Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6/24.4PALGS-B.E1
Relator: CARLA FRANCISCO
Descritores: PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
Data do Acordão: 11/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: Há perigo de continuação da actividade criminosa se um arguido, indiciado pela prática de um crime de tráfico de droga, não tem emprego estável e necessita da actividade de tráfico para custear as suas despesas e as do seu agregado familiar.
O tráfico de estupefacientes tem consequências dramáticas para a saúde pública e está associado à prática de outros ilícitos criminais contra as pessoas e contra o património, o que gera forte perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.

Na generalidade dos casos de crime de tráfico de estupefacientes o perigo de continuação da atividade criminosa só ficará afastado com a prisão preventiva, dado que o tráfico, pelas circunstâncias que o facilitam, não será impedido, nem dificultado, com a aplicação de outra medida de coação, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação.

A decisão que aplica uma medida de coação é um despacho e não uma sentença, pelo que não pode a mesma padecer das nulidades previstas no art.º 379º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório

Nos autos de inquérito nº 6/24.4PALGS do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Instrução Criminal de … - Juiz …, em sede de 1º interrogatório judicial, foi proferido despacho, datado de 16/07/2024, no qual foi aplicada ao arguido AA a medida de coação de prisão preventiva, de acordo com o disposto nos arts.º 191º, 192º, 193º, 194º, 202º, nº 1, al. a) e 204º, alíneas b) e c) do Cód. Proc. Penal.

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Inconformado com esta decisão, veio o arguido interpor o presente recurso, pretendendo a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, formulando as seguintes conclusões:

“ 1 - O art.º 193.º n.º 3 do CPP prioriza a aplicação da medida de Obrigação de Permanência na Habitação” quando couber ao caso medida de coacção de prisão preventiva”.

2. Não excluindo qualquer tipo, como o de tráfico de droga.

3. Sendo que o sentido de aplicação deste preceito se mostra uniforme para todos os crimes em apreço ou cuja moldura penal seja de máximo superior a 3 anos

4. Se o crime de tráfico de droga fosse excluído do âmbito da Lei, o citado art.º 193.º n.º 3 do CPP tinha de lhe fazer referência, o que não sucede.

5. Ao fundamentar a necessidade de prisão com a eventual incumprimento por parte do arguido – e a possibilidade de o mesmo continuar a traficar a partir de casa, “com a evolução dos meios tecnológicos” (SIC – a pág. 59 do douto despacho), o douto despacho recorrido procede à formulação de um juízo não autorizado de prognose desfavorável para o arguido, partindo do pressuposto (não indiciado nem detetado nos autos) de que o arguido irá continuar a traficar para sempre,

6. Argumento que não pode – ou não deve - ser considerado por partir de uma suspeita não verificada, de uma mera convicção/suposição da instância e ainda porque é certo que a partir da prisão também se pode traficar, existindo também aí meios tecnológicos, telemóveis e sms.

7. Por isso – ao conhecer do que não podia ou não devia conhecer - foi cometida, no douto despacho recorrido, a nulidade de excesso de pronúncia – art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP.

8. Sem conceder, e cabendo agora, verificar, se na verdade, o douto despacho judicial no que à decisão da medida de coacção respeita, executou, com rigor desejável, as disposições citadas do nosso Direito Penal Adjectivo e Constitucional, que regulam as medidas de coacção e ainda se, nessa parte, o douto despacho de que se recorre observou, na íntegra, os princípios inerentes à aplicação da medida de prisão preventiva, terá de concluir-se que ao decidir como decidiu a instância violou o disposto no art.º 193.º n.º 3 do CPP, o art.º 28.º n.º 2 da Constituição da República.

9. Ambos por erro de interpretação.”

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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

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O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:

“1. No que tange à medida de coacção aplicada, devemos atender à gravidade e à natureza do crime doloso fortemente indiciado no presente inquérito - o crime de tráfico de estupefacientes, na forma consumada, é punível com pena de prisão cuja moldura abstracta se situa entre 4 a 12 anos.

2. Dos indícios constantes dos autos, importa também considerar toda a conduta do arguido AA, ora recorrente.

3. Todo o indiciado circunstancialismo, tal como resulta do despacho recorrido, permite concluir pela existência concreta do perigo de continuação da actividade crirninosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, nos termos do art.204.º do Código de Processo Penal.

4. Acompanhando o entendimento do Mm.º Juiz de Instrução Criminal, e, no quadro do crime em investigação nos autos, entendemos que a prisão preventiva é a única medida de coacção capaz de acautelar eficazmente as exigências cautelares que no caso se fazem sentir.

5. Efectivamente, a medida de coacção proposta pelo arguido AA, em sede de recurso, no caso concreto, não é adequada aos fins cautelares que se pretende atingir, pois não é susceptível de evitar, in casu, a continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas. Face à gravidade da conduta imputada a este arguido, é manifesta e revela total insensibilidade para com elementares valores jurídicos.

6. A medida de coacção aplicada, é proporcional à gravidade do crime bem como da punição que previsivelmente será aplicada ao aqui recorrente, atenta a moldura penal que lhe é abstractamente aplicável.

7. A citada nulidade por excesso de pronúncia não tem qualquer razão de ser, pois que o citado juízo formulado pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, ainda que configure um juízo de prognose desfavorável ao recorrente, mostra-se legítimo e é de conhecimento oficioso em cumprimento do normativo legal do art.193.º, n.º 3 do C.P.Penal.

8. Se é certo que a medida de obrigação de permanência na habitação prossegue um fim concorrente com o da prisão preventiva, coincidindo até em alguns dos seus pressupostos e tratamento adjectivo, tal circunstância, como sublinha a decisão judicial em referência, não tem a virtualidade de apagar as diferenças significativas que existem entre ambas, em especial ao nível da sua eficácia, porquanto, “a barreira física decorrente do confinamento de alguém a um domicílio não assenta exclusivamente na valia dos meios técnicos postos na detecção de eventuais ausências. Estes têm essencialmente por função dar a conhecer as "violações" da obrigação de permanência na habitação" (cfr. acórdão proferido pelo Venerando T.R.L. no Processo n.º 991/12.9PCSNT.A.LI, da 5.ª Secção Criminal, do qual foi relator o Exmº Des. Luís Gominho).

9. A mencionada obrigação de permanência na habitação, ainda que com vigilância electrónica, não é, só por si, impeditiva de aqui recorrente manter o mesmo negócio ilícito, contactando com os seus clientes a partir da sua residência - seja ela qual for - e ser por eles contactado, fazendo com que estes - sejam os mesmos de antigamente, ou outros diferentes - se desloquem à aludida residência.

10. O argumento invocado pela defesa de que "a partir da prisão também se pode traficar, existindo também aí meios tecnológicos, telemóveis e sms" assenta numa mera conjetura em desfavor do próprio arguido, isto porque é do conhecimento geral que se viesse a ser esse o comportamento deste arguido, não só estaria a assumir comportamentos inadequados ao regime prisional - já que a posse e utilização desses meios informáticos pelos reclusos não são admissíveis - como ainda viria a aumentar as suas responsabilidades criminais por inerência à prática de ilícito penal que, embora conotado com o tráfico de estupefacientes, configuraria um tipo de crime agravado e consequentemente, mais elevada seria a respectiva moldura penal abstratamente aplicável.

11. Pelo exposto, entendemos que a interpretação que foi feita pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal das normas aplicadas - nomeadamente dos arts.191.º , 192.º, n.º 1, 193.º, 194.º, 196.º, 202.º, n.º 1, a) e 204.º, b) e c), todos do Código de Processo Penal - é correcta pelo que deverá improceder o recurso interposto pelo arguido AA e mantida a medida de coacção de prisão preventiva aplicada.”

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(…)

2 – Objecto do Recurso

(…)

À luz destes considerandos, as questões a decidir neste recurso consistem em saber se:

1. a medida de coação aplicada de prisão preventiva é excessiva e desproporcionada;

2. a medida de coação de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância eletrónica é suficiente para acautelar os perigos que a decisão recorrida considerou verificados nestes autos.

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3- Fundamentação:

3.1. – Fundamentação de Facto

É a seguinte a decisão recorrida, no que ao recorrente diz respeito:

“(…) Face aos elementos probatórios constantes dos autos, consideram-se fortemente indiciados os seguintes factos:

A - FACTOS IMPUTADOS:

1. O arguido AA, sujeito referenciado no meio pela alcunha de «BB», desenvolveu desde, pelo menos, o mês de Janeiro de 2024 até ao dia da sua detenção (15/07/2024) o contacto com diversos consumidores e/ou compradores para revenda de produto estupefaciente nomeadamente Cocaína e Heroína, a troco de compensação pecuniária, nos concelhos de … e ….

2. Nesse contexto, os seus clientes (consumidores de rua e/ou compradores para revenda) que pretendiam adquirir aqueles produtos estupefacientes contactam o arguido AA pessoalmente ou através do seu telemóvel (tendo este utilizado, entre outros por apurar, os cartões de telemóvel n.º … e …), e recebiam dele, por diversas vezes, quantidades variáveis de Cocaína e Heroína, entregando-lhe quantias em dinheiro, como contrapartida.

3. A actividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelo arguido AA no referido período temporal é pautada por encontros que, preferencialmente, ocorrem em zonas isoladas e locais ermos ou no interior de viaturas automóveis.

4. Ao que acresce que, nesse contexto, o identificado arguido conduz apenas viaturas automóveis alugadas na zona de … (viatura da marca …, modelo … com a matrícula …; viatura da marca …, modelo … com a matrícula …; viatura da marca …, modelo …, com a matrícula … e viatura da marca …, modelo … com a matrícula … - cfr. fls.157 a 177).

5. Na actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida nos moldes descritos nos antecedentes pontos 1 a 4, o arguido AA, para além de outras situações ainda por apurar, contactou com diferentes clientes, nos moldes a seguir narrados, com a finalidade de concretizar actos de vendas de cocaína e/ou heroína:

5.1. No dia 03/01/2024, pelas 13h23m, na Rua …, na cidade de …, o arguido CC encontrou-se com indivíduo do sexo masculino, a mando do arguido AA, e recebeu deste produto estupefaciente, mais concretamente três embalagens de plástico contendo heroína com o peso total líquido de 2,779 gramas e um grau de pureza de 8,6% (susceptível de originar 2 doses individuais); seis embalagens de plástico contendo heroína com o peso total líquido de 5,748 gramas e um grau de pureza de 8,0% (susceptível de originar 4 doses individuais); uma embalagem de plástico contendo heroína com o peso líquido de 0,862 gramas e um grau de pureza de 9,5% (susceptível de originar <1 dose); e cinco embalagens de plástico contendo cocaína (Éster Met.) com o peso total líquido de 1,680 gramas e um grau de pureza de 68,6% (susceptível de originar 39 doses individuais), para posterior revenda, entregando em troca a quantia de 125,00 euros (cento e vinte e cinco euros) em notas BCE.

5.2. No dia 14/02/2024, após as 11h35m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, na cidade de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, com a matrícula …, onde se encontrou com o arguido CC.

5.3. Nessa ocasião, o arguido CC entrou, pela porta traseira do lado direito, para o interior dessa viatura com a matrícula …, onde permanecia o arguido AA sentado no lugar do condutor.

5.4. Decorridos cerca de três minutos, o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido, abandonando aquela Avenida …, na cidade de ….

5.5. No dia 12/03/2024, pelas 12h09m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, na cidade de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, com a matrícula …, onde se encontrou com o arguido CC.

5.6. Nessa ocasião, o arguido CC entrou, pela porta traseira do lado direito, para o interior dessa viatura com a matrícula …, onde permanecia o arguido AA sentado no lugar do condutor.

5.7. Decorridos cerca de três minutos (12h12m), o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido, abandonando aquela artéria na direcção do referenciado Estabelecimento “… de …”.

5.8. No dia 13/03/2024, pelas 11h14m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, na cidade de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, com a matrícula …, onde se encontrou com o arguido CC.

5.9. Nessa ocasião, pelas 11h14m, o arguido JCC entrou, pela porta traseira do lado direito, para o interior dessa viatura com a matrícula …, onde permanecia o arguido AA sentado no lugar do condutor.

5.10. Decorridos cerca de dois minutos (11h17m), o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido, abandonando aquela artéria para parte incerta.

5.11. No dia 20/03/2024, pelas 19h00m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, na cidade de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, com a matrícula …, onde se encontrou com o arguido CC.

5.12. Nessa ocasião, pelas 19h16m, o arguido CC entrou, pela porta traseira do lado direito, para o interior dessa viatura com a matrícula …, onde permanecia o arguido AA sentado no lugar do condutor.

5.13. Decorridos cerca de quatro minutos (19h20m), o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido, abandonando aquela artéria para parte incerta.

5.14. Em 22/03/2024, pelas 10h23m, na localidade das …, no concelho de …, o arguido AA conduziu a viatura automóvel da marca …, de cor branco, com a matrícula …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, que o aguardava numa estrada secundária junto a uma zona de vinha com caminho agrícola de terra, na indicada localidade.

5.15. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.16. Em 27/03/2024, pelas 10h13m, na localidade das …, no concelho de …, o arguido AA conduziu a viatura automóvel da marca …, de cor branco, com a matrícula …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, que o aguardava numa estrada secundária junto a uma zona de vinha com caminho agrícola de terra, nessa localidade.

5.17. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.18. No dia 09/04/2024, cerca das 10h43m, o arguido AA deslocou-se a local ermo de estrada campo conhecido por “…”, sito na freguesia de …, concelho de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, de matrícula …, onde se encontrou com um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes.

5.19. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.20. Seguidamente, o arguido AA retirou do seu veículo e transportou nas mãos um frasco de plástico de cor verde, o qual continha no seu interior várias embalagens de plástico contendo produto estupefaciente, mais precisamente vinte e cinco embalagens de plástico, vulgo “mucha”, contendo Cocaína (éster met.), com o peso líquido de 5,737 gramas, com o grau de pureza de 69,8% (equivalente a 134 doses individuais) e dezassete embalagens de plástico, vulgo “mucha”, contendo Heroína, com o peso líquido de 16,542 gramas, com o grau de pureza de 5,2% (equivalente a 8 doses individuais), que o viria a esconder num arbusto situado na berma direita da estrada. Após, abandonou o local com destino à cidade de ….

5.21. Ao chegar à cidade de …, por volta das …11H06m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, perto do “Café …”, aos comandos do veículo automóvel de matrícula …, onde se encontrou com um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes.

5.22. Nessa ocasião, o referido indivíduo do sexo masculino, conotado ao consumo de estupefacientes, apareceu nesse local e caminhou na direcção da viatura do arguido AA, entrando de seguida para o seu interior.

5.23. Nesse contexto, o arguido AA entregou ao referenciado indivíduo do sexo masculino, conotado ao consumo de estupefacientes, três embalagens de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, mais precisamente Heroína e em troca recebeu a quantia monetária de 50,00 euros (cinquenta euros).

5.24. Seguidamente, o referido indivíduo do sexo masculino, conotado ao consumo de estupefacientes, saiu para o exterior daquela viatura e caminhou na direcção da Avenida …, na cidade de ….

5.25. Nesse seguimento e nesse local, o aludido indivíduo do sexo masculino, conotado ao consumo de estupefacientes, foi abordado pelos elementos da P.S.P. de … no momento em que o mesmo tinha em sua posse, ocultado no bolso esquerdo das calças que trajava, três embrulhos de plástico, vulgo “mucha”, contendo substância estupefaciente, mais precisamente heroína, com o peso líquido de 2,698 gramas, com o grau de pureza de 4,2% (equivalente a 1 dose), que momentos antes lhe foi vendida pelo arguido AA.

5.26. No que respeita a este indivíduo do sexo masculino, referenciado no ponto anterior 5.25, ao longo do período decorrido desde, pelo menos, o mês de Março até ao citado 09/04/2024, adquiriu ao arguido AA noutras ocasiões, distintas da descrita nos antecedentes pontos 5.21 a 5.25, três embalagens contendo heroína, pelo peço unitário de 20,00€ (vinte euros), em cada um desses encontros com uma frequência de dia sim, dia não.

5.27. Em 12/05/2024, entre as 16h46m e as 17h00m, na localidade da …, freguesia da …, no concelho de …, o arguido AA conduziu a viatura automóvel da marca Volkswagen, com a matrícula …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes.

5.28. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.29. No dia 14/05/2024, certa das 19h55m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, na cidade de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, com a matrícula …, onde se encontrou com o arguido CC.

5.30. Nessa ocasião, por volta das 20h00m, o arguido CC entrou, pela porta traseira do lado direito, para o interior dessa viatura com a matrícula …, onde permanecia o arguido AA sentado no lugar do condutor.

5.31. Decorridos dois minutos (20h02m), o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido, abandonando a citada Rua ….

5.32. Enquanto caminhava por essa artéria, o arguido CC cuidava em observar algo, de características concretas por apurar, que transportava na palma de uma das suas mãos.

5.33. Em 16/05/2024, pelas 10h47m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, com a matrícula …, à Estrada Regional n.º …, na localidade das …, concelho de …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes.

5.34. Pelas 10h54m, chegou ao local esse indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, que se aproximou da porta do condutor da viatura com a matrícula …, onde abordou o arguido AA, sentado no lugar do condutor.

5.35. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.36. No dia 24/05/2024, cerca das 15h54m, o arguido AA deslocou-se à Rua …, na cidade de …, aos comandos do veículo automóvel da marca …, com a matrícula …, onde se encontrou com o arguido CC.

5.37. Nessa ocasião, por volta das 15h56m, o arguido CC entrou no interior dessa viatura com a matrícula …, onde permanecia o arguido AA sentado no lugar do condutor.

5.38. Um minuto depois (15h57m), o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido, abandonando a citada Rua ….

5.39. Em 28/05/2024, pelas 10h25m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, com a matrícula …, à localidade das …, concelho de …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, numa zona de vinhas e pinhal.

5.40. Pelas 10h45m, chegou ao local o mencionado indivíduo do sexo masculino, associado ao consumo de estupefacientes, que se aproximou da porta do condutor da viatura com a matrícula …, onde abordou o arguido AA, sentado no lugar do condutor.

5.41. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.42. Em 30/05/2024, pelas 10h45m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, com a matrícula …, à localidade das …, concelho de …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, numa zona de vinhas e pinhal.

5.43. Pelas 10h47m, chegou ao local o mencionado indivíduo do sexo masculino, associado ao consumo de estupefacientes, que se aproximou da porta do condutor da viatura com a matrícula …, onde abordou o arguido AA, sentado no lugar do condutor.

5.44. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.45. Após, o arguido AA abandonou o local com destino à cidade de ….

5.46. Ao chegar à cidade de …, por volta das 11h36m, o arguido AA deslocou-se à Rua D…, onde parqueou a sua viatura automóvel de matrícula …, mantendo-se sentado no lugar do condutor.

5.47. Nesse instante, o arguido CC aproximou-se dessa viatura com a matrícula … e entrou para o seu interior através da porta traseira do lado esquerdo.

5.48. Decorridos cerca de três minutos (11h39m), o arguido CC saiu para o exterior da viatura do outro arguido e abandona a mencionada artéria, Rua …, caminhando na direcção da zona do já aludido estabelecimento “…”.

5.49. Por sua vez, o arguido AA abandonou aquela artéria, por volta das 11h41m, com destino à Rua .., onde se encontrou com um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes.

5.50. Assim, pelas 11h44m, esse indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, aproximou-se da porta do pendura da viatura com a matrícula …, onde abordou o arguido AA, sentado no lugar do condutor.

5.51. Nesse encontro que decorreu até às 11h45m do mesmo dia (com duração de cerca de um minuto), o arguido AA entregou um embrulho de plástico, vulgo “mucha”, contendo substância estupefaciente, mais precisamente Cocaína, com o peso de 0,25 gramas e três embrulhos de plásticos, vulgo “mucha”, contendo substância estupefaciente, mais concretamente heroína, com o peso de 3,00 gramas e em troca recebeu quantia de 100,00 euros (cem euros) em notas do BCE.

5.52. Seguidamente, o referido indivíduo do sexo masculino, conotado ao consumo de estupefacientes, afastou-se da viatura deste arguido e caminhou em direcção oposta.

5.53. Nesse seguimento e nesse local, o aludido indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, foi abordado pelos elementos da P.S.P. de … no momento em que o mesmo tinha em sua posse, ocultado no bolso direito das calças que trajava, um embrulho precisamente Cocaína, com o peso de 0,25 gramas e três embrulhos de plástico, vulgo “mucha”, contendo substância estupefaciente, mais concretamente heroína, com o peso de 3,00 gramas, que momentos antes lhe foram vendidos pelo arguido AA.

5.54. No que respeita a este indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, ao longo do período decorrido desde, pelo menos, o mês de Fevereiro a Maio de 2024, adquiriu ao arguido AA noutras dez ocasiões, distintas da descrita nos antecedentes pontos 5.49 a 5.53, cinco embalagens contendo heroína, pelo peço unitário de 20,00€ (vinte euros), em cada um desses dez encontros.

5.55. No dia 19/06/2024, pelas 10h50m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, modelo …, com a matrícula …, à localidade das …, concelho de …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, numa zona de vinhas e pinhal.

5.56. Pelas 10h51m, chegou ao local o mencionado indivíduo do sexo masculino, associado ao consumo de estupefacientes, que se aproximou da porta do condutor da viatura com a matrícula …, onde abordou o arguido AA, sentado no lugar do condutor.

5.57. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.58. Após, o arguido AA abandonou o local com destino desconhecido.

5.59. Em 12/07/2024, pelas 11h00m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, com a matrícula …, à localidade das …, concelho de …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, numa zona de vinhas e pinhal.

5.60. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.61. Em 15/07/2024, pelas 11h22m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, com a matrícula …, à localidade das …, concelho de …, indo ao encontro de um indivíduo do sexo masculino, referenciado pelo consumo de estupefacientes, numa zona de vinhas e pinhal.

5.62. Nessa ocasião, o arguido AA entregou uma embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

5.63. Após, este arguido abandonou o local com destino à freguesia de …, concelho de ….

5.64. Ao chegar a …, por volta das 11h42m, o arguido AA dirigiu-se à zona das …, aos comandos do veículo automóvel de matrícula …, onde se encontrou com um indivíduo do sexo masculino.

5.65. Nessa ocasião, o referido indivíduo do sexo masculino, apareceu nesse local e caminhou na direcção da viatura do arguido AA, entrando de seguida para o seu interior através da porta do pendura.

5.66. Nesse contexto, encontro com a duração máxima de dois minutos, o arguido AA entregou ao referenciado indivíduo do sexo masculino, embalagem de pequenas dimensões contendo produto estupefaciente, cuja natureza importa apurar e em troca recebeu quantia monetária de montante ainda não apurado.

6. No dia de ontem, 15/07/2024, cerca das 13h00m, o arguido AA dirigiu-se aos comandos da viatura automóvel da marca …, com a matrícula …, ao parque de estacionamento existente à frente do estabelecimento comercial denominado “…”, localizado na zona do …, concelho de ….

7. Nesse contexto, o arguido AA foi interceptado pelos elementos da P.S.P. de ….

8. Em resultado dessa abordagem policial, foram apreendidos na posse deste arguido os seguintes objectos:

- Uma carteira em pele de cor preta, com dois compartimentos, transportada no interior das cuecas que este arguido trajava;

- Num dos compartimentos dessa referida carteira, estavam armazenados 11 (onze) sacos contendo uma substância que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 10,79 gramas;

- No outro compartimento da mesma carteira, estavam armazenados 7 (sete) sacos contendo uma substância que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Cocaína crua, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 3,76 gramas, assim como 11 (onze) saquetas contendo uma substância que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Cocaína cozida (crack), e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 2,81 gramas;

- Um telemóvel de marca …, com IMEI …,

- A quantia monetária de 350,00 euros (trezentos e cinquenta euros) em notas do BCE de baixo valor facial (1 nota 50,00 euros, 10 notas de 10,00 euros, 8 notas de 20,00 euros, 8 notas de 5,00 euros).

9. Ainda nesse mesmo contexto, foi realizada busca à viatura automóvel com a matrícula …, utilizada por este arguido, onde foram localizados e apreendidos os seguintes objectos:

- A quantia monetária de 3,48 euros (três euros e quarenta e oito cêntimos) em moedas;

- Um talão da Brisa com data e locais de entrada e saída da autoestrada datado de 11/07/2024;

- Um telemóvel de marca …, com o IMEI …, e que contém dois cartões SIM, um da … com o número … e outro de operadora não identificada com o numero …- o qual se encontrava no compartimento da consola deste veículo.

10. Procedeu-se igualmente à apreensão da viatura automóvel com a matrícula …, que se encontrava na posse do arguido AA.

11. Ainda no citado dia 15/07/2024, entre as 13h50m e as 14h30m, foi realizada busca domiciliária ao anexo utilizado pelo arguido AA, localizado no Sítio …, no concelho de …, tendo-se procedido à apreensão dos seguintes objectos, encontrados na posse deste arguido:

- Um frasco de amoníaco, produto usado para cozer cocaína e transformá-la em crack, e que se encontrava no armário da cozinha;

- Três (3) frascos de pastilhas “…” vazios, que se encontravam em cima do móvel do forno;

- Um rolo de papel de alumínio e um rolo de pelicula aderente, usados para acondicionar o embalamento do estupefaciente, e que se encontravam numa gaveta do armário da cozinha;

- Dois maços de sacos de plástico transparente, iguais ao plástico usado para dosear o estupefaciente e fazer as conhecidas «muchas» e que se encontravam na gaveta do armário da cozinha;

- Uma caixa de um telemóvel de marca … com IMEI …, que se encontrava no quarto, dentro da gaveta da cómoda;

- Extratos bancários do Banco …, em nome do arguido AA, que estavam num quarto não usado, dentro de uma mala de viagem;

- Um suporte de cartão SIM com o número …;

- A quantia monetária de 430,00 euros (quatrocentos euros), composto por notas do BCE com valor facial de 20,00 euros e de 10,00 euros, que se encontravam no quarto do arguido, numa gaveta da cómoda;

- A quantia monetária de 27,00 euros, em moedas de diferentes valores faciais e uma nota do BCE com o valor facial de 5,00 euros danificada também na gaveta da cómoda;

- Um pacote de plástico, envolto em película aderente, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 1.008,91 gramas;

- Um pacote de plástico, contendo uma substância em pedra, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 413,41 gramas;

- Um pacote de plástico, envolto em película aderente, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 234,30 gramas;

- Um saco de plástico, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 206,42 gramas;

- Um saco de plástico, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 36,97 gramas;

- Um saco de plástico, envolto em alumínio, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 33,88 gramas;

- Um embrulho envolto em película aderente, contendo uma substância em pedra, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 155,08 gramas;

- Um saco em plástico, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Heroína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 74,11 gramas;

- Um saco em plástico, envolto em papel absorvente, contendo uma substância em pedra, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Cocaína cozida (crack), e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 51,94 gramas;

- Um saco em plástico, contendo uma substância em pó, que ostenta características de forma, coloração e odor coincidentes com Cocaína, e que após ser submetida a teste reagente adequado deu resultado positivo, com o peso de 36,92 gramas;

- Uma balança de precisão de marca …, em bom estado de funcionamento;

- O produto estupefaciente aqui discriminado estava armazenado dentro de um saco de papel e de uma lata de leite em pó marca “…”, em cima de uma cadeira e oculto debaixo da mesa da cozinha.

12. Ainda no citado dia 15/07/2024, entre as 18h15m e as 19h00m, foi realizada busca domiciliária à residência do arguido AA, localizada na avenida …, em … tendo-se procedido à apreensão da quantia de 440,00 euros ( quatrocentos e quarenta euros ) em notas do BCE com valor facial de 50,00 euros e 20,00 euros, que se encontrava na cómoda do quarto do arguido AA, e ainda duas embalagens de produto em pó desconhecido, de cor branca, que o arguido não sabe indicar o que é, e que submetido a teste reagente adequado deu resultado indeterminado com o peso de 30,73 gramas.

13. Na actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida nos moldes descritos nos antecedentes pontos 1 a 4 e nesse indicado período temporal, o arguido AA dispôs do acesso a um anexo, composto por dois quartos, uma cozinha, uma casa de banho e uma arrecadação, o qual se apresentada como área independente da casa principal, situados no Sítio …, concelho de …, onde pernoitava, como também executada actos preparatórios para a comercialização do produto estupefaciente, nomeadamente Heroína e Cocaína, aos seus clientes (consumidores de rua e/ou compradores para revenda).

14. Desde, pelo menos, o mês de Janeiro de 2024 até à presente data que o arguido AA não exerce qualquer actividade profissional declarada, assim como, não lhe é conhecido qualquer rendimento.

O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que vendia quer ao arguido CC quer a outros indivíduos/consumidores que o contactavam para esse efeito.

15. Mais sabia este arguido que não tinha autorização para deter, vender, ceder e transportar cocaína e heroína.

16. Com a conduta descrita, este arguido quis deter, vender e transportar heroína e cocaína, bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos produtos que possuía, intentos que logrou alcançar.

17. O arguido AA agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que toda a sua conduta era proibida e punida por lei penal. (…)

Mais se apurou que:

i. O arguido AA afirma que faz uns biscates …, mas desde Dezembro de 2023 que não tem emprego “estável” .

ii. Reside com a esposa […] e dois filhos, menores de idade.

iii. Pagam €450,00 de crédito à habitação.

iv. Afirma não ser consumidor de produtos estupefacientes.

v. Do seu certificado de registo criminal nada consta. (…)

C - OS FACTOS RELEVANTES PARA APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE COAÇÃO

As medidas de coacção - previstas nos artigos 196.º a 202.º do Código de Processo Penal - podem ser definidas como medidas estaduais coactivas que cerceiam direitos, liberdades e garantias, e são reputadas de necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Aquando da aplicação de uma medida de coacção, o juiz deverá ter sempre presentes dois princípios fundamentais: o direito de defesa, atribuído ao arguido pela Constituição da República - artigo 32.º, n.º 1 - e o princípio da presunção de inocência - artigo 32.º, n.º 2, do mesmo diploma -, pois a sujeição a uma medida de coacção tem de ser comunitariamente suportável face à possibilidade de estar a ser aplicada a um inocente.

A estes acrescem, ainda, os princípios da legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação, plasmados nos artigos 191.º e 193.º do Código de Processo Penal.

Para que possa ser aplicada qualquer das medidas de coacção previstas na lei - à excepção do TIR (artigo 196.º do Código de Processo Penal) -, é curial que sejam carreados para o processo indícios (fortes, nalguns casos) da prática de um crime, susceptíveis de preencher a concretude subjacente a alguma das alíneas do artigo 204.º do Código de Processo Penal, pois nenhuma medida poderá ser aplicada sem essa verificação.

A lei adjectiva exige a formulação de um juízo indiciário qualificado para a aplicação das medidas de coacção mais gravosas, ou seja, as que com maior intensidade podem atingir o princípio constitucional da presunção de inocência (a proibição e imposição de condutas, a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva).

Na lição de GERMANO MARQUES DA SILVA, “a indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coação ou de garantia patrimonial significa probatio levior, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação”, não podendo exigir-se “uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.”

Cumpre, assim, aferir quais as medidas de coacção mais adequadas à situação pessoal do arguido e que satisfaçam as exigências cautelares do processo penal, apurando, antes de mais, se está verificado algum dos perigos previstos no artigo 204.º do Código de Processo Penal que justifique a aplicação, no caso concreto, de uma medida coactiva mais gravosa que o termo de identidade e residência já prestado.

Os arguidos, usando um direito que lhes assiste, remeteram-se ao silêncio.

Assim, e começando pelo arguido AA, a forte indiciação dos factos acima descritos assentou no seguinte silogismo.

Desde logo, importa fazer uma summa divisio daquela factualidade que está assente ou alcandorada em prova directa, daquela que só é possível extrair com recurso à prova indirecta.

Incluímos no lote da prova directa desde o artigo 5. a 5.13, o artigo 5.20, o artigo 5.23 a 5.26, o artigo 5.29 a 5.32, o artigo 5.36 a 5.38, o artigo 5.46 a 5.48, o artigo 5.51 a 5.54 e os artigos 6 a 13.

Esta factualidade, além dos respectivos relatórios de vigilância referidos pelo Ministério Público no seu requerimento [onde faz corresponder cada facto ao respectivo auto de diligência externa, e para os quais remetemos], obtém respaldo no auto de notícia de fls. 4-7, auto de apreensão de fls. 8-9, relatório pericial de fls. 191-192, relatório pericial de fls. 481-509, auto de análise de fls. 510-514, CD de fls. 258, auto de apreensão de fls. 116-117, relatório pericial de fls. 548, auto de apreensão de fls. 129-130, inquirição da testemunha a fls. 135-136, relatório pericial de fls. 526, auto de notícia de fls. 425-426, auto de apreensão de fls. 427-428, auto de inquirição da testemunha de fls. 433-434, auto de notícia de fls. 623-626, auto de apreensão de fls. 630-631, auto de busca e apreensão de fls. 642-643, documentos de fls. 644-649, auto de busca e apreensão de fls. 651-654, documentos de fls. 666-667, auto de busca e apreensão de fls. 692-693 e informação da Segurança Social de fls. 527-529v.

Do cotejo destes elementos probatórios resulta, de forma particularmente evidente, do ponto de vista indiciário, o forte comprometimento do arguido AA com a prática de tráfico de produtos estupefacientes.

Além da ligação inequívoca com o arguido CC, sendo seu fornecedor, o arguido AA, pelo menos desde Janeiro de 2024 até à sua detenção tem efectuado diversas vendas a terceiros de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína e heroína.

A atestar esta asserção estão, no que à prova directa diz respeito, os depoimentos das testemunhas já inquiridas nos autos, as quais revelaram ter adquirido por diversas vezes heroína e cocaína ao arguido a troco de dinheiro, detalhando ainda as quantidades, preços e forma como combinavam os encontros.

Estas testemunhas foram “identificadas” mercê das vigilâncias encetadas pelos investigadores, os quais, na sequência do “seguimento” efectuado ao arguido, foram visualizando as entregas de produto estupefaciente, sendo que duas delas, como vimos, culminaram na detenção daqueles consumidores imediatamente após a transação feita com o arguido AA.

É também relevante o facto de, no dia 09.04.2024, o arguido ter sido visualizado pelos investigadores, após contacto com um consumidor, ter saído da viatura que conduzia e esconder um frasco de plástico de cor verde num arbusto que continha produto estupefaciente (cocaína e heroína).

Irrefutável ainda, dentro da tal prova directa, é a apreensão, na residência utilizada pelo arguido no Sítio …, …, de mais de 2kgs de um produto que reagiu positivamente para heroína, além de material que normalmente é utilizado para corte e acondicionamento de produto estupefaciente, dinheiro, balança e telemóveis.

Estas testemunhas foram “identificadas” mercê das vigilâncias encetadas pelos investigadores, os quais, na sequência do “seguimento” efectuado ao arguido, contendo um produto que reagiu positivamente para cocaína.

Ou seja, elementos que apontam, decisivamente, para uma actividade de tráfico de produtos estupefacientes superentendida pelo arguido AA.

Por aqui (e só por aqui), atendendo a considerável quantidade (e qualidade) de produto estupefaciente apreendido na sua posse tanto bastava para o preenchimento do tipo legal de crime e consequente necessidade de aplicar medidas de coacção diversas do TIR.

Ainda assim, a convocação da prova indirecta permite dar também como fortemente indiciada a restante factualidade narrada pelo detentor da acção penal.

No remanescente dessa factualidade podemos constatar que, em rectas fugazes, e em lugares resguardados, entre o arguido e vários indivíduos, sem que os mesmos saiam das viaturas (ou quase nunca saiam das viaturas).

Na maioria desses encontros nada foi apreendido nem há, propriamente, uma imagem nítida daquilo que terá sido o móbil do “encontro”.

Porém, e tal como constitui doutrina e jurisprudência assente, o Tribunal não está adstrito única e exclusivamente à prova directa, ou seja, em relatos presenciais dos factos em causa.

Perante as frequentes dificuldades de reconstituição do facto delituoso [porque quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua atuação], aceita-se que a prova indireta, indiciária ou por inferência se tenha tornado indispensável em processo criminal.

Com efeito, para que o Tribunal afira da (in)existência de indícios ou fortes indícios do comprometimento do arguido com a actividade delituosa imputada será necessário chamar à colação a prova indirecta ou indiciária.

Esta refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.

“ Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça.

Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, «… as provas que não foram proibidas pela lei» (cf. art. 125.ºdo CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC).

As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova)” .( Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 86/08.0GBPRD.P1.S1, de 27.05.2010, Rel. Soares Ramos, disponível em www.dgsi.pt.)

Os parâmetros de exigência da fundamentação da matéria de facto também variarão de acordo com a singeleza ou a complexidade do caso e o maior ou menor grau de evidência das provas, mas quando o Tribunal se socorre da prova indirecta há uma maior exigência na fundamentação.

Fazendo uma análise congregada da prova e vendo a “imagem global do facto” podemos salientar uns quantos de aspectos que permitem, com a segurança exigida nesta fase (indiciária), concluir que naqueles encontros referidos pelos investigadores também ocorreu a transação de produto estupefaciente, sendo certo que, certamente, a investigação ainda curará de proceder à inquirição daqueles consumidores.

Pois bem, se atentarmos:

- Na utilização de viaturas distintas por parte do arguido;

- O facto de escolher locais “ermos” ou longe da circulação;

- Realizar os encontros de forma “fugaz”;

- Os encontros ocorrem sem que, na sua esmagadora maioria, as pessoas saiam dos respectivos veículos;

- A entrega ocorre mediante a entrega rápida de algo e o recebimento da respectiva contrapartida;

- O facto de o arguido, no final de um desses encontros, ter “escondido” um frasco num arbusto contendo produto estupefaciente;

- A circunstância de, em duas situações absolutamente similares àqueles encontros, os indivíduos que contactaram o arguido terem sido abordados pela P.S.P. e daí ter resultado a apreensão de produto estupefaciente;

- O facto de o arguido, oficialmente, residir no …;

A conjugação destes dados, de índole objectiva, permite inferir que naqueles outros encontros o desiderato almejado foi igualmente a venda de produtos estupefacientes, nada havendo nos autos que coloque a dúvida ou permita inferir noutro sentido.

Sublinha-se, neste conspecto, que a investigação terá de dar outra robustez a essa factualidade, mas ainda assim, com recurso às regras da lógica e da experiência comum, a única ilação a retirar é esta.

Não há outra explicação, à luz da articulação daqueles factores, para que o arguido, residente no …, mediante a utilização de várias viaturas, se desloque regularmente aos concelhos de … e … para manter contactos esporádicos com certos indivíduos, se não for para obter proventos económicos com a venda de estupefacientes. (…)

Face ao exposto, temos de considerar, para já, como fortemente indiciados os factos comunicados aos arguidos, tendo tal grau de indiciação como suporte os elementos comunicados, ou seja, o auto de notícia, os relatórios das diligências externas, os autos de apreensão, os autos de busca e apreensão, os testes rápidos e os depoimentos testemunhais, tudo criticamente analisado e ponderado à luz das regras de experiência comum.

*

D - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

Os factos praticados pelos arguidos CC e AA são susceptíveis de integrar a prática, em autoria imediata e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas àquele diploma legal, punível com pena de 4 a 12 anos de prisão.

*

Os pressupostos de aplicação das medidas de coacção.

A aplicação das medidas de coacção tem necessariamente em consideração os princípios da legalidade, excepcionalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade (cfr. artigos 27.º n.ºs 2 e 3, 28.º n.º 2 e 29.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e 191.º n.º 1 e 193.º n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal), princípios estes que se encontram intrinsecamente ligados a um dos mais relevantes bens jurídicos baseados na dignidade do ser humano a liberdade, regra basilar de um qualquer Estado de Direito.

O direito à liberdade, como direito fundamental, apenas pode ser restringido por lei nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - artigo 18.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

E é justamente este direito à liberdade e consequente presunção de inocência que espartilham o regime de aplicação das medidas de coacção, definindo os seus limites, nomeadamente através da discriminação taxativa dos respectivos requisitos gerais de aplicação.

Assim, a nosso ver, encontram-se fortemente indiciados os factos acima referidos.

Mas antes, nenhuma medida de coacção pode ser aplicada se não se observarem, em concreto, algum ou alguns dos perigos previstos pelo artigo 204.º do Código de Processo Penal, cuja redacção é a seguinte:

“Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”

Relativamente ao perigo de fuga temos de dizer o seguinte.

Este requisito, que deve ser analisado em face do circunstancialismo que rodeia o caso concreto, não significa que o perigo tenha que se adensar até à iminência ou ao início de execução da fuga, ou seja, não é necessário que haja indícios materiais de que a fuga está num horizonte factual próximo, para que se possa afirmar que há perigo de fuga.

Um juízo sobre a existência de perigo de fuga, tem de basear-se na pessoa concreta que está em causa, com a sua personalidade e as circunstâncias conhecidas da sua vida e daí partir, cotejando essa imagem com a experiência comum para se averiguar da probabilidade de se verificar uma fuga.

Ora, in casu, não se detecta este perigo em relação a nenhum dos arguidos.

A propósito do arguido AA, pese embora a sua nacionalidade …, o mesmo está radicado no nosso país com a sua esposa e duas filhas, que residem consigo no ….

Não é expectável que o mesmo venha a eximir-se à acção da justiça quando o seu centro de vida está estabelecido nosso no país.

O arguido CC é natural de …, não possui rendimentos, é consumidor há 20 anos de produtos estupefacientes, não sendo também previsível, olhando para as suas condições sociais e económicas, que possa levar a cabo uma fuga para escapar à justiça

No que respeita ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, temos que este perigo também é invocável no caso concreto relativamente a ambos os arguidos.

É comummente sabido que os crimes de tráfico de estupefacientes apresentam uma dificuldade investigatória assinalável, mercê da prova assentar, essencialmente, nos relatos prestados pelos consumidores, que podem ser facilmente dissuadidos pelos seus “vendedores/dealers” ou até mesmo pelo melindre e consequências que pode causar a admissão de consumo de estupefacientes.

Para além do mais, estamos perante uma indiciação de um crime de tráfico de estupefacientes, sendo que a informação veicula rapidamente entre os seus intervenientes neste meio, pelo que existe um risco sério e actual que as potenciais testemunhas e outras pessoas envolvidas na investigação em curso possam ser “ocultadas” ou as que já prestaram depoimento o possam vir a alterar, por força de eventuais pressões.

Além do mais, considerando as diligências probatórias a encetar de ora em diante na sequência dos exames que venham a ser realizados aos telemóveis apreendidos, entre outras, é expectável que a verdadeira dimensão da “estrutura comercial” dos arguidos venha a ganhar outros contornos, com a desvenda de outros consumidores que os procuravam para adquirir produtos estupefacientes, sendo necessário preservar a identidade dos mesmos e garantir os respectivos depoimentos.

Trata-se, claro está, de e uma exigência cautelar para salvaguarda do desenrolar da investigação, com particular acuidade no potencial probatório, incluindo a sua genuinidade.

Por último, julga-se verificado o intenso perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

De molde a concluir pela existência deste perigo, o Tribunal considerou não apenas as circunstâncias o crime e a personalidade dos arguidos, mas também as respectivas condições socioeconómicas.

Este perigo decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efectuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.

Segundo MARQUES DA SILVA, “o perigo de continuação da actividade criminosa há-de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade. Atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido pode ser de recear a continuação da actividade criminosa, o que importa evitar e a lei permite que para tal sejam aplicadas medidas de coacção. Assim, por ex., se atentas as circunstâncias do crime e da personalidade do arguido for de presumir a continuação da actividade criminosa pode justificar-se a prisão preventiva. A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão-só a continuação da actividade criminosa pelo qual o arguido está indiciado. É que nem a lei substantiva permite aplicação de medidas de segurança a qualquer pessoa com o fim de prevenir a sua eventual actividade criminosa, mas apenas medidas cautelares para prevenir a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está já indiciado”.

A gravidade geral dos factos é elevada e não se olvida a forte sensibilidade social do crime de tráfico de estupefacientes e o alcance pessoal, familiar e estrutural que o mesmo tem.

A verificação, em concreto, deste perigo resulta dos seguintes factores:

- ausência de trabalho lícito e regular que garanta uma fonte de rendimentos certos e periódicos por parte dos arguidos já ocorre há muito tempo e tanto ainda se mantém;

- a linha temporal dos factos imputados (desde o início do ano até Julho de 2024);

- os proventos decorrentes da prática do crime de tráfico, o lucro fácil e relevante que tal actividade propicia, constitui forte motivação para a renovação de atitudes da mesma índole;

- a quantidade [no caso do arguido AA] e qualidade de drogas transacionadas, de forte adição [cocaína e heroína];

- a circunstância de o arguido CC já ter sido confrontado com as instâncias formais de controlo e, mesmo assim, não arrepiou caminho no sentido de se manter afastados de práticas ilícitas.

Destes factores, entre si conjugados, resulta que, a nada ser feito, será francamente expectável que os arguidos possam repetir factos da mesma natureza (voltar às vendas/cedências) para por via deles obterem os rendimentos que carecem tanto para a satisfação das suas mais elementares necessidades.

Não se pode ignorar que a prática destes factos levou e leva a aquisição de quantias monetárias de fácil obtenção de que será difícil prescindir, por sua iniciativa, considerando a tentação de venda que tal acarreta, em virtude da rentabilidade do produto e ser uma fonte de obtenção de dinheiro fácil e rápida.

O crime de tráfico é, por natureza, um crime de repetição, pois transforma-se facilmente, se não no modo de vida, pelo menos em actividade secundária, que vai proporcionando ganhos económicos fáceis e justifica os riscos que correm.

Neste particular, são intensas as necessidades de prevenção quanto ao crime de tráfico de produtos estupefacientes, que despertam um muito especial e particularmente intenso sentimento de reprovação social do crime, sendo um dever dos Tribunais resguardar a comunidade do convívio com pessoas cuja actividade lhes seja particularmente nociva.

Ainda assim, o perigo agora analisado não tem a mesma intensidade relativamente aos dois arguidos.

Com efeito, e tal como ressuma da factualidade fortemente indiciada, aquele perigo evola com muito maior acuidade relativamente ao arguido AA.

Esta constatação emerge dos elementos probatórios constantes dos autos respeitantes ao mesmo, em que é possível observar uma maior frequência nos actos de venda/cedência a terceiros de produto estupefaciente, a logística imanente a toda a operação, com utilização de várias viaturas e de um anexo em … onde guardava o produto estupefaciente, e da apreensão de uma avultada quantidade de heroína nesse mesmo anexo, demonstrando assim que, com toda a probabilidade, abastecia um número considerável de consumidores nas áreas de .. e …. (…)

Há, por conseguinte, um perigo de continuação da actividade criminosa, mas com uma intensidade mais baixa comparativamente ao arguido AA.

Desta feita, temos verificados os perigos de que depende a aplicação de medidas de coacção aos arguidos.

Tendo presente a moldura abstracta do crime de tráfico, é susceptível de ser aplicada aos arguidos qualquer medida de coacção, incluindo a prisão preventiva, contanto que tal medida se mostre necessária e adequada às necessidades cautelares e proporcional à sanção que concretamente venha a ser aplicada aos arguidos.

Contudo, para a aplicação, quer da prisão preventiva, quer ainda da obrigação de permanência da obrigação, exige-se a existência de “ fortes indícios de prática de crime doloso”, punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos - artigo 202.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.

No tocante à existência de “fortes indícios”, não obstante a fase precoce em que nos encontramos, podemos com segurança afirmar, como já o expusemos em sede de motivação, que os elementos probatórios já adquiridos nos autos nos permitem relacionar, de forma idónea e suficiente, os arguidos com a prática do crime de tráfico de estupefacientes.

Quanto ao arguido AA.

Tendo presentes os perigos que se pretendem acautelar - perigo de perturbação do decurso do inquérito e perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da tranquilidade pública -, entendemos que só uma medida detentiva de liberdade, a prisão preventiva, se mostra suficiente para salvaguardar as exigências cautelares do processo, sendo ainda aquela que se mostra proporcional à gravidade do crime em causa e às sanções que previsivelmente lhe virão a ser aplicadas, atenta a moldura penal do crime.

O Tribunal não desconsidera nem olvida o que diz o artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Penal: “quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.”.

Ou seja, não se descura que esta medida, porque privativa da liberdade, é a ultima ratio, apenas susceptível no caso de inadequação de qualquer outra medida de coacção prevista no nosso ordenamento processual penal.

Mas aqui discordamos da posição assumida pela defesa do arguido, no sentido de que esta medida de coacção seria suficiente para colmatar o perigo de continuação da actividade criminosa.

Porém, este preceito não pode ser analisado desgarrado da factualidade subjacente ao caso decidendo, onde está fortemente indiciado a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.

Ora, com a evolução dos meios tecnológicos, a possibilidade de se levar a efeito uma actividade de venda de estupefacientes a terceiros, sem se sair da residência, tornou-se uma possibilidade cada vez mais viável.

O tráfico de estupefacientes, pelas circunstâncias que o facilitam, não será impedido nem seriamente dificultado com a aplicação da medida de coacção obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

O que está em causa é afastar a possibilidade de repetição de comportamentos semelhantes, sendo que a permanência na habitação, na prática, ainda que controlada electronicamente, não tem a virtualidade de impedir os contactos e transacções com os fornecedores e clientes de droga - basta pensar na facilidade de comunicações electrónicas modernas (telemóvel, SMS, internet, etc.).

Diga-se, na sequência das afirmações volvidas, que a obrigação de permanência na habitação apenas fiscaliza a pessoa do arguido, garantido que este não sai da sua habitação sem autorização, mas nada impede que qualquer pessoa (consumidores/fornecedores) ali se desloquem para celebrar a transacção.

Em jeito de súmula, a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica, prevista no artigo 201.º1, n.º 1, do Código de Processo Penal é inadequada para obviar aos assinalados perigos pois o crime de tráfico de estupefacientes pode perfeitamente ser levado a cabo na residência do arguido ou de qualquer residência onde este se encontre, sem conhecimento da entidade vigilante, já que não é possível efectuar qualquer fiscalização desse género através do meio técnico de controlo, a que acresce o facto de mesmo não sendo praticados na residência os actos materiais, sempre o negócio do tráfico poder ser dirigido a partir dali - e. g. mediante utilização de telefone ou mensagens electrónicas -, tão pouco obviando também, naturalmente, ao perigo de perturbação do inquérito.

Nem se diga que a actividade de tráfico indiciada nestes autos foi levada a cabo longe da área de residência do arguido, no … e, como tal, confinando o arguido na sua residência este cessaria a sua actividade.

O lucro fácil que esta actividade propicia, a que acresce a ausência de rendimentos lícitos por parte do arguido, facilmente o impeliria a voltar ao caminho da ilicitude, de modo a obter os proventos que tanto necessita para satisfação das suas necessidades e para fazer o “ pé de meia”, não sendo obstáculo a essa actividade o confinamento na habitação, até porque os consumidores não estariam impedidos de o visitar na residência.

Nestes termos, avaliada a gravidade dos factos, as circunstâncias em que foram praticados e as exigências cautelares que o caso requer e que supra se evidenciaram, entende ser necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido AA da medida de prisão preventiva artigos 191.º, 192, 193.º, 194.º e 202.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal. (…)”

*

3.2.- Mérito do recurso

Nos presentes autos foi o recorrente indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao diploma, na sequência do que lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva. O recorrente não põe em causa a existência nos autos de fortes indícios de ter praticado aquele crime, nem questiona a qualificação jurídica dos factos indiciados pelo Tribunal a quo. Entende, porém, que a medida de coação aplicada não é proporcional, nem adequada, por não haver relativamente a si perigo de continuação da actividade criminosa, nem perigo de perturbação do decurso do inquérito, sendo suficiente a aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação, sujeita a vigilância eletrónica. Entende também o recorrente que a decisão recorrida padece do vício de excesso de pronúncia, previsto no art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal.

Vejamos se lhe assiste razão.

O direito à liberdade pessoal, enquanto liberdade de movimentos, é um direito fundamental reconhecido na Constituição da República Portuguesa, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, instrumentos internacionais estes que são aplicáveis na ordem jurídica interna.

Consagra-se em todos estes diplomas o direito à liberdade individual, que se traduz no facto de ninguém poder ser arbitrariamente detido ou preso, o qual, por não ser um direito absoluto, admite as limitações resultantes da lei, com vista ao reconhecimento e ao respeito dos direitos e liberdades de outrem e à satisfação das exigências de ordem pública que se mostrarem justas.

No contexto das limitações ao direito à liberdade de movimentos surgem as medidas de coação, as quais são «meios processuais de limitação da liberdade pessoal … dos arguidos … e têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias» (Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal II“, págs. 285 e 286, 4.ª ed.).

Nos termos do art.º 191º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, as medidas de coacção estão sujeitas ao princípio da legalidade, o que quer dizer que a liberdade das pessoas só pode ser limitada se existirem necessidades processuais de natureza cautelar, resultantes da ocorrência dos perigos ou de algum dos perigos enunciados no art.º 204º do mesmo diploma, a saber:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

A conciliação do princípio de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória com a necessidade da sua sujeição a medidas de coacção antes da condenação, pressupõe que o recurso aos meios de coacção em processo penal tem que respeitar os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da intervenção mínima.

Segundo Castro e Sousa, estes princípios «nada mais são do que emanação do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido que impõe que qualquer limitação à liberdade do arguido anterior à condenação com trânsito em julgado deva não só ser socialmente necessária mas também suportável» ( in, “ Os meios de coacção no novo código de processo penal”, Jornadas de direito processual penal. O novo código de processo penal, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, Livraria Almedina, 1995, pág. 150).

Os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade encontram-se consagrados no art.º 193º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, onde se estabelece que as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias, adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

O princípio da necessidade tem subjacente uma ideia de exigibilidade, no sentido de que só através da aplicação daquela concreta medida de coação se consegue assegurar a prossecução das exigências cautelares do caso.

Já o princípio da adequação exige que a medida seja apta e idónea para satisfazer as exigências cautelares do caso, devendo ser escolhida de acordo com estas exigências.

Como ensina Germano Marques da Silva, uma medida é adequada «se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares» (in “Curso de Processo Penal”, II, 4.ª edição, Verbo, Lisboa, 2008, pág. 303).

Este princípio afere-se por um critério de eficiência, através da comparação entre o perigo que justifica a imposição da medida de coação e a previsível capacidade desta para o neutralizar ou conter.

A adequação é, assim, qualitativa (aptidão da medida, pela sua natureza, para realizar os fins cautelares pretendidos) e quantitativa (no que toca à sua duração ou intensidade).

O princípio da adequação é ainda integrado pelo princípio da proporcionalidade, que impõe que a medida seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada.

O princípio da proporcionalidade assenta, pois, num conceito de justa medida ou de proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida.

O art.º 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa prevê que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pelo que, em matéria de aplicação das medidas de coação, o princípio da proporcionalidade também terá de ser decomposto «em três subprincípios constitutivos: o princípio da conformidade ou da adequação; o princípio da exigibilidade ou da necessidade e o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito» (GOMES CANOTILHO, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, pág. 264).

Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, exige-se que, em cada fase do processo, exista uma relação de idoneidade entre a medida de privação da liberdade individual aplicada, a gravidade do crime praticado e a natureza e medida da pena em que, previsivelmente, o arguido virá a ser condenado.

Tal gravidade deverá ser ponderada em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados, da culpabilidade do agente e, em geral, de todas as circunstâncias que devam ser consideradas em sede de determinação da medida concreta da pena.

Estes princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade são uma emanação do princípio jurídico-constitucional da presunção de inocência, constante no art.º 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Em estreita ligação a estes princípios está o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, consagrado no art.º 193º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, em conformidade com o art.º 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, mediante o qual a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção previstas na lei.

Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 19/06/2019, no processo nº 207/18.4PDBRR.L1-3, em que foi relator João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt), onde se pode ler que: «Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso (…). Para respeitar o princípio da proporcionalidade, a medida de coação escolhida deverá manter uma relação direta com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos. O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excecional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente.»

São ainda pressupostos da aplicação de uma medida de coação a existência de um processo penal, a verificação de indícios da prática de um crime, a inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal e a constituição do visado como arguido.

A aplicação de qualquer uma das medidas de coação, com exceção do termo de identidade e residência, pressupõe também a verificação, cumulativa ou não, dos perigos enunciados no art.º 204º do Cód. Proc. Penal.

Em suma, a medida de coação de prisão preventiva só deverá ser aplicada em face de pelos menos um dos perigos previstos neste último preceito legal e se nenhuma outra medida de coação, menos gravosa, se mostrar apta a acautelá-lo.

No que concerne à prisão preventiva, exige ainda o art.º 202º do mesmo diploma a verificação de “fortes indícios” da prática de determinado tipo de crimes como condição sine qua non para a sua aplicação.

Os “fortes indícios” devem ter-se por verificados, quando, com base nos mesmos, a probabilidade de condenação é maior do que a de absolvição, reportada à fase da audiência de discussão e julgamento (cf. GERMANO MARQUES DA SILVA, in “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 261).

Assim sendo, os indícios só serão fortes quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coação, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência do contraditório, da imediação e da oralidade, característicos da fase do julgamento da causa.

O despacho recorrido considerou fortemente indiciado o cometimento pelo arguido AA, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal.

Prevê-se neste preceito legal que:

“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.” (sublinhados nossos)

No caso dos autos, o recorrente não põe em causa os factos indiciados, nem a sua qualificação jurídica feita pelo Tribunal a quo, com a qual se conforma, pelo que nada há a referir quanto a estas matérias. Como se viu, nos termos do art.º 202º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva pressupõe a inadequação ou insuficiência das medidas de coação previstas nos artigos anteriores (196º a 201º) e o juízo de forte indiciação da prática de um dos crimes aí elencados, nos quais se incluem, nas alíneas a) e c), por referência ao art.º 1º, alínea m) do mesmo diploma, o crime em causa nos presentes autos.

Mostrando-se, assim, preenchido o pressuposto específico do art.º 202º do Cód. Proc. Penal, vejamos agora se se mostram também preenchidos os pressupostos constantes do art.º 204º do mesmo diploma.

O despacho recorrido considerou que se verifica, em concreto, perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. A este respeito, alega o recorrente que tais perigos não existem, porquanto os factos refletem o seu passado recente, mas o Tribunal a quo não teve em conta a sua personalidade, a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção familiar e social e o seu bom comportamento. Porém, não aduz quaisquer factos que possam contrariar o entendimento do Tribunal recorrido relativamente a esta matéria.

Do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos decorre que o mesmo não tem antecedentes criminais. No entanto, da factualidade indiciada nos autos resulta que o arguido está conotado com a prática habitual do crime de tráfico de droga, o qual, consabidamente, proporciona lucros fáceis, rápidos e avultados, tendo sido apreendida aos arguidos uma grande quantidade de produto estupefaciente, que era passível de ser dividido em múltiplas doses individuais. Mais resultou indiciariamente provado que o arguido AA afirma que faz uns biscates …, mas desde Dezembro de 2023 que não tem emprego “estável”.

Daqui decorre, efectivamente, um elevado perigo de continuação da actividade criminosa por parte do recorrente, como forma de custear as suas despesas e as do seu agregado familiar, sendo que o tráfico e o consumo de estupefacientes têm consequências dramáticas para a saúde pública e estão associados à prática de outros ilícitos criminais contra as pessoas e contra o património, o que gera, por si só, forte perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.

Face quantidade de produto estupefaciente apreendido, não é de excluir a condenação do recorrente numa pena de prisão efectiva, apesar de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais.

Impõe-se, assim, concluir que a prisão preventiva é a única medida coactiva que se mostra apta a suprimir os supracitados perigos, sendo necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer, revelando-se proporcional à gravidade do crime em apreço e às sanções que previsivelmente serão aplicadas ao recorrente, tudo em conformidade com o disposto nos arts.º 193º, 202º, nº 1, alíneas a) e c) e 204º, alínea c) do Cód. Proc. Penal.

Entende o recorrente que a sua sujeição a prisão preventiva é excessiva e desproporcionada, sendo suficiente a aplicação de uma medida cautelar de obrigação de permanência na habitação.

No entanto, existem situações em que a obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas.

É o que sucede quando se verifica perigo de continuação da actividade criminosa, que entendermos ser real e efectivo no caso dos autos.

Também a jurisprudência tem entendido que a medida de coação de permanência na habitação, ainda que fiscalizada por meios técnicos, não é idónea para acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa na generalidade dos crimes de tráfico.

A este propósito vejam-se os Acórdãos do TRC de 7/10/2009, no processo nº 14/09.5GAOVR-A.C1, em que foi relator Jorge Dias, e do TRE de 31/01/2012, no processo nº 8/11.0TESTB-B.E1, em que foi relatora Ana Maria Barata de Brito, ambos in www.dgsi.pt).

Refere-se neste segundo Acórdão que «… os mesmos indícios que suportam no perigo de continuação da atividade criminosa evidenciam igualmente os sérios riscos de que essa atividade se processe na residência do arguido (…) seria como sujeitar o arguido à obrigação de permanência no local (ou num dos locais do crime) (…)».

Na generalidade dos casos de crime de tráfico de estupefacientes o perigo de continuação da atividade criminosa só ficará afastado com a prisão preventiva, dado que o tráfico, pelas circunstâncias que o facilitam, não será impedido, nem seriamente dificultado, com a aplicação de outra medida de coação, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação.

Se o que se pretende é afastar a possibilidade de repetição de comportamentos semelhantes, a permanência na habitação, na prática, ainda que controlada electronicamente, não conseguirá impedir os contactos e transacções com os fornecedores e clientes de droga, claramente facilitados pela utilização das comunicações electrónicas, através de telemóveis, internet e telefone, quer através da eventual participação de outros membros do agregado familiar do arguido ou da sua rede de contactos.

Nem se diga que a actividade poderia ser impedida com a proibição de contactos com pessoas conotadas com a actividade de tráfico, pois que tal não passaria de uma proibição sem qualquer eficácia e possibilidade de controle.

Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL datado de 24/11/2020, proferido no processo nº 27/20.6GBALM-A.L1-5, em que foi relator Luís Gominho, in www.dgsi.pt., onde se refere que: “ A jurisprudência tem identificado situações em que a obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas. É o que ocorre, por exemplo, em certas situações de tráfico de estupefacientes, em que se identifique a existência de um forte perigo de continuação da actividade criminosa, sabido que o crime de tráfico, exceptuando na modalidade de "transporte", é um daqueles crimes que, com os meios de comunicação actuais e algumas ajudas, pode perfeitamente desenvolver-se a partir do interior de uma residência, sem conhecimento da entidade vigilante, já que não é possível efectuar qualquer "fiscalização" da actividade criminosa através do meio técnico de controlo. A partir de determinado patamar de perigo, nem mesmo a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, previne o prosseguimento da actividade ilícita. Assim acontece no caso em análise, até pela (indiciada) posição que o arguido/recorrente assume (de mentor) da “organização” e da ligação com outros que, a partir de casa, estaria em condições de comandar.”

Em conclusão, o despacho recorrido mostra-se suficientemente fundamentado e encontram-se preenchidos os pressupostos, quer os de carácter geral, quer os de carácter específico, legalmente exigidos para que ao recorrente pudesse ser aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida essa que, de entre o elenco das medidas de coação que a lei prevê, é a única que, por ora, se mostra capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares que o caso requer.

Verifica-se, assim, que o despacho impugnado não violou qualquer normativo legal, designadamente os art.ºs 193º, nº 3 do Cód. de Proc. Penal e 28º, nº 2 da CRP, nem os princípios da necessidade, proporcionalidade, adequação e subsidiariedade invocados pelo arguido. Cumpre ainda referir que o despacho recorrido também não padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos previstos no art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal. Em primeiro lugar porque, nos termos do art.º 194º do Cód. Proc. Penal, a decisão que aplica uma medida de coação é um despacho e não uma sentença. Sendo as nulidades previstas no art.º 379º do citado diploma nulidades específicas da sentença, conforme aí literalmente expresso, nunca a decisão recorrida poderia padecer das mesmas ( cf., neste sentido, Fernando Gama Lobo, in “Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, 2022, Almedina, pág. 865 ). Por outro lado, a decisão recorrida mostra-se muito bem fundamentada, de facto e de direito, pronunciando-se sobre todos os pressupostos de aplicação da medida de coação em apreço, sem que do seu teor decorra que incide sobre qualquer outra questão excluída do âmbito de aplicação da medida. Por tudo o exposto, impõe-se julgar totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se o recorrente em prisão preventiva.

*

4. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso apresentado por AA, e, em consequência, mantêm a decisão recorrida que determinou a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.

Évora, 19 de Novembro de 2024

(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)

Carla Francisco

(Relatora)

Edgar Valente

Anabela Simões Cardoso

(Adjuntos)