Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPE AVEIRO MARQUES | ||
Descritores: | REGIME DE SUBIDA DO RECURSO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO LOCALIZAÇÃO CELULAR SIGILO BANCÁRIO RECURSO INTERCALAR | ||
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Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. A recorribilidade imediata prevista para os despachos de admissão ou rejeição de meio de prova não se limita às decisões sobre provas juntas pelas partes e é adequada à impugnação do indeferimento de diligências requeridas ao abrigo do artigo 411.º CPC. 2. O uso oficioso dos poderes instrutórios previstos no artigo 411.º CPC está sujeito aos requisitos gerais: de admissibilidade do meio de prova; da sua manifestação em momento processualmente adequado; da necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e de a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer. 3. Não pode ser ordenada a junção de dados de localização de chamadas de e para uma testemunha por se tratar de prova inadmissível, atento o que decorre do regime aprovado pela Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho. 4. Embora o segredo bancário possa ser dispensado, não tendo sido a questão levantada no momento próprio e visando a diligência afectar a credibilidade do depoimento de uma testemunha, não ficam reunidos os requisitos do artigo 411.º CPC. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 3128/18.7T8PTM-B.E1 (1.ª Secção) Relator: Filipe Aveiro Marques 1.º Adjunto: António Marques da Silva 2.ª Adjunta: Maria Adelaide Domingos *** Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:I. RELATÓRIO: I.A. AA e BB, autores na acção declarativa que moveram contra CC, vieram interpor recurso do despacho proferido em 30/09/2024 (Referência: 133614134), proferido pelo Juízo Central Cível Local 1 - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca Local 2, no segmento que respeita às diligências junto das operadoras telefónicas e ao pedido de informações sobre as entidades emissoras dos cartões de débito e crédito que o R., a sociedade EMP01..., Lda. e a testemunha DD utilizavam em Setembro de 2017 e que indeferiu a pretensão dos ora recorrentes. I.B. Os autores/apelantes apresentaram alegações que terminam com as seguintes conclusões: “1 - O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido em 30 de Setembro de 2024 (no segmento que respeita às diligências junto das operadoras telefónicas e ao pedido de informações sobre as entidades emissoras dos cartões de débito e crédito que o R., a sociedade EMP01..., Lda. e a testemunha DD utilizavam em Setembro de 2017), que, pronunciando-se sobre o requerido pelos AA. na audiência de 15 de Junho de 2022, no sentido da prolação do Tribunal sobre requerimentos probatórios, antes apresentados, considerou que “No que respeita ao requerido no sentido que os operadores telefónicos sejam notificados para informarem os autos sobre as comunicações efetuadas de e para o telefone da testemunha EE, designadamente entre Local 3 e Local 1 e, finalmente, que o tribunal ordene que o Réu, bem como a sociedade EMP01..., Lda. e a testemunha DD, prestem informação sobre as entidades emissoras dos cartões de débito e crédito que utilizavam em setembro de 2017, entende-se que, para além da desnecessidade dos mesmos, nos mesmos termos já acima expostos, ocorre, quanto às pessoas singulares envolvidas, intromissão na sua vida privada, proibida pelo disposto no artº 417º, nº 3, b) do Código de Processo Civil. Efetivamente, a indagação em causa importaria essa intromissão, caso em que os interesses em questão se sobrepõem à obrigação de colaboração com o tribunal, reiterando-se que, sem prejuízo das diligências que o tribunal foi deferindo a requerimento dos autores (que, por um princípio de cooperação, foi até onde era possível) se reputa de desnecessária em face da prova existente nos autos”. 2 - Ora, salvo o devido respeito, os AA. não se conformam com tal decisão, que entendem fazer uma errada aplicação do Direito aos factos, como a seguir se demonstrará. 3 - Dúvidas não restam, que um dos direitos fundamentais processuais consiste no direito à prova, que emerge como corolário do direito de acção e defesa, plasmado no nº 1 do artigo 20º da nossa Constituição. 4 - Tal prova poderá (e deverá) incidir sobre os factos que consubstanciam o objecto do litígio, a saber: a) Factos essenciais ou principais da causa, que constituem a(s) causa(s) de pedir (cf. art. 5, nº 1 do CPC); b) Factos instrumentais e os factos “complementares e concretizadores”, desde que resultem da instrução da causa (cf. art. 5, nº 2, al. a) e b) do CPC); c) Factos que, a título excepcional, o Juiz, oficiosamente pode introduzir na causa (art. 5º, nº 2, al. c) do CPC). 5 - Acresce que, terá, também, que se questionar, no escrutínio dos meios probatórios requeridos, se a admissibilidade de determinado meio de prova, colidirá, ou não, com interesses dignos de protecção, também com dignidade constitucional, maxime, referentes à esfera da vida pessoal dos cidadãos. É que, 6 - Por um lado, o direito à justiça comporta o direito à produção de prova e à justa cooperação entre as partes. 7 - Por outro, o direito à reserva da intimidade da vida privada, visa impedir o acesso de estranhos a informações e garantir que ninguém obtenha e utilize abusivamente informação de que disponha sobre a vida privada de outrem. 8 - Perscrute-se, então: o despacho, ora, objecto do presente recurso, resolverá o alegado conflito, sopesando, de forma criteriosa, os diversos interesses? E avalia, de forma fundada, a necessidade das diligências? 9 - Cremos que a resposta às duas questões terá que ser, inevitavelmente, negativa, o que fundamenta a razão do presente recurso. 10 - Sublinhe-se, antes do mais, e mesmo tendo a noção da sua (quase) irrelevância, na actual sede recursiva, que a posição do Tribunal, perante os meios de prova requeridos pelos AA. e, ora, recorrente, foi, (quase) sempre, titubeante, indefinida e incompreensível nos critérios invocados. 11 - E esta postura do Tribunal, recorrente ao longo de 6 anos (!!...) de tramitação processual é tão mais incompreensível, quanto é certo que estamos perante uma pretensão dos AA., assente em diversas causas de pedir (nomeadamente e no que, ora, releva, circunstâncias em que foi outorgada a procuração, vontade do falecido pai, compreensão por parte do falecido pai do teor do negócio e das suas implicações, abuso de poder por parte do representante), que tinha na sua base, entre outras, a necessidade de prova de 2 factos negativos, nomeadamente, a) A não compreensão do falecido FF do real alcance e sentido da procuração, alegadamente, assinada, e/ou b) A não ida a Local 3 da Dra. DD, para o reconhecimento de tal procuração. 12 - Ora, estando o Tribunal, essencialmente, perante uma prova que, sem a colaboração do R. – que, ostensivamente, nunca se verificou –, seria diabólica ou, virtualmente, impossível, fácil é deduzir que ao abrigo do poder/dever que lhe cabe, de inalienável procura da verdade material (cf. art. 411º CPC), fundamental seria adoptar uma postura condizente com tal demanda vinculativa, maxime, relevando e promovendo, com especial latitude, todas as diligências necessárias à demonstração probatória de factos circunstanciais que conduzissem o processo, da forma mais clara possível, ao seu desiderato último: a descoberta da verdade material. 13 - O que, salvo o devido respeito, nunca se verificou. 14 - Por estas razões, os AA. e, ora, recorrentes, entre outras diligências, requereram a informação das operadoras telefónicas, acerca da localização espacial e temporal de determinados contactos telefónicos e a indicação das entidades emitentes de cartões de débito e crédito, com um único objectivo: demonstrar que a Dra. DD não se deslocou a Local 3, no período entre 20 de Setembro de 2017 e 24 do mesmo mês, para fazer o reconhecimento presencial da assinatura aposta pelo falecido FF, na procuração e respectivo termo de autenticação que permitiria concluir um negócio de cessão de quotas, avaliado em vários milhões de euros. 15 - Na realidade, a localização de chamadas e/ou movimentos bancários efectuados nas datas em questão, permitiriam, com larga probabilidade de sucesso, identificar onde se encontravam a Dra. DD e o R., nas datas em questão. 16 - Na realidade, o Tribunal que indeferiu o requerido (15 meses depois do 1º requerimento dos AA. quanto às operadoras telefónicas e, nessa data, deferido tacitamente…, cf. pag. 7, in fine, desta peça processual), invoca como primeiro fundamento, a desnecessidade de tal diligência. Ora, 17 - Como já referido, a anulação do negócio, propugnada pelos AA., assenta em múltiplas causas de pedir, entre as quais, figuram as circunstâncias de outorga da procuração (que viabilizou o negócio de cessão de quotas), que na sua tese, a ter sido outorgada, não só, não correspondeu à real vontade do falecido FF, que não pretendia o negócio em questão, como, não contou, sequer, com a presença da Dra. DD (o que releva, não só para a formalização de um reconhecimento presencial, como para a própria explicação do acto, alegadamente, efectuado pela testemunha). 18 - Neste contexto, a demonstração probatória que a Dra. DD não se deslocou a Local 3, nos dias 20 a 24 de Setembro de 2017 é, obviamente, nuclear, no que tange à factualidade que se subsume à(s) referida(s) causa(s) de pedir. 19 - Não se afigurando, pois, como desnecessária, por irrelevante para a justa composição do litígio. 20 - Sucede que, por muito que se perscrute a prova produzida em Juízo, resulta evidente que (apesar da facilidade de demonstração probatória, caso tal correspondesse à realidade) nenhuma demonstração probatória, irredutível, foi efectuada, durante 6 anos, sublinhe-se, que nos permita alcançar tal conclusão. 21 - E, a ser assim, nenhuma dúvida pode subsistir que a localização de chamadas telefónicas efectuadas pela Dra. DD, naquelas datas (nomeadamente, dirigidas à Dra. EE e por ambas reconhecida e invocada), permitiria concluir, com elevado grau de certeza, qual o local em que a mesma se encontrava, na referida data da, alegada, outorga da procuração (22 de Setembro de 2017). 22 - Razão porque, não existindo no processo, meios de prova alternativos que demonstrem tal facto, também por aí, a prova requerida não se afigura como desnecessária, mas antes, decisivamente, pertinente. 23 - Acresce que, vem também o Tribunal a quo invocar a intromissão da vida privada das testemunhas, para indeferir o requerido. 24 - Quanto a isso, sempre se dirá, tal como o direito à prova não é um direito absoluto, ilimitado, também o direito à não intromissão na vida privada, enferma das mesmas características. 25 - Desde logo e no que respeita à factualidade controvertida – a presença da Dra. DD em Local 3, nas datas em questão –, parece evidente (em face da absoluta falta de colaboração da testemunha, consubstanciada num depoimento contraditório e inverosímil, nomeadamente no que respeita à ausência de recordação do meio de transporte utilizado numa deslocação ao estrangeiro, efectuada aprox. 2 anos antes, em circunstâncias, alegadamente, especialíssimas…) que, dificilmente, teremos outros meios de prova acessíveis que possam, em tese, revelar-se tão objectivos, no apuramento de tal factualidade. 26 - Na realidade, estando confirmada nos autos, pelas próprias, pelo menos, 2 comunicações telefónicas entre as testemunhas Dra. DD e Dra. EE (Colega que com ela terá colaborado, à distância, no registo do reconhecimento presencial…), na data em questão (22 de Setembro de 2017), fácil seria concluir da veracidade (ou não) de tal facto, mediante a identificação da localização de tais comunicações e, consequentemente, das pessoas em questão. 27 - Ou seja, estamos perante um facto que – atenta toda a tramitação e a posição assumida pelo R. – dificilmente poderá ser provado por outros meios, que não pelo resultado destas diligências (tal como, complementar e/ou subsidiariamente, pela identificação dos movimentos com cartões bancários). 28 - Razões porque, a obrigação de colaboração com o Tribunal é especialmente intensa, visando a correcta administração da justiça, consubstanciadora de um interesse público, inderrogável e com respaldo Constitucional. 29 - Acresce que, no que tange à intromissão na vida privada, estamos perante um interesse que, atentas as circunstâncias concretas, não se revela preponderante, face à realização de Justiça. 30 - Na realidade, o que está em causa, não é, sequer, a devassa de qualquer informação sensível do foro privado (v.g. conteúdo de uma comunicação), mas apenas a localização de uma testemunha, na data em questão, através da localização de comunicações telefónicas (invocadas pelas intervenientes). 31 - Ou seja, o interesse de concretização de Justiça – que se encontra, previsivelmente, dependente desta diligência –, sobrepõe-se, manifestamente, à protecção do Direito à não intromissão na vida privada que, no caso, e atentas as circunstâncias concretas – trata-se, apenas, da confirmação (ou não) a presença de uma testemunha em determinado local, num concreto espaço temporal –, não se reveste, sequer, de especial relevância. 32 - Razão porque, também sobre este prisma, inexiste qualquer fundamento para o indeferimento do requerido. 33 - De facto, o objectivo da informação solicitada pelos AA., tem em vista permitir, a posteriori, que fossem oficiadas as entidades emissoras, para que, naquele período determinado de tempo (20 a 24 de Setembro de 2017) viessem informar o Tribunal de quais os locais em que tinham ocorrido movimentos. 34 - Similares considerações poderão efectuar-se acerca da pretensão dos AA., para que o R., a testemunha Dra. DD e a sociedade EMP01..., Lda., informem quais as entidades emitentes de cartões de débito e crédito que utilizavam em Setembro de 2017. 35 - Mais uma vez, estamos perante uma informação que não se revela, a priori, desnecessária, que não implica, sequer, o conhecimento do conteúdo da transacção, mas apenas o local em que as mesmas foram efectuadas. 36 - Ora, também tal informação e a, eventual, intromissão na vida privada que implica, deverão ser consideradas manifestamente irrelevantes quando sopesadas com o Direito à concretização da Justiça. 37 - Ou seja, também neste caso, o deferimento de tais diligências não só, não se revela desnecessário, atento todo o sobredito (podendo, inclusive, condicionar-se a sua promoção ao resultado das diligências efectuadas junto dos operadores telefónicos), como a sua promoção se revela adequada e proporcional, quanto sobrepesados os interesses em questão. 38 - Razões porque, o despacho recorrido violou o preceituado nos artigos 6º, 7º, 411º, 413º nº 1 e 417º nº 3 b), todos do CPC, devendo, assim, ser substituído por outro que defira o requerido, no que tange ao pedido de notificação da Altice Portugal, a Vodafone Portugal e NOS Comunicações, para informarem nos autos se o telefone com o numero ...89, pertencente à Dr.ª EE, recebeu ou dele foram feitas chamadas telefónicas em 22-09-2017, de e/ou para o estrageiro, se possível de e/ou para País 1, mais especificamente se possível de ou para região de Local 3 e na afirmativa de e para que números e ao pedido que o Réu, EMP01... e a Dr.ª DD, informem nos autos, quais eram as entidades emissoras nos cartões de debito e de crédito que utilizavam em setembro de 2017. (…) Termos em que, com os mais de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V.Exa., deverá o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se, assim, o despacho que violou o preceituado nos artigos 6º, 7º, 411º, 413º nº 1 e 417º nº 3 b), todos do CPC, devendo, assim, ser substituído por outro que defira o requerido, no que tange ao pedido de notificação da Altice Portugal, a Vodafone Portugal e NOS Comunicações, para informarem nos autos se o telefone com o numero ...89, pertencente à Dr.ª EE, recebeu ou dele foram feitas chamadas telefónicas em 22-09-2017, de e/ou para o estrageiro, se possível de e/ou para País 1, mais especificamente se possível de ou para região de Local 3 e na afirmativa de e para que números e ao pedido que o Réu, EMP01... e a Dr.ª DD, informem nos autos, quais eram as entidades emissoras nos cartões de debito e de crédito que utilizavam em setembro de 2017, com todas as consequências que daí advêm. Desse modo, fará V.Exa., a costumada JUSTIÇA” I.C. O réu/apelado apresentou resposta que termina com as seguintes conclusões: “A) A apelação aqui em crise foi interposta do despacho proferido em 30 de Setembro de 2024, no segmento em que rejeitou o pedido dos Autores no sentido de o tribunal a quo diligenciar oficiosamente junto das operadoras telefónicas, bem como no que respeita ao pedido de informações sobre as entidades emissoras dos cartões de débito e crédito que o R., a sociedade EMP01..., Lda. e a testemunha DD utilizaram em Setembro de 2017. B) Os Autores não recorrem de qualquer despacho que tenha indeferido um meio de prova junto ou requerido pelos Autores nos autos. C) O preenchimento da previsão do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), conjugado com o artigo 645.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, pressupõe que a decisão recorrida admita ou rejeite algum meio de prova que haja sido junto ou requerido pela parte. D) Não estando em causa a admissão ou rejeição de um meio de prova junto ou requerido pela parte, mas sim a rejeição de determinada actuação ex officio, a respectiva decisão não é susceptível de apelação autónoma. E) A decisão recorrida não se subsume, igualmente, à al. h) do n.º 2 do art. 644º do CPC – “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”. F) Por conseguinte, a decisão ora em crise só é recorrível a final, pelo que se afigura inadmissível a presente apelação autónoma. G) Cabe exclusivamente ao tribunal da causa decidir se deve actuar ex officio, mesmo que tal actuação seja requerida pela parte, no âmbito dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 411º do CPC (“princípio do inquisitório”). H) A actuação ex officio do juiz, no âmbito do artigo 411º do CPC, não tira às partes o ónus de alegar, oportunamente (no articulado próprio), os factos que enformam o objecto da causa, nem o ónus de requerer oportunamente a produção de prova relativamente aos mesmos, observando todas as normas legais aplicáveis e, bem assim, as preclusões que resultam do não exercício (ou do não exercício atempado) de qualquer direito ou faculdade processual. I) O não exercício de direitos e faculdades processuais atinentes ao cumprimento do ónus de alegação e do ónus da prova não pode ser suprido, ainda que ex officio, pelo tribunal, não podendo este substitui-se às partes no cumprimento dos ónus que apenas sobre elas recaem. J) Resulta dos vários despachos proferidos ao longo do processo pelo M.m.º Juiz a quo, no uso do seu poder-dever, que este ponderou as circunstâncias do caso e decidiu pela desnecessidade da obtenção (por via oficiosa, refira-se) da prova, conforme requerido pelos Autores. K) O direito à produção de prova não implica a admissão de todos os meios de prova permitidos em Direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, pese embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser devidamente fundamentada. L) No presente caso, questiona-se a admissibilidade dos meios de prova pretendidos pelos Autores (e cuja obtenção ex officio foi rejeitada pelo tribunal a quo), porquanto a sua obtenção colide com interesses e direitos fundamentais dignos de proteção constitucional (no caso, a reserva da intimidade da vida privada). M) O direito à tutela judiciária não pode ser exercido a qualquer preço, designadamente, com o sacrifício dos direitos à integridade moral e psíquica, à não intromissão na vida privada, no domicílio e na correspondência ou à protecção dos dados pessoais. N) No presente caso, não existe qualquer fundamento que autorize a pensar que o recurso probatório pretendido pelos Autores, ora Recorrentes (ainda que ex officio), e que está em causa na apelação, seja imperioso e insubstituível em ordem à demonstração dos factos a que se destina e, como assim, que sem ele o direito de defesa judicial (rectius, de acesso aos tribunais) dos Autores seja posto em causa. O) Pelo contrário, a procedência da pretensão dos Recorrentes (com a revogação do douto despacho recorrido) desguarnece, faz perigar e viola manifestamente o direito do Réu, das testemunhas EE e DD, e da sociedade EMP01..., Lda., à reserva da intimidade da vida privada e do sigilo das comunicações e informações bancárias. P) Acresce que já existem nos autos elementos atinentes à deslocação da testemunha DD a Local 3, concretamente, declarações dessa mesma testemunha, da testemunha EE e do próprio Réu, tudo meios de prova que foram requeridos pelo Réu e nunca pelos Autores, sendo que poderiam os mesmos ter oportunamente requerido a produção de tal prova. Q) Para além disso, foram os próprios Autores que prescindiram da testemunha GG, companheira de longa data do Sr. FF, com quem viveu em condições análogas à de cônjuge por mais de 20 (vinte) anos, a qual poderia confirmar, entre outras coisas, se conhecia a Dra. DD, se o Sr. FF compreendia e falava de forma razoável o português e, mais importante, se esteve com a referida testemunha no dia 22 de Setembro de 2017. R) Por conseguinte, também por estes motivos o recurso apresentado deverá improceder, mantendo-se o despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo. Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências, Ilustres Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser rejeitada a admissão da apelação, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº 5 do Código de Processo Civil, por o despacho em crise não ser autonomamente recorrível. Caso assim se não entenda, o que apenas hipoteticamente concebemos, deverá ser julgada totalmente improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido na ordem jurídica, Com o que este Venerando Tribunal certamente fará a necessária e devida JUSTIÇA!” I.D. O recurso foi recebido pelo Tribunal a quo. Após os vistos, cumpre decidir. *** II. QUESTÕES A DECIDIR: As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). No caso, impõe-se apreciar se: a) A decisão é imediatamente recorrível; b) Devem ser admitidas as diligências de prova requeridas. * III. FUNDAMENTAÇÃO: III.A. Questão prévia da admissibilidade do recurso: Invoca o réu/recorrido, ao contrário do que defendem os recorrentes e o Tribunal a quo (ao admitir o recurso a subir em separado), que o despacho recorrido não admite recurso imediato. Prescreve o artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil que “Cabe ainda recurso de apelação (…) d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”. Nas palavras de Abrantes Geraldes[1], “atento o relevo dos meios de prova para a resolução dos litígios, sendo questionada a sua admissão ou a sua rejeição, justifica-se que tal decisão seja objeto de impugnação imediata. A previsão legal abarca designadamente os casos em o juiz admite ou não o depoimento de parte ou a prova por declarações de parte, admite ou rejeita um rol de testemunhas, autoriza ou não o seu aditamento ou substituição, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspeção judicial, admite ou desconsidera determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros”. Ou seja, a excepcional admissibilidade de recurso imediato com os fundamentos previstos nesta alínea tem como escopo atenuar os efeitos negativos que poderiam produzir-se ao nível da tramitação processual ou da estabilidade das decisões que põem termo ao processo. A sujeição de tais decisões a impugnação diferida para o recurso da decisão final potenciaria o risco de anulação do processado, para ponderação ou não ponderação dos meios de prova que tivessem sido mal rejeitados ou admitidos (neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017, processo n.º 1860/15.6T8FAR.E1[2]). Não faz sentido, como pretende o réu/recorrido, limitar a recorribilidade imediata às decisões sobre provas juntas pelas partes (distinção que não se encontra na letra da lei), já que a letra e o espírito apontam para um sentido mais amplo: quando se indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros ainda se está a tomar posição sobre a admissibilidade de um meio de prova e, como tal, essa decisão pode ser imediatamente recorrível. Sendo o recurso admissível, cumpre conhecer o seu objecto. * III.B. Fundamentação de facto: III.B.1 Factos provados: Considera-se provada a seguinte factualidade com interesse para a decisão incidental: 1. Os autores vieram demandar o réu pedindo que, pela procedência da acção, deve ser “a) Declarada a anulação da cessão de quotas, relativa à quota com o valor nominal de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros), efectuada por contrato celebrado em 10 de Novembro de 2017, entre FF e o R., CC, relativo à sociedade EMP01..., Lda., NIPC: ...64; b) Ordenado o cancelamento do registo da cessão de quotas, efectuado em 14 de Novembro de 2017 a favor de CC (Menção Dep. 246/2017-11- 14 / cf. Doc. nº 6) e de eventuais cessionários posteriores; c) Declarados proprietários da referida quota, os herdeiros de FF; d) Condenado o R. a pagar aos Herdeiros de FF, a quantia a apurar em incidente de liquidação de sentença (artigo 359º CPC), mas que se estima em valor nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de distribuição de lucros, inerentes à propriedade da quota, objecto do presente processo, correspondentes ao exercício de 2017 e até à data de cancelamento do registo, supra peticionado”. 2. Alegaram, muito em suma e além do mais, que a cessão de quotas foi outorgada pelo réu em nome próprio (como cessionário) e em representação de seu pai (como cedente) com base numa pretensa procuração subscrita pelo cedente em 22/09/2017; nessa data o cedente estava doente e residia em País 1 e não se deslocou a Portugal, nem percebia o Português e a advogada que subscreveu o termo de autenticação da procuração também não se deslocou a País 1. 3. A questão da não deslocação da advogada a País 1 (artigo 33.º da PI) foi integrada nos temas da prova, no âmbito da audiência prévia realizada nos autos em 17/06/2019. 4. Já no decurso da audiência de julgamento, em 15/06/2024, os autores apresentaram requerimento do seguinte teor: “Em 23-03-2024, foi requerido pelos Autores que o Tribunal notificasse a Altice Portugal, a Vodafone Portugal e NOS Comunicações, para informarem nos autos se o telefone com o numero ...89, pertencente à Dr.ª EE, receberá ou dele foram feitas chamadas telefónicas em 22-09-2017, de e/ou para o estrageiro, se possível de e/ou para País 1, mais especificamente se possível de ou para região de Local 4 e na afirmativa de e para que números. Por despacho de 24-05-2023, o Tribunal orneou a notificação dos Autores para esclarecem que factos pretendem provar “, o que foi por estes esclarecido em 09-06-2023. De forma incompreensível, por despacho de 23-06-2023, o Tribunal mandou oficiar o processo criminal com o numero 712/16...., para facultar tais informações ou veio apurar-se que a Dr.ª DD era nesses autos defensora oficiosa do arguido, pelo que não se percebe como do mesmo poderiam constar tais informações das requeridas operadoras de comunicações. E naturalmente não constavam, como resultou da informação prestada por esses autos. Razão porque os Autores insistiram na notificação dessas operadoras, por requerimento de 20-06-2024, recebendo como resposta o despacho de 12-07-2024, de que consta que “o Tribunal entende não serem necessárias mais diligências probatórias”, embora sem se referir especificamente a esta. Ora, se em 23-06-2023, o Tribunal entendia pertinente oficiar a outro processo, embora de forma absurda, para obter tais informações, não pode o mesmo Tribunal dizer um ano depois que as mesmas não são necessárias – embora sem se referir expressamente a estas e sem explicar alteração do seu entendimento. Razão porque se pretende que o Tribunal, defira ou indefira este requerimento probatório de forma fundamentada, para que, também sobre tal despacho, os Autores possam reagir “pela forma própria”. 4º – Depois de deferido por despacho 02-03-2024, o requerimento dos Autores de 25-01- 2024, sobre o pedido de informação à “SIBS”, sobre a identificação de cartões de débito e de crédito titulados pelo Réu, pela EMP01..., e a Dr.ª DD relativos a setembro de 2017, depois disso se ter procedido a notificação das entidades emissoras desses cartões e para informarem nos autos os movimentos dos mesmos entre 20 e 24-09-2017, aquela instituição informou não o poder fazer e que só o bancos e as entidades emissores dos cartões o poderiam fazer. Razão pela qual os Autores requeram em 22-03-2024, que o Réu, EMP01... e a Dr.ª DD, informassem nos autos, quais eram as entidades emissoras nos cartões de debito e de crédito que utilizavam em setembro de 2017. A este requerimento respondeu o Réu em 11-04-2024. Do que o Tribunal o conclui, por despacho 04-06-2024, que o Réu “não terá disponibilidade para juntar aos autos outros elementos para além dos já juntos”, afirmando então “que não necessitará e outros esclarecimentos ou diligências”. Renovando o por si requerido em 20-06-2024, realçando até que EMP01... e a Dr.ª DD, não tinham sido sequer ouvidos, o Tribunal, por despacho genérico e não fundamentado de 12-07-2024, disse que entender “não serem necessárias mais diligencias probatórias”. Com isto contradisse o Tribunal, quanto tinha deferido por despacho de 02-03-2024, sem justificar, e não permitir aos Autores uma reação “pela forma própria”. 5º – Conclusão: Assim se requerendo a prolação de despachos fundamentados deferindo ou indeferindo os quatros meios probatórios acima elencados.” 5. Foi, nessa sequência, proferido o despacho recorrido: “Em 15 de julho de 2024, vieram os AA. requerer no sentido de se determinar que a testemunha DD apresente nos autos os originais dos documentos juntos por aqueles como Docs. nº 4 e 5 no requerimento de 07-10-2019 (Ref.ª Citius 33621701), que seja novamente inquirida a testemunha DD, que os operadores telefónicos sejam notificados para informarem os autos sobre as comunicações efetuadas de e para o telefone da testemunha EE, designadamente entre Local 3 e Local 1 e, finalmente, que o tribunal ordene que o Réu, bem como a sociedade EMP01..., Lda. e a testemunha DD, prestem informação sobre as entidades emissoras dos cartões de débito e crédito que utilizavam em setembro de 2017. O R. opôs-se ao requerido. Cumpre apreciar. Quanto ao requerido no sentido de se determinar que a testemunha DD apresente nos autos os originais dos documentos juntos por aqueles como Docs. nº 4 e 5 no requerimento de 07-10-2019 (Ref.ª Citius 33621701) e de que seja novamente inquirida a testemunha DD, diremos o seguinte: No acórdão da Relação de Évora de 10 de dezembro de 2021, no apenso A destes autos, foi, em relação ao depoimento da testemunha DD referido que: “a testemunha prestou juramento e foi inquirida sobre toda a matéria factual vertida nos autos, apenas se recusando depor quanto àquela não vertida nos autos.”. É, porém, certo que, daí para cá a situação se alterou, porquanto, em 21 de março de 2023, foi admitida a apreciação na causa do facto respeitante ao modo como fora elaborada a procuração emitida pelo A. BB ao R. (e a que se reportam os documentos referidos), nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil. Dispõe este artº 5 que: 1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Como referem António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, p. 29), tal circunstância legitima as partes a requererem a produção de novos meios de prova ou a renovação dos já produzidos, no sentido de fazer prova ou contraprova dessa factualidade. Aqui chegados, porém, verifica-se que: A testemunha DD já prestara depoimento, invocando sigilo profissional quanto a tais factos. O incidente de dispensa de sigilo profissional não prosseguiu, pose ter entendido que ocorria desnecessidade do mesmo. Continua a entender-se do mesmo modo no presente momento. Vejamos o que, a propósito, dispõe o artº 417º do Código de Processo Civil: 1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. 2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. 3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4. 4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado. E o artigo 135º do Código de Processo Penal, para o qual o referido artº 417º remete, dispõe que: 1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável. 5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso. Ora, entende-se, perante a referida invocação, que ora se volta a ter de sopesar, que não se mostra imprescindível o referido depoimento para a descoberta da verdade, face à prova que os autos já contêm e às posições que as partes foram adotando no decurso do processo (o que será devidamente explicitado em sede de decisão final, não cabendo apresentar essa explanação antes de as partes produzirem as suas alegações, até porque os argumentos nessa sede apresentados podem influenciar o tribunal e determiná-lo a, eventualmente, lançar mão do disposto no artº 411º, conjugado com o artº 607º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil). Do mesmo modo, no que concerne à junção dos originais de documentos, entende-se não ser a mesma necessária, por já existir prova bastante nos autos, havendo, desde logo, para apreciar as cópias dos mesmos as cópias dos mesmos. No que respeita ao requerido no sentido que os operadores telefónicos sejam notificados para informarem os autos sobre as comunicações efetuadas de e para o telefone da testemunha EE, designadamente entre Local 3 e Local 1 e, finalmente, que o tribunal ordene que o Réu, bem como a sociedade EMP01..., Lda. e a testemunha DD, prestem informação sobre as entidades emissoras dos cartões de débito e crédito que utilizavam em setembro de 2017, entende-se que, para além da desnecessidade dos mesmos, nos mesmos termos já acima expostos, ocorre, quanto às pessoas singulares envolvidas, intromissão na sua vida privada, proibida pelo disposto no artº 417º, nº 3, b) do Código de Processo Civil. Efetivamente, a indagação em causa importaria essa intromissão, caso em que os interesses em questão se sobrepõem à obrigação de colaboração com o tribunal, reiterando-se que, sem prejuízo das diligências que o tribunal foi deferindo a requerimento dos autores (que, por um princípio de cooperação, foi até onde era possível) se reputa de desnecessária em face da prova existente nos autos. Termos em que se indefere o requerido, mantendo-se a designação de data para conclusão do julgamento com a produção de alegações.”. * III.C. Fundamentação jurídica: Pretendem os autores/apelantes: a) a notificação da Altice Portugal, a Vodafone Portugal e NOS Comunicações, para informarem nos autos se o telefone com o número (…), pertencente à Dr.ª EE, recebeu ou dele foram feitas chamadas telefónicas em 22/09/2017, de e/ou para o estrangeiro, se possível de e/ou para País 1, mais especificamente se possível de ou para região de Local 3 e na afirmativa de e para que números; e b) que o Réu, EMP01... e a Dr.ª DD, informem nos autos, quais eram as entidades emissoras nos cartões de débito e de crédito que utilizavam em Setembro de 2017 para, posteriormente, se oficiarem essas instituições para que prestem informações sobre a localização das transacções efectuadas. De notar que o requerimento dos autores que foi indeferido pelo despacho recorrido foi apresentado no decurso do julgamento. E, como se comprova facilmente pela leitura das alegações de recurso, como visível reacção ao depoimento de uma testemunha. Assim, não estando a questão colocada ao nível dos requerimentos de prova apresentados no momento próprio (nos articulados e audiência prévia – cf. artigo 598.º do Código de Processo Civil – atenta a data em que, nos autos, esta diligência se realizou e a data em que vem a ser apresentado o requerimento pelos autores que foi indeferido no despacho recorrido), apenas ao nível do princípio do inquisitório se poderia apreciar a pretensão dos autores/recorrentes. Ora, dispõe o artigo 411.º do Código de Processo Civil que: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. O princípio do inquisitório aqui descrito permite que o Tribunal actue oficiosamente fora das condições previstas no artigo 423.º, 429.º e 432.º do Código de Processo Civil, quando se torna necessário requisitar documentos ao abrigo do disposto do artigo 436.º do mesmo diploma ou quando se verifica outra situação de carácter análogo que justifique o emprego de diligências pertinentes ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Como defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[3], da confluência desta norma com outras, como o disposto no artigo 139.º do Código de Processo Civil, pode retirar-se que, nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar o princípio do inquisitório, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade. Importa, no entanto, utilizar um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade. A característica essencial desse poder-dever é a sua exclusiva funcionalização a um interesse ou uma finalidade muito concreta: o juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia concreta suscitada no processo. De resto, o princípio do inquisitório não afasta a auto-responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, tempestivamente nos momentos processuais próprios, os meios de prova. O princípio do inquisitório não é, nem pode ser, pretexto para as partes delegarem ou confiarem no Tribunal a realização de diligências probatórias, recaindo, pois, sobre elas o ónus da iniciativa da prova. As competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora de inércia (ver Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[4]). Em regra, se a parte podia ter requerido certa diligência probatória e não o fez, a intervenção do juiz substituindo-se a ela, violará o princípio da preclusão e o da autorresponsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo, pois estaria a permitir a prática de um acto já precludido, a esvaziar a autorresponsabilidade de uma das partes e eventualmente a favorecer a outra (ver Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/03/2019, processo n.º 141/16.2T8PBL-A.C1[5]). Conforme defende Nuno de Lemos Jorge[6] e tem sido seguido por alguma jurisprudência (ver Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães datados de 15/10/2020, processo n.º 2023/19.7T8VNF-A.G1[7], e de 4/05/2020, processo n.º 659/18.2T8GMR-A.G1[8], além do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/06/2024, processo n.º 3211/16.3T8STR-C.E1[9]), o uso oficioso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a sua manifestação em momento processualmente adequado; iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer. No caso, não estão preenchidos todos esses requisitos. Desde logo, como aponta o despacho recorrido, os meios de prova em causa não são, à partida, admissíveis. A) Quanto aos dados de localização das chamadas (pretendem os autores não só a identificação da origem das chamadas que foram feitas para o número de uma pessoa que não é parte neste processo, como a identificação dos números que foram contactados por esse número como, ainda e sobretudo, a localização geográfica no momento em que se realizaram chamadas para e desses números, para se saber se algum deles esteve em País 1) basta atentar no regime que decorre da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho (que visou transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações). É a esse regime que se tem de recorrer para verificar em que medida os fornecedores dos serviços de comunicações podem: em primeiro lugar, conservar os dados necessários para encontrar e identificar a fonte e/ou o destino das comunicações; e, em segundo lugar, transmitir esses dados a terceiros. Da conjugação dos artigos 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, alínea f), do referido regime, os fornecedores dos serviços de comunicações devem conservar os dados “pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação” mas, sobretudo, devem “destruir os dados no final do período de conservação, excepto os dados que tenham sido preservados por ordem do juiz”. Tratando-se de comunicações que terão ocorrido em 2017, naturalmente que os dados já não estão guardados. Não podem, sequer, estar guardados[10]. Por outro lado, como decorre do artigo 9.º do regime, os dados só podem ser transmitidos após autorização “por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves”. Manifestamente, no caso não se trata de investigar crimes graves[11]. Dado o cuidado do legislador no manuseamento e protecção desses dados (basta ver o tipo penal previsto no artigo 13.º dessa lei), é manifesto que se trata de informação muito sensível, que diz respeito aos direitos e as liberdades das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais, nomeadamente o seu direito à privacidade. De resto, nos termos do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e da sua correspondência e as autoridades públicas só podem interferir no exercício deste direito nos termos previstos na lei e, quando essa ingerência for necessária, numa sociedade democrática, designadamente, para a segurança nacional ou para a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. Assim, resulta claro que os dados que os autores pretendem obter violam o direito de privacidade de quem não é parte no processo e, por outro lado, nem sequer estão disponíveis (por não poderem, sequer, ser guardados – atendendo ao tempo decorrido – pelas operadoras cuja notificação se pretendia) pelo que, de forma inultrapassável, nunca poderiam ser utilizados nestes autos. Face a este regime, só pode concluir-se que este meio de prova pretendido não é admissível, o que impede o recurso ao regime do artigo 411.º do Código de Processo Civil. B) Quanto aos dados dos cartões de crédito o que pretendem os autores é, evidentemente, o mesmo: ou seja, vir a obter a localização geográfica, através da consulta dos extratos bancários, de determinadas pessoas – sobretudo da testemunha referida nas alegações de recurso e que, relembre-se, não é parte do processo. Em primeiro lugar, quanto à notificação de quem não é parte do processo para vir juntar informação financeira, naturalmente que (como decorre do artigo 417.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil) sempre a recusa de cumprimento seria legítima. E, ainda que perante essa recusa se notificassem as instituições bancárias a operar em Portugal para vir indicar essa informação, sempre tal intenção esbarraria no dever de segredo que sobre elas impende. Na verdade, as instituições bancárias estão submetidas a um dever de segredo (cf. artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações). Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/95, de 31/05/1995[12], “a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido”. O problema é que, como resulta claro do que já se deixou expresso, a obtenção da localização de um cidadão é uma intromissão na sua privacidade. E, através de dados bancários (como sempre será a lista de operações provenientes da utilização de cartões de débito ou crédito) a intromissão é ainda mais acentuada (já que, a reboque da informação sobre a localização, virão informações sobre quaisquer compras realizadas, transferências e recebimentos – e é sabido que esse tipo de operações espelha, nos dias de hoje, uma biografia muito aproximada de cada sujeito). Também neste ponto, por isso, a prova não será, à partida, admissível. * Mas, se no caso dos dados relativos às comunicações telefónicas (mesmo que a simples origem ou destino das chamadas, como se viu) a falta de admissibilidade do meio de prova é inultrapassável (o que leva, necessariamente, à improcedência dessa parte do recurso), pode argumentar-se (como pretendem os recorrentes) que o sigilo bancário poderia ser afastado por dever prevalecer, no caso concreto, o seu direito à prova. Na verdade, em situações de normalidade, notificada uma instituição bancária para prestar informação ou juntar documentos e deduzida a escusa com fundamento na violação do sigilo profissional, poderia atender-se, por força do estatuído no n.º 4 do artigo 417.º do Código de Processo Civil, ao disposto no artigo 135.º do Código de Processo Penal, designadamente às normas constantes dos seus n.ºs 2 e 3. E seria o Tribunal da Relação, em incidente próprio, a sopesar o dever de sigilo (que, para além da protecção dos direitos pessoais, como o bom nome, a reputação e a reserva da vida privada, visa o regular funcionamento da actividade bancária, que pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem) com o dever de colaboração com a administração da justiça que tem por finalidade a satisfação de um interesse público: a realização da Justiça, na vertente relativa à aquisição processual da prova. Ou seja, o sigilo bancário poderia, em tese, ser afastado (ver, desde logo, o acima citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/95, de 31/05/1995 e a fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008 de 13/2/2008[13]: “esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto”). Acontece que entrando, então, em análise os demais requisitos de aplicação do regime do artigo 411.º do Código de Processo Civil (ou seja, para se apurar se deveria o juiz a quo iniciar os procedimentos tendentes a operar o levantamento do sigilo) se verifica que não foi a questão levantada pelos autores no momento próprio e, como foi expressamente analisado no despacho recorrido, ocorre uma desnecessidade da diligência para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio. Tendo a fase de apresentação normal das provas terminado em 17/06/2019 (seria nessa data, a da audiência prévia, tendo em conta que se tratava de provar um facto alegado desde o início do processo, que tinha de ser apresentada a prova), não podem os autores esperar que no decurso do julgamento ainda se possa (sem violar o princípio da preclusão e o da autorresponsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo) iniciar o moroso (e incerto – já que a apreciação final pertence ao Tribunal superior) procedimento tendente ao levantamento do sigilo bancário. Por outro lado, uma vez que os autores visam, em substância (ver conclusões 25 e 26 dos recorrentes), abalar a credibilidade de uma testemunha, bem se compreende que o Tribunal a quo tenha julgado desnecessária a diligência. O regime do artigo 411.º do Código de Processo Civil está previsto para o apuramento de factos e não para se afastar a credibilidade de testemunhas a pedido de alguma das partes. Acresce que, em regra, a parte não pode substituir-se ao juiz a quo e impor o seu próprio critério de necessidade da prova. Não é a parte que determina se o tribunal necessita ou não de mais esclarecimentos e que estes se poderão obter por determinado meio de prova. Não se vislumbra, por isso, que com a não realização do pretendido pelos autores exista uma ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos (ver Nuno Lemos Jorge[14]). Assim, no caso concreto, não está demonstrada a necessidade da diligência intrusiva proposta pelos autores. Improcedem, consequentemente, as alegações dos autores e, por isso, deve manter-se o despacho recorrido. Custas: Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida no recurso. No caso, os autores/apelantes ficaram vencidos e, por isso, devem ser condenados nas custas do recurso. *** IV. DECISÃO: Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se o despacho recorrido. Condena-se os autores/apelantes nas custas do recurso. Notifique. Évora, 5/12/2024 __________________________________________________Filipe Aveiro Marques António Marques da Silva Maria Adelaide Domingos [1] Recursos em Processo Civil, 7ª Ed., Almedina, pág. 253. [2] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e58f5f386125fbee802581af004648d1. [3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Ed., pág. 503. [4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Ed., pág. 528. [5] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f5dd17791cbbbcbb802583d90053211b. [6] “Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, n.º 3, 2007, pág. 66. [7] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/05ea3925cbf3ccc68025860e00512bd8. [8] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/3c067c6868b42a208025857500463cc1. [9] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7871d860aacbc97d80258b4600303dbb. [10] De notar que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 268/2022, de 3 de Junho, publicado no Diário da República n.º 108/2022, Série I de 2022-06-03, decidiu: “Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição”. Assim deixou de ser possível qualquer conservação de dados de localização. [11] O Tribunal Constitucional, no mesmo Acórdão n.º 268/2022, de 3 de Junho, decidiu: “Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição”. [12] Acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950278.html. [13] Publicado no Diário da República, I.ª série, de 31/3/2008 (https://files.dre.pt/1s/2008/03/06300/0187901885.pdf) e também acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0d46878113b5a2c9802573f0003605e3. [14] “Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, n.º 3, 2007, pág. 77. |