Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERGUETE COELHO | ||
Descritores: | TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO | ||
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Data do Acordão: | 10/12/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 - Se o arguido prestou TIR e indicou a sua morada, ainda que, posteriormente, como sucedeu, se tivesse vindo a constatar que o endereço era insuficiente/desconhecido, não pode deixar de conferir-se relevância às obrigações a que se sujeitou, para as quais foi advertido, nomeadamente, de que as notificações seriam efectuadas por via postal simples e tendo em conta a morada que forneceu, a não ser que comunicasse alguma alteração. 2 - Nesta conformidade, desde que a notificação tivesse respeitado, como no caso em análise, a indicação que o arguido fez quanto à sua morada, a mesma deva considerar-se efectuada nos termos e para os efeitos legais, não obstante a verificada insuficiência de endereço, cuja responsabilidade não é senão, unicamente, do arguido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1. RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo abreviado, correndo termos no Juízo Local Criminal de Albufeira, Comarca de Faro, proferiu-se o seguinte despacho: «Pese embora o arguido tenha de facto prestado Termo de Identidade e Residência a fls. 9, como bem assinala o Ministério Público, e reiterado a morada quando foi ouvido a fls. 92, a verdade é que, tentada a notificação da data de julgamento do arguido nessa morada, acabou por se frustrar a sua localização, sendo até impossível o depósito da convocatória “por endereço insuficiente/desconhecido” (fls. 112 e 126). Assim sendo, o Tribunal não encetará novos esforços para localizar o arguido nesta morada ou, sequer, designar nova data para realização de julgamento. Desta forma, resultando também goradas as tentativas de localização do arguido em moradas alternativas, determina-se a notificação do arguido, através de editais com a sua identificação, indicação do crime de que vem acusado e das respectivas normas legais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, sob pena de ser declarado contumaz, nos termos do disposto no artigo 335.º n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal.». Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo as conclusões: 1. Por despacho judicial de 06.01.2021, o Tribunal a quo, decidiu não designar nova data para a realização de julgamento e notificar o arguido, através de editais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, sob pena de ser declarado contumaz, uma vez que já se tinha tentado efectuar a notificação na morada do TIR, mas esta foi devolvida com menção de “endereço insuficiente/desconhecido”, e das diligências realizadas não se logrou apurar novo paradeiro do arguido. 2. Por não se conformar com esta decisão, vem o Ministério Público interpor recurso, o qual versa sobre matéria de direito, mais concretamente sobre a questão de saber se pode ser designada nova data para audiência de julgamento, notificando o arguido na morada do TIR que prestou e, consequentemente, se foi indevidamente utilizada a notificação através de editais, nos termos do disposto no artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. 3. Nos presentes autos o arguido prestou TIR, aí constando as advertências previstas no artigo 196.º, do Código de Processo Penal, entre as quais, de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicou, excepto se comunicasse outra. 4. A redacção actual do artigo 113.º, do Código de Processo Penal, resulta da Lei n.º 59/98, de 25/08, e do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15/12. As alterações introduzidas neste artigo desde a versão originária – em particular os n.ºs 3 e 4 - tiveram como escopo obviar a que o arguido impedisse a regular notificação da acusação, bem como o julgamento, pois, para tal, bastava que indicasse uma rua ou um número de polícia inexistente ou sem receptáculo. 5. Contudo, “se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência”, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.05.2014, processo 346/10.0GBLSA.C1. No mesmo sentido, veja-se, ainda, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.07.2017, processo 706/12.1TAACB-A.C1, e de 24.04.2018, processo 313/15.7GCACB-A.C1, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 05.06.2018, processo 60/16.2PALGS-A.E1, e de 04.12.2018, processo 24/14.0ZRFAR.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2015, processo 3/03.3IELSB.L1-9. 6. No caso sub judice, o arguido prestou TIR, sabia que os presentes autos se encontravam pendentes e que já tinha sido designada data para audiência de julgamento, sendo que, como bem se refere no despacho recorrido, quando foi ouvido - o que sucedeu em audiência de julgamento, a qual foi dada sem efeito por se encontrar excedido o prazo de 20 dias para o processo sumário -, reiterou a morada do TIR. 7. Tendo o arguido prestado TIR, a notificação para audiência de julgamento, é feita mediante via postal simples, nos termos do disposto nos artigos 313.º, n.ºs 2 e 3, e 113.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, independentemente da respectiva existência física ou não do endereço. 8. Pelo que, a notificação através de editais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, com a cominação de ser declarado contumaz, nos termos do disposto no artigo 335.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, é inadmissível, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos legais. 9. A notificação do arguido através de editais, nos termos determinados pelo Tribunal a quo, ao invés de ser designada nova data para julgamento, notificando-se o arguido por via postal simples, para a morada do TIR, viola o preceituado nos artigos 313.º, n.ºs 2 e 3, 196.º, n.º 3, al. c), 113.º, n.º 1, al. c) e n.ºs 3 e 4 e 335.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que designe nova data para audiência de julgamento, notificando o arguido na morada do TIR, por via postal simples, com prova de depósito. O recurso foi admitido. O arguido não apresentou resposta. Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido da improcedência do recurso. Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. Série I-A de 28.12.1995, e Acórdãos do STJ: de 13.05.98, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.98, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.99, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg. Assim, reside em apreciar da indevida utilização da notificação do arguido nos termos do art. 335.º, n.º 1, do CPP e, ao invés, da sua notificação na morada constante do termo de identidade e residência (TIR) que prestou nos autos. * Apreciando:Da consulta dos autos, a que o recorrente, mormente, se reporta, resulta: O arguido prestou TIR, em 10.03.2019, indicando a sua residência e tendo sido advertido do conteúdo do art. 196.º, n.º 3, do CPP, não obstante se ter recusado a assinar. Deduzida acusação, foi expedida carta para a sua notificação para comparência em audiência de julgamento, designada para 25.09.2019 (1.ª data), por via postal simples e por referência à residência que indicara no TIR, a qual veio devolvida com menção de “endereço insuficiente/desconhecido”. Nessa data, o Tribunal consignou, por despacho, “Uma vez que o arguido não se mostra presente, nem se encontra regulamente notificado para comparecer à audiência de discussão e julgamento, impõe-se dar a mesma sem efeito”, bem como determinou se realizassem diligências no sentido de apurar o seu paradeiro e, caso viesse este a ser conhecido, se notificasse pessoalmente, através do órgão de polícia criminal territorialmente competente. O aqui recorrente promoveu, na sequência das diligências, em 14.12.2020, que o arguido fosse notificado da data designada para audiência de discussão e julgamento por via postal simples, com prova de depósito, na morada do TIR, nos termos do disposto nos arts. 113.º, n.º 1, alínea c), e 196.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), do CPP. Proferiu-se, então, o aludido despacho, ora sob censura. E definido, como foi, o objecto do recurso, o recorrente preconiza, em abono da revogação e substituição do despacho, que Tendo o arguido prestado TIR, a notificação para audiência de julgamento, é feita mediante via postal simples, nos termos do disposto nos artigos 313.º, n.ºs 2 e 3, e 113.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, independentemente da respectiva existência física ou não do endereço e, por isso, a notificação através de editais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, com a cominação de ser declarado contumaz, nos termos do disposto no artigo 335.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, é inadmissível, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos legais. Traz à colação, conforme indica, normas legais e jurisprudência, que entende sustentarem a sua posição. Vejamos. No que aqui releva, têm-se em conta as pertinentes disposições legais, que ora se transcrevem: - o art. 313.º do CPP, sob a epígrafe “Despacho que designa dia para a audiência”, seu n.º 3: “3 - A notificação do arguido e do assistente ao abrigo do número anterior tem lugar nos termos das alíneas a) e b) n.º 1 do artigo. 113.º, excepto quando aqueles tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução e nunca tiverem comunicado a alteração da mesma através de carta registada, caso em que a notificação é feita mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º”; - o art. 113.º do CPP, sob a epígrafe “Regras gerais sobre notificações”: “1 - As notificações efectuam-se mediante: a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado; b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados; c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir. (…) 3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação. 4 - Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. (…)”; - o art. 196.º do CPP, sob a epígrafe “Termo de identidade e residência”: 1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º. 2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. 3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado; c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento; d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º; (…); - o art. 335.º do CPP, sob a epígrafe “Declaração de contumácia”, seu n.º 1: “1 - Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do artigo 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas no n.º 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz”. Decorre, assim, na conjugação desses preceitos, a imposição legal de que, desde que regularmente prestado TIR, a notificação do arguido para a audiência de julgamento seja efectuada por via postal simples, com prova de depósito nos termos assinalados, a que o Dec. Lei n.º 320-C/2000, de 15.12, atribuiu manifesto relevo, com a finalidade de simplificação e combate à morosidade processual. Aliás, já no preâmbulo desse decreto-lei, em sintonia com a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 41/VIII que o precedeu, o legislador deu conta das preocupações subjacentes e em vista da prevalência pela via postal simples: Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual. A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos. Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento. No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação. Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento. Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações. Também, acerca da constitucionalidade dessa forma de notificação, no confronto das garantias de defesa do arguido e do direito a um processo equitativo, se pronunciou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 17/2010, de 12.01, mormente destacando: É por demais evidente que a exigência da notificação do arguido por contacto pessoal em todas as referidas situações conduz a bloqueios óbvios e inaceitáveis ao longo de todo o procedimento criminal, sobretudo a partir do encerramento do inquérito e da dedução da acusação. Foi, aliás, a constatação dessa situação que motivou o legislador a substituir a notificação pessoal pela notificação através de envio de aviso postal para morada previamente indicada pelo arguido para esse fim, procurando assim consagrar uma solução que conciliasse a celeridade processual com a necessidade do arguido ter um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de julgamento para nela poder exercer os seus direitos de defesa. Não se esqueça que a celeridade processual em matéria penal também tem dignidade constitucional – já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e até pode ser julgado na ausência –, estando o legislador ordinário apenas obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP). Daí que seja obrigação do legislador conciliar estes diferentes interesses do processo penal. Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa. Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a transmitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário. E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si – como, aliás, sucedeu na maioria dos casos acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH. Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na respectiva sujeição a termo de identidade e residência. Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido. É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal. Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local. Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efectivo esse conhecimento. Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir. Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais. Deste modo, revertendo ao concreto, se o arguido prestou TIR e indicou a sua morada, ainda que, posteriormente, como sucedeu, se tivesse vindo a constatar que o endereço era insuficiente/desconhecido, não pode deixar de conferir-se relevância às obrigações a que se sujeitou, para as quais foi advertido, nomeadamente, de que as notificações seriam efectuadas por via postal simples e tendo em conta a morada que forneceu, a não ser que comunicasse alguma alteração. E afigura-se que, mesmo nessa situação, que, afinal, redundou em impossibilidade de proceder ao depósito da carta e, assim, integrando o vertido no n.º 4 daquele art. 113.º, não se alcança diferente entendimento. Diversa perspectiva corresponderia a dar cobertura a fácil manobra de quem se quisesse furtar à notificação e, consequentemente, obviar ao normal desenrolar do processo, o que, certamente, não foi objectivo do legislador, bem pelo contrário. Nesta conformidade, desde que a notificação tivesse respeitado, como no caso em análise, a indicação que o arguido fez quanto à sua morada, a mesma deva considerar-se efectuada nos termos e para os efeitos legais, não obstante a verificada insuficiência de endereço, cuja responsabilidade não é senão, unicamente, do arguido. Não se desconhece que a jurisprudência não tem denotado uniformidade quando aquela impossibilidade de depósito exista. A título de exemplo, em sentido divergente do explicitado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.05.2006, no proc. n.º 239/06, in www.dgsi.pt, em situação aparentemente idêntica e reportando-se ao art. 113.º: Está a mesma prevista no n.º 4: Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. Ou seja, contrariamente ao que acontece nos n.ºs 2 e 3, o n.º 4 não diz que se considera a notificação efectuada. Dando acolhimento à posição de que a notificação se considere efectuada, como indicado pelo recorrente, “se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência”, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.05.2014, processo 346/10.0GBLSA.C1. No mesmo sentido, veja-se, ainda, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.07.2017 (deve ler-se 07.05.2017), processo 706/12.1TAACB-A.C1, e de 24.04.2018, processo 313/15.7GCACB-A.C1, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 05.06.2018, processo 60/16.2PALGS-A.E1, e de 04.12.2018 (deve ler-se 12.04.2018), processo 24/14.0ZRFAR.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2015 (deve ler-se 06.04.2015), processo 3/03.3IELSB.L1-9, todos acessíveis in www.dgsi.pt. Designadamente, pois: - no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.04.2015: Na verdade, nos casos em que o Arg. tenha prestado TIR e tenha sido devidamente advertido, como foi neste, a notificação por via postal simples considera-se efectuada ainda que a carta, devidamente depositada nos termos do art.º 113º/3 do CPP, venha devolvida e, também, no caso de ser devolvida sem a nota de depósito, por inexistência de caixa de correio; - no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 12.04.2018: Impendendo, desta feita, sobre o arguido o dever de informar o Tribunal sempre e quando tiver lugar qualquer alteração da sua residência, correndo por sua conta e risco a não comunicação da alteração. O que quer significar que passa a impender sobre o arguido um dever geral de diligência, não na perspectiva de um dever de colaboração, mas antes de dar funcionalidade àquele seu estatuto, que não é compatível com um posicionamento de alheamento processual e muito menos de violação dos seus deveres processuais; - no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2018: tem por firme – e expressamente assumida pelo respectivo legislador, (vide, designadamente, preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15/12) – finalidade a respectiva (arguidos) responsabilização pela veracidade das próprias informações acerca do local de pessoal contactabilidade pelo Sistema de Justiça e a obstacularização à morosidade processual, comprometedora da eficácia do direito penal, (cfr. referido preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15/12), na maior parte dos casos por efeito de próprias artificiosas atitudes de eximição à acção da Justiça. Nesse pressuposto – e no que ora releva –, todas as notificações legais por via postal simples que forem expedidas para o – presumivelmente verídico – endereço pelo próprio arguido para o efeito indicado no respectivo TIR se haverão naturalmente de ter por jurídico-processualmente perfectibilizadas, independentemente, pois, da respectiva (endereço) existência física ou não, já que a opcional falsidade informativa a tal propósito, evidentemente tendente à obstrução/frustração da pertinente marcha procedimental e ao pessoal esquivamento à correspectiva responsabilização criminal, de todo estranha aos competentes Serviços, só a si próprio haverá de onerar. Ainda, note-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.05.2012, no proc. n.º 280/10.3SMPRT.P1, in www.dgsi.pt: Mas a prestação de TIR gera igualmente um conjunto de deveres, alguns coincidentes com os assinalados no art. 61.º, n.º 3, como o dever de comparência (61.º, n.º 3, al. a); 196.º, n.º 3, al. a)), mas outros não, surgindo estes como complementares daqueles, como os deveres de não mudar de residência e de comunicar essa nova residência ou lugar onde possa ser encontrado (196.º, n.º 3, al. b)). Por sua vez, a prestação de TIR regula ainda um específico processo comunicacional entre arguido e tribunal, como seja a possibilidade de notificação por via postal simples (196.º, n.º 3, al. c)), cabendo ao arguido indicar uma residência para essas notificações e o dever de comunicar a subsequente mudança de residência. Essa indicação de residência é, de resto, seguida noutros ordenamentos jurídicos, designadamente aqueles que influenciaram, a nível do direito comparado, o actual Código de Processo Penal, como sucede com o “Codice de Procedura Penale” italiano, que prevê e regulamenta no seu artigo 161.º e ss. o instituto do “Domicilio dichiarato, eletto o determinato per le notificazioni”. Trata-se de um acto pessoalíssimo, representando uma declaração vinculada, que possibilita uma via segura de comunicação dos actos do processo, que gera a eficácia nas notificações efectuadas pelo tribunal para a residência indicada, salvo casos fortuitos ou de força maior. E, por mais recente, o Acórdão deste Tribunal da relação de Évora de 03.10.2020, no proc. n.º 135/18.3GFLLE-A.E1, in www.dgsi.pt: (…) se um determinado arguido que, ao prestar T.I.R., indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que, logo aquando da prestação do T.I.R., indica como morada uma rua e/ou um número de polícia inexistentes ou, por identidade de razão, fornece uma morada sem recetáculo onde o distribuidor postal possa colocar a correspondência. Em qualquer dessas situações, e em nosso entender, é estritamente imputável ao arguido a falha detetada, sendo consabidos quer o valor reforçado atribuído, atualmente, ao ato de prestação do T.I.R., quer o valor assumidamente relevante atribuído pela nossa lei processual penal aos procedimentos presuntivos de notificação por via postal (decorrentes, desde logo, da prestação do T.I.R.). Outras considerações não se justificam para que a perspectiva do recorrente merecesse aceitação, no sentido de que a notificação do arguido para comparecer em julgamento se viesse, ora, a efectuar, identicamente, por carta simples. Aqui se defronta, todavia, com a reserva de que, como o Digno Procurador-Geral Adjunto no seu parecer refere, A designação de nova data para julgamento e a repetição da notificação pela via postal simples redundaria, assim, na prática de um acto inútil proibido por lei [artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do respectivo Código]. Significa, pois, que, repetindo-se a diligência e do mesmo modo, de antemão se saberia, dado o endereço insuficiente/desconhecido, qual seria a configuração da resposta à carta de notificação. Contudo, essa inutilidade não deixaria de ser aparente, uma vez que o procedimento permitiria que o arguido viesse a considerar-se notificado e se realizasse o julgamento, ainda que na sua ausência. Apesar disso, importa aquilatar da real viabilidade legal de assim proceder. Ora, independentemente das razões convocadas pelo recorrente, resulta que, já anteriormente, por despacho de 25.09.2019, o Tribunal havia considerado que o arguido não se considerava regularmente notificado, motivo por que determinou as subsequentes diligências para averiguar o paradeiro. Contra tal despacho, do que foi devidamente notificado, o recorrente não reagiu, podendo fazê-lo. A inerente irregularidade estará, então, sanada (art. 123.º do CPP). Na verdade, o recorrente optou por, só depois de efectuadas as diligências, enveredar pela promoção que desencadeou o despacho recorrido. Em conformidade, afigura-se que o Tribunal, em razão da estabilidade processual, reiterou a sua posição, que acaba por ter por subjacente, pese embora não fosse a que se apresenta como a mais correcta como flui do referido, que a relevância do TIR prestado pelo arguido, e mormente quanto à indicada morada, se perdera. Desta feita, a aplicação, ao caso, da notificação edital nos termos do art. 335.º, n.º 1, do CPP, reputa-se consentânea com os requisitos que à mesma presidem, na medida em que foi consequente a diligências para notificação pessoal do arguido e no pressuposto de que o TIR se mostrava arredado, como que não existente. Não obstante se defenda que, em situação como a dos autos, o Tribunal devesse ter considerado, no aludido anterior despacho, que o arguido estava regularmente notificado para julgamento, não o fez e, nesta vertente, acolheu posição que não permite, ora, ser censurada e do modo como o recorrente, só agora, diga-se, pretenderia. Dentro dos indicados parâmetros, o despacho recorrido não impõe alteração. * 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se: - negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, assim, - manter o despacho recorrido. Sem custas. * Processado e revisto pelo relator. 12.Outubro.2021 Carlos Jorge Berguete João Gomes de Sousa |