Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA JOSÉ CORTES | ||
| Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU REQUISITOS DE FORMA FACTUALIDADE IMPUTADA | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I - As exigências de forma a que tem de obedecer o Mandado de Detenção Europeu não atingem o grau de exigência de uma “acusação” em processo penal, devendo apenas conter a descrição factual das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada. II - No entanto, tal descrição não terá de ser exaustiva, sendo de a reputar como suficiente quando permita apreender o circunstancialismo do crime imputado, aferir da legalidade da execução do Mandado de Detenção Europeu, da extensão do princípio da especialidade e permitir o exercício do direito de defesa. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO 1.1. A Exa. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer, ao abrigo do disposto dos art.ºs 1.º, n.º 1, 2.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 3, 4.º, 15.º, n.ºs 1 e 2, 16.º, n.º 1, e 18.º, todos da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, a execução do Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, Tribunal de Instancia de Arganda del Rey no âmbito do processo n.º DP 435/2025, para entrega para procedimento criminal de R, de nacionalidade portuguesa, residente na (…..), o que fez nos termos seguintes: 1. O(a) Mmº(ª) Juiz(a) do Tribunal de Instancia de Arganda del Rey, no âmbito do processo em sede de investigação, emitiu um MDE/ formulário “A” SIS, contra o requerido. 2. A execução do MDE/ formulário “A” SIS visa a entrega do(a) requerido(a) à autoridade judiciária emitente para efeitos de procedimento criminal pela prática de dois crimes de homicídio qualificado (um na forma tentada), p. e p., no país de emissão, com a pena de prisão de 15 anos por cada um dos crimes, atento o disposto nos art.ºs 138.º, do Código Penal Espanhol. 3. Este(s) crime(s), estão também p. e p. na lei penal portuguesa, concretamente no art.º 131.º e 132, n.º 1, do Código Penal, com pena de prisão de 12 a 25 anos. 4. Tais infrações penais foram indiciariamente cometidas no dia 27.03.2025, em Madrid, Espanha, porquanto o mesmo foi identificado como sendo o autor da morte, antecedida de tortura, de M e de V, como melhor se descreve no MDE – dando-se aqui por integralmente reproduzido e para todos os efeitos legais o mesmo. 5. O requerido foi detido pelas 7h50, do dia 11/11/2025, em (…..). 6. De momento, não se afigura existirem os motivos que exijam a não execução obrigatória ou permitam a não execução facultativa do MDE/ formulário “A” SIS (art.º 11.º e 12.º da Lei 65/2003, de 23/8. 7. Os restantes requisitos formais e substanciais para a execução deste MDE/ formulário “A” SIS, constantes da Lei 65/2003, estão verificados e este Tribunal é o competente. * 1.2. Detido em 11 de novembro de 2025, foi o requerido ouvido neste Tribunal no dia 12 de novembro de 2025, declarando então não consentir na sua entrega ao Estado requerente e, bem assim, não renunciar ao benefício da regra da especialidade, tendo sido proferido despacho que manteve a sua detenção, ficando nesta condição a aguardar os ulteriores do processo e lhe concedeu prazo para deduzir oposição.* 1.3. No prazo que, para tanto, lhe foi concedido, o requerido deduziu oposição à execução do mandado, alegando, em apertada síntese, o seguinte que:a) Se reconheça e se repare a irregularidade consistente na não anexação de qualquer mandado nacional ao formulário, em violação do art.º 3.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 65/2003, de 23/8, na medida em que tal formulário do MDE deva conter a indicação da existência da decisão judiciária ou mandado de detenção nacional, solicitando-se à entidade emissora do MDE o competente mandado de detenção nacional; b) A deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu, determinando a entrega do requerido às autoridades judiciárias do Reino de Espanha, para efeitos de procedimento criminal, pelos factos mencionados no mandado de detenção, consigne que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade. c) A execução da entrega referida em b) fique sujeita à condição de a autoridade judiciária do Reino de Espanha, enquanto Estado de emissão, prestar garantia de que o requerido será devolvido a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenado em Espanha. * 1.4. O Exo. Senhor Procurador Geral Adjunto pronunciou-se acerca da oposição deduzida pelo requerido pedindo que se declare totalmente improcedente a oposição deduzida, deferir o requerido pelo Ministério Público, determinando a execução do presente Mandado de Detenção Europeu e ordenando a entrega do requerido à autoridade judiciária requerente do Reino de Espanha.II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Saneamento O Tribunal é o competente (art.º 15.º da Lei 65/2003, de 23 de agosto) Nada obsta a que se decida. * 2.2. Factos considerados provados1. R, cidadão português, foi apresentado no Tribunal, em dia 12 de novembro de 2025, por ser pedida a sua entrega para efeitos de procedimento criminal por factos puníveis pela lei do Estado membro emitente com pena privativa de liberdade cujo máximo será de 15 (quinze) anos por cada um dos dois crimes que lhe são imputados integram crime elencado na alínea o), do n.º 2, do art.º 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto (um crime de homicídio e um crime de homicídio na forma tentada). 2. Após ser informado da existência e conteúdo do Mandado de Detenção Europeu, bem como da possibilidade de consentir em ser entregue à autoridade judicial do Reino de Espanha e de renunciar à regra da especialidade, disse não consentir na entrega e não renunciar à regra da especialidade; 3. No prazo que lhe foi concedido para esse efeito, deduziu oposição. 4. Segundo o conteúdo dos mandados, é R procurado para efeitos de procedimento criminal por factos suscetíveis de integrarem a prática, por aquele, como autor de um crime de homicídio e de um crime de homicídio na forma tentada, previstos e puníveis nos termos do art.º 138.º, do Código Penal espanhol, puníveis com pena de prisão cujo máximo será de 15 anos, crime que se consubstanciará na prática, por R, dos seguintes factos: i. Em 27 de março de 2025, às 04h45, dentro da casa localizada na (…..), (Madrid), foram encontradas duas vítimas: M (falecido), conhecido como M, e V. ii. O primeiro foi encontrado sentado numa cadeira com vários impactos de bala no corpo, apresentando no pulso direito uma abraçadeira plástica branca quebrada, tendo ambos os pulsos cortes compatíveis com o uso de abraçadeiras; iii. O segundo apresentava ferimento na perna esquerda, na altura da coxa, causado por arma de fogo, estando na sua mão esquerda uma abraçadeira plástica branca e outras duas abraçadeiras já cortadas ao seu redor; iv. Investiga-se, portanto, se os factos poderiam constituir dois crimes de homicídio, um consumado e outro tentado; v. Das medidas tomadas até agora, parecem existir quatro supostos autores: um deles é L, reconhecido por V através de fotografias como uma das duas pessoas que, na madrugada de 27 de março de 2025, se encontrava na casa localizada na (…..), (Madrid), estando dentro da mesma; vi. Não se verifica qualquer causa extintiva do procedimento criminal pelo crime referido. * 2.3. Questões a decidir Importa verificar se se verifica a irregularidade arguida pelo requerido e se existe motivo de recusa de execução facultativa do mandado de detenção europeu com fundamento nas causas previstas no art.º 12.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto e, em caso afirmativo, quais as consequências a extrair. 2.3.2. Fundamentação de Direito Dispõe o art.º 1.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, sob a epígrafe “noção e efeitos”, que: “1 – O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2 – O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro n.º 2002/548/JAI, do Conselho, de 13 de Junho”. A Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu, em cumprimento da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho. O mandado de detenção europeu (MDE) previsto na referida Decisão Quadro de 2002 constitui a primeira concretização, no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, princípio considerado pelo Conselho Europeu como a “pedra angular” da cooperação judiciária, tratando-se de um mecanismo que tem por base um elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, substituindo, nas relações entre si, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição. E traduz-se essencialmente no facto de se reconhecer e aceitar que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária competente de um Estado-membro, em conformidade com o ordenamento jurídico deste Estado, tem efeito pleno e direto sobre o conjunto do território da União, daí decorrendo que as autoridades competentes dos 27 Estados-membro onde a decisão pode ser executada devem prestar toda a sua colaboração à execução de tal decisão como se proviesse deste mesmo Estado. Conforme escreveu o Senhor Juiz Conselheiro Maia Costa no acórdão do STJ, de 23.11.2006, disponível em www.dgsi.pt: “O MDE funda-se e constitui a primeira manifestação legislativa do princípio do reconhecimento mútuo, que assenta, por sua vez, na ideia de confiança mútua entre os Estados-Membros da União Europeia e destina-se a substituir integralmente o anterior procedimento da extradição, que assenta precisamente na ideia oposta de "desconfiança", ou "dúvida", como princípio. O princípio do reconhecimento mútuo significa que uma decisão judicial tomada pela autoridade judiciária de um Estado-Membro, segundo a sua lei, é exequível directamente pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro. "Segundo o princípio, uma decisão tomada por uma autoridade judiciária de um Estado-Membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional." (Ricardo Jorge Bragança de Matos, O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14º, nº 3, pp. 327-328; sobre a matéria ver também, Anabela Miranda Rodrigues, O mandado de detenção europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13º, nº 1, pp. 32-33). O MDE, em suma, constitui um instrumento superior de cooperação judiciária, específico do espaço da União Europeia, distinto da extradição, porquanto assente no princípio do reconhecimento mútuo. Um procedimento inteiramente juridicizado/judicializado. Juridicizado porque não há qualquer juízo de oportunidade política na decisão. Judicializado porque a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, sem qualquer intervenção do poder executivo”. E quanto ao processo de decisão sobre a execução de um mandado de detenção europeu verifica-se que o mesmo se traduz num procedimento relativamente simplificado, que passa, essencialmente, pela apreciação da suficiência das informações e da regularidade do mandado (conteúdo e forma), pela detenção e audição da pessoa procurada e pela decisão sobre a execução requerida, decisão que deverá ser de imediato comunicada à Autoridade que emitiu tal MDE. O princípio do reconhecimento das decisões proferidas por tribunais pertencentes aos Estados integrante da União europeia é um dos princípios basilares da construção jurídica da União Europeia como espaço territorial regido pelo rule of law. Neste sentido, o mandado de Detenção Europeu visa duas finalidades: (i) a detenção e entrega por outro Estado membro, de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal, ou (ii) cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade. O requerido R suscita as seguintes questões na sua oposição: 1.ª Irregularidade do MDE, por violação do disposto no 3.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, invocando que não se encontra anexado qualquer mandado nacional ao formulário A do MDE. Dispõe o art.º 3.º, n.º 1 e suas alíneas: “1 - O mandado de detenção europeu contém as seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário em anexo: a) Identidade e nacionalidade da pessoa procurada; b) Nome, endereço, número de telefone e de fax e endereço de correio electrónico da autoridade judiciária de emissão; c) Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva nos casos previstos nos artigos 1.º e 2.º; d) Natureza e qualificação jurídica da infracção, tendo, nomeadamente, em conta o disposto no artigo 2.º; e) Descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada; f) Pena proferida, caso se trate de uma sentença transitada em julgado, ou a medida da pena prevista pela lei do Estado membro de emissão para essa infracção; g) Na medida do possível, as outras consequências da infracção.” Num primeiro momento, cabe dizer que da análise dos autos, resulta que em 28 de outubro de 2025 foi emitida uma ordem judicial no âmbito do processo DP 435/2025, do Tribunal de Instância Arganda del Rey – Plaza 10 e com indicação da Magistrada espanhola responsável pela emissão dessa ordem. Consta, ainda, a descrição dos factos e circunstâncias de tempo, modo e lugar onde os mesmos ocorreram, assim como a responsabilidade penal alegadamente imputada ao requerido. Por fim, saliente-se que aquela alínea c) daquele preceito se basta com a indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva, não refere que tem que se encontrar anexado qualquer mandado nacional ao formulário. Ainda que assim não fosse, e se constatasse a existência de uma irregularidade ou insuficiências de natureza formal, por inobservância dos requisitos no art.º 3.º da Lei n.º 65/2003, a mesma estava sanada, dado que o requerido esteve presente na diligência de 12 de novembro de 2025, acompanhado do seu ilustre Mandatário, e nada requereu a este propósito, pelo que, a aplicar-se a norma indicada, sempre teria que invocar a referida irregularidade nesse momento (em conformidade com o disposto no art.º 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do art.º 34.º, da Lei 65/2003, de 23.08), o que não fez e, independentemente disso, a mesma não constitui causa de recusa da execução do MDE [neste sentido, e, como vem decidindo uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça, os acórdãos de 09.08.2013, proferido no processo n.º 750/13.1YRLSB.SI, de 28.08.2015, proferido no processo n.º 754/15.0YRLSB.S2, e de 09.05.2012, proferido no processo n.º 27/12.0YRCBR.S1]. Como se lê no segundo acórdão citado “este Supremo Tribunal concluiu «não procede[r] a oposição à execução do mandado de detenção europeu com base na insuficiência da descrição dos factos imputados à pessoa visada, quando eles são susceptíveis de ser por ela entendidos» e, mais recentemente, que «a ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o art.º 3.º da Lei 65/2003, de 23-08, não é causa de recusa obrigatória ou de recusa facultativa, previstas, respectivamente, nos seus arts. 11.º e 12.º», envolvendo «a falta desses requisitos (…) uma irregularidade sanável, nos termos do art. 123.º do CPP, aplicável subsidiariamente por força do art. 34.º da Lei 65/2003, de 23-08 (…)»” No caso em apreço, no MDE consta a identificação pessoal do requerido, a sua morada conhecida, as infrações criminais que se mostram indiciadas (a sua participação como AUTOR), a legislação aplicável e as respetivas penas máximas, a data e locais dos factos De facto, as exigências de forma a que deverá obedecer o MDE não atingem o grau de exigência de uma acusação. O MDE deverá conter a descrição factual das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada (art.º 3.º, n.º 1, al. e) da Lei 65/2003). No entanto, tal descrição não terá de ser exaustiva, sendo de a reputar como suficiente quando permita apreender o circunstancialismo do crime imputado, aferir da legalidade da execução do MDE, da extensão do princípio da especialidade e permitir o exercício do direito de defesa. Ora, da factualidade vertida no MDE e da informação complementar junta, resultam claros, em nosso entender, os factos de que o requerido é suspeito ter cometido, encontra-se devidamente circunscrito e determinado o período temporal em que os mesmos alegadamente ocorreram, e bem assim o lugar em que se consideram cometidas as infrações. * 2.ª O princípio da especialidadeEntende o requerido que a deferir-se a execução do Mandado de Detenção Europeu, determinando a entrega do requerido às autoridades judiciárias do Reino de Espanha, para efeitos de procedimento criminal, pelos factos mencionados no mandado de detenção, consigne que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade. Como bem refere o Exo. Senhor Procurador no seu douto Parecer “parece-nos redundante dizer-se (…) que o requerido não será julgado por crime diverso do que fundamenta o “MDE” (homicídio). Com efeito, o requerido não renunciou ao princípio da especialidade e, como é consabido, isso implica que o requerido não seja julgado no estado-requerente por outro crime que não seja aquele que consta do “MDE”.” Porém, não vemos nenhum óbice, caso seja ordenada a execução do presente MDE, a que fique consignado que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade. * 3.ª Entrega condicionada Pretende o requerido que a execução da sua entrega ao Estado emissor, Reino de Espanha, fique sujeita à condição de a autoridade judiciária daquele, enquanto Estado de emissão, prestar garantia de que o requerido será devolvido a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser ali condenado. Antes de avançarmos para o conhecimento desta questão, não podemos deixar de relevar e de concluir que o requerido, apesar da oposição deduzida, não invocou qualquer motivo suscetível de integrar causa de recusa de entrega, obrigatória ou facultativa. Ao abrigo do disposto no art.º 21.º, n.º 2, da Lei 65/2003 de 23 de agosto, a oposição do requerido ao mandado de detenção europeu apenas pode ter como fundamento o erro na identidade do detido, ou a existência de uma causa de recusa de execução do mandado em causa. As causas de recusa facultativa da execução de um MDE, consagradas nas várias alíneas do n.º 1, do art.º 12.º, da Lei 65/03 estão ligadas à soberania penal do Estado de execução, à efetividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo de proteção dos seus nacionais ou de pessoas que relevam da sua jurisdição [acórdão do STJ, de 10.09.2009, processo n.º 134/09, 3.ª Secção). In casu, nem o recorrente invocou qualquer motivo suscetível de integrar causa de recusa de entrega, obrigatória ou facultativa, nem dos elementos decorrentes dos autos, autoriza o Estado Português a recusar a execução do mesmo. Neste segmento da oposição apela, antes, o requerido à aplicação do preceituado na alínea b), do art.º 13.º, da Lei 65/2003, pois tem nacionalidade portuguesa e sempre residiu, com caracter habitual e permanente, em Portugal, razão pela qual o Estado de emissão deverá prestar a garantia de que o requerido, será devolvido ao Estado português – o Estado de execução –, para que nela cumpra a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenado em Espanha. Com efeito, o art.º 13.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, trata das garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais indicados na norma, garantias que se assumem como uma dimensão da dignidade da pessoa arguida e respetivos direitos fundamentais, entre os quais avulta o acesso ao direito e a um julgamento justo, explicitados juridicamente em termos processuais penais no exercício do princípio do contraditório e no princípio da presunção de inocência. Estabelece o citado artigo, da Lei 65/2003, de 23.08, sob a epígrafe “Garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais” que: “1 - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar uma das seguintes garantias: a) Quando a infração que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado-Membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado-Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada; b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado-Membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado-Membro de emissão. (…)” As garantias de que trata o citado preceito representam ainda um modo de cooperação entre Estados-Membros da União Europeia, aos quais se reconhece um exercício da soberania nacional em casos que envolvem uma dimensão da dignidade da pessoa e respetivos direitos fundamentais [n.º 1, alínea a)] ou em que estão em causa cidadãos nacionais ou residentes no Estado de execução [n.º 1, al. b)]. In casu, solicita-se a entrega do requerido para procedimento criminal e o Reino de Espanha não prestou tais garantias como ressalta do formulário do MDE junto aos autos. Pelo que, nestes casos, e porque se trata de cidadão nacional de Portugal, por regra deve haver lugar à sua prestação, por parte do Estado-Membro requerente, da garantia prevista no n.º 3, do art.º 5.º, da Lei-Quadro 2002/584/JAI, transposta para o nosso ordenamento jurídico na alínea b), do n.º 1, do art.º 13.º, da Lei n.º 65/03 de 23.08, no sentido de a pessoa procurada ser devolvida ao seu país de origem ou de residência, para cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade, caso venha a ser condenada no julgamento relativo ao procedimento criminal que gera o MDE [acórdãos do STJ, de 20.06.2012, proferido no processo n.º 445/12.3YRLSB.S e de 29.02.2024, processo n.º 3669/23.4YRLSB.S1). Por fim, salienta-se que a garantia não necessita de ser prestada antes da decisão de entrega, ficando esta, no entanto, condicionada à sua prestação. Sendo assim, procedendo parcialmente a oposição deduzida pelo requerido, por não consubstanciar qualquer causa de recusa do presente MDE, a execução do mesmo fica condicionado à prestação da garantia indicada. III - DECISÃO Em conformidade com o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª Subsecção Criminal desta Relação de Évora em julgar parcialmente procedente a oposição e em: a) Deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, Tribunal de Instancia de Arganda del Rey, no âmbito do processo n.º DP 435/2025, para entrega para procedimento criminal de R, cidadão português, determinando a sua entrega às autoridades do Reino de Espanha, enquanto Estado de emissão, para efeitos de procedimento criminal, nos termos indicados no MDE, consignando-se que o requerido não renunciou ao princípio da especialidade; b) A execução da entrega referida em a) fica sujeita à condição de o Reino de Espanha, enquanto Estado de emissão, prestar a garantia de que o requerido, após ser ouvido para efeitos de procedimento criminal, será devolvido a Portugal, enquanto Estado de execução, para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade a que venha eventualmente a ser condenado; c) Comunique, desde já, incluindo via fax, e independentemente do trânsito do presente acórdão, à autoridade de emissão do Reino de Espanha, enquanto Estado de emissão, solicitando a prestação, no prazo de oito dias, a garantia exigida de acordo com o art.º 13.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 65/2003, de 23.08, com menção de que a entrega do requerido não será executada se a garantia não for prestada e o processo será arquivado. Proceda-se às necessárias notificações e comunicações e cumpra-se o art.º 28.º da n.º Lei 65/2003, de 23.08. O início do prazo de recurso não depende da prestação da garantia a que alude a alínea b), contando-se desde a notificação da decisão. Sem custas por não serem devidas. * (O presente acórdão foi elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)Évora, 10 de dezembro de 2025 Maria José Cortes Fernando Pina Fátima Bernardes |