Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO DEVER DE LEALDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – O dever de lealdade é um valor absoluto e inquestionável, insuscetível, por isso, de graduação, pelo que aquilo que releva não é o valor do prejuízo que adveio para a entidade empregadora do comportamento adotado pelo trabalhador, ou mesmo se adveio algum prejuízo, antes sim, a quebra irrecuperável da confiança que a entidade empregadora depositava naquele seu trabalhador provocada por tal comportamento desleal e desonesto. II – Se o trabalhador, violando as normas internas de política de despesas de representação da entidade empregadora, utiliza um esquema para, através da colaboração de um outro trabalhador, seu subordinado, procurar apropriar-se indevidamente do montante de €43,80, agiu objetivamente de forma desonesta. III – Tal comportamento é ainda mais gravoso por nele ter pedido a colaboração de um outro trabalhador da entidade empregadora, que era seu subordinado, a quem transmitiu um péssimo exemplo de deslealdade para com aquela. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 512/22.5T8TMR.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório AA (trabalhador) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “Erich Brodheim, S.A.” (entidade empregadora). … Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.… No decurso da ação, a entidade empregadora apresentou articulado motivador, solicitando a improcedência, por não provada, da presente ação, devendo ser declarada a existência de justa causa para o despedimento do trabalhador.… A esse articulado, o trabalhador veio responder, contestando e reconvindo, solicitando, a final, que o seu despedimento fosse considerado ilícito e, consequentemente, fosse a entidade empregadora condenada a pagar-lhe:1 – A quantia de €21.500,00, a título de indemnização por despedimento ilícito; 2 - A quantia de €980,50 a título de prémio de desempenho relativo aos resultados atingidos no ano de 2019; 3 – A quantia de €4.600,00, a título de prestações pecuniárias entre 17 de março e 15 de maio de 2022; e 4 – Os juros à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento. … A entidade empregadora veio igualmente responder à reconvenção, solicitando a improcedência, por não provada, da reconvenção, devendo ser absolvida de todos os pedidos.… Proferido despacho saneador, foi dispensada a realização de audiência preliminar, admitido o pedido reconvencional, efetuado o saneamento do processo, identificado o objeto do litígio, discriminados os factos dados como assentes, enunciados os temas da prova, admitida a prova a realizar e marcado o dia e hora para a audiência de julgamento.… A entidade empregadora veio reclamar da matéria factual assente e da enunciação dos factos que integram os temas da prova, indicando que os factos 14.º, 15.º, 16.º, 23.º e 31.º do seu articulado de motivação devem ser introduzidos nos temas da prova, visto não constarem da matéria factual e serem imprescindíveis à boa decisão da causa.… O trabalhador veio reclamar das als. k) e n) dos factos assentes, devendo na primeira ser eliminada a expressão “de imediato” e na segunda ser substituído o valor de €5,00 pelo valor de €43,80.… A entidade empregadora, na resposta à reclamação do trabalhador, considerou que tal reclamação deveria ser atendida, saindo tais expressões dos factos dados como assentes, porém, deveriam os mesmos passar a constar dos temas da prova, por se tratar de matéria controvertida.… Por despacho proferido em 26-09-2022, foi deferida parcialmente a reclamação do trabalhador, tendo sido determinada a eliminação da expressão “de imediato” da alínea k) dos factos assentes; e indeferidas a parte restante da reclamação do trabalhador e na íntegra a reclamação da entidade empregadora.… Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 20-10-2022, com o seguinte teor decisório:4.1. Pelo exposto, decido: a) Julgar procedente a oposição do trabalhador e declarar ilícito o despedimento do autor AA promovido pela sua entidade empregadora e aqui ré Erich Brodheim, S.A.; b) Igualmente, na parcial procedência da reconvenção, condenar a R. a pagar à A.: - A indemnização de € 21.500 pelo despedimento; - A quantia total de € 5.491, correspondente às reclamadas retribuições que deixou de auferir desde a data do seu despedimento e às retribuições por desempenho; - Os juros de mora vencidos desde as datas em que lhe deviam ter sido pagas as remunerações e os juros de mora vincendos sobre as restantes quantias acima indicadas desde a presente data e até integral pagamento, à taxa legal que estiver em vigor; c) Absolver a ré de tudo o mais o que foi peticionado pelo autor; d) Condenar o autor e a ré a suportarem o pagamento das custas na proporção do respectivo decaimento; e, e) Fixar o valor da causa no montante reconhecido de € 26.991 – art.º 98.º-P, do Código de Processo do Trabalho. 4.2. Notifique. 4.3. Comunique com cópia ao I.S.S., para os fins tidos por convenientes. … Inconformada com tal sentença, a entidade empregadora veio interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:I. Tanto na enunciação dos temas de prova, como na definição dos factos assentes, o despacho que fixou o objecto do litígio desconsiderou em absoluto a questão que estava em causa no procedimento disciplinar que levou ao despedimento do A./Recorrido, ao omitir e distorcer por completo os factos fundamentais, devidamente alegados pela R./Recorrente, que constituem o cerne do comportamento imputado ao trabalhador, violando o princípio do dispositivo, previsto no art. 5º do CPC. II. No mesmo despacho o Tribunal a quo, para além da completa distorção do fundamento, objectivo e mecanismo subjacente à atribuição ao trabalhador de um plafond de compras, desconsiderou ainda a matéria alegada nos arts. 8º, 13º, 14º 15º, 16º, 20º, 21º, 22º do articulado de motivação, que contém o cerne e o real fundamento para o despedimento do A.. III. Ora, ao assentar a decisão de direito sobre a questão da admissibilidade de trocar ou devolver produtos, e sobre as normas internas emitidas pela R./Recorrente a respeito de trocas, de devoluções e de utilização de vales, a douta sentença fez a completa distorção do fundamento do despedimento do A., reconduzindo a questão a saber se o A. podia ou não podia trocar os produtos por si adquiridos e se ao fazê-lo violou uma qualquer norma legal ou procedimental da R./Recorrente. IV. Assim, e antes de mais, deve devolver-se ao objecto da presente causa os factos que a R., ora Recorrente, alegou para sustentar o despedimento do ora Recorrido, designadamente os estabelecidos nos arts. 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 13º, 14º, 15º, 16º, 20º, 21º, 25º, 30º, 37º, 38º do articulado de motivação do despedimento do A., ora Recorrido, porque foram estes os factos em que tal decisão da R./Recorrente se fundamentou. V. A formulação sequencial de factos constantes das als. n) e o) do despacho que fixou a Matéria Assente, para além de distorcer a realidade, é contrária ao alegado pelas partes, devendo o Tribunal a quo ter dado como assente que o A., ao apresentar à sua superior hierárquica um documento de despesa tinha como objectivo de ser reembolsado no valor de 43,80€, porque é esta a factualidade consentânea com as alegações feitas pelas partes nos autos. VI. Assim, e por se tratar de formulação consentânea com a posição de ambas as partes, deverá alterar-se a redacção constante da al. n), e eliminar-se o facto constante da al. o) da Decisão de Facto, por não ter suporte em nenhum elemento de prova. VII. O alegado pela Recorrente nos arts. 4º, 5º, 8º, 16º, 23º, 37º e 38º do Articulado de Motivação corresponde a matéria de facto essencial à apreciação do fundamento do despedimento do A. e trata-se de matéria simplesmente não impugnada pelo A., pelo que se deve ter por, confessada nos termos do art. 574º do CPC, devendo acrescentar-se à decisão de facto as correspondentes alíneas s), t), u), v), x), z) e aa). VIII. Não obstante a falta de impugnação especificada (ou genérica) dos factos constantes dos arts. 14º, 15º, 20º, 21º, 31º e 33º, do articulado de motivação do despedimento, a R. logrou demonstrar tal matéria em sede de julgamento. IX. De acordo com os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD,, era à superior hierárquica do A./Recorrido, BB, quem cabia aprovar a despesa, com base na verificação dos produtos que o talão apresentado pelo trabalhador lhe indicava terem sido adquiridos, e que ao aprovar a despesa, fê-lo desconhecendo que o A./Recorrido não tinha adquirido as duas t-shirts, antes tendo ficado na posse de um vale. Não foi produzida qualquer contraprova a respeito desta matéria, pelo que devem acrescentar-se à decisão de facto as alíneas bb) e cc), contendo os factos alegados nos arts. 14º e 15º do Articulado Inicial. X. Nenhuma das três testemunhas BB, CC e DD teve dúvidas que o ora Recorrido tinha conhecimento de que não tinha direito a pedir o reembolso daquela despesa, porque não tinha adquirido as duas t-shirts cuja compra o talão indicava e que o fez ilegitimamente, por ter levado a sua superior hierárquica a aprovar o pagamento de um produto, desconhecendo que ele não dispunha das t-shirts, porque antes tinha um vale, pelo que, em face da prova produzida deve dar-se como demonstrado o alegado nos arts. 20º e 21º do Articulado de Motivação, acrescentando-se à decisão de facto a alínea ee); XI. Com fundamento no depoimento prestado pela testemunha BB, deve dar-se como demonstrado que o pagamento da despesa, não obstante ter sido aprovado pela superior hierárquica do trabalhador, foi travado por a situação ter sido detectada através da auditoria efectuada, requerendo-se a inclusão de uma alínea à matéria de facto correspondendo ao alegado no art. 31º do Articulado Inicial, sob a alínea ff); XII. Face ao depoimento da testemunha EE, e à evidência documental, não resta senão concluir que o ora Recorrido, tentou obter da Recorrente, o pagamento de um valor ao qual não tinha direito, tendo procedido de forma enganosa, tendo para tal solicitado e obtido a colaboração de um trabalhador, seu subordinado, a quem transmitiu uma imagem de falta de ética e de lealdade para com a entidade empregadora de ambos. XIII. Em face da prova produzida, deve incluir-se na decisão de facto a matéria constante do art. 32º do Articulado de Motivação, sob a alínea gg); XIV. O A. bem sabia que a condição de reembolso das despesas realizadas pelos trabalhadores que têm acesso a esta política de Representação Internacional serve um objectivo exclusivo e tem uma condição fundamental: o uso, pelo colaborador, dos artigos comprados, como condição de atingir o objectivo dessa política, que é a representação da marca. XV. Face à prova produzida, conclui-se que no dia 20 de Dezembro de 2021, o A., o ora Recorrido, simplesmente não pretendeu comprar nem duas t-shirts, nem produto algum na Loja Timberland da R./Recorrente, mas tão-só obter um talão que evidenciasse uma compra de algo no valor a que julgava ainda ter no ano de 2021 para reembolso de despesas de representação, mas reservar esse valor em vale, para o despender posteriormente. XVI. Porque nunca desejou comprar as t-shirts, o A. simulou a compra das mesmas para obter o talão que lhe permitira receber o pagamento do valor pretendido, bem sabendo que não lhe era devido, uma vez que não tinha ficado com o produto indicado nesse talão de compra. XVII. Se o comportamento adoptado pelo A. constitui manifesta e indesculpável falta de lealdade para com a R., pela desonestidade com que procedeu, criando no espírito da R. dúvida insanável acerca da sua idoneidade, o facto de o ter adoptado junto de um colaborador de loja, seu subordinado – mais ainda, com recurso ao dito colaborador – comprometeu irremediavelmente a própria autoridade do A. enquanto líder dos colaboradores das Lojas. XVIII. Assim, com a violação da al. f), do nº 1, do art. 128º do Código do Trabalho, e por a situação sub judice se subsumir na previsão do nº. 1, do art. 351º do mesmo diploma legal, deve considerar-se que o comportamento adoptado pelo A/Recorrido, constitui justa causa para o seu despedimento, tendo a sentença recorrida incorrido em erra do julgamento ao recusar a aplicação das citadas disposições legais; XIX. A sentença recorrida incorreu em erro de aplicação do direito ao decidir proceder à majoração da indemnização, não só por o caso sub judice não ser subsumível nas hipóteses legais estabelecidas no art. 391º do Código do Trabalho, mas também por lhe falecer a base factual em que sustentou tal decisão. XX. A entender-se que a Recorrente carecia de justa causa para promover o despedimento do A., deve a indemnização ser especialmente reduzida, atento o comportamento infractor adoptado pelo A./Recorrido. Nestes termos e nos demais de direito, cujo suprimento se impetra, deve a sentença recorrida ser revogada, considerando-se que o despedimento do Recorrido foi valida e licitamente promovido e, em consequência, absolver-se a Recorrente dos pedidos. Para que se faça Justiça! … O trabalhador apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo a sentença ser mantida, terminando com as seguintes conclusões:1ª O Recurso interposto pela Ré relativamente á matéria de facto deve ser rejeitado, porque não foi dado cumprimento ao estipulado no art. 640º do CPC, em concreto: A Ré não cumpriu com o disposto no artigo 640º do Código do Processo Civil: Não indicou nas suas conclusões os factos que considera incorretamente julgados; os meios probatórios que impunham que esses factos fossem julgados de forma diversa; a decisão que devia ter sido proferida quanto aos mesmos e não indicou nessas conclusões as passagens da gravação em que se funda o recurso, nem procedeu á sua transcrição. 2ª Rejeitado o recurso quanto á matéria de facto deve a decisão ser tomada em função da matéria dada como provada na primeira instância, porque dos articulados e dos documentos dos autos não há qualquer alteração que deva ser efetuada, com relevo para a decisão de mérito – n.º 2 do art. 5º do CPC. 3ª De acordo com a matéria de facto provada nos autos a decisão deve ser integralmente mantida, porque os factos da acusação (nota de culpa) não se provaram: Art. 12º N.C. – Não se provou que o A. ocultou tal, mas que o praticou, como acto passível de ser realizado por qualquer cliente, sem exclusão dos colaboradores; Não se provou, embora irrelevante, que a devolução tenha sido imediata. Art. 13º N.C. – Não se provou a acusação “da prática do facto hipotético”. Art. 14º N.C. – é conclusivo e é de Direito. Art. 16º N.C. – A aquisição dos produtos poderia acontecer no mês seguinte, conforme consta do vale. Não se provou que o ora A. não iria adquirir produtos para seu uso em representação da marca. Art. 18º N.C. – Não se provou que o A. não tinha direito à troca e ao reembolso. Os artigos seguintes são conclusivos, ou de direito. 4ª O artigo 391º do Cód. do Trabalho invocada pela Ré na conclusão XIX prevê a condenação em indemnização entre 15 e 45 dias. A douta sentença não efectuou qualquer majoração. Aplicou os limites da lei e fê-lo porque, se apercebeu, e bem, do infundado da pretensão da ora Recorrente. Terá ainda atendido à capacidade financeira da Ré, face às marcas que representa, facto que a internet, através do Google revela, e por isso é facto acessível ao conhecimento comum; ao valor do salário que o A. deixou de receber mensalmente e não está ao seu alcance em qualquer empresa, mas e essencialmente, atendendo ao grau da ilicitude: a Recorrente declarou um despedimento sem factos reais, em suposições, enfim, despediu porque quis despedir, mesmo não tendo qualquer fundamento para o efeito: nem grave, nem menos grave, mas apenas hipotético. 5ª Deve, assim, manter-se integralmente a douta decisão recorrida, recalculando-se a indemnização de acordo com os 45 dias / ano, como já consta de decisão, mas efetuando o cálculo à data da decisão desse Venerando Tribunal – n.º 2 do art. 391º do Cód. do Trabalho. … O tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.… Por requerimento de 13-03-2023, a recorrente “Erich Brodheim, S.A.” veio reiterar o pedido de que seja atribuído ao seu recurso o efeito suspensivo.… Subidos os presentes autos a este tribunal, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.Não houve respostas ao parecer. Foi recebido o recurso neste Tribunal, tendo apenas se alterado o seu efeito para suspensivo. Posteriormente foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do RecursoNos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Impugnação fáctica; 2) Licitude do despedimento; e 3) Redução especial do valor da indemnização. ♣ III – Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: a) O A. foi admitido ao serviço da R. no dia 5 de Janeiro de 2015 para exercer as funções de “product manager” e escolher as coleções de roupa, relógios, acessórios, calçado e outros produtos “Timberland”; b) No exercício das funções do A., cabia a este definir a estratégia comercial e de distribuição, monitorizar a performance e a implementação da estratégia de comunicação e marketing nas lojas, e responder pelos objectivos anuais; c) Contra o pagamento de uma retribuição mensal, que era ultimamente no valor de € 2.000; d) A R. acordou com o A. na atribuição a este de, pelo menos, € 600 por ano para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”; (Alterado, conforme fundamentação infra) e) Por determinação da R., se tal montante para compras não for gasto num determinado ano civil, não transita para o ano seguinte, nem é substituído por qualquer pagamento; (Alterado, conforme fundamentação infra) f) No dia 15 de Fevereiro de 2022, a R. decidiu abrir processo disciplinar ao A.; g) Nesse dia, a R. entregou ao autor a nota de culpa que foi junta com o processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por reproduzido; h) No dia 10 de Maio de 2022, a R. proferiu e comunicou por correio ao autor a decisão de despedimento que foi junta com o processo disciplinar; i) Previamente, a R. nunca impôs ao A. qualquer sanção disciplinar; j) No dia 20 de Dezembro de 2021, o A. comprou na loja “Timberland” no Centro Comercial Colombo dois produtos (t-shirts), tendo pago a quantia de € 43,80; k) O A. solicitou ao colaborador que o estava a atender, EE, que procedesse à devolução dos artigos contra a emissão de um vale no valor correspondente; l) A R. autoriza a troca dos seus produtos, podendo ser emitido um vale no correspondente valor; m) O A. conservou o talão de compra dos produtos; n) Alguns dias depois, o A. apresentou à R. o talão de compra, a fim de ser reembolsado do valor de € 5 que ainda tinha direito nesse ano; (Alterado, conforme fundamentação infra) o) A R. recusou o pedido de reembolso do A.; (Alterado, conforme fundamentação infra) p) O A. recebeu € 400 de subsídio de desemprego de 17 de Março a 15 de Maio de 2022. q) A R. atribuiu ao A. um prémio de desempenho no valor de € 1.781, relativo aos resultados atingidos no ano de 2019; r) A R. pagou ao A. € 890,50 por conta desse prémio de desempenho. s) Em 2019 em reunião geral da empresa, a R. reconheceu o mérito profissional do A. destacando-o entre os 10 melhores num universo de cerca de 600 trabalhadores. (Acrescentados os factos provados t), u) e v), conforme fundamentação infra) … E deu como não provados os seguintes factos:1) As condições de reembolso são definidas num documento escrito elaborado pela R.; (Eliminado, conforme fundamentação infra) 2) A R. proibia o reembolso do valor das compras quando os produtos eram trocados e era emitido um vale para compra de outros produtos; (Eliminado, conforme fundamentação infra) 3) A R. comunicou ao A. tal proibição; (Eliminado, conforme fundamentação infra) 4) Verbalmente; (Eliminado, conforme fundamentação infra) 5) E através da divulgação na “intranet” da empresa; ou que, (Eliminado, conforme fundamentação infra) 6) O A. conhecia tal proibição. (Eliminado, conforme fundamentação infra) ♣ IV – Enquadramento jurídicoConforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) houve erro na apreciação fáctica; (ii) o despedimento é lícito; e (iii) deve ser reduzido especialmente o valor da indemnização. 1 – Impugnação fáctica Veio a recorrente invocar, nas suas conclusões, que o tribunal a quo na matéria factual apurada desconsiderou os factos por si alegados nos arts. 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9.º, 13º, 14º, 15º, 16º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º, 30º, 31º, 33º, 37º, 38º do articulado motivador, os quais devem ser devolvidos à matéria de facto da sentença recorrida. Mencionou ainda que, quanto aos arts. 4º, 5º, 8º, 16º, 23º, 37º e 38º do seu articulado motivador, os mesmos devem ser dados como provados, passando a constar dos factos provados as alíneas s), t), u), v), x), z) e aa), em face da confissão do trabalhador, que os não impugnou. Esclareceu também que, apesar da falta de impugnação especificada dos factos constantes dos arts. 14º, 15º, 20º, 21º, 31º e 33º do seu articulado motivador, tais factos resultaram provados em sede de audiência de julgamento, em face dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE, pelo que deverão ser acrescentadas à matéria de facto provada as alíneas bb), cc), ee), ff) e gg). Referiu, por fim, que o facto provado n) deverá ser alterado, em face daquilo que foi alegado pelas partes; e o facto provado o) deve ser eliminado, por não ter suporte em nenhum elemento de prova. Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:[2] I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado. IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal. No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica. Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016:[3] I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou. II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância. Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016:[4] I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso. Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015:[5] XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso. Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento. Decidamos. O trabalhador veio requerer a rejeição da impugnação da matéria de facto por a entidade empregadora não ter dado integral cumprimento ao disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil em sede de conclusões. Conforme referimos supra, apesar de a recorrente que impugna a matéria de facto ter de cumprir o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil no seu recurso, o qual abrange as alegações e as conclusões, nestas apenas lhe é exigível que identifique “com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”[6]. Assim, em face de tais conclusões, são objeto de impugnação, por não terem sido atendidos em sede de matéria de facto na sentença recorrida, os arts. 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9.º, 13º, 14º, 15º, 16º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º, 30º, 31º, 33º, 37º, 38º do articulado motivador da entidade empregadora, e os factos provados n) e o). Importa, então, apurar se os demais requisitos se mostram cumpridos ou em sede de conclusões ou em sede de alegações no recurso interposto pela entidade empregadora. Relativamente aos arts. 4º, 5º, 8º, 16º, 23º, 37º e 38º do articulado motivador, considera a recorrente que os mesmos devem integrar a matéria de facto dada como provada, passando a ser designados pelas alíneas s), t), u), v), x), z) e aa), em face da confissão do trabalhador, que os não impugnou. Relativamente aos arts. 14º, 15º, 20º, 21º, 31º e 33º do articulado motivador, considera a recorrente que tais factos, para além de não terem sido especificamente impugnados, também resultaram provados em face dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE, pelo que deverão integrar a matéria dada como provada nas alíneas bb), cc), ee), ff) e gg). Por fim, relativamente aos factos provados n) e o), considera que o facto n) deverá ser alterado para a versão que fez consignar em sede de alegações, uma vez que ambas as partes concordaram com essa versão e não com a versão que o tribunal a quo deu como provada; e que o facto o) deve ser eliminado, por não ter suporte em nenhum elemento de prova. Ora, relativamente a esta impugnação fáctica, considera-se que foi dado cumprimento pela recorrente ao disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que se procederá à sua análise. Porém, já relativamente aos arts. 6º, 7º, 9.º, 13º, 22.º, 25º e 30º do articulado motivador, por não ter sido dado cumprimento ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, rejeita-se de imediato tal impugnação fáctica. Consigna-se que se procedeu à audição de todo o julgamento. a) Arts. 4º, 5º, 8º, 16º, 23º, 37º e 38º do articulado motivador Consta destes artigos que: 4º - Atentas as funções de representação, nacional e internacional, da referida marca, o A. tinha acesso às condições inerentes a um cargo de Representação Internacional, nos termos indicados no documento que contém a Política de Apoio à Representação Internacional (fl. 6-7 do processo disciplinar), que eram do seu conhecimento. 5º - Nos termos dessa Política, e atento o elevado grau de exposição pública internacional em que se encontra, a ora R. atribuiu-lhe um valor anual de 600,00€ (após desconto de colaborador, de 40%, de que beneficia) em compras na marca Timberland, com o objectivo de garantir a adequada representação da marca junto de terceiros com quem se relaciona no exercício da sua actividade profissional. 8º - Em cada novo ano civil, o plafond é renovado, passando o A. a poder apresentar despesas para reembolso pela R., até ao valor de 600,00€, mediante prova de compra do produto. 16º - Vale este que o A. poderia transmitir a terceiros, ou com o qual poderia adquirir produtos para terceiros, sem que a R. viesse a saber, uma vez que a despesa estava já titulada e justificada com o talão de compra entregue pelo A., nos termos acima referidos. 23º - Como o A. bem sabe, a política interna de reembolso integral de despesas destina-se a suportar as despesas dos trabalhadores na efectiva aquisição de produtos para seu uso, pelas funções e cargo de representação que têm. Portanto, se não pretendia as t-shirts, não lhe era devido o pagamento que tentou artificiosamente obter. 37º - Na sua relação com as equipas das Lojas, a qual se dá de forma quotidiana, o A. é o veículo, por excelência, dos valores éticos da empresa e das suas políticas internas. 38º - O A. representa, para além do mais, a R. junto do fornecedor da marca por que é responsável, a Timberland. A recorrente pretende que estes factos sejam dados como provados em face da confissão do trabalhador. Vejamos. Atenta a leitura da contestação do trabalhador, resulta, desde logo, a impugnação especificada do que consta do art. 16º do articulado motivador.[7] Assim, e quanto a este art. 16º inexiste confissão por parte do trabalhador, inexistindo igualmente por parte da recorrente o cumprimento do disposto no art. 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, pelo que se rejeita de imediato tal impugnação. Já relativamente aos demais artigos do articulado motivador, efetivamente ou existe confirmação de tais factos pelo trabalhador ou inexiste qualquer espécie de impugnação. Importa, porém, em relação a tais artigos, por um lado, distinguir os factos daquilo que são meras conclusões; e, por outro, distinguir aquilo que já se mostra refletido nos factos dados como provados daquilo que nesses factos ainda não consta. Quanto ao art. 4º do articulado motivador, importa consignar, por um lado, que o trabalhador não o impugnou, fazendo várias vezes referência à existência na empresa recorrente de uma política de representação, encontrando-se junto aos autos um documento onde consta tal política de representação, documento esse igualmente não impugnado pelo trabalhador.[8] [9] E, por outro lado, é fundamental fazer consignar que aquilo que resulta da contestação do recorrido é simplesmente uma discordância com a interpretação dada pela recorrente a tal política, não pondo, por isso, em causa a sua existência, nem as normas ínsitas em tal documento junto aos autos. Deste modo, dar-se-á o art. 4.º do articulado motivador como provado, uma vez que nele não consta qualquer interpretação a essas normas da política de representação da recorrente, o que, aliás, nunca se trataria sequer de um facto; constando apenas a menção à existência dessa política, a qual se mostrava transcrita no documento junto aos autos. Assim, a matéria factual dada como assente passará a ter o novo facto t), com a seguinte redação: t) Atentas as funções de representação, nacional e internacional, da marca “Timberland”, o A. tinha acesso às condições inerentes a um cargo de Representação Internacional, nos termos indicados no documento relativo à Política de Apoio à Representação Internacional, junto a fls. 6 e 7 do processo disciplinar, e que eram do seu conhecimento. Já relativamente ao pretendido quanto aos arts. 5º e 8.º do articulado motivador, verifica-se que alguns desses factos já se mostram vertidos nos factos provados d) e e). Consta destes factos provados que: d) A R. acordou com o A. na atribuição a este de, pelo menos, € 600 por ano para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”; e) Por determinação da R., se tal montante para compras não for gasto num determinado ano civil, não transita para o ano seguinte, nem é substituído por qualquer pagamento; Ora, quanto ao facto provado d), importa referir que aquilo que foi admitido pelas partes não é o que consta deste facto, visto que nele se menciona que a “R. acordou com o A. na atribuição a este de, pelo menos, € 600 por ano para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”, quando nenhuma das partes mencionou que o recorrido receberia, pelo menos, a quantia de €600 por ano. A recorrente referiu, a este propósito, o que consta do art. 5º do seu articulado motivador e o recorrido que o valor anual atribuído, sem descontos, ou seja, com o preço de venda ao público, era de €1.000,00; ou com descontos (de colaborador ou “Friends and Family”) de €600,00, pelo que, ambas as partes confirmaram que, com descontos, como foi o caso,[10] o valor anual atribuído era de €600,00. Por sua vez, apesar de não constar desse facto o motivo pelo qual tal valor era atribuído, esse motivo não se mostra impugnado pelo recorrido, pelo que ficará igualmente a constar do facto d), o qual passará a ter a seguinte redação: d) A R. acordou com o A. na atribuição a este de € 600, por ano, após o desconto de colaborador de 40% de que beneficia, para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”, com o objetivo de garantir a adequada representação da marca junto de terceiros com quem se relaciona no exercício da sua atividade profissional. De igual modo, por os factos constantes do art. 8º do articulado motivador estarem relacionados com o que já consta do facto provado e), este passará, assim, a ter a seguinte redação: e) Por determinação da R., se tal montante para compras não for gasto num determinado ano civil, não transita para o ano seguinte, nem é substituído por qualquer pagamento, podendo o A., no novo ano civil, por o plafond ser renovado, apresentar despesas para reembolso pela R., em igual valor, mediante prova de compra do produto. Relativamente ao art. 23º do articulado motivador, importa atentar que o mesmo se reporta à descrição da política interna da recorrente em situações de reembolso de despesas de representação por parte de determinados trabalhadores, sendo que a descrição dessa política interna, com exceção da circunstância de a mesma exigir ou não a efetiva aquisição de produtos, não é posta em causa na contestação do recorrido. Ou seja, o recorrido reconhece que o reembolso de tais despesas ocorre por ele representar aquela marca e para que ele adquira produtos dessa marca para seu uso próprio, porém, considera que os factos que lhe são imputados não implicam qualquer desrespeito por tal política interna de reembolso de despesas de representação. De igual modo, parte desta descrição da política interna de reembolso de despesas de representação já se mostra ínsita no facto provado d), na sua atual versão, ou seja, nele já consta que o objetivo desta política consiste na circunstância de aquele específico trabalhador possuir funções de representação da marca junto de terceiros e que apenas é reembolsada a despesa efetuada na compra de produtos da marca “Timberland”. Não consta, no entanto, que tal política interna exige igualmente, para que seja deferido o reembolso da despesa efetuada em produtos da marca “Timberland”, que esses produtos têm de ser para uso do próprio trabalhador. Diga-se, de igual modo, que o conhecimento por parte do recorrido da política interna de reembolso de despesas da recorrente já consta do novo facto provado t), pelo que não ficará novamente a constar. Assim, o facto provado d) passará a ter a seguinte redação: d) A R. acordou com o A. na atribuição a este de € 600, por ano, após o desconto de colaborador de 40% de que beneficia, para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”, para seu uso próprio, com o objetivo de garantir a adequada representação da marca junto de terceiros com quem se relaciona no exercício da sua atividade profissional. Por fim, quanto à última frase do art. 23º do articulado motivador,[11] por se tratar de matéria jurídico-conclusiva, e não factual, não será a mesma apreciada. Relativamente aos arts. 37º e 38º do articulado motivador, perante a inexistência de impugnação por parte do recorrido, integrarão tais factos o elenco factual dos factos dados como assentes, sendo os novos factos u) e v), os quais passarão a ter a seguinte redação: u) Na sua relação com as equipas das Lojas, a qual se dá de forma quotidiana, o A. é o veículo, por excelência, dos valores éticos da empresa e das suas políticas internas. v) - O A. representa, para além do mais, a R. junto do fornecedor da marca por que é responsável, a “Timberland”. Procede, assim, nesta parte, parcialmente, a impugnação fáctica requerida pela recorrente. b) Arts. 14º, 15º, 20º, 21º, 31º e 33º do articulado motivador Consta destes artigos que: 14º - O reembolso da quantia apresentada a pagamento pelo A. foi aprovado pela identificada superior hierárquica na convicção de que o valor tinha sido despendido na aquisição de duas t-shirts no âmbito da política de representação de que beneficiava, tendo enviado a despesa para pagamento pelo departamento de contabilidade. 15º - Ao aprovar a despesa, a superior hierárquica do A. desconhecia – porque este lhe ocultou tal facto – que à compra dos artigos se tinha sucedido a sua imediata devolução e a emissão de um vale no respectivo valor. 20º - Mas o A. apresentou o talão de compra dos produtos, com o objectivo de obter o reembolso da despesa. 21 - Reembolso este que não lhe era devido, como bem sabe. 31º - O pagamento do valor ao A. não chegou a ser feito apenas porque a situação foi detectada por uma auditoria feita pelo departamento de contabilidade da R.. 33º - O A., além do mais, solicitou e obteve a colaboração de um trabalhador, seu subordinado, a quem transmitiu uma imagem de falta de ética e de lealdade para com a entidade empregadora de ambos. A recorrente pretende que estes factos sejam dados como provados, quer por não terem sido especificamente impugnados pelo recorrido, quer em face da prova que foi realizada em sede de audiência de julgamento. Relativamente à inexistência de impugnação especificada pelo recorrido, importa referir que este impugnou expressamente os arts. 14º e 15º do articulado motivador da recorrente[12] e que a versão concreta que apresentou contradita os demais artigos. Vejamos, então. Desde já importa referir que o que consta do art. 21º do articulado motivador, por se reportar a uma conclusão, não será apreciado. De igual modo, os factos que constam do art. 33º do articulado motivador já se mostram ínsitos no facto provado k), sendo o restante meras conclusões,[13] pelo que também não será apreciado. Relativamente aos arts. 14º, 15º, 20º e 31º do articulado motivador, por os mesmos estarem diretamente relacionados com os factos provados n) e o), que foram especificamente impugnados pela recorrente, serão apreciados, seguidamente, em conjunto. Quanto aos artigos já apreciados, improcede, nessa parte, a pretensão da recorrente. c) Factos provados n) e o) Constam dos factos provados n) e o) que: n) Alguns dias depois, o A. apresentou à R. o talão de compra, a fim de ser reembolsado do valor de € 5 que ainda tinha direito nesse ano; o) A R. recusou o pedido de reembolso do A.; Considera a recorrente que, em face da confissão do recorrido, o facto n) deverá ser alterado para a seguinte versão: n) Alguns dias depois, o A. apresentou à R. o talão de compra, a fim de ser reembolsado do valor de 43,80€ que julgava ainda ter direito nesse ano; Por sua vez, em face do depoimento das testemunhas BB, DD e CC, o facto o) deverá ser eliminado, sendo substituído pelos factos constantes dos arts. 14º, 15º, 20º e 31º do articulado motivador. Apreciemos. Quanto ao facto provado n), consta do articulado motivador da recorrente, no seu art. 13º, que: Num dos dias seguintes, em data que não é possível precisar, apresentou o talão de compra à sua superior hierárquica, BB, para aprovação da despesa, com o objectivo de ser reembolsado do valor a que ainda tinha direito nesse ano, de 5,00 €. Por sua vez, o recorrido na sua contestação, no art. 12º, fez constar que: Com o objetivo de ser reembolsado e porque a isso tinha direito, quer através do regulamento de política de representação da Ré, quer, porque, não esgotara o plafond, pediu o reembolso dos 43,80€. Daqui resulta que para o recorrido o objetivo do reembolso era no montante de €43,80, valor que efetivamente solicitou à recorrente, sendo que para esta, apesar de o pedido ser nesse valor, considerava que o recorrido, à data, apenas tinha direito a €5,00. E tanto era a pretensão do recorrido em ser reembolsado no valor de €43,80, ao invés dos €5,00 que constam do facto provado n), que, em sede de reclamação, veio requerer a alteração do montante de €5,00 pelo montante de €43,80, reclamação essa que, porém, nessa parte, lhe foi indeferida. Resulta, assim, dos autos que, apesar da redação que consta do art. 13º do articulado motivador, ambas as partes estão de acordo com o valor solicitado para reembolso, que era no montante de €43,80, apenas discordando do valor a que o recorrido, à data, efetivamente ainda tinha direito a reaver. Atente-se que é isso também o que resulta do documento de fls. 9 do processo disciplinar,[14] que se reporta ao talão de compra enviado pelo recorrido à recorrente a solicitar o reembolso, e onde expressamente consta como valor da compra o montante de €43,80. Pelo exposto, é de atender à alteração pretendida pela recorrente, pelo que o facto provado n) passará a ter a seguinte redação: n) Alguns dias depois, o A. apresentou à R. o talão de compra, a fim de ser reembolsado do valor de € 43,80 que julgava ainda ter direito nesse ano; Ora, o conteúdo do facto provado n) já engloba a totalidade factual constante do art. 20º do articulado motivador, pelo que, por este facto já constar dos factos dados como provados, não será acrescentado a estes. Quanto ao facto provado o), sendo certo que a recorrente, no final do processo, recusou o pedido de reembolso do recorrido, não deixa de ser igualmente verdadeiro que, em momento anterior a essa recusa, tal pedido chegou a ser aprovado pela testemunha BB, conforme referido pela própria e pelas testemunhas CC e DD. Atente-se que a testemunha BB esclareceu que a fatura da compra das duas t-shirts que o recorrido lhe apresentou para efeitos de reembolso, em face da devolução, de imediato, dessas t-shirts, em troca do recebimento de um vale no valor das t-shirts devolvidas, foi anulada, e foi-o exatamente porque a própria compra foi anulada com a devolução das duas t-shirts. Foi igualmente clarificado pela testemunha BB que, uma vez que a primeira venda – a das duas t-shirts – ficou sem efeito, quando o recorrido utilizasse o valor do vale numa nova compra, seria emitida a respetiva fatura correspondente a tal compra. Acresce que foi explicado pela testemunha DD que a testemunha BB, quando aprovou tal despesa para reembolso, desconhecia a existência da devolução dos artigos constantes na fatura de compra em troca de um vale no montante de tal aquisição, uma vez que não possuía acesso ao sistema da loja, sistema esse onde constava tal devolução e a anulação da fatura de compra que o recorrido entregou àquela. Também as testemunhas BB e DD confirmaram que a irregularidade relativa à entrega pelo recorrido de uma fatura de compra, para efeitos de reembolso como despesa de representação, que já se encontrava anulada, em virtude de os artigos terem sido devolvidos em troca da emissão de um vale no valor correspondente, apenas veio a ser detetada pelo departamento de auditoria interna da recorrente. Mais esclareceram que, após detetarem tal irregularidade, tal reembolso não foi pago ao recorrido. Deste modo, não é de eliminar o facto provado o), porém, o mesmo deve ser contextualizado nos termos que constam dos arts. 14º, 15º e 31º do articulado motivador da recorrente, visto, não só tal factualidade ser relevante, como também por ter sido efetuado prova nesse sentido em sede de audiência de julgamento. Pelo exposto, o facto provado o) passa a ter a seguinte redação: o) O reembolso dessa quantia veio a ser aprovado pela superior hierárquica do Autor, que desconhecia, porque o Autor não lhe disse, que este, logo a seguir à compra das duas t-shirts, tinha solicitado a sua imediata devolução em troca da emissão de um vale no respetivo valor, tendo a referida superior hierárquica, após aprovação, enviado tal despesa para pagamento a efetuar pelo departamento de contabilidade da Ré, reembolso esse que, porém, nunca chegou a ser pago ao Autor porque a situação da devolução das duas t-shirts foi detetada pelo departamento de auditoria interna da Ré. … Conforme já se esclareceu supra, se com a alteração de determinados pontos da matéria de facto existirem repercussões noutros pontos da matéria de facto, ainda que não impugnados em sede de recurso, importa ao tribunal ad quem efetuar as alterações lógicas que se impõem, sem que tal implique uma situação de excesso de pronúncia.Assim, foi dado como provado no novo facto t) que: t) Atentas as funções de representação, nacional e internacional, da marca “Timberland”, o A. tinha acesso às condições inerentes a um cargo de Representação Internacional, nos termos indicados no documento relativo à Política de Apoio à Representação Internacional, junto a fls. 6 e 7 do processo disciplinar, e que eram do seu conhecimento. Porém, consta do facto dado como não provado 1) que não se provou que: 1) As condições de reembolso são definidas num documento escrito elaborado pela R.; Acontece, porém, que o documento junto a fls. 6 e 7 do processo disciplinar, documento esse cuja existência o recorrido não negou em sede de contestação, indica expressamente as condições de reembolso de despesas de representação dos trabalhadores da recorrente com representação internacional e é um documento escrito elaborado pela recorrente. Assim, tal facto não provado 1) deverá ser eliminado por se encontrar em contradição com o facto provado t). Consta também do facto não provado 2) que: 2) A R. proibia o reembolso do valor das compras quando os produtos eram trocados e era emitido um vale para compra de outros produtos; Ora, o facto não provado 2) reporta-se exatamente à apreciação jurídica que terá de ser decidida, a saber, se, em face das regras constantes na política interna de reembolso de despesas de representação da recorrente, e que constam dos factos provados, o comportamento adotado pelo recorrido (concretamente, a entrega de um talão de compra que se reportava a uma compra que tinha sido devolvida, tendo o recorrido recebido, em troca, um vale no valor da despesa efetuada) era, ou não, proibido pela recorrente. É, assim, manifesto que, não só estamos perante um facto meramente conclusivo, como tal facto se reporta à apreciação jurídica que importa efetuar em sede de apreciação de mérito, pelo que tal facto terá de ser eliminado do elenco da matéria factual.[15] Por fim, consta dos factos não provados 3) a 6) que: 3) A R. comunicou ao A. tal proibição; 4) Verbalmente; 5) E através da divulgação na “intranet” da empresa; ou que, 6) O A. conhecia tal proibição. Os factos não provados 3) a 6) reportam-se, então, única e exclusivamente ao facto conclusivo não provado 2), que foi eliminado, pelo que serão igualmente aqueles factos não provados eliminados, não por serem, em si mesmos, conclusivos, mas por serem inúteis,[16] visto que o facto fundamental a que se reportam foi eliminado. Em conclusão, mostra-se parcialmente procedente a impugnação fáctica deduzida pela recorrente, e, em consequência: 1) Alteram-se os factos provados d), e), n) e o), os quais passam a ter a seguinte redação: d) A R. acordou com o A. na atribuição a este de € 600, por ano, após o desconto de colaborador de 40% de que beneficia, para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”, para seu uso próprio, com o objetivo de garantir a adequada representação da marca junto de terceiros com quem se relaciona no exercício da sua atividade profissional. e) Por determinação da R., se tal montante para compras não for gasto num determinado ano civil, não transita para o ano seguinte, nem é substituído por qualquer pagamento, podendo o A., no novo ano civil, por o plafond ser renovado, apresentar despesas para reembolso pela R., em igual valor, mediante prova de compra do produto. n) Alguns dias depois, o A. apresentou à R. o talão de compra, a fim de ser reembolsado do valor de € 43,80 que julgava ainda ter direito nesse ano; o) O reembolso dessa quantia veio a ser aprovado pela superior hierárquica do Autor, que desconhecia, porque o Autor não lhe disse, que este, logo a seguir à compra das duas t-shirts, tinha solicitado a sua imediata devolução em troca da emissão de um vale no respetivo valor, tendo a referida superior hierárquica, após aprovação, enviado tal despesa para pagamento a efetuar pelo departamento de contabilidade da Ré, reembolso esse que, porém, nunca chegou a ser pago ao Autor porque a situação da devolução das duas t-shirts foi detetada pelo departamento de auditoria interna da Ré. 2) Acrescentam-se os factos t), u) e v), com a seguinte redação: t) Atentas as funções de representação, nacional e internacional, da marca “Timberland”, o A. tinha acesso às condições inerentes a um cargo de Representação Internacional, nos termos indicados no documento relativo à Política de Apoio à Representação Internacional, junto a fls. 6 e 7 do processo disciplinar, e que eram do seu conhecimento. u) Na sua relação com as equipas das Lojas, a qual se dá de forma quotidiana, o A. é o veículo, por excelência, dos valores éticos da empresa e das suas políticas internas. v) - O A. representa, para além do mais, a R. junto do fornecedor da marca por que é responsável, a “Timberland”. 3) Eliminam-se os factos não provados 1) a 6). 3) Licitude do despedimento Entende a recorrente que o comportamento adotado pelo recorrido constitui manifesta e indesculpável falta de lealdade para com aquela, criando no espírito da recorrente uma dúvida insanável acerca da sua idoneidade, a que acresce a circunstância de ter adotado tal comportamento junto de um colaborador de loja, seu subordinado, comprometendo a própria autoridade do recorrido enquanto líder dos colaboradores das lojas. Referiu também que o recorrido violou a al. f) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho, subsumindo-se tal situação no disposto no art. 351.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, pelo que existe justa causa para o seu despedimento. Dispõe o art. 128.º, n.º 1, al. f), do Código do Trabalho, que: 1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: […] f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; Estipula o art. 351.º do Código do Trabalho que: 1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa; c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas; g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes; j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa; m) Reduções anormais de produtividade. 3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Estatui, por fim, o art. 330.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que: 1 - A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção. Apreciemos então. Do disposto no n.º 1 do art. 351.º do Código do Trabalho (já citado) resulta que a justa causa de despedimento implica a verificação cumulativa de três requisitos: a) um comportamento culposo do trabalhador (requisito de natureza subjetiva); b) a impossibilidade de subsistência da relação laboral (requisito de natureza objetiva); c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral. Deste modo, para que se esteja perante uma justa causa de despedimento torna-se necessário, não só que tenha havido um comportamento culposo (ativo ou omissivo) por parte do trabalhador, como também que a gravidade de tal comportamento seja de tal ordem que impossibilite a subsistência da relação laboral. Esse comportamento culposo implica a violação dos deveres a que o trabalhador se encontra sujeito, emergentes do vínculo contratual existente entre si e a entidade empregadora, designadamente dos deveres constantes do art. 128.º do Código do Trabalho, no entanto, não se basta com tal violação de deveres, tornando-se necessário, para que seja legítima a imputação da mais violenta das sanções disciplinares, que a gravidade da violação desses deveres, aferida segundo critérios de objetividade e razoabilidade, tenha levado à quebra da relação de confiança que o empregador tinha para com aquele trabalhador, tornando impossível a subsistência de tal relação laboral, por representar uma injusta imposição ao empregador. Resulta ainda do disposto no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho que a entidade empregadora (e a entidade judiciária nas ações de impugnação da regularidade e licitude do despedimento), na apreciação da justa causa, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Conforme bem refere Pedro Furtado Martins na obra Cessação do Contrato de Trabalho:[17] É indispensável reconduzir os factos que estão na base da justa causa – o «comportamento culposo do trabalhador» - a uma dada situação; a situação de «impossibilidade de subsistência da relação de trabalho». Impossibilidade entendida não em sentido material, mas em sentido jurídico e como sinónimo de inexigibilidade: a verificação da justa causa pressupõe que não seja exigível ao empregador que prossiga na relação. Cita-se ainda a este propósito o sumário do acórdão do STJ, proferido em 01-03-2018:[18] III – Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento, na medida em que tenha quebrado a relação de confiança, decorra como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral. Por sua vez, como vem sendo entendido na jurisprudência nacional, o dever de lealdade é um valor absoluto e inquestionável, insuscetível, por isso, de graduação, pelo que aquilo que releva não é o valor do prejuízo que adveio para a entidade empregadora do comportamento adotado pelo trabalhador, ou mesmo se adveio algum prejuízo, antes sim, a quebra irrecuperável da confiança que a entidade empregadora depositava naquele seu trabalhador provocada por tal comportamento desleal e desonesto. Cita-se, a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 02-12-2013:[19] III - É de afirmar a justa causa para o despedimento – atenta a violação do dever de lealdade por parte do trabalhador, dever que tem subjacente o valor absoluto da honestidade - quando está demonstrado que o trabalhador furtou duas garrafas de vinho do restaurante do seu empregador, onde prestava serviço, levando-as para casa, e aí as consumindo, não relevando, para o efeito, o seu valor pecuniário. De igual modo, se cita o acórdão do STJ, proferido em 23-10-1987:[20] III - O dever de lealdade não e susceptivel de graduações constituindo um valor absoluto, pelo que, qualquer infidelidade a ele envolve falta grave, eliminando a confiança depositada ate ao momento da sua comissão pela entidade patronal no infractor. IV - A quebra da "fidutia" e sempre gravemente perturbadora da relação de trabalho, independentemente, do montante pecuniario em jogo. V - Violado o dever de lealdade e de fidelidade, traida a confiança que a entidade patronal depositou no trabalhador, tornou-se, so por isso, impossivel a subsistencia da respectiva relação de trabalho. E, por fim, o acórdão deste tribunal da relação, proferido em 14-07-2020:[21] [22] 2. A honestidade é um valor absoluto, que não admite qualquer espécie de graduação, muito menos numa relação laboral em que a empregadora deposita no trabalhador a sua confiança para lidar com bens a ela pertencentes. Deste modo, importa atentar se o comportamento adotado pelo recorrido violou algum dos deveres que lhe estavam impostos e, na afirmativa, se violou o dever de lealdade, situação essa em que a base de confiança existente naquela relação laboral se mostra irremediavelmente quebrada. No caso em apreço, resultou da prova realizada que: - O recorrido foi admitido ao serviço da recorrente no dia 5 de janeiro de 2015 para exercer as funções de “product manager” e escolher as coleções de roupa, relógios, acessórios, calçado e outros produtos “Timberland”, competindo-lhe igualmente definir a estratégia comercial e de distribuição, monitorizar a performance e a implementação da estratégia de comunicação e marketing nas lojas, e responder pelos objetivos anuais. - A recorrente atribuiu ao recorrido o montante anual de €600,00, após o desconto de colaborador de 40% de que beneficiava, para reembolso em compras de produtos da marca “Timberland”, para seu uso próprio, com o objetivo de garantir a adequada representação da marca junto de terceiros com quem se relacionava no exercício da sua atividade profissional, sendo que se tal montante para compras não fosse gasto num determinado ano civil, não transitava para o ano seguinte, nem era substituído por qualquer pagamento, podendo, porém, o recorrido, no novo ano civil, por o plafond ser renovado, apresentar despesas para reembolso pela recorrente, em igual valor, mediante prova de compra do produto. - Atentas as funções de representação, nacional e internacional, da marca “Timberland”, o recorrido tinha acesso às condições inerentes a um cargo de Representação Internacional, nos termos indicados no documento relativo à Política de Apoio à Representação Internacional, junto a fls. 6 e 7 do processo disciplinar, e que eram do seu conhecimento. - Na sua relação com as equipas das Lojas, a qual se dá de forma quotidiana, o recorrido é o veículo, por excelência, dos valores éticos da empresa e das suas políticas internas, sendo que é ele também quem representa a recorrente junto do fornecedor da marca por que é responsável, ou seja, junto do fornecedor da “Timberland”. - No dia 20 de dezembro de 2021, o recorrido comprou na loja “Timberland”, no Centro Comercial Colombo, dois produtos (duas t-shirts), tendo pago a quantia de €43,80, sendo que, nessa altura, solicitou ao colaborador que o estava a atender, EE, que procedesse à devolução dos artigos contra a emissão de um vale no valor correspondente, tendo, porém, o recorrido conservado o talão de compra dos produtos. - Alguns dias depois, o recorrido apresentou à recorrente o referido talão de compra, a fim de ser reembolsado do valor de €43,80 que julgava ainda ter direito nesse ano. - O reembolso dessa quantia veio a ser aprovado pela superior hierárquica do recorrido, que desconhecia, porque o recorrido não lhe disse, que este, logo a seguir à compra das duas t-shirts, tinha solicitado a sua imediata devolução em troca da emissão de um vale no respetivo valor, tendo a referida superior hierárquica, após aprovação, enviado tal despesa para pagamento a efetuar pelo departamento de contabilidade da recorrente, reembolso esse que, porém, nunca chegou a ser pago ao recorrido apenas porque a situação da devolução das duas t-shirts foi detetada pelo departamento de auditoria interna da recorrente. - A recorrente autoriza a troca dos seus produtos, podendo ser emitido um vale no correspondente valor. Verifica-se, então, que a política de reembolso de despesas de representação, a que o recorrido tinha acesso, devido ao cargo de especial responsabilidade e confiança que tinha na empresa recorrente, determinava que podia apresentar despesas efetuadas durante cada ano civil no montante de €600,00 (deduzidos os descontos de que beneficiava como trabalhador) relativas à compra de produtos da marca “Timberland” para seu uso próprio, com o objetivo de representar aquela marca junto de terceiros com quem tinha relações profissionais. Assim, para que tivesse direito a tal reembolso era necessário preencher os seguintes requisitos: a) efetuar compras de produtos da marca “Timberland”; b) para seu uso próprio; c) com o objetivo de representar aquela marca junto de terceiros com quem tinha relações profissionais; c) no valor anual de €600,00, deduzido o desconto devido aos trabalhadores da recorrente. De igual modo, não era autorizado, exatamente por tal valor de reembolso ter um limite temporal, que se não fossem efetuadas despesas no valor total anual de €600,00, o valor não utilizado não transitava para o ano seguinte, nem podia ser substituído por qualquer pagamento. É, assim, inquestionável que a atuação do recorrido, no dia 20-12-2021, violou as regras da política de reembolso de despesas de representação da recorrente, exatamente porque, nesse dia, perto do final do ano de 2021, ou seja, perto do final de poder utilizar o plafond de €600,00 que lhe era atribuído pela recorrente para reembolso de despesas de representação naquele específico ano, o recorrido efetuou uma compra de duas t-shirts no valor total de €43,80, pelas quais recebeu um talão de compra nesse valor, tendo, porém, logo de seguida procedido à devolução dessas t-shirts, dando, por isso, sem efeito tal compra, recebendo, em troca, um vale no valor de €43,80 para poder utilizar, até determinado dia e mês do ano seguinte, numa outra compra. Na realidade, e como bem refere a recorrente, o que está em causa não é a possibilidade de o recorrido poder devolver os produtos que pagou em 20-12-2021, visto que tal não lhe estava vedado. O que está em causa é o recorrido utilizar um talão de compra que já não é válido (atente-se que o recorrido não apresentou o vale, esse sim, válido), exatamente porque devolveu os bens que nele constavam como tendo sido por si adquiridos, para ser reembolsado de um valor que, apesar de ter despendido tal montante ainda em 2021, não o despendeu numa compra efetuada naquele exato ano em produtos da marca “Timberland” para seu uso próprio em atividades profissionais. E isto porque o valor despendido, ao ter devolvido as t-shirts, já não se reportava à aquisição das t-shirts, mas sim, a um vale que representava tal valor e que poderia ser utilizado no ano seguinte numa qualquer compra, que seria, posteriormente, titulada pelo seu respetivo talão de compra. Com este estratagema o recorrido podia, assim, receber um valor como se se tratando de uma despesa de representação na aquisição de produtos da marca “Timberland”, para seu uso pessoal, naquele específico ano, quando na realidade nada tinha adquirido nesse valor para si nesse ano, além de um vale no montante despendido, contornando, deste modo, a política implementada na empresa recorrente e que o recorrido bem conhecia. Ora, tal comportamento é objetivamente desonesto e isto independentemente do valor de que o recorrido se tentou apropriar indevidamente. Acresce que tal comportamento é ainda mais gravoso por nele ter pedido a colaboração de um trabalhador da recorrente, que era subordinado do recorrido, a quem transmitiu um péssimo exemplo de deslealdade para com a entidade empregadora de ambos, competindo ao recorrido, pelo alto cargo que desempenhava na recorrente, ser efetivamente um modelo de lealdade e honestidade, o que manifestamente não foi. Resta-nos, por isso, concluir, que o recorrido, com o comportamento descrito, violou o dever de lealdade para com a sua entidade empregadora, previsto no art. 128.º, n.º 1, al. f), do Código do Trabalho, levando tal comportamento culposo, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, à quebra da relação de confiança que o empregador tinha para com aquele trabalhador, tornando impossível a subsistência de tal relação laboral. E, sendo assim, é justa a causa de despedimento do recorrido, sendo lícito tal despedimento. Nesta conformidade, procede a pretensão da recorrente, sendo de revogar a sentença recorrida, a qual será substituída por acórdão a declarar a licitude do despedimento do recorrido promovido pela recorrente. Tendo tido procedência a pretensão da recorrente sobre a licitude do despedimento, fica prejudicada a apreciação da questão relativa à redução especial do valor da indemnização em que tinha sido condenada. ♣ V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, em revogar a sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do despedimento do recorrido AA, determinando-se, em sua substituição, a licitude de tal despedimento, absolvendo-se, assim, a recorrente “Erich Brodheim, S.A.” dos pedidos relativos quer à declaração de ilicitude do despedimento, quer ao pagamento da indemnização pelo despedimento no montante €21.500,00, quer às retribuições que o recorrido deixou de auferir desde a data do despedimento no montante de €4.600,00. Custas pelo recorrido (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Notifique. ♣ Évora, 15 de junho de 2023Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço. [2] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [3] No âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [4] No âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt. [5] No âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [6] Conforme acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, e já citado. [7] Conforme art. 23º da contestação. [8] Nos artigos 16.º, 26.º e 33.º da contestação o recorrido confirma existir na empresa da recorrente uma política de representação da empresa, política essa cujo conhecimento igualmente não negou. [9] O qual consta a fls. 6 e 7 do processo disciplinar, junto como documento 1 com o articulado motivador. [10] Conforme assumido pelo Autor no art. 4º da sua contestação. [11] “Portanto, se não pretendia as t-shirts, não lhe era devido o pagamento que tentou artificiosamente obter”. [12] Conforme art. 19º da contestação, em face do disposto no n.º 3 do art. 574.º do Código de Processo Civil. [13] Concretamente “a quem transmitiu uma imagem de falta de ética e de lealdade para com a entidade empregadora de ambos”. [14] Junto como documento 1 com o articulado motivador. [15] Vide acórdão do TRC, proferido em 20-06-2018, no âmbito do processo n.º 13/16.0GTCTB.C1; e acórdão do STJ, proferido em 29-04-2015, no âmbito do processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1; consultáveis em www.dgsi.pt. [16] Art. 130.º do Código de Processo Civil. [17] 4.ª edição, 2017, Princípia Editora, Parede, p. 168. [18] No âmbito do processo n.º 1010/16.1T8SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [19] No âmbito do processo n.º 1445/08.3TTPRT.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt. [20] No âmbito do processo n.º 001632, consultável em www.dgsi.pt. [21] No âmbito do processo n.º 2610/19.3T8FAR.E1, não publicado. [22] Em idêntico sentido, os acórdãos deste tribunal proferidos, em 07-02-2012 no âmbito do processo n.º 238/10.2TTFAR.E1, publicado em www.dgsi.pt; em 14-07-2021 no âmbito do processo n.º 2225/20.3T8STR.E2; em 13-05-2021 no âmbito do processo n.º 8262/19.3T8STB.E1; em 21-11-2019 no âmbito do processo n.º 359/19.6T8EVR.E1; em 14-02-2019 no âmbito do processo n.º 8546/17.5T8STB.E1; e em 15-11-2018 no âmbito do processo n.º 32/18.2T8BJA.E1; todos não publicados. |