Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2460/23.2GBABF-A.E1
Relator: BEATRIZ BORGES
Descritores: PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
NEXO DE CAUSALIDADE
TELEMÓVEL
CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Nenhum elemento existe, no despacho recorrido e/ou no Inquérito, do qual resulte ter o arguido utilizado o telemóvel para traficar, ou para consumir, ou para qualquer outro fim ilícito. Além disso, nenhum elemento permite afirmar que, sem o uso do telemóvel, o arguido não poderia conseguir realizar a imputada atividade ilícita contraordenacional (no caso, consumo de estupefacientes), ou seja, não existe nexo causal entre o uso do telemóvel e uma atividade ilícita.
II - Por outro lado, verifica-se existir desproporcionalidade entre a declaração de perda do telemóvel em causa a favor do Estado (telemóvel da marca “Apple” - que vale muitas centenas de euros -) e uma “contraordenação” relativa ao consumo de estupefacientes, a única prática ilícita indiciada no processo.
II - Por todas essas razões, não deve ser declarado o perdimento a favor do Estado do telemóvel pertencente ao arguido.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
No Processo de Inquérito (Atos Jurisdicionais) n.º 2460/23.2GBABF da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Portimão – Juiz 1, relativo ao arguido A[1], na fase prévia à prolação da decisão recorrida o MP proferiu o seguinte
1. Despacho de arquivamento
“ARQUIVAMENTO
Tiveram os presentes autos a sua génese no auto de notícia lavrado pela G.N.R. de Albufeira, no qual se dá conta, em síntese, que no dia 03/09/2023, pelas 00h40, na Rua de Dunfermline, em Albufeira, o ora arguido A tinha em sua posse substâncias que, sujeitas a teste rápido, reagiram positivamente para Haxixe (Resina), com o peso bruto de 8,53g.
Tais factos são susceptíveis de consubstanciar, em abstracto e no limite, a previsão típica do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de Janeiro.
Foi efectuada perícia toxicológica ao produto estupefaciente detido pelo arguido, a qual confirmou estarmos perante Canábis (resina) (substância incluída na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), susceptível de originar 43 doses individuais.
Da prova coligida em sede de inquérito, contudo, nada mais se apurou que comprove que o arguido se dedique à venda de produto estupefaciente.
Com efeito, no inquérito, apenas foi apreendido produto estupefaciente na quantidade e nas circunstâncias acima descritas, não tendo sido apreendidos objectos habitualmente relacionados com o tráfico de estupefacientes, inexistindo, de igual modo, prova, designadamente testemunhal, de que aquele se destinasse a ser cedido a terceiros.
Assim, em conformidade com os dados disponíveis, somos forçados a concluir que não se logrou obter a prova, ainda que no plano indiciário, dos factos constantes no auto de notícia, os quais, objectivamente considerados, integram ilícito criminal, não existindo, porém, dados probatórios que corroborem no mesmo sentido.
Ora, a mera suspeita, ainda que fundada, não pode constituir pressuposto de chamamento a juízo. Seria necessária a verificação de prova indiciária dotada de virtualidades para comprovar a verificação dos factos participados. Essa prova não fornecem os autos e tão-pouco se visiona provável a sua obtenção.
Não obstante, o certo é que os factos relatados são, ainda, susceptíveis de, em abstracto, se subsumirem à previsão típica do crime de consumo, p. e p. pelo art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de Janeiro.
O referido art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de Janeiro, foi recentemente alterado pela Lei n.º 55/2023, de 08/09, a qual entrou em vigor a 1 de Outubro de 2023, e tem a seguinte redação: “1 - Quem, para o seu consumo, cultivar plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas i a iv é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. 2 - A aquisição e a detenção para consumo próprio das plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior constitui contraordenação. 3 - A aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo. 4 - No caso de aquisição ou detenção das substâncias referidas no n.º 1 que exceda a quantidade prevista no número anterior e desde que fique demonstrado que tal aquisição ou detenção se destinam exclusivamente ao consumo próprio, a autoridade judiciária competente determina, consoante a fase do processo, o seu arquivamento, a não pronúncia ou a absolvição e o encaminhamento para comissão para a dissuasão da toxicodependência. 5 - No caso do n.º 1, o agente pode ser dispensado de pena.”
A alteração operada ao artigo 40.º, n.º 2, do DL 15/93, pela citada Lei 55/2023, veio, pois, clarificar expressamente que a aquisição e a detenção para consumo próprio das plantas e substâncias compreendidas nas tabelas referidos no número um constitui apenas uma contraordenação. O n.º 3 do mesmo artigo clarifica que a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo. Assim, em face da entrada em vigor da Lei n.º 55/2023, de 08/09, legislador decidiu, pois, descriminalizar as condutas que consubstanciem a aquisição e detenção para consumo de estupefacientes, clarificando que tais factos apenas podem constituir uma contra-ordenação.
Ora, no caso que nos ocupa, como já vimos supra, inexistem indícios da prática de crime de tráfico de estupefaciente, pelo que a situação em apreço configura, tão só, a prática de uma contraordenação.
Destarte, determino o arquivamento do inquérito nos termos do art.º 277.º n.º 1 do Código de Processo Penal.
*
Cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4, ambos do art.277.º do Código de Processo Penal.
*
Extraia certidão do presente despacho, do auto de constituição de arguido e do exame pericial de toxicologia e remeta à Comissão para a dissuasão da toxicodependência para os fins tidos por convenientes.
*
Remeta os autos ao Mm.º Juiz de Instrução Criminal, para apreciação e decisão relativamente ao seguinte:
a) No decorrer do presente inquérito foi apreendido ao arguido um telemóvel de marca “Apple” e o respectivo cartão SIM com o n.º de série (…..) (cfr. fls. 6), promovendo-se a perda a favor do Estado dos referidos objectos, ao abrigo do disposto no art.º 109.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e 268.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).
b) Requer-se a V. Exa que declare o perdimento a favor do Estado e ordene a destruição das substâncias estupefacientes apreendidas nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 268.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal e artigos 35.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6, ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. (…)”.

2. Da decisão recorrida
“Requerimento do Ministério Público de 22.01.2024 [ref.ª 130723925 – fls. 50-51]:
Visto.
Quanto ao produto estupefaciente apreendido nestes autos – melhor identificado no exame toxicológico de 03.11.2020 [fls. 65] -, o Ministério Público promove que o mesmo seja declarado perdido a favor do Estado nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.ºs 1 e 2 e 62.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.
Importa aqui tomar em atenção o disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.
Aquele artigo prescreve que:
“1 - São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.
2 - As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.”
Este regime constitui um regime especial relativamente ao previsto pelo artigo 109.º do Código Penal, apesar de em termos dogmáticos poderem ser apreciados de igual forma.
Na verdade, a perda dos instrumenta e dos producta sceleris colhe o seu fundamento nas exigências, individuais e colectivas, de segurança e na perigosidade daqueles visando obstar ao risco de cometimento de novos factos ilícitos-típicos, através do mesmo instrumento.
Todavia, há uma diferença no regime consagrado pela lei especial de combate à droga relativamente ao regime geral estipulado pelo Código Penal.
Nos crimes de tráfico de estupefaciente basta-se que os objectos tenham servido ou se destinem a servir a prática de crimes de tráfico ou mesmo o simples consumo de produtos estupefacientes.
Em todo o caso, é necessário que entre o crime e o objecto exista uma relação de funcionalidade ou de instrumentalidade, em termos de causalidade adequada, para a realização da infracção.
E, por outro lado, deve existir uma relação de proporcionalidade entre a gravidade do ilícito e o efeito da declaração de perda, de modo que se possa dizer que a declaração de perdimento do objecto em favor do Estado é adequada, necessária e não surge como desproporcionada.
O produto estupefaciente apreendido à ordem destes autos é o objecto do próprio ilícito em si e, atenta a sua natureza, é susceptível de ser utilizado novamente no cometimento futuro de factos ilícitos típicos semelhantes ao aqui em causa, considerando as suas características, pelo que se declara perdido a favor do Estado nos termos do disposto no artigo 35.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.
Ainda com arrimo no preceito legal acabado de citar, declara-se igualmente perdido a favor do Estado o telemóvel de marca “Apple” e o respectivo cartão SIM com o n.º de série (…..).
Nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, proceda-se à destruição da amostra-cofre da substância estupefaciente apreendida à ordem dos presentes autos, devendo a entidade responsável remeter o respectivo auto de destruição.
Notifique.
D.N..”.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I- O ora recorrente não se conforma com o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal em 26/01/2024, com a referência 131011967 e que declarou perdidos a favor do Estado o telemóvel de marca “Apple” e o respectivo cartão SIM com o n.º de série (…..) que lhe foram apreendidos e melhor descritos a fls.6 dos autos.
II- Após a promoção do digníssimo Procurador do Ministério Público relativamente ao destino a dar aos objectos apreendidos ao recorrente, não foi este notificado para exercer o contraditório, tendo-lhe sido vedada a possibilidade de se pronunciar relativamente a esta questão.
III- O Mm.º Juiz a quo antes de decidir sobre a perda dos objectos a favor do Estado deveria ter ouvido o arguido, pois esta decisão tomada afecta directamente direitos seus, sendo que, o recorrente é o proprietário do telemóvel e cartão SIM apreendidos.
IV-O Mm.º Juiz do Tribunal a quo ao não ter procedido deste modo violou o disposto no artigo 61.º, n.º1, b) do C.P.P. e artigo 62.º da C.R.P., violando garantias de defesa do arguido ora recorrente e violando ainda o princípio do contraditório.
V- Pelo que, o despacho recorrido é nulo.
VI- Nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
VII- Entende ainda o recorrente, com o devido respeito por entendimento contrário, que a decisão recorrida não se encontra fundamentada de facto.
VIII-A decisão sobre a perda de objectos e instrumentos relacionados com a prática de um crime deve ser fundamentada, por imposição dos artigos 205.º, n.º1 da C. R.P. e 97.º, n.º5 do C. P. P.,e não sendo a decisão do M.mo Juiz a quo de mero expediente deveria ter sido fundamentada não só de direito mas também de facto, o que não sucedeu no presente caso.
IX-A declaração de perda a favor do Estado do telemóvel e cartão SIM foi decidida sem que tenha sido apresentada fundamentação de facto para o efeito.
X-O Mm.º Juiz a quo no seu despacho proferido em 26/01/2024 não indica base factual para considerar o telemóvel e o cartão SIM apreendidos como constituindo meio para a prática do crime que foi investigado, não enunciando quaisquer factos aptos a sustentar a relação de causalidade entre o telemóvel e o cartão SIM e a prática do crime.
XI- A decisão recorrida não se encontra sustentada em factos concretos e objectivos que integrem sequer o uso, intenção ou essencialidade do telemóvel apreendido para a execução do crime que foi investigado.
XII- Inexistem indícios no processo que o telemóvel e cartão SIM apreendidos tenham sido usados na prática do crime ou que estivessem destinados a servir para a sua prática, e na realidade tal não se verificou.
XIII-O Mm.º Juiz a quo apenas invoca como base legal para a perda dos objectos apreendidos o artigo 35.º, n.º 1 do D.L. nº15/93, de 22.01, no entanto, a aplicação deste preceito legal deve assentar em factos concretos apurados.
XIV-O dever de fundamentação prende- se com uma das garantias constitucionais de defesa do arguido expressas no n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P., devendo na decisão respeitar-se ainda os princípios constitucionais da proporcionalidade e necessidade.
XV- No despacho recorrido impunha-se o dever de fundamentação, com respeito na decisão proferida pelo mencionado princípio da proporcionalidade, considerando que está em causa um direito constitucionalmente protegido do recorrente, o seu direito de propriedade.
XVI- No despacho recorrido, salvo douto entendimento em contrário, verifica- se falta de fundamentação de facto, pelo que, esta tem como consequência a nulidade do mesmo.
XVII- Nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
XVIII- A decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º do C.P.P. devendo por isso revogada.
XIX- Devendo ainda ser determinada a restituição ao arguido/recorrente do telemóvel e cartão SIM apreendidos.
Pelo que, nestes termos e nos demais de direito, deve ser julgado procedente o recurso interposto e, em consequência, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro despacho que determine a imediata restituição ao arguido/recorrente do telemóvel propriedade sua, da marca “ Apple ” e o respectivo cartão SIM com o n.º de série (…..) que lhe foram apreendidos. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, embora sem ter apresentado conclusões articuladas.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, aderindo aos argumentos aduzidos pelo MP em 1.ª instância, emitiu Parecer no sentido de ser julgado não provido o recurso interposto pelo arguido.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre agora apreciar o recurso interposto pelo arguido.
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer respeita a saber se o despacho do JIC que determinou a perda a favor do Estado do telemóvel do arguido o respetivo cartão SIM deve ser revogado e substituído por outro determinativo da sua imediata restituição por a decisão ser nula nos termos do disposto no artigo 379.º do CPP.
Os pressupostos legais da perda de instrumentos e produtos são, por um lado, o da utilização dos instrumentos numa atividade criminosa, não sendo necessário que o crime se tenha consumado ou seja imputável ao arguido e, por outro, a perigosidade dos objetos ou instrumentos atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e conatural utilidade social, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa.
Verificados tais pressupostos, tal declaração, necessariamente jurisdicional, terá lugar no momento correto, por regra na sentença, mas não se alcançando aquela fase - de julgamento - se o processo se fica pelo arquivamento do inquérito (artigo 277.º do CPP e 186,º, n.ºs 3 e 4 do CPP) compete ao juiz de instrução declarar o perdimento a favor do Estado dos bens apreendidos e não reclamados (cf. artigo 268.º, n.º 1, alínea e) do CPP), que apreciando e conhecendo da verificação dos aludidos requisitos da perda dos objetos ou instrumentos a afirmará, sendo caso[2].
Como é de conhecimento geral o telemóvel é um instrumento de uso generalizado e habitual, para qualquer cidadão.
Não se pode, pois, afirmar e concluir, sem qualquer indício ou prova, ter o mesmo servido ou estar destinado a servir para a prática do crime de tráfico de estupefacientes, ou para o consumo de estupefacientes, ou para a prática de qualquer outro crime.
No caso concreto não podia, pois, o referido telemóvel e respetivo cartão SIM ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos em que o foi no despacho recorrido, por dois motivos essenciais:
1.º Falta de nexo de causalidade entre o uso do telemóvel e o cometimento de qualquer putativo crime.
A relação com um «facto ilícito típico», para cuja prática o telemóvel tenha servido ou estivesse destinado a servir ou por ele tenha sido produzido, constitui um pressuposto formal essencial da perda de instrumentos e produtos prevista no artigo 109.º do CP.
Nenhum elemento existe, no despacho recorrido e no Inquérito, do qual resulte ter o arguido utilizado o telemóvel para traficar, ou para consumir, ou para qualquer outro fim ilícito. Aliás, nem se deslinda que o telemóvel, apesar de apreendido por quatro meses, tenha sido sujeito a qualquer perícia.
Além disso, nenhum outro elemento referido no despacho permite afirmar que, sem o uso do telemóvel, o arguido não poderia conseguir realizar tal putativa atividade ilícita contraordenacional (no caso consumo de estupefacientes).
Não podendo o nexo causal entre o uso do telemóvel e uma atividade ilícita presumir-se a partir de “generalidades” (ou do completo “vazio”), no caso aquela causalidade não se verifica.

2.º Desproporcionalidade entre a perda do telemóvel da marca “Apple” (que vale muitas centenas de euros) e uma “contraordenação” relativa ao consumo de estupefacientes, a única prática indiciada no processo.
Surge, pois como totalmente despropositado declarar perdido a favor do Estado um objeto de uso comum, e que vale muitas centenas de euros (telemóvel de marca “Apple”), com base na circunstância (a única indiciada) de o arguido deter consigo uma pequena dose de haxixe (com o peso bruto de 8,53g e correspondente a 43 doses individuais).
Esse perdimento a favor do Estado revela-se no caso concreto desproporcional e abusivo tendo o arguido/recorrente razão relativamente à substância da questão.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Concede-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência, revoga-se o despacho recorrido no segmento assinalado, que deverá ser substituído por outro determinativo da imediata restituição do telemóvel do arguido e do respetivo cartão SIM.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 8 de outubro de 2024.
Beatriz Marques Borges
Filipa Valentim
Fátima Bernardes
__________________________________________________
[1] O Arguido nasceu em (…..).
[2] Cf. neste sentido entre outros Ac. RE datado de 21-06-2022 proferido no P. 900/20.1GCFAR-A.E1, relatado por Maria Filomena Soares e disponível para consulta em:
2022http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f09becda4b735950802588780053940e?OpenDocument.