Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO PRESTAÇÃO DE CONTAS EXEQUIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - a decisão final que aprove as contas proferida no processo especial de prestação de contas constitui título executivo, ainda que não contenha a expressa condenação no pagamento do saldo apurado; - sendo vários os credores do saldo apurado, a aplicação conjugada dos artigos 716.º e 724.º, n.º 1, alínea h), do CPC permite que o Exequente demonstre o montante concreto que lhe cabe nesse saldo, sem prejuízo do contraditório a que está sujeito em sede de oposição por embargos de executado. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Embargado: (…) Recorrida / Embargante: (…) Foi dada à execução a sentença proferida no âmbito do processo de prestação de contas da cabeça-de-casal que correu termos por apenso ao processo de inventário. Em tal sentença foi consignado que se “consideram prestadas as contas” e que se “reconhece um saldo positivo, em abril de 2011, de € 3.070.947,69”, “julgando a ação de prestação de contas procedente, por provada, decidindo: “i) Considerar como verificadas e prestadas as contas, nos termos expostos no quadro supra exarado, de onde resulta, em abril de 2011, um saldo positivo no valor de € 3.070.947,69 (três milhões e setenta mil, novecentos e quarenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos).” II – O Objeto do Recurso A Executada apresentou-se a deduzir oposição à execução mediante embargos invocando, desde logo, a inexequibilidade do título executivo, que o Exequente não dispõe de título executivo. Sustenta que o regime inserto no artigo 944.º, n.º 5, do CPC é inaplicável aos casos de prestação de contas por parte do cabeça-de-casal que correm por apenso aos autos de inventário, pois é nesse processo de inventário que há de fazer-se a distribuição pelos interessados do saldo positivo apurado, segundo o respetivo direito – cfr. artigo 2093.º, n.º 3, do CC. Mais invoca a Embargante que inexiste despacho judicial que determine a concreta quantia que tenha que pagar aos demais interessados, o que implicou que o Exequente encetasse uma operação de liquidação da obrigação com o propósito de apurar o valor do respetivo quinhão. Conclui afirmando que o título é inexequível por dele não constar a obrigação que se pretende executar. Em resposta, o Embargado, seguindo de perto o teor do Ac. TRP de 26/09/2006[1], sustentou que a alteração legislativa operada ao regime do artigo 941.º do CPC traduz que a sentença que reconheça o apuramento de saldo constitui título executivo, ainda que não haja expressa condenação ao respetivo pagamento; o pedido de prestação de contas tem sempre implícita a pretensão de obter a parte que caiba no saldo; ninguém intenta a ação sem pretender receber a parte que lhe cabe, sendo inútil que se deduza nova ação para condenar no pagamento do saldo apurado. Por se tratar de título executivo à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, o Embargado salienta ter procedido à especificação dos valores que considera compreendidos na prestação devida, concluindo o requerimento com um pedido líquido, em cumprimento do disposto no artigo 716.º do Código de Processo Civil. Foi proferido saneador sentença julgando procedentes os embargos dados à execução e declarando a extinta a execução a que estes autos se encontram apensos. O que assentou na argumentação de que, embora a “ação de prestação de contas poder ter cariz condenatório (e não de mera simples apreciação do direito), neste caso a sentença não contempla a condenação da cabeça-de-casal a pagar qualquer valor ao Exequente, nem os elementos necessários que permitam, até por mero cálculo aritmético, definir a medida dessa condenação; era necessário um despacho proferido em sede de inventário ou noutra ação que viesse definir o concreto direito de cada um dos interessados no saldo que veio a ser apurado na sentença de prestação de contas, nomeadamente as percentagens que caberiam a cada um, segundo o seu direito (conforme é definido no art. 2093.º/3 do Código Civil ao referir “havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano”) e, em concreto, que viesse a condenar a cabeça-de-casal a pagar determinado valor ao exequente e definir o direito que o exequente tinha nesse saldo, tendo também em conta a quantia a reter pelo cabeça-de-casal com vista à satisfação dos encargos da administração da herança para o ano seguinte (conforme refere o artigo 2093.º/3, do CPC).” Inconformado, o Embargado apresentou-se a recorrer pugnando pela revogação da decisão, a substituir por outra que declare os embargos improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução para pagamento dos valores devidos. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos: I. «Vem o presente recurso interposto a sentença de Fls. que decidiu procedentes os embargos dados à execução, e declarou extinta a execução. II. Tal sentença deveria ter sido elaborada em respeito ao disposto no artigo 607.º do Código de Processo Civil. III. Como requisitos da sentença, impõe-se que a mesma seja fundamentada e declare os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas. IV. Tal exigência decorre também do art.º 208.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. V. Calcorreada a sentença em crise verifica-se uma total omissão quanto aos factos que se acham provados e não provados, VI. Deste modo, incorre a sentença em nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil. Sem prescindir VII. O exequente, aqui recorrente intentou execução alicerçada em sentença proferida no processo especial de prestação de contas, que considerou verificadas e prestadas as contas e a existência de um saldo positivo. VIII. Por força da execução, o exequente/recorrente, peticionou a quantia correspondente à sua quota parte acrescida de juros vencidos e vincendos e compulsórios. IX. A sentença proferida no processo especial de prestação de contas envolve, necessariamente, uma condenação. X. A prestação de contas, é, assim, uma ação condenatória, representando a existência de um saldo, no caso deste se vir a apurar, constituindo título executivo de acordo com o disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil. XI. Fixado o saldo na sentença condenatória de prestação de contas, cabia ao exequente/recorrente o ónus de especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida, concluindo com um pedido líquido, em cumprimento com o disposto no artigo 716.º do Código de Processo Civil. XII. Apurado o saldo, o valor a considerar para o exequente, dependia exclusivamente de cálculo aritmético. XIII. O exequente/recorrente, utilizou o critério de forma à partilha, especificando os valores que cabia a cada um dos interessados. XIV. A liquidação do valor a pagar ao exequente dependia de mero cálculo aritmético, esgotando-se com a operação de liquidação do requerimento executivo. XV. A quantificação do valor que cabe ao exequente resumia-se em meras operações aritméticas, tendo o exequente/recorrente especificado os valores que considerava compreendidos na prestação devida, concluindo no requerimento executivo com um pedido líquido. XVI. O exequente/recorrente limitou-se a exercer uma atividade meramente mecânica. XVII. O recurso a simples cálculo aritmético, assentou em factos que poderiam ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal, já que resultam do próprio regime legal. XVIII. O exequente/recorrente, mais não fez que aplicar o critério legal que o próprio tribunal utilizou para elaborar o mapa de partilha a que estes autos são apensos e que se acha junto ao articulado de contestação aos embargos. XIX. A própria executada aceitou tal critério como válido, tendo seguido exata e justamente o mesmo, quando invocou a existência de contra crédito, fixando a quota-parte de XX. responsabilidade do exequente, lançando mão do mesmo método de cálculo aritmético. XXI. O próprio tribunal a quo em despacho proferido em 9 de março de 2012, indica a forma de processo a seguir caso o saldo do exequente não fosse pago de forma voluntária. XXII. Deste modo, errou o tribunal a quo ao declarar procedentes os embargos dados a execução e declarada extinta a execução. XXIII. Violados, pois, por erro de interpretação e de aplicação, o vertido nos artigos 607.º, n.º 4, 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), 640.º, 703.º, n.º 1, alínea a), 704.º, 716.º e 724.º do Código de Processo Civil e artigo 208.º, n.º 1 da CRP.» A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, que não enferma de nulidade e apresenta sustentação legal. Cumpre conhecer das seguintes questões: - da nulidade da sentença; - da natureza de título executivo da sentença dada à execução. III – Fundamentos A – Dados a considerar: aqueles que são versados supra, nomeadamente o seguinte: - foi dada à execução a sentença proferida nos autos de prestação de contas da cabeça-de-casal, que correu termos por apenso ao processo de inventário, da qual consta, designadamente, o seguinte: “consideram-se prestadas as contas”, “reconhece um saldo positivo, em abril de 2011, de € 3.070.947,69”, “julgando a ação de prestação de contas procedente, por provada, decidindo: “i) Considerar como verificadas e prestadas as contas, nos termos expostos no quadro supra exarado, de onde resulta, em abril de 2011, um saldo positivo no valor de € 3.070.947,69 (três milhões e setenta mil, novecentos e quarenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos).” B – O Direito Da nulidade da sentença O Recorrente sustenta que na prolação da sentença não foi observado o disposto no artigo 607.º do CPC, que impõe que a mesma seja fundamentada e declare os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas. Ora vejamos. Nos termos do disposto no artigo 154.º, n.º 1, do CPC, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. O artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, por sua vez, determina que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Na senda deste regime legal, o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC estatui que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. É ainda nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), bem como quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil). Em caso de nulidade da decisão, deve o tribunal de recurso conhecer do objeto da apelação – cfr. artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. No caso em apreço, constata-se que, efetivamente, não são enunciados os factos provados relevantes para a tomada de decisão. Contudo, os dados relevantes para apreciar se a sentença dada à execução consubstancia ou não um título executivo alcançam-se do teor da sentença a que se alude no requerimento executivo. Uma vez que os respetivos termos foram enunciados na decisão recorrida, sendo inócua a referência a outros elementos factuais, conclui-se não enfermar ela das apontadas nulidades. Da natureza de título executivo da sentença dada à execução O processo executivo alicerça-se no título executivo, no documento que lhe serve de base (cfr. artigo 703.º do CPC), cabendo ao exequente instruir o requerimento executivo com cópia ou o original do título executivo (cfr. artigo 724.º, n.º 4, do CPC). Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva – artigo 10.º, n.º 5, do CPC. «O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão executiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação.»[2] Nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC, à execução apenas podem servir de base as sentenças condenatórias. “Ao utilizar a expressão sentença condenatória (mantida no atual artigo 713.º-1-a), quis o legislador de 1961 (embora de modo não muito feliz) demarcar o conceito do de sentença de condenação, expressão utilizada no CPC de 1939 e considerada suscetível de ser tomada como equivalente a sentença proferida em ação declarativa de condenação.[3]”[4] A atual redação, acolhida no CPC de 1961, tem o objetivo manifesto de abarcar todas as ações que integram o correspondente efeito.[5] É que nos demais tipos de ação (ação de mera apreciação ou constitutiva – cfr. artigo 10.º, n.ºs 2 e 3, do CPC) pode ser reconhecida obrigação que, de forma expressa ou implícita, suscitem a questão do incumprimento e, bem assim, a da coercibilidade do cumprimento. Consoante a finalidade visada com a propositura da ação, as ações declarativas podem ser: - ações de simples apreciação, para obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; - ações de condenação, para exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; - ações constitutivas, para autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. São exequíveis as sentenças condenatórias, aquelas que enunciam a existência do direito de crédito e a correlativa obrigação. São, porém, também exequíveis, à luz do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC, “quaisquer outras decisões que tenham um caráter injuntivo ou das quais resulte alguma imposição a que o réu (ou o reconvindo) fique adstrito.”[6] Vem sendo discutida a exequibilidade das sentenças cuja vertente condenatória esteja apenas implícita, quando proferidas em ações de natureza constitutiva ou de simples apreciação positiva. A doutrina e a jurisprudência maioritárias vêm assumindo a exequibilidade das sentenças constitutivas de que resulte implicitamente a imposição de uma obrigação, tal como enunciado no CPC anotado citado na nota anterior, a pág. 17. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[7], são suscetíveis de execução as sentenças constitutivas que “contenham de forma implícita um dever de cumprimento”, o que se verifica quando o pedido de condenação se cumule com o pedido de mera apreciação ou constitutivo, formando uma cumulação aparente por se referir à mesma realidade económica. Ora, para além do elemento literal que se colhe do normativo em apreço, importa levar em conta argumentos de caráter histórico e racional. Assim: “É da natureza do título executivo conter o acertamento do direito, de modo que se, em face da sentença, for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a instauração de nova ação declarativa, admitindo-se a apresentação da sentença como título executivo da obrigação que implicitamente foi reconhecida. O facto de a sentença tornar segura, ainda que de modo implícito, a existência da obrigação basta para a sua exequibilidade (…). (…) Exequibilidade que, no processo especial de prestação de contas, é atribuída ao mero facto de as contas apresentadas pelo obrigado representarem um saldo a favor do autor (artigo 944.º, n.º 5) e que, naturalmente, será atribuída também à sentença que aprove as contas, relativamente ao saldo que apresentarem, independentemente de uma expressa condenação”[8]. Não se questiona a exequibilidade de sentenças das quais resulte a inequívoca existência de uma obrigação e o correspondente direito de crédito. Se dela emerge uma condenação implícita no cumprimento de uma obrigação, o fim previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º do CPC já se encontra assegurado, sendo de todo inútil a propositura de nova ação declarativa, sendo a mesma dotada de exequibilidade.[9] Por se tratar de ação de prestação de contas da cabeça-de-casal, processada por apenso ao processo de inventário, a Recorrida invocou que importa atentar no regime inserto no artigo 2093.º, n.º 3, do CC, o que afasta aquela que consta do artigo 944.º, n.º 5, do CPC. O artigo 2093.º, n.º 3, do CC estatui o seguinte: havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano. É que o cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente (cfr. artigo 2093.º, n.º 1, do CC), e anualmente, no final de cada ano, no termo de cada ano de administração, deve distribuir o saldo positivo pelos interessados, retendo o que for necessário para os encargos do novo ano.[10] O caso que temos em mãos não se enquadra neste regime legal: não está em causa a distribuição do saldo anual positivo alcançado, mediante diligência levada a cabo pela cabeça-de-casal, cuidando de atribuir a cada interessado o seu direito no resultado da administração anual, acautelando meios financeiros para fazer face à administração seguinte. De todo o modo, ainda que se trate de saldo decorrente da prestação anual de contas, a aplicação do disposto no artigo 944.º, n.º 5, do Código Civil “não poderá questionar-se quando, apurado definitivamente o saldo e fixada a quantia a reter pelo cabeça-de-casal com vista à satisfação dos encargos da administração relativa ao novo ano, o interessado com direito a receber parte determinada desse saldo, pretenda realizar esse direito.”[11] Não sendo voluntariamente cumprida a obrigação de distribuição do saldo, pode ter lugar a execução contra a obrigada nos termos do n.º 5 do art. 944.º do CPC, que neste domínio tem plena e justificada aplicação.[12] A sentença cujo segmento decisório consiste em considerar verificadas e prestadas as contas de onde resulta, em abril de 2011, um saldo positivo no valor de € 3.070.947,69 (três milhões e setenta mil, novecentos e quarenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), embora não contenha a explícita condenação do prestador das contas a pagar esse saldo aos interessados, consubstancia a declaração do direito de tal modo que dela resulta ser exigível a realização desse pagamento por parte daquela que prestou as contas. Por outro lado, a aplicação conjugada dos artigos 716.º e 724.º, n.º 1, alínea h), do CPC permite que o Exequente interessado demonstre o montante concreto que lhe cabe no saldo apurado. Na verdade, nas situações que dependam de simples cálculo aritmético, tem lugar a liquidação pelo exequente no âmbito do requerimento executivo, tal como previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC. A prestação devida será definida a partir da análise do título executivo e da ponderação de circunstâncias factuais objetivas invocadas, ainda que com recurso a documento complementar. Deverá, assim, o exequente enunciar as operações efetuadas, explicitando o modo como apurou a quantificação da prestação, o que fica sujeito a contraditório em sede de oposição mediante embargos de executado. É que o requerimento executivo pode implicar um conteúdo mais específico (cfr. alíneas e) e h) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC) sempre que não resultem do título executivo elementos demonstrativos da certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação exequenda.[13] Saliente-se ainda que a falta de apresentação, no requerimento executivo, do título executivo ou de qualquer documento suplementar, quando existam, constitui fundamento para a prolação de despacho de aperfeiçoamento que consubstancie um convite à junção do documento em falta. De igual modo, a falta de alegação de factos necessários a satisfazer os requisitos da certeza, da exigibilidade ou da liquidez da obrigação exequenda e ainda de factos que fundamentem o pedido e não constem do título executivo implicam na prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, não comprometendo de forma irremediável a prossecução da execução.[14] Invocou o Recorrente que o valor a considerar como quantia exequenda dependia exclusivamente de cálculo aritmético, pelo que, utilizando o critério de forma à partilha e especificando os valores que cabia a cada um dos interessados, apurou e especificou, no requerimento executivo, o valor que lhe cabe no saldo global apurado. Na verdade, assim foi. Alcança-se do requerimento executivo que impulsionou a execução da decisão judicial de prestação de contas, correndo por apenso ao processo de inventário, que o Exequente indicou que o de cujus deixou a suceder-lhe a mulher e 4 filhos, tendo instituído a mulher como herdeira da sua quota disponível; indicou o modo de divisão do saldo apurado na ação de prestação de contas exarando, passo a passo, os respetivos cálculos. Concluiu que o crédito de que é titular ascende ao montante de € 191.934,23. Uma vez que a decisão final que aprove as contas proferida no processo especial de prestação de contas constitui título executivo independentemente de uma expressa condenação, considerando o teor do requerimento inicial e o facto de a execução se encontrar apensa ao processo de inventário onde está definida a forma à partilha[15], afigura-se resultar afirmado que o processo se encontra instruído com título executivo que sustente a execução. Acolhe-se, assim, a pretensão deduzida em sede de recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida. As custas recaem sobre a Recorrida – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Concluindo: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos no que respeita ao pedido de declaração de inexequibilidade do título nos termos do disposto no art. 729.º n.º 1 al. a) do CPC, determinando o prosseguimento da execução se a tanto nenhum outro fundamento obstar. Custas pela Recorrida. Évora, 27 de janeiro de 2022 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões Ana Margarida Leite __________________________________________________ [1] Relatado por Cândido de Lemos. [2] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, página 33. [3] Anselmo de Castro, A Ação Executiva, página 16; Eurico Lopes Cardoso, Manual, páginas 37 e 38. [4] José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do CPC de 2013, 7.ª edição, página 48. [5] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª edição, páginas 48-50. [6] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. II, 2020, pág. 16. [7] Ação Executiva Singular, página 73. [8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., páginas 18-20. [9] Cfr. Ac. STJ de 08/01/2015 (Abrantes Geraldes). [10] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. VI, página 155. [11] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. III, 4.ª edição, página 90. [12] Ac. TRE de 28/06/2017 (Canelas Brás). [13] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., páginas 47 e 67. [14] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., páginas 72 e 74. [15] Nem sequer se impõe proferir despacho de convite à apresentação do documento que elucide sobre a forma à partilha que foi determinada. |