Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
Descritores: | RECURSO REAPRECIAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA PRINCÍPIO DA ECONOMIA E DA UTILIDADE PROCESSUAL | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | A impugnação da decisão de facto assume um caráter instrumental na medida em que visa modificar o julgamento operado sobre os factos que se consideram incorretamente julgados para, face à nova realidade fática (resultante daquela impugnação), se conseguir obter a modificação da decisão de mérito anteriormente alcançada. Consequentemente, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos que são objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, logo, proibida por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 73017/22.2YIPRT.E1 (2.ª Secção) Relatora: Cristina Dá Mesquita 1.ª Adjunta: Maria Domingas Simões 2.º Adjunto: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…), Unipessoal, Lda., ré na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias que lhe foi movida por (…), Eletricista, Unipessoal, Lda., interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Silves, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou a ação parcialmente procedente e, em conformidade: 1 – Condenou a ré (…), Unipessoal, Lda. a pagar à autora a quantia de € 8.444,06, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa anual de juros moratórios legais comerciais que foi sendo e que for semestralmente fixada para as transações comerciais sujeitas ao D/L n.º 62/2013, de 10/05, desde 28/01/2019 e até efetivo e integral pagamento; 2 – Condenou a ré (…), Unipessoal, Lda. a pagar à autora a quantia de € 40,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa anual de juros moratórios legais comerciais que foi sendo e que for semestralmente fixada para as transações comerciais sujeitas ao D/L n.º 62/2013, de 10/05, desde 20/09/2022 e até efetivo e integral pagamento; 3 – Absolveu a ré (…), Unipessoal, Lda. do demais peticionado, bem como do pedido da sua condenação como litigante de má-fé; 4 - Absolveu a autora (…), Eletricista, Unipessoal, Lda. do pedido de condenação como litigante de má-fé. Na ação, que se iniciou como injunção e foi posteriormente convolada para ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, a requerente pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.444,06, a título de capital e correspondente ao valor titulado pela fatura n.º 1/189, bem como os juros de ora vendidos desde a data de 02.02.2019, alegando para tal desiderato que na prossecução do seu objeto social prestou à requerida o fornecimento de material elétrico e serviços que aquela não lhe pagou, apesar de interpelada para o efeito. Na sua oposição ao requerimento de injunção a requerida sustentou, em síntese, que já pagou a totalidade dos serviços prestados pela autora, concretamente, que em 30.09.2019 procedeu à transferência bancária do valor de € 2.000,00 e que pagou o remanescente em numerário, tudo com a aquiescência da autora. No início da audiência de julgamento a autora veio a reconhecer que recebeu da ré o montante de € 2.000,00 através de cheque datado de 28/01/2019, requerendo que tal valor seja considerado e descontado na fatura a que alude no seu requerimento inicial. I.2. A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: A) O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que respeita à decisão sobre os factos 3 e 7 da matéria de facto provada e no que respeita aos factos B, C e D do elenco de factos não provados. B) A prova produzida não permite dar como provados os factos 3 e 7 da matéria de facto provada, o que se conclui através da reapreciação da prova, incluindo aquela gravada em audiência final. B) Foi celebrado entre a Autora e a Ré um contrato de empreitada, o qual não foi reduzido a escrito, tendo por objeto o restaurante da Ré em Armação de Pêra. C) Os trabalhos tiveram início no máximo em maio de 2018, mês em que foi emitida a primeira fatura relacionada com a empreitada (17-05-2018). D) Deverá ser adicionado o seguinte ponto ao elenco de factos provados: “Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de empreitada, embora não reduzido a escrito, tendo a Autora iniciado os seus trabalhos na obra da Ré em data não concretamente apurada, mas durante o mês de maio de 2018.” E) Resultou da prova produzida que os trabalhos da Autora terminaram, no máximo, em novembro de 2018. F) Deverá ser adicionado o seguinte ponto ao elenco de factos provados: “A Autora terminou os seus trabalhos na obra da Ré em data não concretamente apurada, mas durante o mês de novembro de 2018.” G) As partes não convencionaram qualquer preço relativo à empreitada, nem foi entregue pela Autora à Ré qualquer orçamento. H) A Autora executava os serviços e depois apresentava as respetivas faturas a pagamento. I) Deverá ser adicionado o seguinte ponto ao elenco de factos provados: “A Autora não elaborou nem entregou qualquer orçamento à Ré no âmbito da relação de empreitada.” J) A Ré emitiu uma fatura no dia 17-05-2018, por conta da empreitada, no valor de € 3.000,00 (três mil euros) que a Ré pagou integralmente por cheque. K) A Ré emitiu uma fatura no dia 09-10-2018, por conta da empreitada, no valor de € 1.515,23 (mil e quinhentos e quinze euros e vinte e três cêntimos), que a Ré pagou integralmente por cheque. L) A Ré não concorda com a fatura emitida no dia 02-01-2019 e o pagamento da mesma não é exigível. M) Não foi produzida prova suficiente de que o valor de € 8.444,06 (oito mil e quatrocentos e quarenta e quatro euros e seis cêntimos), por conta da fatura de 02-01-2019, é devido. N) A fatura n.º 1/189, de 02-01-2019, não prova nada, ainda para mais não estando suportada em qualquer orçamento ou estimativa. O) Não é normal que a Autora se tenha “esquecido” que a Ré fez um pagamento de € 2.000,00 (dois mil euros), por cheque, em fevereiro de 2019. P) A Ré fez pagamentos em numerário durante a obra, tendo um deles sido no valor de cerca de € 3.000,00 (três mil euros) por conta de uma fatura que foi posteriormente anulada. Q) A fatura de 02-01-2019 não indicia sequer que tipo concreto de serviços e que tipo concreto de bens é que nela estão contemplados, nem sequer a tal certificação da obra e o respetivo custo, que, segundo disse o legal representante da Autora, foi por si suportado. R) O documento que supostamente serve de “anexo” à fatura de 02-01-2019 é altamente duvidoso e questionável, tendo sido feito pela Autora num ficheiro exel, e não faz prova de que os bens e serviços nele contemplados foram conferidos, aceites e executados. S) Os bens e serviços incluídos nesse documento, que nele consta terem sido prestados em dezembro de 2018, nunca o poderiam ter sido, porque nesse mês já não estava qualquer trabalho em curso, pelo que não é exigível, desde logo, o valor de € 1.448,52 (mil e quatrocentos e quarenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos) por conta desses bens e serviços. T) Foi emitida uma fatura no dia 28-08-2018, pelo valor de € 3.812,00 (três mil e oitocentos e doze euros), que foi paga em numerário pela Ré e foi posteriormente anulada pela Autora na data de emissão da fatura de 09-10-2018, que foi paga por cheque. U) Não foi possível ultrapassar a dúvida razoável sobre se as faturas anuladas foram pagas ou não. V) É altamente duvidoso que a Ré tenha pago apenas as faturas de 17-05-2018 e de 09-10-2018. W) Constam do suposto “anexo” à fatura de 02-01-2019 bens e serviços que, pela normalidade das coisas, deveriam ter sido prestados numa fase mais inicial da obra. X) Ficou claramente em dúvida se os trabalhos incluídos na fatura de 02-01- 2019 não terão sido prestados muito antes da emissão dessa fatura, designadamente por conta de faturas que foram anuladas, mas pagas, segundo o depoimento do legal representante da Ré, e não estejam agora a ser cobrados novamente. Y) O facto 7 do elenco de factos provados deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redação: “A Ré, através da respetiva advogada Dra. (…), remeteu à Autora, em 3/10/2019, a carta junta como doc. 2 do requerimento da Autora de 21/10/2022 e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, através da qual comunicou a Ré que devolvia à Autora a fatura referida em 4) por não concordar com os valores faturados, tendo em conta os valores que entretanto foram liquidados durante a obra, mais considerando ser a Ré credora da Autora do valor de € 2.500,00”. Z) Deverá ser dado como não provado o ponto 3 do elenco de factos provados. AA) A presente ação não logrou atingir o standard de prova exigível para que pudessem ser dados como provados os seus fundamentos e, assim, a sua procedência, o que se justificará, no limite, em observância do princípio in dúbio pro reu. Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá a presente apelação ser julgada totalmente procedente, por provada, revogando-se integralmente a sentença recorrida, e, nessa sequência, absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos formulados pela Recorrida, Com o que este Venerando Tribunal certamente fará a almejada e devida JUSTIÇA!» I.3. Não houve resposta às alegações de recurso. O recurso foi recebido pelo tribunal recorrido. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC). II.2. As questões que importa decidir são as seguintes: 1) Impugnação da decisão de facto; 2) Reapreciação do mérito da decisão. II.3. FACTOS II.3.1. Factos provados O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade: «1 – A A. é uma sociedade que se dedica, entre outros, à instalação e reparação elétrica. 2 – A Ré é uma sociedade que tem por objeto: serviço de restaurante, pizzaria e gelataria. 3 – Na prossecução do seu objeto social, a Autora realizou e prestou à Ré os serviços por esta solicitados e contratados, designadamente, fornecimento de material elétrico e serviços de instalação e reparação elétrica em prédio sito em Armação de Pêra, concelho de Silves, o que totalizou o valor de € 10.444,06, titulado pela fatura da Autora n.º 1/189. 4 – A Autora emitiu sobre a Ré a fatura n.º 1/189, de 2/1/2019, no valor de € 10.444,06, com vencimento em 2/1/2019, conforme fatura junta como doc. 3 do requerimento da Autora de 21/10/2022 e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido. 5 – A Ré foi interpelada pela Autora para proceder ao pagamento da fatura referida em 4), o que sucedeu pelo menos em 28/1/2019. 6 – A Ré pagou à Autora o valor de € 2.000,00 com vista ao pagamento da fatura referida em 4), o que sucedeu no final de janeiro de 2019, através de cheque da Ré datado de 28/1/2019. 7 – A Ré, através da respetiva advogada Dra. (…), remeteu à Autora, em 3/10/2019, a carta junta como doc. 2 do requerimento da Autora de 21/10/2022 e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, através da qual, entre outros, comunicou a Ré que devolvia à Autora a fatura referida em 4) por não concordar com os valores faturados, considerando ser a Ré credora da Autora do valor de € 2.500,00.» II.3.2. Factos não provados O tribunal de primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade: A – A Ré efetuou o pagamento à Autora de € 2.000,00, por transferência bancária, no dia 30 de setembro de 2019, nem que tal tenha sucedido por acordo entre as partes; B –A Ré pagou à Autora, em numerário, o remanescente do valor da fatura referida em 4), ou seja, € 8.444,06 em numerário, nem que tal tenha sucedido por acordo entre as partes e dentro do prazo de pagamento acordado entre as partes; C – Foi com elevada estranheza e grande surpresa que a Ré recebeu o requerimento injuntivo dos autos, pois já tinha pago a totalidade do preço contratado há mais de 3 anos e nunca recebeu qualquer informação em contrário; D – A Autora sabe não ter direito ao pagamento das quantias peticionadas nos autos, sabendo que já recebeu a totalidade do preço acordado e que inexiste e inexistiu qualquer mora da Ré, tendo a Autora decidido enriquecer à custa da Ré; E –A Ré bem sabe que nada pagou à Autora em troca dos serviços por esta prestados; F –A Ré bem sabe que nenhum valor pagou à Autora em numerário; G –A Ré bem sabe que não tem direito ao benefício que pretende de ser absolvida nestes autos, e que se encontra a faltar intencionalmente à verdade. Apreciação do objeto do recurso II.4.1. Impugnação da decisão de facto Na impugnação da decisão de facto visa-se obter uma reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, ou seja, apurar se determinados factos foram incorretamente julgados, ou por terem sido indevidamente considerados assentes quando deveriam ter sido julgados não provados, ou por terem sido considerados não provados quando deveriam ter sido considerados assentes (artigo 662.º, n.º 1, do CPC). Liminarmente se dirá que a impugnação da decisão de facto pressupõe o cumprimento dos ónus previstos no artigo 644.º do Código de Processo Civil[1], de forma a, por um lado, delimitar o âmbito do recurso e, de outro, a permitir o exercício do contraditório pela parte contrária porquanto só quando se sabe especificamente o que é impugnado e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo. O regime legal previsto no normativo legal supra citado impõe que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados relativos a cada um dos factos impugnados que imporiam uma solução diversa e o resultado pretendido relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, sob pena de rejeição da impugnação da decisão de facto, logo, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento. Não basta, pois, que o apelante impugne em bloco factualidade julgada provada ou não provada, tendo, ao invés, de concretizar quanto a cada um dos factos impugnados os concretos meios probatórios que, quanto a cada um dos factos imporiam um julgamento diverso. E aquele diploma legal impõe, igualmente, a enunciação das razões que, atentos os meios de prova produzidos – e que têm de ser especificado – imporiam uma solução diversa. No âmbito da impugnação da decisão de facto o tribunal ad quem deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, dentro dos seus poderes de livre apreciação da prova, deve introduzir na decisão da matéria de facto concretamente impugnada as modificações que entenda serem justificas. Contudo, o tribunal de segunda instância só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto quando os elementos de prova produzidos imponham forçosamente, ou seja, sem margem para quaisquer dúvidas, outra decisão que não aquela que foi proferida pelo tribunal recorrido, não bastando que o apelante tenha uma interpretação ou avaliação diferentes da prova produzida a propósito dos factos concretamente impugnados. Dito isto, e voltando ao caso em apreço, nesta sede a impugnante/apelante põe em causa o julgamento dos factos provados n.ºs 3 e 7 e dos pontos B, C e D do elenco dos factos não provados, pretendendo, também, que seja aditada factualidade que infra se concretizará. Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor: «3 – Na prossecução do seu objeto social, a Autora realizou e prestou à Ré os serviços por esta solicitados e contratados, designadamente, fornecimento de material elétrico e serviços de instalação e reparação elétrica em prédio sito em Armação de Pêra, concelho de Silves, o que totalizou o valor de € 10.444,06, titulado pela fatura da Autora n.º 1/189»; «7 – A Ré, através da respetiva advogada Dr.ª Raquel Torres, remeteu à Autora, em 3/10/2019, a carta junta como doc. 2 do requerimento da Autora de 21/10/2022 e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, através da qual, entre outros, comunicou a Ré que devolvia à Autora a fatura referida em 4) por não concordar com os valores faturados, considerando ser a Ré credora da Autora do valor de € 2.500,00»; «B – A Ré pagou à Autora, em numerário, o remanescente do valor da fatura referida em 4), ou seja, € 8.444,06 em numerário, nem que tal tenha sucedido por acordo entre as partes e dentro do prazo de pagamento acordado entre as partes»; «C – Foi com elevada estranheza e grande surpresa que a Ré recebeu o requerimento injuntivo dos autos, pois já tinha pago a totalidade do preço contratado há mais de 3 anos e nunca recebeu qualquer informação em contrário»; «D – A Autora sabe não ter direito ao pagamento das quantias peticionadas nos autos, sabendo que já recebeu a totalidade do preço acordado e que inexiste e inexistiu qualquer mora da Ré, tendo a Autora decidido enriquecer à custa da Ré». No que respeita ao facto provado n.º 3 resulta da impugnação da apelante que o julgamento do mesmo como não provado resulta da alteração que ela propõe quanto aos demais factos impugnados e do aditamento de factualidade que ela entende ter resultado dos meios probatórios produzidos nos autos. Olvida, porém, que ela própria confessou no seu requerimento de oposição à injunção a factualidade contida naquele enunciado n.º 3 (como assim o julgou o tribunal recorrido[2]). Com efeito, na sua oposição à injunção a ré afirmou ter contratado os serviços da requerente que deram azo à fatura n.º 1/189 (cfr. artigo 8.º), acrescentando, ainda, que «por acordo das partes, efetuou o pagamento de € 2.000,00 por transferência bancária, no dia 30 de setembro de 2019, tendo liquidado o remanescente do preço em numerário» (cfr. artigo 9.º) e que «efetuou o pagamento da totalidade dos serviços que contratou à ré» (cfr. artigo 10.º), afirmações que contêm em si mesmas uma confissão do valor quer era devido à autora pelos serviços contratados e que lhe foram prestados pela autora. Acresce que aquilo que está em causa no enunciado em questão (ponto de facto provado n.º 3) é, tão só, a prestação pela apelada dos serviços ali identificados e o fornecimento do material a que ali se alude, bem como o respetivo valor global e não também se o valor titulado pela fatura n.º 1/189 foi, ou não, pago na sua totalidade e se quando aquela fatura foi emitida já não era devido o valor de € 10.444,06, eventualmente por terem sido realizados pagamentos parcelares pela apelante, sendo que esta matéria está contemplada em outros pontos de facto. Por todo o exposto, improcede a presente impugnação quanto ao ponto de facto provado n.º 3. * Facto provado n.º 7 – A Ré, através da respetiva advogada Dra. (…), remeteu à Autora, em 3/10/2019, a carta junta como doc. 2 do requerimento da Autora de 21/10/2022 e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, através da qual, entre outros, comunicou a Ré que devolvia à Autora a fatura referida em 4) por não concordar com os valores faturados, considerando ser a Ré credora da Autora do valor de € 2.500,00». Está em causa no presente enunciado de facto tão só o envio de uma carta à autora pela sra. advogada ali identificada em representação da ré e o respetivo teor. No que a este ponto de facto provado respeita diz-se o seguinte na sentença sob recurso o seguinte: «Sendo certo que a circunstância da Ré ter sido interpelada pela Autora para pagamento da fatura n.º 1/189 mostra-se inexorável e irrefutável, perante o teor da carta que a própria advogada da Ré remeteu à Autora em 3/10/2019 e que foi junta como doc. 2 do requerimento da Autora de 21/10/2022. Sendo que, face a tal carta junta aos autos, que o gerente da Ré admitiu em juízo ter sido enviada à Autora, provou-se o facto 7). Sendo que, face a tal carta junta aos autos, que o gerente da Ré admitiu em juízo ter sido enviada à Autora, provou-se o facto 7)». Ora, nenhum dos meios de prova indicados pela apelante permitem pôr em causa o julgamento do enunciado de facto em questão. Pelo que se julga improcedente este segmento da impugnação. * Factos não provados enunciados sob as alíneas b), c) e d)Os três factos em apreço relacionam-se com um suposto pagamento pela apelante da totalidade do valor dos trabalhos realizados pela autora e dos materiais fornecidos pela mesma, pelo que serão aqui analisados em conjunto. Na alínea B) foi julgado não provado pelo tribunal de primeira instância que «A ré pagou à autora em numerário, o remanescente do valor da fatura referida em 4), ou seja, € 8.444,06, em numerário, e que tal sucedeu por acordo entre as partes». Estando julgado provado que o valor global dos trabalhos e materiais prestados e fornecidos pela autora à ré, e que estão em causa nos autos, ascenderam ao valor global de € 10. 444,06 (valor titulado pela fatura n.º 1/189) (cfr. facto provado n.º 1) e que a ré pagou por conta daquele valor global o montante de € 2.000,00 através de cheque datado de 28/01/2019 (cfr. facto provado n.º 6), o que está em causa na alínea b) do elenco dos factos provados é o pagamento da diferença entre aqueles dois valores, que a apelante diz ter pago à apelada, em numerário. A propósito extrai-se da fundamentação da sentença recorrida o seguinte trecho: «(…) a versão alegada nos autos pela Ré no sentido do facto B) não se provou por ausência de prova nos autos suficientemente convincente nesse sentido. Com efeito, o pagamento de um valor tão elevado como € 8.444,06 através da entrega direta de dinheiro, em numerário, à Autora pelo gerente da Ré (conforme este relatou em juízo), mostra-se logo, em abstrato, bastante duvidoso e improvável à luz das regras da experiência comum, pois através de tal modo de pagamento o devedor, ora Ré, nunca possuiria meio indiscutível de provar que já procedeu ao pagamento da dívida, arriscando-se a que o credor lhe venha exigir segunda vez o mesmo valor, sendo que não cremos que um empresário tão experiente (de idade já bastante madura) como o gerente da Ré fosse cair na ingenuidade e inocência de fazer tal tipo de pagamentos não documentados, dado estarmos a falar de valores bastante elevados. Reforçando a nossa convicção nesse sentido o facto de terem sido juntos aos autos três cheques emitidos pela Ré em benefício da Autora (cheque no valor de € 2.000,00 já supra referido; e dois cheques nos valores de € 3.000,00 e de € 1.515,23 juntos aos autos como doc. 2 e 3 durante a audiência realizada em 29/11/2023), o que se mostra revelador de que o método habitual de pagamento pela Ré na relação negocial entre as partes era a utilização de cheques, e não o pagamento em numerário. E isso foi confirmado no depoimento do gerente da Autora, que negou ter recebido algum valor em dinheiro da parte da Ré, afirmando que os pagamentos da Ré foram feitos através de cheques e que nenhum outro valor foi pago pela Ré relativamente à fatura peticionada nos autos (para além de € 2.000,00 por cheque), sendo que corroborou a sua versão dos factos a testemunha (…). Ademais, a versão factual da Autora, no sentido de que a Ré não procedeu ao pagamento de qualquer outro valor por conta da fatura peticionada nos autos (para além dos € 2.000,00 que a Autora acabou por confessar no início do julgamento), mostra-se também mais provável de ser verdadeira do que a versão contrária da Ré (no sentido do pagamento em numerário do remanescente da fatura), à luz das regras da experiência comum e da lógica, face ao teor da carta da advogada da Ré remetida à Autora em 3/10/2019 (junta como doc. 2 do requerimento da Autora de 21/10/2022), dado que em tal carta a Ré jamais alegou que a fatura n.º 1/189 se encontrava já totalmente paga (nomeadamente em numerário), mas antes manifestou a Ré não concordar com os valores peticionados pela Autora em tal fatura, nomeadamente por considerá-los aparentemente excessivos, por “desproporcionados e desajustados”. Ora, se a Ré não concordava com os valores cobrados pela Autora na fatura n.º 1/189, por considerá-los excessivos, mostra-se pouco provável e implausível que a Ré tenha procedido ao pagamento integral à Autora do valor de tal fatura, nomeadamente através da suposta entrega direta de numerário à Autora, entrega essa, aliás, que em termos de concretos valores pecuniários entregues, datas das entregas e quantidade de entregas de dinheiro, o gerente da Ré também nunca conseguiu explicar de forma clara, segura e minuciosa em juízo, o que também não credibilizou a sua versão dos factos. Sendo, ainda, de referir que o gerente da Autora explicou de forma clara, segura e plausível em juízo que foram prestados outros serviços pela Autora à Ré para além daqueles que estão subjacentes à fatura peticionada nos autos – em data anterior aos serviços em causa nos autos –, e que foi para pagamento de tais outros serviços, e respetivas outras duas faturas emitidas pela Autora, que a Ré passou em benefício da Autora, no ano de 2018, os outros dois cheques nos valores de € 3.000,00 e de € 1.515,23 (que foram juntos aos autos como docs. 2 e 3 durante a audiência realizada em 29/11/2023), nenhuma relação tendo esses outros pagamentos da Ré (por cheques de 2018) com o pagamento da fatura n.º 1/189 peticionada nos autos; versão essa que se mostrou verosímil, tanto mais que a Ré na sua oposição não invocou tais pagamentos feitos por cheques do anos de 2018 como se destinando ao pagamento da fatura peticionada nos autos. E, por último, a veracidade da versão da Ré implicaria que a Autora teria vindo litigar nestes autos, gastando tempo e recursos, e expondo-se à justa ira, animosidade e indignação da demandada, meramente para, de forma totalmente desonesta, vir cobrar em dobro à Ré um valor que já antes estaria pago, o que se mostra uma situação que, não sendo impossível, certamente se mostrará bastante rara e improvável, exigindo um despudor e desfaçatez do demandante totalmente incomum e invulgar. Termos em que, face a tudo o supra exposto, conjugado entre si à luz das regras da experiência comum, não considerámos suficientemente convincente a versão da Ré no sentido do facto B), que assim não se provou, no mínimo pela existência de dúvida sobre a sua correspondência ou não à realidade – sendo que cabia à Ré o ónus da prova do pagamento da fatura peticionada nos autos –, tendo a prova produzida em benefício da versão da Autora se mostrado mais plausível e convincente que a versão dos factos apresentada pelo gerente da Ré, com o apoio das testemunhas arroladas nos autos pela Ré. Sendo evidente que, face à ausência de prova da versão da Ré, este Tribunal não ficou convencido no sentido da veracidade dos factos C) e D)». Improcedendo a impugnação quanto à alínea B), improcede a impugnação quanto às alíneas C) e D), cujo sucesso dependia da procedência da impugnação quanto ao julgamento da alínea b). Não nos merece qualquer censura este julgamento empreendido pelo tribunal a quo, para além de que os meios probatórios indicados pela apelante para sustentar o julgamento de que terá efetuado o pagamento à autora de € 8.444,06, sempre em numerário, não são suficientes para impor outro julgamento diverso daquele que foi realizado pelo tribunal recorrido. Em face do exposto, improcede o segmento da impugnação quanto ao ponto de facto não provado enunciado sob a alínea b) e, consequentemente, a impugnação relativa às alíneas c) e d) porque esta última dependia do sucesso da primeira. * Aditamento à matéria de facto provadaPretende a apelante que seja julgada provada a seguinte factualidade que diz ter resultado dos meios de prova que invoca: - «Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de empreitada, embora não reduzido a escrito, tendo a autora iniciado os seus trabalhos na obra da Ré em data não concretamente apurada, mas durante o mês de maio de 2018»; - «A Autora terminou os seus trabalhos na obra da Ré em data não concretamente apurada, mas durante o mês e novembro de 2018»; - «A autora não elaborou nem entregou qualquer orçamento à ré no âmbito da relação de empreitada». Que dizer? A impugnação da decisão de facto não se justifica de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida. Isto é, a impugnação do julgamento de facto assume um caráter instrumental face àquela impugnação na medida em que visa modificar o julgamento operado sobre os factos que se consideram incorretamente julgados para, face à nova realidade fática resultante daquela impugnação, se conseguir obter a modificação da decisão de mérito anteriormente alcançada. Dito de outra forma, e em síntese, a impugnação da decisão de facto há-de permitir obter um efeito juridicamente útil ou relevante. Consequentemente, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos que são objeto da impugnação, incluindo os factos que constituem objeto da ampliação pretendida, forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, logo, proibida por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais – assim, entre outros, Ac. do STJ de 19.05.2021, processo n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 e Ac. Relação de Coimbra de 27/05/2014, proc. n.º 1024/12.0T2AVR.C1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt. No caso concreto a factualidade em causa – que, para além de conter a qualificação jurídica do contrato, alude à falta de forma escrita do contrato celebrado entre as partes, à falta de elaboração de qualquer orçamento por banda da Autora e ao início e terminus dos trabalhos convencionados – mostra-se irrelevante para a decisão do presente recurso, através do qual a apelante pretende pôr em causa o julgamento do tribunal de primeira instância que decidiu que a apelante/ré não pagou integralmente o valor devido pela prestação dos serviços e pelo fornecimento dos trabalhos realizados pela autora/apelada. E, por essa razão, se indefere o aditamento da factualidade em causa. * DECISÃO:* Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente a impugnação da decisão de facto. II.4.2. Reapreciação do mérito da decisão No caso em apreço, a apelante pretende que seja revogada a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e, nessa conformidade, que ela-apelante seja absolvida de todos os pedidos. Defendeu a apelante que estão em causa duas versões opostas, defendidas, respetivamente, pelos legais representantes da autora e da ré, a saber, que o valor faturado é devido e que o valor faturado não é devido porque já foram pagos todos os trabalhos. Como se extrai da motivação e das conclusões de recurso, a solução da apelante defendida por esta no seu recurso assenta exclusivamente na modificação da decisão de facto, e essencialmente no sentido de ser julgado provado que (para além do valor de € 2.000,00 a que alude o ponto de facto provado n.º 6, que não se mostra impugnado), a ré/apelante pagou à autora, em numerário, o remanescente da fatura n.º (…), concretamente, o montante de € 8.444,06, dentro do prazo que foi acordado pelas partes para a realização do pagamento. Considerando que a apelante não defende qualquer alteração da decisão proferida no pressuposto da não modificação da decisão de facto, impõe-se concluir que a improcedência da impugnação da decisão de facto gera a improcedência total da apelação. Nesta conformidade, improcede totalmente a apelação. Sumário: (…) III. DECISÃO Em face do exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida. As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da apelante, sendo que a este título nenhum pagamento é aqui devido, uma vez que a taxa de justiça devida pelo impulso processual se mostra paga, não houve encargos e como não houve resposta às alegações de recurso, não há lugar, na presente instância, ao pagamento de custas de parte. Notifique. DN. Évora, 5 de junho de 2025 Cristina Dá Mesquita Maria Domingas Simões José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho __________________________________________________ [1] Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o seguinte: «1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3- O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º». [2] Consta da fundamentação da sentença recorrida a propósito deste enunciado de facto a seguinte fundamentação: «O facto provado 3) foi também confessado pela Ré na sua oposição (cfr. respetivos artigos 1.º e 8.º), tendo esta admitido que solicitou à Autora, e que esta lhe prestou, os trabalhos que estão subjacentes e que motivaram a emissão pela Autora da fatura n.º 1/189, fatura essa junta como doc. 3 do requerimento da Autora de 21/10/2022. Sendo que a prestação de tais trabalhos sempre resultaria provada em função das declarações em julgamento nesse sentido dos sócios-gerentes da Autora e da Ré – respetivamente, (…) e (…), tendo este admitido que os trabalhos constantes da factura peticionada nos autos foram prestados à Ré –, que o relataram de forma concordante entre si. O que se mostrou ainda corroborado pelos depoimentos das testemunhas (…) – eletricista, que trabalhou na Autora entre 2017/2018 até 2022/2023, sendo filho do gerente da Autora, e que relatou ter auxiliado o seu pai nos trabalhos da Autora em causa nos autos para a Ré –, (…) – companheira em união de facto há 27 anos do gerente da Ré, e antiga funcionária da Ré como emprega de escritório e também de mesa e de bar –, e (…) – amigo do gerente da Ré há mais de 10 anos, sendo empresário na área da restauração e da construção civil, relatando ter sido a pessoa que apresentou o gerente da Autora ao gerente da Ré, referindo que o gerente da Autora também já lhe prestou serviço de eletricista». |