de negócios e da apreensão de uma importância expressiva em numerário, o que também indicia a sua motivação para o crime). Cumpre também chamar a atenção para a grave situação de toxicodependência vivida na zona. Apesar do haxixe não ser considerada a mais nociva das substâncias aditivas ilícitas, ainda assim constitui frequentemente uma porta de entrada e um veículo facilitador da toxicodependência, gerando graves perturbações sociais e familiares, potenciando comportamentos aditivos mais graves e gerando avultadas quantias para os traficantes. A disseminação deste mal está bem patenteada na multiplicidade de actos e no número de clientes angariados pelo arguido JH, bem como pela temeridade evidenciada por este arguido ao realizar registos escritos dos seus clientes, vendas a crédito e respectivas dívidas (como foi sobejamente relatado por diversos desses clientes). Tais circunstâncias ainda são mais notórias em face do contexto rural em que os factos se desenrolaram. A inserção num pequeno meio rural não impediu o arguido JH de desenvolver uma actividade já com algum vulto. Também cumpre assinalar que não pode haver qualquer equívoco quanto aos factos apurados. O princípio da presunção da inocência está já elidido em face dos factos provados, não podendo concluir-se que os actos praticados pelo arguido são apenas aquelas transacções comprovadamente realizadas. Bem pelo contrário, os numerosos factos provados apenas evidenciam e fazem presumir a ponta do iceberg, pois não é credível que o Tribunal tenha descoberto toda a actividade ilícita protagonizada pelo JH. Tais actos são o instrumento da subsunção jurídica ao tipo de crime e a definição da medida da pena, mas são também a evidência que faz razoavelmente presumir uma mais extensa actividade ilícita. O Tribunal entende que as penas deverão reflectir o grande desvalor da acção e desvalor do resultado apurado, bem como as fortes exigências de prevenção, se bem que subordinadas ao princípio limitador da culpa. Importa também que a pena do crime de tráfico de estupefaciente faça sentir à sociedade e muito especialmente aos arguidos e à sua família que é necessário viver honestamente sem recorrer a esse negócio. É um negócio muito fácil e extraordinariamente rendoso, capaz de proporcionar muitas vantagens aos seus agentes, mesmo no caso do arguido que não revela especiais aptidões ou vocação. A gravidade das condutas do arguido desencoraja e afasta a aplicação de penas não privativas da liberdade (no caso legalmente admissível). No caso dos co-arguidos B e D, apesar de terem agido em conjugação de esforços e de intentos e de terem praticado essencialmente os mesmos actos, verificando-se uma situação de co-autoria material, impõe-se diferenciar as penas (cfr. art.ºs 26.º e 29.º, do Código Penal), particularmente em face dos antecedentes criminais do arguido B. Tudo considerado, o Tribunal decide condenar os arguidos nas seguintes penas de prisão: - 5 anos e 6 meses, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes imputado ao arguido JH; - 18 meses, quanto ao crime de detenção de arma proibida imputado ao arguido JH; - 18 meses, quanto ao crime de tráfico de menor gravidade imputado ao arguido BM; - 15 meses, quanto ao crime de tráfico de menor gravidade imputado ao arguido DS. * Quanto ao cúmulo jurídico das penas, vejamos as principais normas aplicáveis. Nos termos do disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Há lugar à unificação da pena mesmo quando tal conhecimento do concurso é superveniente (idem, art.º 78.º). Como se vê dos autos, as penas impostas ao arguido JH estão forçosamente em concurso. Assim sendo, na medida da pena serão considerados os critérios e ditames referidos nos art.º 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, levando-se em conta os factos já considerados. Assim, temos que a pena única privativa da liberdade se eleva do mínimo de 5 anos e 6 meses (pena mais elevada) ao máximo de 7 anos (somatório das penas de prisão). O Tribunal entende que no caso sub judice se deverão considerar todas as circunstâncias apuradas, sendo de destacar a sua situação pessoal. Tudo considerado, o Tribunal entende justa, adequada e merecida a pena única de prisão de 6 anos. Que aduz, em contrário, o aqui impetrante? Nada que não tenha já sido levado em conta pelo Tribunal recorrido quando se debruçou sobre o tema da pena e sua medida. Donde, se não veja modo de alterar as penas parcelares e bem assim a pena unitária alcançadas, que, por bem doseadas, são de manter. Quanto á requerida suspensão da pena, a mesma não se mostra viável, face ao que se dispõe no art.º 50.º, n.º1, do Cód. Pen. Como se não descortinam razões (nem o recorrente as indica/aponta) para que se altere a declaração de perdimento quer dos produtos estupefacientes e respectivas embalagens e balanças, dinheiro, arma e munições apreendidas, quer do veículo automóvel de marca “Opel”, modelo “Meriva”, de matrícula xx-FJ-,xx face ao que se deixou exarado no Acórdão recorrido, e arts.109.º, do Cód. Proc. Pen., 35.º e 62.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1. Termos são em que Acordam, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o Acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se em 7 ucs a taxa de justiça devida. (Texto elaborado e revisto pelo relator). Évora, 7 de Dezembro de 2012. _____________________ (José Proença da Costa) _____________________ (Sénio Alves) __________________________________________________ [1] Ver, Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, págs. 729 e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, págs. 72. [2] Ac. Relação do Porto, de 02.05.2012, no Processo n.º 8/11.OPASJM-P1. [3] Ver, in Reflexões sobre as “declarações do arguido” como meio de prova no Código de Processo Penal de 1987, na R.P.C.C., Ano 4, Fasc. 1, Janeiro-Março de 1994, págs.27 e segs., mais concretamente págs. 62. [4] Ver, “Tão amigos que nós éramos”: o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal Português”, in R.M.P., nº 74, ano 19, Abril/Junho,1998, Págs. 39 e segs. [5] Ver, Ac. S.T.JJ., de 12.07.2006, na C.J., Ano XIV, (S.T.J.), Tomo2, PÁGS. 242, ONDE SE CUITA O PARECER OD Prof. Figueiredo Dias. [6] Ver, Medina de Seiça, in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, págs. 212 e 228 e o Ac. deste Tribunal, de 8-11-2011, no Processo n.92/10.4GAENT.E1 [7] Ver, Ac. S.T.J., de 12.07.2006, no Processo n.º1426/06. [8] Ver, Ac. S.T.J., de 27.04.2000, no Processo, n.º 668799, 5.ª Secção. [9] Ver, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 583. [10] Ver, Curso de Processo Penal, Vol. II, págs. 153. [11] Ver, Código de Processo Penal Anotado, Vol. II, págs. 534. [12] Ver, ob. cit., Vol. III, págs.293. [13] Ver, A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, págs. 265. [14] Ver Ac. S.T.J., de 12.01. 98, no B.M.J., 474- 321. [15] Ver, Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, págs. 205 e Ac. S.T.J., de 14.05. 2003, no Processo n.º 3108/02, 3.ª Secção. [16] Ac. S.T.J., de 7.02.2001, no Processo, n.º 3998/00, 3.ª Secção. [17] Ver, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, págs. 497. [18] Ver, Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância em Processo Penal, p. 220-221. [19] Ver, ob. cit., págs., 242 e 229. [20] Ver, Acs., S. T.J., de 23.01.2002, no Processo n.º 3924/01, e de 3.03.2004, no Processo n215/04. [21] Ver, Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, págs. 34 e segs e o Ac. S.T.J., de 20.10.2010, no Processo, n.º 3554/02.3TDLSB.S2. [22] Ver, Acs. S.T.J., de 9.03. 2006, no Processo, n.º 461/06-5 e de 9.02. 2006, no Processo n.º 4389/05-5. [23] Cfr. Ac n.º259/02, de 18.06.2002, no D.R., II.ª série, de 13.12.2002 e Ac.n.º140/04, de 10.03.2004, no D.R., II.ª série, de 17.04.2004. [24] Cfr. Ac. S.T.J., de 15.06.86, no B.M.J., 450-464, Ac, S.T.J., de 26.03.98, no processo, n.1483/97, e Simas Santos e Leal Henriques, in «Recursos em Processo Penal», pags.74. [25] Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in ob. cit., pags.72-73. [26] Ver, Droga e Direito, págs. 146. [27] Ver, entre outros, o Ac. S.T.J., de 23.01.91, no B.M.J., 403-161. [28] Ver, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 306-307. [29] Ver. Ac. Relação de Coimbra, de 10.03.2010, no Processo n.º1452/09.9PCCBR.C1. |