Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2253/24.0T8FAR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE SÓCIO-GERENTE
MEDIDA DA COIMA
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL - CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora:

I – A responsabilização do sócio gerente pelo pagamento solidário da coima aplicada à sociedade arguida, não implica qualquer transmissão da responsabilidade contraordenacional da arguida a esse seu legal representante, sendo a responsabilização pela culpa exclusivamente imputada à sociedade arguida.


II – No fundo, o legal representante da sociedade arguida funciona apenas como um garante do pagamento da coima aplicada.


III – Na determinação da medida concreta da coima, relativamente ao responsável solidário pelo seu pagamento, não há que averiguar nem o grau de culpa, nem a situação económica e nem se retirou, ou não, benefício económico com a prática das contraordenações.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2253/24.0T8FAR.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


AA,2 responsável solidário pelo pagamento da coima única imputada à arguida “BB, Unipessoal, Lda”3, no montante de €3.700,00, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT), que imputou à referida arguida cinco contraordenações, condenando-a ainda em sanção acessória de publicidade.


A arguida “BB” foi, assim, condenada nas seguintes contraordenações:


- uma contraordenação laboral muito grave, p. e p. pelos arts. 79.º, n.º 1, e 171.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, e 283.º, n.º 5, 284.º e 554.º, nºs. 4, al. a), e 5, do Código do Trabalho, na coima de €2.040,00 (referente ao processo n.º 122200426);


- uma contraordenação laboral grave, p. e p. pelos arts. 213.º, nºs 1 e 6, e 554.º, n.º 3, do Código do Trabalho, na coima de €612,00 (referente ao processo n.º 122200425);


- uma contraordenação laboral grave, p. e p. pelos arts. 215.º, nºs. 1 e 5, e 554.º, n.º 3, al a), do Código do Trabalho, na coima de €612,00 (referente ao processo n.º 122200427);


- uma contraordenação laboral grave, p. e p. pelos arts. 278.º, nºs. 1, 2, 4 e 6, e 554.º, n.º 3, do Código do Trabalho, na coima de €612,00 (referente ao processo n.º 122200428);


- uma contraordenação laboral grave, p. e p. pelos arts. 29.º, nºs. 1, 2, al. a) e 9, e 233.º, nºs. 2 e 4, al. a), da Lei n.º 110/2009, de 16-09, alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12 , na coima de €450,00 (referente ao processo n.º 122200424).





Efetuado o julgamento, o Tribunal de 1.ª instância, por sentença proferida em 17-12-2024, decidiu nos seguintes termos:

Em face do exposto, julgo improcedente a presente impugnação judicial e, em consequência, mantém-se a decisão da autoridade administrativa.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça, em face do número e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC (cfr. art. 8º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo).

Notifique, comunicando a decisão à autoridade administrativa.

Deposite.




Inconformado, veio o responsável solidário AA interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:

1. Recorre-se da douta Sentença que confirmou a decisão administrativa de condenação do arguido arguido a responsabilidade solidaria como gerente pelo pagamento da coima de 3700,00 euros e custas processuais

2. Para que se verifique uma contra-ordenação têm que se conjugar os quatros elementos de entre eles a culpa do autor .

3. É a sentença totalmente omissa quanto à culpa do arguido , apenas fazendo remissão para a decisão administrativa, ela também omissa.

4. Nos termos do artigo 18º do RGCO “ a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação , da culpa, da situação económica do agente e do beneficio económico que retirou da pratica da contra-ordenação.”

5. Censura-se a sentença, que por remissão à decisão administrativa, é totalmente omissa quanto à gravidade da contra-ordenação, a culpa do agente e ao benefício económico retirado da infracção e à sua situação económica.

6. Nada é referido em concreto, sem elementos para afirmar que a arguida agiu com dolo, ou pelo menos agiu com negligência,

7. Culpa que foi presumida e não averiguada , em violação da Lei

8. Da sentença nada se sabe do beneficio económico quer supostamente o arguida teria beneficiado , uma vez que não foi apurado.

9. Vícios da sentença , na omissão dos factos conducentes à conclusão da gravidade da contra-ordenação e da culpabilidade do agente , do beneficio económico do arguido e da sua situação económica, que resultam na sua necessária revogação.

Termos em que deverás ser revogada a douta Sentença , E ASSIM SE FARÁ, VENERANDO JUIZES DESEMBARGADORES JUSTIÇA!




O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso.





O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como subindo de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e, após a subida dos autos ao tribunal da relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.





O recorrente não veio responder a tal parecer.





Admitido o recurso nos seus precisos termos e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.





II – Objeto do recurso


Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Inexistência do elemento da culpa relativamente ao recorrente; e


2) Violação do art. 18.º do RGCO.





III. Matéria de Facto


A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


A sentença da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

A) A arguida BBUnipessoal, Ldª. desenvolve a atividade económica principal de lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles, a qual iniciou no ano de 2014;

B) A arguida não prestou em 2022, com referência a 2021, informação sobre a atividade social da empresa, nomeadamente sobre remunerações, duração do trabalho, trabalho suplementar, contratação a termo, formação profissional, segurança e saúde no trabalho e quadro de pessoal, vulgo Relatório Único;

C) A arguida apresentou um volume de negócios de 61.985,00 € no ano de 2020, possuindo 7 trabalhadores por conta de outrem ao seu serviço a 31/12/2020;

D) No dia 15/12/2022, pelas 10h35m, e no dia11/03/2022, pelas 12h30m, a inspetora CC, acompanhada pelas inspetoras DD e EE, procedeu a visita inspetiva ao local de trabalho sito na loja ..., ...;

E) A data das visitas inspetivas, a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens e direção, em regime de trabalho subordinado, FF, admitida a 29/10/2021, com a categoria profissional de operadora de lavandaria; GG, admitida a 17/11/2021, com a categoria profissional de operadora de lavandaria; HH, admitida a 01/12/2021, com a categoria profissional de operadora de lavandaria; II, admitida a 06/01/2022, com a categoria profissional de operadora de lavandaria;

F) As trabalhadoras supra identificadas prestaram informações sobre o seu contrato de trabalho, designadamente, horário, intervalo de descanso, dia de descanso semanal e remuneração mensal;

G) No final da visita inspetiva realizada no dia 15/12/2021, e no âmbito do ora instruído processo, foi a arguida notificada, na pessoa do gerente, senhor AA, para, entre outros documentos, apresentar, até ao dia 05/01/2021, comprovativo da comunicação de trabalhadores à Segurança Social, apólice de seguro de acidentes de trabalho, último recibo pago e declaração de retribuições à seguradora onde constasse o nome e retribuições dos trabalhadores já identificados, registo do número de horas prestadas pelos trabalhadores, por dia, com indicação da hora de início e termo do trabalho do mês de novembro de 2021, mapa de horário de trabalho;

H) No dia 15/12/2021, o senhor AA identificou-se como sendo sócio gerente da arguida;

I) No final da visita inspetiva realizada no dia 11/03/2022, e no âmbito do ora instruído processo, foi a arguida notificada, na pessoa da empregada de lavandaria, senhora II, para, entre outros documentos, apresentar, até ao dia 16/03/2022, registo do número de horas prestadas pelos trabalhadores, por dia, com indicação da hora de início e termo do trabalho desde janeiro de 2022, transferências bancárias referentes às retribuições de janeiro, fevereiro e março de 2022 e respetivos recibos de retribuições;

J) A senhora JJ esteve qualificada como trabalhadora por conta de outrem da arguida em período anterior às visitas inspetivas (entre 12/01/2021 e 31/10/2021;

K) KK esteve qualificada como trabalhadora por conta de outrem da arguida em período anterior às visitas inspetivas (entre 06.12/.2019 e 08.12.2021);

L) No cumprimento da notificação supra, verificou a inspetora autuante que a arguida transferiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho e doenças profissionais para entidade legalmente competente, Liberty Seguros, Companhia de Seguros y Reaseguros, S.A., mediante apólice de seguro nº. ..., motivo de alteração <

M) A arguida não apresentou qualquer outra apólice de seguro de acidentes de trabalho que demonstrasse haver transferido em momento anterior ao dia 17.12.2021 a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho e doenças profissionais sobre a trabalhadora HH para entidade legalmente competente;

N) No dia 15/12/2021, data da visita inspetiva, a arguida não havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho e doenças profissionais para entidade legalmente competente sobre a trabalhadora HH;

O) A arguida manteve ao seu serviço a trabalhadora HH incumprindo a obrigação de transferir a sua responsabilidade pelos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais para uma entidade legalmente, pelo menos, dois dias após a visita inspetiva, e respetiva notificação para apresentação de documentos (entre 15/12/2021 e 17/12/2021 e 16 dias após a constituição de relação jurídica de emprego (01/12/2021);

P) Até ao dia de instauração do auto de notícia com o n.o CO 1222500345 (15/03/2022), pela inspetora CC, a arguida não apresentou elemento probatório de que houvesse transferido a sua responsabilidade pelos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais sobre a trabalhadora HH para uma entidade legalmente desde o início da relação laboral, nem apresentou qualquer motivo motivo justificativo e plausível para o incumprimento desse dever a que estava obrigada na qualidade de entidade empregadora;

Q) No dia da visita inspetiva de 15/12/2022, o mapa de horário de trabalho não se encontrava afixado;

R) A trabalhadora HH prestou informações sobre o seu horário, declarando prestar um horário das 10h00m às 17h00m, sem intervalo de descanso;

S) Conforme declarações prestadas pela trabalhadora HH e pelo gerente, o senhor AA, naquela data, o mapa de horário de trabalho não se encontrava elaborado;

T) No cumprimento da notificação supra, a arguida apresentou mapa de horário de trabalho para o período compreendido entre 20/12/2022 e 3I/12/2021, do qual não constavam todos os elementos legais exigíveis;

U) Posteriormente, a arguida apresentou os mapas de horário de trabalho de fevereiro e de março de 2022, do qual não constavam todos os elementos legais exigíveis e que incluía três trabalhadoras pertencentes a outro local de trabalho, apesar de não fazer referência a tal facto;

V) A arguida não elaborou os mapas de horário de trabalho dos meses de dezembro de 2021, fevereiro e de março de 2022, de acordo com os pressupostos legais para os trabalhadores ao seu serviço, mesmo após ter sido notificada para o efeito;

W) A arguida impediu a verificação do tipo de organização dos tempos de trabalho adotado para aquele local de trabalho e trabalhadores, bem como do instrumento de regulamentação coletiva (IRCT) aplicável, pela inspetora autuante no momento da visita inspetiva (15.12.2021);

X) Nos dias 15/12/2021 e 11.03.2022 (data das visitas inspetivas), a inspetora CC consultou o registo dos tempos de trabalho e apurou que durante os meses de dezembro de 2021 e de janeiro e fevereiro de 2022 as trabalhadoras efetuaram dois horários de forma rotativa, nos termos abaixo; Um horário ininterrupto das 10h00m às 17h00m; um horário ininterrupto das 16h00m às 23h00m;

Y) As trabalhadoras presentes no momento das visitas inspetivas declararam que trabalhavam sem pausas, tomando as refeições no local de trabalho e interrompendo as mesmas sempre que existiam clientes para atender;

Z) A arguida apresentou os mapas de horário de trabalho dos meses de dezembro de 2021 e de janeiro de fevereiro de 2022, verificando a inspetora autuante que os mesmos incluem um intervalo para descanso das 13h30m às 14h30m, para o turno das 10h00m às 17h00m, e das 20h30m às 21h30m, para o turno das 16h00m às 23h00m;

AA) Da análise dos registos dos tempos de trabalho dos meses de dezembro de 2021 e de janeiro e fevereiro de 2022 e das declarações prestadas pelas trabalhadoras identificadas, apurou a inspetora autuante que a arguida não prevê a interrupção do período de trabalho diário por um intervalo de duração não inferior a uma hora nem superior a duas horas, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo;

BB) Da análise dos elementos apresentados pela arguida, em cumprimento da notificação supra, a inspetora autuante verificou a retribuição total auferida pelas trabalhadoras identificadas. FF auferiu o total de 963,83 € no mês de dezembro de 2021, e de 956,78 € no mês de fevereiro de 2022. HH auferiu o total de 963,83 € no mês de dezembro de 2021, e de 880,00 € no mês de fevereiro de 2022, GG auferiu o total 596,93 € no mês de dezembro de 2O21 (por ter estado em situação de incapacidade para o trabalho por doença), e de 915,35 € no mês de fevereiro de 2022, II auferiu o total de 970,00 € no mês de fevereiro de 2022;

CC) A arguida procedeu ao pagamento da retribuição relativa ao mês de dezembro de 2021, mediante transferências bancárias, nos termos abaixo: Datada de 30/12/2021, no valor de 600,00 €, €, datada de 10/01/2022, no valor de 363,83 €, em favor de FF, datada de 30/12/2021, no valor de 600,00 €, e, datada de 10/01/2O22, no valor de 363,83 €, em favor de HH, datada de 30/12/2021, no valor de 596,93 €, em favor de GG;

DD) Da análise dos elementos apresentados pela arguida, em Tribunal Judicial da Comarca de Faro cumprimento da notificação supra, a inspetora autuante verificou que a arguida procedeu ao pagamento da retribuição relativa ao mês de janeiro de 2022, mediante transferências bancárias, nos termos abaixo, datada de 02/02/2022, no valor de 600,00 €, e, datada de 09/02/2022, no valor de 328,12 € e de 28,66 €, em favor de FF, datada de 01/02/2022,.no valor de 600,00 €, ê, datada de 09/02/2022, no valor de 441,66 €, em favor de HH; datada de 01/02/2022, no valor de 600,00 €, €, datada de 09|02/2022, no valor de 247,32 €, em favor de II, datada de 01/02/2022, no valor de 280,82 €, em favor de GG;

EE) Da análise dos elementos apresentados pela arguida, em cumprimento da notificação supra, a inspetora autuante verificou que a arguida procedeu ao pagamento da retribuição relativa ao mês de fevereiro de 2022, mediante transferências bancárias nos termos abaixo: Datada de 03/03 /2022, no valor de 600,00 €, e, datada de 11/03/2022, no valor de 356,78 €, em favor de FF; datada de 03/03 /2022, no valor de 600,00 €, e, datada de 11/03/2022, no valor de 190,00 €, em favor de HH; datada de 03/03/2022, no valor de 600,00 €, e, datada de 11/03/2022, no valor de 370,79 €, em favor de II; datada de 03/03 /2022, no valor de 600,00 €, e, datada de 11/03/2022, no valor de 315,35 €, em favor de GG;

FF) A arguida não colocou o montante da retribuição dos meses de dezembro de 2021, janeiro e fevereiro de 2022 à disposição das trabalhadoras identificadas na data do vencimento ou em dia útil anterior (31/12/2021, 31/01/2022 e 28/02/2022, respetivamente);

GG) No dia 15/12/2021, após a visita inspetiva, a inspetora autuante consultou o Sistema de Informação da Segurança Social, verificando que a arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social da trabalhadora HH nessa data (15/12/2021), e efeitos a 01.12.2022;

HH) A arguida não comunicou ao ISS a admissão da trabalhadora HH nas vinte e quatro horas anteriores ao início da produção de efeitos do contrato de trabalho ou, por razões excecionais e devidamente fundamentadas, nas 24 horas seguintes ao início da sua atividade;

II) A trabalhadora HH esteve sob as ordens, direção e fiscalização da arguida, e em regime de trabalho subordinado, sem que a sua admissão fosse comunicada ao ISS, pelo menos, 15 dias após a constituição de relação jurídica de emprego (01/12/2021);

JJ) A arguida, com trabalhadores ao seu serviço, não tomou assim as devidas medidas passíveis de afastar a estatuição sancionada pela lei, como bem podia, devia e sabia que lhe era legalmente imposto de assegurar a comunicação da admissão de todos os seus trabalhadores à Segurança Social nas vinte e quatro horas anteriores ao início da produção de efeitos do contrato de trabalho ou, por razões excecionais e devidamente fundamentadas, nas 24 horas seguintes ao início da sua atividade;

KK) De igual modo, a sociedade BB Unipessoal, Lda. não logrou assegurar a transferência da responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho e doença profissional de todos os trabalhadores ao seu serviço para entidade competente, de modo a preservar o direito dos mesmos à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;

LL) Tampouco a arguida cumpriu com os normativos atinentes à duração e organização dos tempos de trabalho, nomeadamente no que atende à elaboração do mapa de horário de trabalho, bem como de assegurar o gozo de um intervalo e descanso de não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo a que as trabalhadoras não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo;

MM) Além disso, não tomou as devidas medidas passíveis de afastar a estatuição sancionada pela lei, como bem podia, devia e sabia que lhe era legalmente imposto, de cumprir as normas jurídicas norteadoras do direito à retribuição;

NN) A contrario senso a arguida demitiu-se desses deveres que sobre si impendem na qualidade de entidade empregadora, conduta descrita como infração contraordenacional, e punida pela norma legal.




IV – Enquadramento jurídico


1 – Inexistência do elemento da culpa relativamente ao recorrente


Entende o recorrente que a sentença é completamente omissa quanto à sua culpa, tendo tal culpa sido presumida, o que viola a Lei.


Apreciemos.


O recorrente AA não é arguido nos presentes autos contraordenacionais, sendo apenas, nos termos do art. 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho, responsável solidário pelo pagamento da coima em que a arguida “BB” foi condenada.


Na realidade, dispõe o Art. 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho, que:

3 - Se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores.

Nesta medida, e bem, não consta dos factos dados como assentes quaisquer factos relativos à culpa do recorrente, uma vez que tal culpa apenas tem de ser apurada quanto à arguida, já não quanto ao responsável solidário. Sendo que o recorrente apenas é responsável solidário pelo pagamento da coima em que a arguida foi condenada por ser o sócio gerente da sociedade arguida à data da prática das referidas contraordenações.


É importante salientar que, esta responsabilização do sócio gerente pelo pagamento solidário da coima aplicada à sociedade arguida, não implica qualquer transmissão da responsabilidade contraordenacional da arguida a esse seu legal representante, pelo que a responsabilização pela culpa é exclusivamente imputada à sociedade arguida. No fundo, o legal representante da sociedade arguida funciona apenas como um garante do pagamento da coima aplicada.


Conforme bem refere a sentença recorrida:

A responsabilidade dos gerentes, directores e administradores não pressupõe a prática de qualquer ilícito contraordenacional, com base na culpa ou com base na culpa presumida, nem há qualquer transmissão da responsabilização pela prática da contraordenação.

Cita-se, de igual modo, o acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 16-04-2015:5 6

1.A responsabilidade solidária dos gerentes, prevista no art.º 551º, nº 3, do Código do Trabalho, é meramente obrigacional, não lhes sendo extensíveis outros efeitos da condenação para além da obrigação pelo pagamento da coima.

2.Não há por isso violação do princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal, acolhido no art.º 30º, nº 3, da Constituição, à semelhança do que sucede, no art.º 11º, nsº 1, 2, 9 a), e 10, do Código Penal, para os casos em que as pessoas coletivas e equiparadas são suscetíveis de responsabilidade criminal.

No sentido de que o n.º 3 do art. 551.º do Código do Trabalho não viola a Constituição da República Portuguesa pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 180/2014, 201/2014, 395/14 e 504/2014.


Pela sua clareza, cita-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/2014:

Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das coimas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situação de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu próprio a satisfação do crédito.

O recurso a um princípio civilístico de solidariedade passiva, para esse efeito – que nunca poderia justificar a transferência de uma responsabilidade penal -, não deixa de ser uma medida compreensível no plano de política legislativa e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção contraordenacional. Funciona aqui uma garantia patrimonial que é exigível ao administrador ou gerente em função da sua qualidade de representante legal da pessoa coletiva e em atenção à sua ligação física e funcional à atividade empresarial que é suscetível de envolver a prática de infrações contraordenacionais

Assim, apenas nos resta concluir que a sentença recorrida, ao não ter feito constar na matéria factual dada como assente qualquer facto relativo à culpabilidade do legal responsável da sociedade arguida, e ora recorrente, atuou em respeito pela lei, pelo que, nessa parte, é de manter a sentença proferida, improcedendo a pretensão do recorrente.


2 – Violação do art. 18.º do RGCO


Entende o recorrente que a sentença recorrida violou o disposto no art. 18.º do RGCO, uma vez que é totalmente omissa, na determinação da medida da coima, não só à culpa do recorrente, mas também à gravidade da contraordenação, da situação económica do recorrente e ao benefício económico por este obtido.


Dispõe o art. 18.º, n.º 1, do RGC, que:7

1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

Uma vez mais, o recorrente confunde a sua posição jurídica de responsável solidário com a de arguido. Porém, o recorrente não é o arguido deste processo contraordenacional, pelo que na determinação da medida concreta da coima não há que averiguar nem o seu grau de culpa, nem a sua situação económica e nem se retirou, ou não, benefício económico com a prática das contraordenações.


Acresce que tal disposição legal foi respeitada em relação à sociedade arguida, tendo havido ponderação de todos estes fatores, conforme consta das páginas 19 e 20 da proposta de decisão.


Pelo exposto, também quanto a esta questão improcede a pretensão do recorrente, mantendo-se a sentença proferida.








V - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.


Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).


Notifique.



Évora, 9 de abril de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Paula do Paço

Filipe Aveiro Marques

_____________________________________

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques.↩︎

2. Doravante AA.↩︎

3. Doravante “BB”.↩︎

4. Refere-se a II e não a José.↩︎

5. No âmbito do processo n.º 24/14.0T8EVR.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

6. Veja-se, em idêntico sentido, para além dos acórdãos citados na sentença recorrida, o acórdão do TRP proferido em 10-07-2019 no âmbito do processo n.º 3405/18.7T8PNF.P1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

7. Aplicável por força do disposto no art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09.↩︎