Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
293/03.1TAVFX.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: BURLA QUALIFICADA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1 – Verificando-se que o montante do prejuízo patrimonial causado foi de € 41.258,25 mostra-se adequada a pena de 4 anos de prisão fixada ao arguido condenado como autor material de um crime de burla qualificada, pelo valor, p. e p. nos termos dos arts. 218°, n. 2, al. a), e 202°, al. b), ambos do Código Penal.
2 – Com efeito, estamos perante um crime de burla qualificada que se traduziu num prejuízo patrimonial equivalente a mais de quinhentas e dezasseis unidades de conta – quando bastaria exceder o valor de duzentas UCs para estar preenchida a qualificação verificada, por estarmos já perante “valor consideravelmente elevado”.

3 – Tendo em conta que o salário mínimo nacional ainda agora não atingiu os € 500 (quinhentos euros), mais notória se torna a importância da lesão patrimonial em causa, constatando-se que o arguido apoderou-se ilicitamente de valores superiores a oitenta e dois salários mínimos nacionais.

4 - Nada se tendo apurado no sentido de diminuir o grau de ilicitude da conduta ou a culpa do agente, afigura-se que, à luz dos critérios de determinação da medida da pena, ínsitos no art. 71º do CP, uma pena que se situa abaixo do ponto médio da moldura legal aplicável não pode reputar-se de exagerada.

5 - A suspensão da pena, subordinada ao cumprimento de deveres de conduta, visa obviamente favorecer a ressocialização e promover a reintegração dos agentes do crime através do seu comportamento activo, não se podendo confundir com uma benesse que se traduza no consagrar da impunidade do criminoso, na indiferença perante as ofensas das vítimas ou no reforço do sentimento geral de que o crime compensa.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A)

Nestes autos de processo comum colectivo n.º 293/03.1TAVFX do 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, por acórdão de 16 de Março de 2011, o arguido (…) foi condenado como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, n.º 1, 218°, n.º 2, al. a), e 202°, al. b, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; e nos termos dos art. 50º, e 51º, n.º 1, al. a), do Código Penal ficou suspensa a execução da pena, pelo mesmo período, com a condição do arguido pagar à assistente (…) a quantia em que foi condenado a título de indemnização, no período de 24 (vinte e quatro) meses, sob pena de revogação da suspensão, nos termos do disposto no artigo 56º do Código Penal.

Além disso, foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado contra o arguido, condenando-o a pagar a (…) a quantia de € 43.758,25 (quarenta e três mil setecentos e cinquenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais e morais.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para esta Relação, pedindo, conforme consta das suas conclusões, que “a decisão recorrida substituída por outra que condene o arguido em pena de prisão inferior a 4 anos, suspensa na sua execução e subordinada ao dever de indemnizar a assistente em prazo superior a 24 meses ou que preveja apenas como dever a satisfação naquele prazo de 50% da indemnização.”

Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sustentando que não deve ser dado provimento ao recurso.

Nesta Relação, de igual modo a Ilustre Sra. Procuradora-Geral Adjunta que teve vista dos autos emitiu douto parecer no sentido da improcedência total do recurso.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

B)

Considerando os elementos relevantes para o efeito, decorrentes do processo, cumpre apreciar e decidir.

Recorde-se que o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação - arts. 403º, n.° 1, e 412°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Assim, o que há a decidir é tão só o que resulta das conclusões do recurso, delimitadoras do objecto deste (sem prejuízo das questões que são do conhecimento oficioso do tribunal).

Diz o arguido recorrente, nas suas conclusões, o seguinte:

1 - O arguido recorre do Acórdão de 16/03/2011, que o condenou como autor material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217°, n.º 1, 218°, n.º 2, al. a), e 202.°, al. b), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução na condição de pagar a Helena Nogueira, no prazo de 24 meses, a quantia de € 43.758,25.

2 - Não se conforma com tal condenação;

3 - A condenação resultou dos factos que o Tribunal a quo considerou provados e respectiva fundamentação, que se têm por assentes, aspectos que constam das págs. 2 a 10 do Acórdão recorrido.

4 - O presente recurso visa exclusivamente matéria de direito, nomeadamente à medida da pena aplicada, que se considera manifestamente excessiva e às condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da mesma;

5 - Em especial o prazo concedido para cumprimento do dever imposto, manifestamente curto;

6 - A medida da pena acha-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, se encontram enumeradas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 71º do C.P.

7 - E a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa, ex vi o art. 40º n.º 1 e 2 do C.P.

8 - Face às várias circunstâncias que militam a favor do arguido, devem ter-se por reduzidas as necessidades de prevenção geral e especial, dado que:

9 - O arguido não tem antecedentes criminais;

10 - Tem 55 anos;

11 - Decorreram mais de 8 anos;

12 - Está social e familiarmente bem inserido;

13 - "Tem competências sociais e académicas acima da média do seu grupo geracional de pertença" e "Teve uma trajectória de vida com diversas experiências profissionais, é possuidor de recursos pessoais e sociais adequados a diversos contextos socioprofissionais, o que indicia capacidade de liderança e iniciativa;"

14 - Logo que conheceu a sua situação de contumácia originada pelos presentes autos, apresentou-se voluntariamente à justiça.

15 - Perante este quadro factual o Tribunal deveria ter entendido fixar ao arguido uma pena abaixo dos quatro anos, perto mesmo do limite mínimo

16 - A qual se coadunaria com os imperativos do ordenamento jurídico e de paz social bem como com a ressocialização do agente.

17 - A condenação do arguido deverá ser a graduar abaixo dos 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução.

18 - Pelo que se conclui que, ao condenar o arguido na pena de prisão de 4 anos, ainda que suspensa na sua execução, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 40º n.ºs 1 e 2 e 71 ° n.ºs 1 e 2 do CP.

19 - O Tribunal a quo concedeu ao arguido o prazo de 24 meses para pagar uma indemnização à assistente de montante superior a 43.000,00.

20 - Apresentando, quanto a nós, uma justificação que exigiria prazo superior.

21 - Na sua actual situação de vida, o arguido não tem condições de satisfazer no prazo indicado o montante total da indemnização.

22 - O Tribunal a quo não fez por isso uma correcta aplicação dos comandos ínsitos no art. 51°, n.º 1, aI. a) e n.º 2 do Código Penal.

23 - A interpretação e aplicação correcta aplicação dos comando legais indicados teria tido em conta que é impossível ao arguido satisfazer tal montante em tão curto espaço de tempo.

24 - O arguido está actualmente desempregado.

25 - Se lhe foi dada a oportunidade de se redimir perante a sociedade sem o cumprimento efectivo da pena, também lhe deve ser permitido em circunstâncias possíveis e reais, cumprir a sua obrigação num período mais alargado.

26 - Reputando-se como adequado permitir o pagamento em quatro anos.

27 - Condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento nos 24 meses de 50% da indemnização.

28 - Assim não sendo, estar-se-á a exigir ao arguido a satisfação de uma condição impossível.

29 - Manifestamente contrária ao disposto no n.º 2 do art. 51° do C. Penal.

Termos em que deve o presente recurso ser recebido e a decisão recorrida substituída por outra que condene o arguido em pena de prisão inferior a 4 anos, suspensa na sua execução e subordinada ao dever de indemnizar a assistente em prazo superior a 24 meses ou que preveja apenas como dever a satisfação naquele prazo de 50% da indemnização.

Recorde-se que a factualidade dada como assente, aqui a considerar, é a fixada na primeira instância (e que o recorrente declara expressamente ter como assente).

São estes os factos a ter em conta:

1- No ano de 1998, o arguido conheceu (…).

Até meados do ano de 2002, mantiveram contactos esporádicos, visto que o arguido viveu em Moçambique e no Brasil.

N o início de Julho de 2002, voltou para Portugal.

Iniciou então uma relação de namoro com (…), chegando a viver juntos numa das casas que esta possuía nas localidades de Óbidos e de Vila Franca de Xira.

2- De caso pensado, o arguido convenceu (…) a criar com ele uma sociedade por quotas, para comércio de artigos de decoração africanos, provenientes de Moçambique, em que cada um contribuiria com metade do dinheiro necessário à sua formação.

Crente de que tal firma seria paga por si e pelo arguido, em partes iguais, e que desenvolveria actividade no interesse comum, sendo ambos sócios e gerentes, (…) aceitou fazer o negócio.

Iniciaram a busca de um local para instalar a empresa: o arguido na zona de Braga, em cuja área o pai vivia; (…) na zona de Lisboa.

O arguido acabou por indicar como melhor local, em função do preço, uma loja sita no "Braga Shopping", na Avenida Central, n.º 33, loja n.º 53, em Braga.

Depois de escolhido, entre ambos, o nome da sociedade - (…) - o arguido passou a pedir a (…), sucessivamente, que lhe entregasse cheques e efectuasse transferências para as suas contas, com o argumento de que tinha de fazer face às despesas iniciais com o arrendamento da loja, "tratar da papelada" perante as autoridades e de comprar os primeiros artigos.

(…) aceitou entregar ao arguido o dinheiro que ele lhe foi pedindo, por confiar que os fundos se destinavam aos fins antes indicados e pensar que ele ainda não teria podido transferir de Moçambique os seus capitais.

3- Entre 19 de Setembro e 25 de Outubro de 2002, (…) entregou ao arguido dez cheques, por si apenas assinados e relativos a contas que detinha na Nova Rede/Banco Comercial Português; na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Espírito Santo.

Por outro lado, realizou dez transferências para contas cujos números o arguido lhe indicou.

O arguido completou o preenchimento dos cheques e descontou-os.

Pela forma descrita, logrou que (…) colocasse à sua disposição a quantia monetária total de Euros 41.758,25 (quarenta e um mil setecentos e cinquenta e oito Euros e vinte cinco cêntimos).

A última entrega de fundos ocorreu em Beja, no dia 25 de Outubro de 2002, data em que foi feita uma transferência bancária no valor de Euros 12.000.

.4- Porém, o arguido acabou por formar uma sociedade denominada (…) e de que era único sócio e gerente.

Subitamente passou a furtar-se aos contactos de (…), fazendo seu todo o dinheiro que dela recebeu.

5- O arguido sabia que, usando a sua qualidade de namorado, convencia (…) a entregar-lhe a quantia de Euros 41.758,25, com o falso argumento de que o dinheiro seria usado para montar uma sociedade em nome e no interesse de ambos.

Tinha consciência de que usava aquela quantia em seu exclusivo proveito, causando a outrem um prejuízo patrimonial.

Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida, com o propósito de obter um benefício pecuniário sem motivo e à custa de outrem.

6- Porque surgiu um problema com a importação de mercadoria, dado que algumas das peças tinham embutidos de marfim e originaram que toda a encomenda ficasse retida na alfândega do Porto, a referida encomenda originou um inquérito criminal contra o aqui arguido que correu termos pelos serviços do Ministério Público da Maia. sob o n.º 1121/02.0GCBRG. que posteriormente veio a ser arquivado.

7 - O arguido fez uma transferência de € 500,00 para a conta da assistente em 14-10-2002.

8- Nunca desconfiando das verdadeiras intenções do Arguido, a Assistente, ora Requerente, aceitou contrair um empréstimo a pedido daquele para fazer face a algumas «despesas imediatas», tal como lhe referia frequentemente.

Assim, em 15 de Outubro de 2002, nas instalações do Banco Comercial Português, S.A., e na presença do notário, a Assistente, ora Requerente, celebrou um contrato de mútuo (com hipoteca e fiança) no valor de € 34.431,19

E em 18 de Outubro de 2002 suportou a quantia de € 300,00 de impostos do empréstimo referido.

9- A assistente é viúva. À data tinha a seu cargo as suas duas filhas, estudantes.

O seu sustento e das filhas apenas resulta do dinheiro proveniente do seu trabalho.

Os factos descritos levaram a que começasse a viver com dificuldades financeiras.

A conduta do Arguido e as suas dificuldades financeiras, causaram na Assistente, ora Requerente, uma depressão.

Também o ambiente familiar se deteriorou, pois, numa primeira fase, tinha sérias dificuldades em explicar os factos às suas filhas.

10- O processo de desenvolvimento infanto-juvenil de (…) decorreu num grupo familiar possuidor de medianos recursos socio-económicos, residente no Minho. O crescimento do arguido parece ter decorrido num grupo familiar coeso cuja dinâmica foi descrita como tendencialmente estável.

A sua trajectória escolar iniciou-se em idade normal até ao iniciar de uma actividade laboral aos dezasseis anos, após conclusão do 5º ano da Escola Industrial e Comercial.

A trajectória profissional iniciou-se no sector hoteleiro, com a posterior emigração para Moçambique após a maioridade, onde trabalhou cerca de dois anos no sector petrolífero. Naquele país transitou para o sector têxtil, ao serviço de uma empresa sedeada no concelho de Famalicão (Riopele).

(…) casou pela primeira vez aos vinte e três anos. Relação de onde resultou um filho. Em Moçambique casa uma segunda vez, numa relação que cessou em 2001, de onde resultaram três filhos.

(…) manteve-se em Moçambique (apesar das vindas temporárias a Portugal) até 2001, momento do divórcio do segundo casamento.

Após os factos em julgamento, regressou a Moçambique, onde explorou um estabelecimento de restauração até 2008, momento do regresso definitivo a Portugal.

Entre inícios de 2009 e finais de 2010 fixa-se na região de Lisboa, em Alhandra, exercendo funções de técnico comercial na empresa de trabalho temporário (…)”. Alegados conhecimentos com pessoas amigas terão favorecido a oportunidade de trabalho.

O contrato de trabalho cessou em finais de 2010, seguindo-se a vinda para Guimarães e fixação na habitação dos pais da ex-mulher. Apesar do desempenho laboral descrito como satisfatório, a cessação de funções terá sido consequência da perda de dinâmica empresarial.

A actual situação socio-familiar e laboral de (…) tendo por referência a data dos factos sobre os quais está indiciado, apresenta como alterações significativas, a interrupção da actividade comercial e a fixação em Guimarães.

(…) vive temporariamente num apartamento localizado numa moradia situada no centro histórico de Guimarães, propriedade dos ex-sogros. (…) informou que a sua sobrevivência económica é assegurada algumas economias pessoais e com o apoio material de alguns familiares residentes em Vila Nova de Famalicão e Póvoa de Varzim.

O quotidiano de (…) está especialmente centrado na residência dos ex-sogros e nas raras relações de sociabilidade em locais públicos da comunidade residencial.

(…) é um indivíduo possuidor de competências sociais e académicas acima da média do grupo geracional de pertença, reforçadas em diferentes experiências profissionais, indiciando ainda capacidade de iniciativa e de liderança.

Estamos perante um arguido que indicia uma incipiente integração na comunidade residencial, local onde não detém quaisquer laços relacionais à excepção dos pais da ex-cônjuge.

Não se percebem especiais impactos no quotidiano do arguido, decorrentes do processo judicial.

(…) não revela especial juízo crítico face à envolvência dos factos.

Em face do exposto podemos relevar estarmos perante um arguido possuidor de uma trajectória de vida enformada por experiências profissionais várias e alguma mobilidade residencial, especialmente após o divórcio do segundo casamento.

(…) é um indivíduo possuidor de recursos pessoais e sociais adequados a diferentes contextos socioprofissionais, que indicia capacidade de liderança e iniciativa.

11- Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

Vejamos então as questões colocadas no recurso, tal como resultam das respectivas conclusões.

Como se constata, o recurso não procura impugnar o julgamento feito quanto à matéria de facto. Declara expressamente que só visa as concretas questões jurídicas que enuncia.

a) Em primeiro lugar, defende que a pena concreta deveria ser inferior aos 4 anos de prisão fixados pelo tribunal.

b) Em segundo lugar, pretende que o prazo para cumprimento da condição imposta seja alargado, para período superior a 2 anos, ou então que a condição seja modificada, de modo a pagar nesse prazo apenas metade da indemnização estabelecida.

1 - Quanto à primeira questão:

O arguido foi condenado como autor material de um crime de burla qualificada, pelo valor, atendendo ao disposto nos artigos 202°, al. b) e 218°, n. 2, al. a) do Código Penal e considerando o prejuízo patrimonial em questão e o valor da unidade de conta à data dos factos (€ 79,81).

O valor do prejuízo patrimonial causado foi de € 41.258,25, quantia esta em que foi lesada a ofendida (…) e em que correspondentemente o arguido logrou obter um enriquecimento ilícito.

A pena cominada em abstracto para o crime praticado tem como limite máximo oito anos de prisão e mínimo de dois (cfr. art. 218º, n.º 2, do CP).

O tribunal recorrido, invocando todo o condicionalismo a considerar, nomeadamente o elevado grau de ilicitude dos factos, o modo de execução destes, a gravidade das suas consequências, o valor do prejuízo causado, a intensidade do dolo, os motivos que determinaram o arguido, as suas condições pessoais e situação económica, a ausência de arrependimento e de antecedentes criminais, sem esquecer as exigências de prevenção, estabeleceu a pena em 4 anos de prisão.

Verifica-se, portanto, que a pena aplicada não atinge o ponto intermédio da moldura abstractamente aplicável, que seria de 5 anos de prisão. Uma vez que nada se apurou no sentido de diminuir o grau de ilicitude da conduta ou a culpa do agente, afigura-se que, à luz dos critérios de determinação da medida da pena, ínsitos no art. 71º do CP, uma pena que se situa abaixo desse termo médio da respectiva moldura legal não pode reputar-se de exagerada.

Como se refere no acórdão condenatório, os factos praticados são graves – desde logo pelo valor patrimonial em causa – e não se descortinam atenuantes de relevo que beneficiem o arguido. Desde logo, o recorrente não confessou os factos que lhe eram imputados, nem revelou arrependimento, nem demonstrou qualquer intuito de reparação dos danos.

Como se sabe, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (art. 71º, n.º 1, do Código Penal), tendo ainda em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido (art. 71º, n.º 2, do CP) - sendo que, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, n. 2, do CP). Além disso, dispõe também o art.º 40.º, n.º 1, do CP, que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Em suma, a culpa e a prevenção constituem os dois termos do binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena (neste sentido, acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção).

Assim sendo, temos que concluir que o tribunal recorrido teve em conta os factores e os critérios apontados nas normas citadas.

Com efeito, na determinação da medida concreta da pena o tribunal colectivo considerou o dolo directo do arguido, o prejuízo concreto causado, a ilicitude elevada, a ausência de antecedentes criminais do arguido (embora sem lhe atribuir especial relevo), a sua não confissão dos factos e a sua atitude de desprezo pelas consequências dos seus actos, quer em termos pessoais, quer em termos patrimoniais, e as suas condições pessoais.

Deste modo, teve em conta as exigências de prevenção e de culpa, e as circunstâncias apuradas que depunham contra ou a favor do arguido, de forma a concluir, atenta a moldura penal aplicável ao crime em apreço, que se mostrava adequada a pena de 4 anos de prisão.

Atente-se em que estamos perante um crime de burla qualificada pelo valor “consideravelmente elevado”, que foi consumado num período de apenas 4 meses, e que se traduziu num prejuízo patrimonial equivalente a mais de quinhentas e dezasseis unidades de conta – quando bastaria exceder o valor de duzentas UCs para estar preenchida essa qualificação, por estarmos já perante “valor consideravelmente elevado”.

Acompanhando a primeira instância, também se nos afigura que dentro da moldura abstracta a considerar não havia fundamento possível para julgar o grau de ilicitude dos factos tão diminuído que permitisse fixar a pena concreta mais perto do limite mínimo legalmente admissível.

Na verdade, a conduta do arguido reveste-se de forte censurabilidade, e demonstra grave falta de preparação para a vida em sociedade e grande insensibilidade perante os valores da ordem jurídica: aproveitando o seu envolvimento amoroso com a ofendida convenceu-a de que estavam a edificar em conjunto uma empresa comercial de que ambos eram sócios de modo a apoderar-se de importâncias que ela sucessivamente lhe foi entregando para esse fim, sendo certo que o arguido se foi apoderando dessas quantias em seu proveito, criando nomeadamente uma sociedade unipessoal em vez da tal sociedade por quotas em que participaria por igual a ofendida. Conseguido o seu intento de desfalque patrimonial, o arguido afastou-se da ofendida sem lhe dar contas das quantias de que se apoderou, ficando ela sem o dinheiro e sem sociedade alguma. O valor alcançado ascendeu aos ditos € 41.258,25 (verificando-se mesmo que a ofendida foi levada a contrair um empréstimo junto de uma entidade bancária para obter esses meios financeiros).

Se nos lembrarmos que o salário mínimo nacional ainda agora não atingiu os € 500 (quinhentos euros), melhor ressalta a importância da quantia de que se trata. O arguido apoderou-se ilicitamente de valores superiores a oitenta e dois salários mínimos nacionais, através do engano astucioso com que ludibriou a vítima que nele confiou.

Em conclusão, a pena fixada não merece a censura que lhe dirige o arguido e deve ser confirmada.

2 - Quanto à segunda questão:

O arguido viu suspensa a pena de prisão em que foi condenado, mas sob a condição de proceder ao pagamento à ofendida da quantia indemnizatória fixada, de 43.758,25 €, no prazo de vinte e quatro meses.

Pretende agora que seja alargado o prazo de pagamento, ou que seja modificada a condição de modo a dever pagar nesse período apenas metade da indemnização. Para tanto, o arguido alega que se encontra desempregado e que não podem ser-lhe impostas condições impossíveis.

Porém, a circunstância do seu desemprego já foi considerada no acórdão em causa, e não foi considerada como impossibilitadora do cumprimento da condição imposta. É que por outro lado o mesmo acórdão também deu como provado que o arguido é um indivíduo possuidor de competências sociais e académicas e de recursos pessoais e sociais adequados a diferentes contextos socioprofissionais, que indicia capacidade de liderança e iniciativa - pelo que não duvidou das suas capacidades e da possibilidade de cumprimento do determinado.

Nestes termos, e visto que não está concretizada e fundamentada no recurso em apreço qualquer incapacidade ou impossibilidade quanto ao cumprimento da obrigação de indemnização no prazo que foi concedido, também não se encontra vislumbramos razão para modificar a condição fixada, seja pelo alargamento do prazo seja pela redução do montante a suportar.

Atente-se, aliás, que inadmissivelmente alargado já foi o período de tempo decorrido desde a lesão patrimonial consumada em Outubro de 2002 (são já nove anos) – sem que a ofendida se visse ressarcida nem o arguido sentisse a obrigação de reparar o mal do crime.

A suspensão da pena, subordinada ao cumprimento de deveres de conduta, visa obviamente favorecer a ressocialização e promover a reintegração dos agentes do crime através do seu comportamento activo – mas não se pode entender como uma benesse que se traduza no consagrar da impunidade do criminoso, na indiferença perante as ofensas das vítimas e no reforço do sentimento geral de que o crime compensa.

E acresce que o próprio art. 51º do Código Penal, regulador dessa matéria, estabelece no seu n.º 3 que “os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorram circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento” pelo que, sendo caso disso, sempre a flexibilidade da regulamentação legal aplicável permitirá ao tribunal competente para decidir sobre o cumprimento e o incumprimento da condição providenciar adequadamente a esse respeito.

Nesta sede, e em face da factualidade disponível e da carência de fundamentação bastante por parte do recorrente, não encontramos motivos para alterar o que ponderadamente ficou decidido no acórdão impugnado.

Por tudo o que fica dito, dada a sua falta de fundamento legal, improcede na sua totalidade o recurso sub judicio.

C)

Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido (…) e, consequentemente, confirmam na íntegra o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Notifique.

Évora, 22 de Novembro de 2011

José Lúcio (relator) - Alberto João Borges