Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOISÉS SILVA | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO TRABALHO SUPLEMENTAR PRÉMIO DE PRODUTIVIDADE DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 11/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) a quantia auferida todos os meses pela trabalhadora denominada prémio de produtividade integra a retribuição, pois não visa incentivá-la a aumentar a sua eficiência produtiva, mas sim a retribuir o trabalho suplementar prestado, não havendo correspondência entre o nome atribuído e as finalidades da sua atribuição. ii) os danos não patrimoniais sofridos pela trabalhadora a nível físico e emocional são suficientemente graves, ilícitos e culposos, pelo que merecem ser compensados monetariamente. (sumário elaborado pelo relator). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: S…, Lda (ré). Apelada: D… (autora). Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2. 1. A A., patrocinada pelo Ministério Público, instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra a ré, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento, sendo a ré condenada a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e ainda que seja condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior à propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão, sendo a remuneração devida no valor mensal de € 1 008,87. Mais pede que a ré seja condenada a pagar-lhe o valor relativo a proporcionais de subsídio de férias e subsídio de Natal desde os 30 dias anteriores à data da instauração da ação e até ao trânsito em julgado da decisão. Finalmente, pede que a ré seja condenada a indemnizá-la pelos danos não patrimoniais sofridos, que computa em € 10 000. Pede, também, que sobre todos os montantes devidos sejam calculados juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento. Para tal alegou nos termos que constam da petição inicial, para cujo teor se remete. Citada a ré e frustrado o acordo em audiência de partes, veio a mesma apresentar contestação, assumindo que a autora foi despedida sem a precedência de qualquer procedimento, sendo-lhe, por isso, devida compensação (que diz ter sido disponibilizada, mas não aceite pela autora), refutando, porém, o cálculo dos créditos laborais apresentado pela autora e peticionando a exclusão da reintegração, atenta a dimensão da empresa. Impugna, finalmente, que a autora tenha sofrido quaisquer danos não patrimoniais, pugnando, em consequência, pela improcedência do peticionado a tal título. Foi proferido despacho saneador (fls. 82-83), que aferiu positivamente todos os pressupostos processuais, fixou o valor da causa e dispensou a enunciação dos temas da prova. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento como consta da ata respetiva. De seguida foi proferida sentença com a decisão seguinte: Pelo exposto, considera-se a presente ação parcialmente procedente e em consequência: 1. Declara-se a ilicitude do despedimento da trabalhadora D…, com efeitos a 12.10.2018; 2. Decide-se excluir a reintegração da autora, nos termos previstos no artigo 392.º n.º 1 do Código do Trabalho, e condenar a ré S…, Lda a pagar à autora D… uma indemnização em substituição da reintegração, de valor equivalente a cinquenta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão (consignando-se que a antiguidade da autora remonta ao dia 01 de março de 2011 e que a retribuição a atender é de € 686,55 mensais), acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento 3. Condena-se, ainda, a empregadora S…, Lda no pagamento à trabalhadora D… das retribuições (no valor mensal de € 835,82) que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da ação e até ao trânsito em julgado da presente decisão – nestas se incluindo as férias e os subsídios de férias e de Natal durante todo esse período – sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se refere o artigo 390.º n.º 2, alínea c), do Código do Trabalho, acrescidas dos juros calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações, até integral pagamento; 4. Condena-se a empregadora S…, Lda no pagamento à trabalhadora D… da quantia de € 4 119,30 (quatro mil, cento e dezanove euros e trinta cêntimos), a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a presente decisão, até integral pagamento; No mais, improcedem os pedidos formulados. Custas por autora e ré, em função do respetivo decaimento, que se fixa em ¼ para a autora e ¾ para a ré (cf. artigo 527.º do Código de Processo Civil). 2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem: 1º A recorrente não se conforma com a forma de apreciação e valoração da prova que o Tribunal “a quo” espelha na Sentença. 2º Pretende demonstrar, o presente recurso o inconformismo da recorrente perante a injustiça na condenação nas questões infra cuja prova documental e testemunhal é inexistente ou insuficiente. 3º A primeira questão prende-se com a decisão proferida na sentença ora recorrida respeitante à qualificação e inclusão dos “prémios de produtividade” como parte integrante da retribuição. 4º São patentes, na Sentença que ora se recorre, contradições e omissões relativamente a esta matéria. 5º Pese embora o Tribunal tenha dado como provado, em 19º da “fundamentação de facto”, que o valor daquele prémio de produtividade variava essencialmente de acordo com a vontade do gerente da ré, sendo ele quem dava as ordens sobre o qual o valor a pagar em cada mês aos diversos trabalhadores. 6º O que significa que o prémio de produtividade atribuído pelo gerente consistia numa liberalidade e não a um dever da ré imposto por lei, por instrumento de regulamentação coletiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa. 7º Cuja causa determinante não foi a prestação da atividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, mas sempre o desempenho e mérito do trabalhador e a disponibilidade financeira da empresa. 8º Com caráter irregular e não permanente, conforme resulta do teor dos documentos/recibos, juntos que claramente comprovam que os prémios de produtividade não foram pagos todos os anos e, nos anos em que o foram, nem todos os trabalhadores os receberam. 9º Ainda assim, o Tribunal “a quo” decidiu qualificar os prémios de produtividade pagos como parte integrante da retribuição para efeitos de indemnização a atribuir à A. 10º Deste modo, a conclusão do Tribunal “a quo” não se coaduna com a prova documental, nem com a prova testemunhal produzida em audiência. 11º E, caso tivesse sido tida em devida e ponderada conta, certamente que a decisão seria outra, ou seja, que o prémio de produtividade não faz parte da retribuição e, como tal não seria incluso nem parte integrante da retribuição, devendo, por isso, ser considerado para tal efeito, o valor correspondente à remuneração mensal da A.,(€ 686,55). 12º A recorrente discorda com a decisão de condenação em 50 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade até á data do trânsito em julgado da decisão, em substituição da reintegração da autora na empresa. 13º A recorrente, exerceu o seu direito, conforme decorre do artigo 381.º do Código de Trabalho, de requerer a exclusão da reintegração da autora na empresa, dado a relação conturbada e desarmoniosa entre ambos. 14º Não obstante a sentença pretender afirmar um certo grau de ilicitude do despedimento caraterizando-o como grave e imotivado certo é que a mesma sentença reconhece a existência de um relacionamento conflituoso entre o representante da ré e a A., cuja génese adveio da cessação da relação matrimonial entre ambos e estendeu-se à esfera profissional de cada um, quando excluiu a reintegração da A. na empresa. 15º O que traduz uma manifesta contradição. 16º Afigurando-se deste modo exagerada e desproporcional face à matéria factual em causa e à prova produzida, a condenação da recorrente em 50 dias de indemnização à autora, pois é fixada dentro do limite máximo, sem qualquer fundamento de facto que a suporte. 17º Por último, a questão da indemnização por danos não patrimoniais, que o Tribunal arbitrou no valor de € 4 119,30 (quatro mil cento e dezanove euros e trinta cêntimos). 18º O Tribunal sem qualquer base factual, sem qualquer prova produzida em audiência de julgamento e ausência de prova documental, decide condenar a recorrente numa indemnização por danos não patrimoniais á autora. 19º Assim, não resultou provado que a recorrente, na pessoa do gerente, tenha proferido expressões que configurem ofensa ou injuria com o intuito de humilhar a autora. 20º Os depoimentos das testemunhas arroladas pela A. para além de não terem conhecimento direto de nenhum dos factos em causa, revelaram desconhecimento total sobre a alegada depressão, angustia e humilhação da autora. 21º Nunca a tendo acompanhado ao médico, não sabendo de que doença padece (resultante do despedimento), se toma medicação ou outro facto relevante para o caso. 22º Quanto à alegada perda de cabelo foi unicamente afirmado que a A. nunca usou o cabelo comprido, tendo utilizado extensões quando pretendia esse efeito. 23º Todas as testemunhas afirmaram que a autora tem recusado emprego. 24º Não foi junta qualquer prova documental, nomeadamente recibos de consultas médicas, relatórios médicos, recibos de farmácia, que suportem quaisquer danos físicos e psicológicos sofridos pela autora advindos do despedimento. 25º Os autos de Processo n.º 52/19.0T9ABF, respeitantes à queixa de violência doméstica exclusivamente ocorrida no seu local de trabalho reportada pela A. foram arquivados por manifesta falta de prova e desinteresse da autora. 26º Por estes motivos, o Tribunal nunca deveria ter decidido condenar a recorrente em indemnização a título de danos não patrimoniais, por manifesta falta de prova e omissão de nexo de causalidade do despedimento e o alegado dano. 27º Face ao regime que resulta do artigo 563.º do Código Civil, em que se estabelece que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». 28º Em direito laboral, para se reconhecer direito ao trabalhador a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá aquele de provar que houve violação culposa dos seus direitos por parte do empregador, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 29º Em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável e que vão para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento. 30º O que claramente não ocorre na situação sub judice, uma vez que não resultou efetivamente provado qualquer dano de ordem física ou psicológica da autora que mereça do Tribunal relevância que mereça uma decisão condenatória. Pelo que a decisão proferida nestes termos é violadora de normas legais designadamente o disposto nos artigos 260.º, 392º ambos do Código do Trabalho e artigo 563.º do Código Civil, pugnando este recurso pela revogação da sentença no sentido da absolvição da ré nos pedidos que respeitam a qualificação e inclusão dos prémios de produtividade como parte integrante da retribuição da A., à indemnização em substituição da reintegração da A. na empresa e aos danos não patrimoniais por esta alegadamente sofridos formulados pelo A. 3. A autora apresentou resposta, nos termos seguintes: 1. A recorrente veio insurgir-se contra a sentença proferida nos autos, requerendo a sua “revogação no sentido da absolvição da ré no(s) pedidos que respeitam a qualificação e inclusão dos prémios de produtividade como parte integrante da retribuição da A., à indemnização em substituição da reintegração da A. na empresa e aos danos não patrimoniais por esta alegadamente sofridos formulados pela A., para que se faça JUSTIÇA” 2. Quanto aos “prémios de produtividade”, que o Tribunal considerou que integravam a retribuição da autora, na douta sentença recorrida mostram-se fixados, entre outros factos, que: - era através do pagamento daquele “prémio” que a ré compensava os trabalhadores pelo trabalho suplementar prestado, pois, com regularidade, os funcionários têm que ficar a trabalhar para além da hora normal de saída; e - em 2018 a autora recebeu a título de “prémio de produtividade” quantias variáveis em todos os meses até ter sido despedida no mês de outubro. 3. Por isso, observada a regularidade com que aquele “prémio de produtividade” integrou a retribuição da autora ao longo da relação laboral, o Tribunal considerou que se tratava de uma componente retributiva a considerar. 4. A recorrente não concorda com a inclusão do referido “prémio de produtividade” na retribuição da autora, referindo que aqueles prémios eram pagos aos funcionários com um valor variável, de acordo com o desempenho de cada um e conforme a disponibilidade financeira da empresa. 5. Porém, o Tribunal avaliou as circunstâncias que envolveram e envolvem o pagamento daquele complemento remuneratório à autora e aos seus antigos companheiros de trabalho e concluiu que o mesmo integrava a retribuição da autora, pois a regularidade do pagamento daquele “prémio” resulta evidente dos recibos juntos aos autos. 6. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho, para que se considere que uma prestação integra a retribuição deve tratar-se de um pagamento regular e periódico. 7. Deve considerar-se como retribuição uma prestação que teve uma periodicidade certa, ainda que sem uma cadência mensal, desde que tenha sido prestada com alguma frequência, caso essa prestação vise compensar o trabalho prestado e gere no trabalhador uma legítima expectativa de ganho em função da regularidade e periodicidade da correspondente prestação de trabalho. 8. No caso da autora verifica-se que, embora ao longo da sua relação laboral tenham ocorrido períodos em que não recebeu o referido “prémio de produtividade”, verifica-se que o recebeu em todos os 12 meses anteriores ao seu despedimento ocorrido em outubro de 2018 (cf. recibos juntos aos autos de fls. 178 a 191), pelo que se tem que concluir que aquela prestação, embora de valor variável, era regular e, como tal, revestia natureza retributiva, uma vez que se destinava a pagar o trabalho suplementar que a Autora prestava habitualmente. 9. O Tribunal expôs e fundamentou na douta sentença porque decidiu integrar na retribuição da autora o valor do referido “prémio”, considerando que a base para a condenação nas retribuições vencidas e devidas em consequência do despedimento devia ser no valor de € 835,82, decisão essa que a autora entende dever ser mantida nos seus precisos termos. 10. Insurgiu-se também a recorrente com o valor da indemnização fixada em substituição da reintegração da autora na empresa. 11. A autora pretendia ser reintegrada no seu local de trabalho, mas a ré, invocando que era uma microempresa, requereu que em substituição da requerida reintegração, fosse antes condenada no pagamento de uma indemnização à trabalhadora despedida, de acordo com o disposto no n.º 1 do 392.º do Código do Trabalho, por considerar que estava absolutamente degradado o relacionamento entre a trabalhadora e a sua empregadora, com o que o Tribunal concordou, tendo fixado a indemnização em 50 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade ou fração. 12. Embora a autora esperasse que a indemnização para substituir a reintegração que pediu fosse em valor superior, conformou-se com aquele valor, considerando que se tratava de uma decisão justa e equilibrada. 13. Porém, a recorrente refere que não compreende a que título foi condenada em 50 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade, em substituição da reintegração da autora na empresa, concluindo que “a condenação da recorrente em 50 dias de indemnização à autora, é manifestamente exagerada e desproporcional, pois é fixada dentro do limite máximo, sem qualquer fundamento de facto que a suporte”. 14. Entende a ré que seria adequado e proporcional que a indemnização fosse fixada em 35 dias de retribuição base, não explicando como chegou a este valor tão próximo do mínimo de 30 dias previsto no referido no n.º 3 do art.º 392.º do Código do Trabalho (e tão distante do máximo – 60 dias) quando é a mesma recorrente que admite ter unilateralmente decidido despedir a autora, embora soubesse que ao fazê-lo estava a violar o disposto na lei, pois não tinha nenhuma justa causa para efetuar esse despedimento, desprezando por completo as consequências nefastas que esse despedimento ilícito implicava para a trabalhadora. 15. A douta sentença mostra-se devidamente fundamentada, tendo o Tribunal decidido com razoabilidade e ponderação, justificando as razões de facto e de direito que levaram a que fosse fixado o valor da indemnização nos 50 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade, em substituição da reintegração que a autora havia pedido, decisão que a autora entende dever ser mantida nos seus precisos termos. 16. Por fim, a ré referiu que não se conforma que “o Tribunal sem qualquer base factual, sem qualquer prova produzida em audiência de julgamento e ausência de prova documental” tenha decidido condená-la numa indemnização por danos não patrimoniais. 17. A recorrente insurgiu-se com a matéria de facto que o Tribunal deu como provada com base nos depoimentos das testemunhas inquiridas e nos depoimentos prestados pelas partes. 18. Tal como resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil, para poder impugnar a decisão relativamente aos factos provados com base no depoimento das testemunhas e das partes, a recorrente teria que especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. 19. Contudo, como não foi requerida a gravação do julgamento, os depoimentos das testemunhas e das partes não foram gravados, pelo que toda essa parte da matéria de facto tem que se considerar consolidada nos precisos termos que constam na douta sentença. 20. Como a recorrente não pode socorrer-se dos registos gravados dos depoimentos prestados no julgamento, a alusão vaga a que “dos depoimentos das testemunhas não resultou nenhum facto que leve à conclusão de que a autora sofreu danos morais, que mereçam efetiva tutela do direito”, ou a que “não resultou da audiência de julgamento qualquer prova cabal dos aludidos danos”, serve de desabafo, mas não chega para impugnar em sede de recurso a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal. 21. Por isso, nesta parte, o recurso deve ser rejeitado, como impõe o disposto no referido n.º 1 do referido art.º 640.º do Código de Processo Civil. 22. Mas ainda que assim não seja entendido, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio aqui se admite, sempre se deve referir que também nesta parte não assiste razão à recorrente. 23. A autora alegou e provou elementos concretos para o Tribunal aferir do relevo do seu sofrimento, da sua angústia e até da sua doença surgida na sequência do despedimento de que foi vítima e do facto de, de repente, se ter visto sem o rendimento proveniente do seu trabalho e respetivo salário. 24. Da matéria considerada provada na douta sentença (pontos 21. a 33.). 25. Provados estes factos, o Tribunal só podia considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos nos artigos 483.º e 496.º do Código Civil, ou seja: - um comportamento ilícito da entidade patronal causador de dano não patrimonial suficientemente grave para merecer a tutela do direito; - a culpa; e - o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito. 26. Efetivamente a ré, através do seu sócio-gerente, violou culposamente os direitos da autora e, com isso causou-lhe danos morais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. 27. O comportamento do sócio-gerente da ré, atuando em nome desta, causou sofrimento à autora, que se sentiu humilhada e vexada perante os colegas e até mesmo perante os seus amigos e familiares, a cuja ajuda teve de recorrer para sobreviver, já que por via do comportamento da ré, não pôde sequer aceder às prestações de subsídio de desemprego a que tinha direito. 28. Por isso, o Tribunal condenou a ré por ter causado de forma voluntária todo aquele sofrimento à autora, considerando que a conduta da empregadora era merecedora de censura relevante. 29. Também nesta parte o Tribunal decidiu com razoabilidade e ponderação, fundamentando a sua decisão com os factos provados e com o direito aplicável. 30. A autora esperava que o Tribunal concluísse que os seus danos morais fossem avaliados num valor bem superior ao fixado, o qual pediu num valor de € 10 000, mas o Tribunal, recorrendo a critérios de equidade, fixou a compensação devida em valor correspondente a 6 meses de retribuição base, ou seja, € 4 119,30 (€ 686,55 × 6 meses), valor com o qual a autora resolveu conformar-se. 31. O que a autora não aceita é que a ré, como veio alegar no seu recurso, não seja condenada a indemnizá-la também pelos danos não patrimoniais que lhe provocou, pelo que também nesta parte a autora espera que a douta decisão recorrida seja mantida. 32. O Tribunal apreciou livremente a prova e valorou aquela que em seu entender devia ser valorada, socorrendo-se de todos os elementos fornecidos nos autos e recolhidos na audiência de julgamento e, usando o seu conhecimento próprio e as regras gerais da experiência comum, concluiu que a ré “S…, Lda” devia ser condenada a pagar à autora as diversas quantias que constam na sentença recorrida, decisão essa que a autora entende dever ser mantida nos seus precisos termos. Assim sendo, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela ré, confirmando-se a douta decisão recorrida. 4. Após os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir. 5. Objeto do recurso O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso. As questões a decidir são as seguintes: 1.ª – A matéria de facto 2.ª – Montante da indemnização por despedimento ilícito 3.ª – Denominado prémio de produtividade e retribuição. 4.ª - Danos não patrimoniais II - FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte: 1. Em 01 de março de 2011, a autora celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo para desempenhar as funções de escriturária de 3.ª, mediante o pagamento de uma retribuição de € 520, acrescida de subsídio de alimentação, nos termos que constam do documento de fls. 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 1º da petição inicial e artigo 1º da contestação) 2. O referido contrato de trabalho, que foi celebrado com uma duração inicial de 6 meses, foi-se renovando automaticamente e acabou por se converter em contrato de trabalho sem termo, atento o decurso do tempo. (artigo 2º da petição inicial e artigo 1º da contestação) 3. Com base no referido contrato, a autora passou a prestar o seu trabalho nas Escolas de Condução…, com um horário de 40 horas semanais. (artigo 3º da petição inicial e artigo 1º da contestação) 4. Em 18 de junho de 2015, a autora adquiriu uma quota da sociedade ré, passando a ser sócia da mesma, em conjunto com o sócio-gerente J…, com quem contraiu matrimónio em 30 de abril de 2016. (artigo 4º da petição inicial e artigo 1º da contestação) 5. O salário base mensal da autora foi aumentando com o decurso dos anos, sendo que em 2015 passou a receber € 580 mensais, acrescidos de um subsídio de alimentação de € 4,09 por cada dia de trabalho, de um subsídio de abono para falhas de € 26,00 por mês e de um «prémio de produtividade» de valor variável. (artigo 5º da petição inicial e artigo 1º da contestação) 6. Em junho de 2018, a autora foi promovida à categoria profissional de “assistente administrativa do grau II”, tendo a sua retribuição mensal passado a ser de € 686,55, continuando a receber os referidos subsídio de alimentação, abono para falhas e prémio de produtividade. (artigo 6º da petição inicial e artigo 1º da contestação) 7. Entre outubro de 2011 e setembro de 2018, a ré pagou à autora os valores constantes dos recibos de fls. 107 a 190, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigos 5º e 6º da petição inicial) 8. No dia 12 de outubro de 2018, pelas 09h30, o sócio-gerente da ré, J…, agindo em nome e representação da ré, dirigiu-se ao local onde a autora se encontrava a trabalhar, na referida Escola de Condução e, em voz alta e apontando para a autora, disse: “E esta não a quero mais aqui! Quando eu voltar à uma e meia não a quero mais aqui! Está a ouvir senhor diretor?!” (artigo 7º da petição inicial e artigo 2º da contestação) 9. De seguida, J… deslocou-se para a sala onde decorria uma aula de “código” e, referindo-se novamente à autora, proferiu as seguintes expressões: “Ouviu senhor diretor? Quando voltar não a quero mais aqui!” (artigo 8º da petição inicial) 10. Após, inclinando-se sobre a autora, dirigiu-lhe as seguintes palavras: “Não te quero mais aqui, leva as tuas coisas” e “desabelha-te!” (artigo 9º da petição inicial e artigo 13º da contestação) 11. No dia 15 de outubro de 2018, a autora dirigia-se à referida Escola de Condução, quando, pelas 08h55, J… correu na direção da porta da entrada do estabelecimento, colocou-se entre a porta e a autora, impedindo-a de entrar no seu local de trabalho, e referiu: “Aqui não entras mais!” (artigo 10º da petição inicial e artigo 3º da contestação) 12. Apesar de ter solicitado a intervenção e colaboração da GNR, a autora viu-se impossibilitada de continuar a exercer as suas funções desde o referido dia 15 de outubro de 2018. (artigo 11º da petição inicial) 13. A ré não pagou à autora a retribuição a partir da referida data, tendo apenas transferido para a conta bancária da autora uma quantia de € 622,70. (artigo 12º da petição inicial e artigo 5º da contestação) 14. Apesar de ser sócia da sociedade ré, a autora nunca exerceu quaisquer funções de gerência. (artigo 13º da petição inicial) 15. O sócio-gerente J… pediu várias vezes a opinião da autora sobre várias matérias, mas sempre foi ele quem decidiu tudo sozinho. (artigo 14º da petição inicial) 16. A autora organizava os mapas semanais e diários do serviço e tratava das marcações de aulas, do atendimento do público, das inscrições de novos alunos e das reclamações, seguindo sempre as instruções que recebia do sócio-gerente J…. (artigo 17º da petição inicial e artigo 25º da contestação) 17. O «prémio de produtividade» que a autora recebia mensalmente também é recebido pela maioria dos funcionários da empresa (a qual, contando com o gerente J…, tinha sete funcionários, divididos em duas escolas – uma nas Ferreiras, onde a autora trabalhava, e outra em Albufeira – …”). (artigo 18º da petição inicial e artigo 22º da contestação) 18. É através do pagamento do referido «prémio de produtividade» que a ré compensa os trabalhadores pelo trabalho suplementar prestado, pois, com regularidade, os funcionários têm que ficar a trabalhar para além da hora normal de saída, uma vez que o horário de funcionamento da Escola de Condução é das 09h00 às 13h30 e das 15h30 às 20h00. (artigo 19º da petição inicial) 19. O valor daquele «prémio» variava essencialmente de acordo com a vontade do gerente da ré, sendo ele quem dava as ordens sobre qual o valor a pagar em cada mês como prémio de produtividade aos diversos trabalhadores. (artigo 20º da petição inicial e artigo 8º da contestação) 20. Em 2018, a autora recebeu a título de «prémio de produtividade» as seguintes quantias: - janeiro - € 144,00; - fevereiro - € 215,71; - março - € 229,89; - abril - € 219,80; - maio - € 223,89; - junho - € 38,00; - julho - € 42,00; - agosto - € 40,00; e - setembro - € 36,00. (artigo 22º da petição inicial) 21. A autora encontra-se desempregada, sendo que vivia exclusivamente do rendimento do trabalho que prestava para a ré. (artigos 24º e 44º da petição inicial) 22. A ré, designadamente o respetivo sócio-gerente, tinha conhecimento de que a autora vivia exclusivamente do rendimento do seu trabalho, mas tal não foi bastante para impedi-lo de praticar os factos descritos em 8 a 11 supra. (artigo 45º da petição inicial) 23. Como a ré não lhe entregou a documentação necessária para o efeito, a autora não pode requerer junto da Segurança Social o pagamento de subsídio de desemprego. (artigo 25º da petição inicial) 24. A autora tem recorrido ao apoio de familiares, pedindo dinheiro emprestado às irmãs N… e M…, que vivem nos EUA e E…, que vive em Quarteira, assim como a alguns amigos, designadamente a M…. (artigo 26º da petição inicial) 25. A autora paga ao Banco € 498,89 de mensalidade relativa à prestação da casa. (artigo 27º da petição inicial) 26. Paga ainda € 42,95 e € 29,07 de seguros que foram exigidos pelo Banco e um valor trimestral de € 35,00 relativo a uma outra apólice de seguro. (artigo 28º da petição inicial) 27. A autora tem ainda outros encargos fixos, mas de valor variável, com a água, eletricidade e gás. (artigo 29º da petição inicial) 28. Até para comer a autora tem precisado de ajuda, para o que tem recorrido ao apoio dos familiares e dos amigos. (artigo 30º da petição inicial) 29. A autora sentiu-se vexada e envergonhada perante os colegas de trabalho, com a situação e com a forma como tudo se passou, designadamente com as frases e a forma usadas pelo gerente J… quando a despediu. (artigo 31º da petição inicial) 30. A situação afetou-a psicologicamente, de tal forma que até começou a perder o cabelo, o que a obrigou a cortar o cabelo rente (quando antes usava cabelo comprido). (artigo 32º da petição inicial) 31. A autora passou a sentir-se profundamente deprimida em consequência da situação, a qual se mantém, continuando a provocar-lhe grande tristeza, angústia e infelicidade, uma vez que não se conforma nem aceita a situação, revoltando-se com o facto de continuar impedida de entrar no seu local de trabalho e de continuar a trabalhar. (artigo 33º da petição inicial) 32. Na sequência do divórcio de ambos, decretado em maio de 2018, a autora e o sócio-gerente da ré não mantêm um bom relacionamento, sendo difícil a comunicação entre os dois. (artigo 30º da contestação) 33. A autora apresentou queixa-crime contra o sócio-gerente da ré, por violência doméstica, encontrando-se o processo a correr termos sob o nº 52/19.0T9ABF. (artigo 56º da contestação) B) APRECIAÇÃO As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos acima B1) A matéria de facto Lendo as alegações e as conclusões apresentadas pela apelante ré, parece que esta pretenderia impugnar a matéria de facto. Todavia, não indica os factos a impugnar, a prova que fundamenta a divergência nem o sentido da alteração. Acresce que a prova oral não se mostra gravada. O art.º 640.º n.º 1 do CPC prescreve que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. A apelante não cumpre os requisitos exigidos legalmente para a reapreciação da matéria de facto, pelo que esta é rejeitada. B2) Montante da indemnização por despedimento ilícito Ambas as partes estão de acordo quanto à ilicitude do despedimento por ausência de procedimento disciplinar (art.º 381.º alínea c) do CT). A divergência diz respeito ao montante da indemnização a atribuir à trabalhadora. A trabalhadora pediu a reintegração na empresa e esta, alegando que é uma microempresa, opôs-se à reintegração. O tribunal recorrido fixou a indemnização em substituição da reintegração, de valor equivalente a cinquenta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão e que a retribuição a atender é de € 686,55 mensais), acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento. Verificámos que a sentença recorrida teve em conta a remuneração base mensal da autora de € 686,55, pelo que esta base de cálculo se mostra juridicamente bem fixada. Não está em causa apurar se havia ou não lugar à exclusão da reintegração, mas apenas os dias a ter em conta para o cálculo. O art.º 392.º do CT prescreve que: 1. Em caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa. 2 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em motivo político, ideológico, étnico ou religioso, ainda que com invocação de motivo diverso, ou quando o fundamento da oposição à reintegração for culposamente criado pelo empregador. 3 - Caso o tribunal exclua a reintegração, o trabalhador tem direito a indemnização, determinada pelo tribunal entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, nos termos estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, não podendo ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades. Escreveu-se na sentença recorrida: “Atendendo ao que se provou quanto à retribuição base da autora, no montante mensal de € 686,55 – cabendo notar que a mesma se mostra inferior à retribuição mínima fixada no CCT considerado aplicável para a categoria profissional da autora - o que tem de considerar-se um valor reconhecidamente baixo, há que reconhecer que tal fator aponta para a fixação da indemnização no terço superior do intervalo legal. Na tabela remuneratória que constitui o Anexo II do CCT/APEC, entrada em vigor no dia 27.04.2018 (cf. Cláusula 2ª, nº 1), a remuneração mínima mensal fixada para a categoria “assistente administrativo” era de € 755,00 (e para a de “escriturário de 1ª”, caso se entendesse ser essa a categoria profissional da autora, era de € 713,00). Mesmo que se considerasse aplicável o CCT/ANIECA, a remuneração mínima mensal em vigor para a categoria profissional da autora (“assistente administrativo II”) à data do despedimento era de € 721,50. 8 € 686,55 ÷ 30 × 50 = € 1.144,25 No que se refere ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, pese embora o fundamento da ilicitude do despedimento se reconduza à previsão da alínea c) do artigo 381º do Código do Trabalho, ainda assim, o que resulta dos factos apurados é que o despedimento foi decidido de forma totalmente imotivada e em termos claramente vexatórios para autora, o que aponta igualmente para a fixação da indemnização no terço superior da moldura. À data do despedimento em 12.10.2018, a antiguidade da autora era de 7 anos, 7 meses e 11 dias. Termos em que se afigura equilibrada a fixação da indemnização em 50 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade ou fração (fixada até ao trânsito em julgado da presente decisão – o valor provisório será de € 8.711,71 {ou seja: [(€ 1.144,258 × 7 anos) + (€ 1.144,25 ÷ 12) × 7 meses) + (€ 1.144,25 ÷ 365 × 11 dias)]}”. Concordamos com esta parte da sentença recorrida. A remuneração mensal auferida pela trabalhadora é inferior à que resultaria do CCT, a que acresce a forma como ocorreu o despedimento. Neste contexto, entendemos que a indemnização fixada em substituição da reintegração, devida pela oposição a esta da empregadora, se mostra adequada, proporcional e justa, pelo que se mantém. B3) Denominado prémio de produtividade e retribuição A apelante não especifica claramente qual a parte da sentença que impugna quanto conclui que o prémio de produtividade não integra a retribuição. Todavia, tendo em conta que a única parte da sentença que trata esta questão é para efetuar o cálculo da retribuição para o pagamento das prestações intercalares desde os 30 dias anteriores à data da propositura da ação até à data do trânsito em julgado da decisão, fica claro que o que está em causa é apurar se o prémio em causa deve integrar o conceito de retribuição para esse efeito. O art.º 390.º n.º 1 do CT prescreve que sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento. O art.º 258.º do CT prescreve: 1. Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido reiteradamente, nomeadamente Acórdão de 30.03.2017[1], que: 1 - A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da atividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais do empregador que não sejam a contraprestação do trabalho prestado. 2 – Considera-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de atividade do ano (onze meses). 3 - Face ao cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros fatores”. O aqui relator tem dissentido da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acabada de referir, na parte em que exige que as prestações regulares e periódicas sejam pagas durante todos os meses de atividade, ou seja, 11 meses, se excluirmos o mês de férias. Entende o aqui relator que a melhor interpretação seria aquela que não se ativesse apenas a esse critério rígido, mas sim à dinâmica da situação concreta sem necessidade de que o pagamento ocorresse durante todos os meses do ano. Todavia, tendo em conta a reiteração unânime desta jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça, a qual vem, aliás, a ser seguida quase unanimemente pelos tribunais da Relação, incluindo o da Relação de Évora, entendemos que não se justifica manter a divergência interpretativa. Assim, para apurar se as prestações auferidas pela trabalhadora, aqui autora, a título de “prémio de produtividade” integram o conceito de retribuição, há que apurar se foram pagas sempre com a retribuição base em todos os meses e se constituem contrapartida pela prestação de trabalho. Só poderão ser incluídas na retribuição a pagar à trabalhadora nas retribuições intercalares se estiverem reunidas estas duas condições. Com relevo para a decisão desta matéria, está provado que: “17. O «prémio de produtividade» que a autora recebia mensalmente também é recebido pela maioria dos funcionários da empresa (a qual, contando com o gerente J…, tinha sete funcionários, divididos em duas escolas – uma nas Ferreiras, onde a autora trabalhava, e outra em Albufeira – Escola de Condução “…”); 18. É através do pagamento do referido «prémio de produtividade» que a ré compensa os trabalhadores pelo trabalho suplementar prestado, pois, com regularidade, os funcionários têm que ficar a trabalhar para além da hora normal de saída, uma vez que o horário de funcionamento da Escola de Condução é das 09h00 às 13h30 e das 15h30 às 20h00; 19. O valor daquele «prémio» variava essencialmente de acordo com a vontade do gerente da ré, sendo ele quem dava as ordens sobre qual o valor a pagar em cada mês como prémio de produtividade aos diversos trabalhadores; 20. Em 2018, a autora recebeu a título de «prémio de produtividade» as seguintes quantias: - janeiro - € 144,00; - fevereiro - € 215,71; - março - € 229,89; - abril - € 219,80; - maio - € 223,89; - junho - € 38,00; - julho - € 42,00; - agosto - € 40,00; e - setembro - € 36,00”. Está igualmente provado que “7. Entre outubro de 2011 e setembro de 2018, a ré pagou à autora os valores constantes dos recibos de fls. 107 a 190, cujo teor se dá por integralmente reproduzido”. Resulta dos factos provados e dos recibos de vencimento juntos aos autos e não impugnados, que o denominado prémio de produtividade tem sido pago, embora de valor variável, a partir de novembro de 2015 em todos os meses do ano, e não se “demonstrou que se destinasse a compensar quaisquer custos incorridos pelos trabalhadores, nem se apurou que o respetivo pagamento tivesse outra causa que não a prestação de trabalho”, como muito bem refere a sentença recorrida. Os factos provados mostram que o denominado prémio de produtividade foi sempre pago à autora em todos os meses que antecederam o despedimento, juntamente com a retribuição base. Assim, as quantias pagas a este título pela ré à autora têm caráter regular e periódico. Está ainda provado que o denominado prémio de produtividade destinava-se a pagar o trabalho suplementar prestado todos os meses pela autora (e demais funcionários). Ou seja, embora esta quantia fosse denominada como prémio de produtividade, a verdade é que se destinava a pagar o trabalho suplementar e não a incentivar a trabalhadora a aumentar a sua produtividade. O pagamento do trabalho suplementar é a contrapartida pelo trabalho prestado para além do horário normal, daí que integre o conceito de retribuição. A autora tem direito a que as quantias pagas a este título sejam também pagas nas retribuições intercalares desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão. Termos em que a apelação improcede quanto a esta questão. B4) Danos não patrimoniais O art.º 389.º n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, prescreve que, pelo despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a uma indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais. O art.º 496.º do Código Civil prescreve que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1). O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (n.º 4). Os factos provados levam-nos a duas conclusões: a gravidade das lesões no corpo físico e espiritual da trabalhadora, bem como a conduta culposa da empregadora. Estes elementos, como decorre da lei, são balizas objetivas importantes para fixar uma quantia compensatória que de algum modo mitigue o sofrimento moral da autora. A jurisprudência dos tribunais da União Europeia é no sentido de valorar cada vez mais os danos não patrimoniais, tanto mais que as sequelas emocionais não deixam de afetar a saúde do lesado e indiretamente os encargos com os sistemas públicos de saúde, pagos pelo dinheiro de todos os contribuintes, pelo que é imperioso que o responsável pela reparação o faça de modo que o lesado tenha garantido um rendimento mínimo garantido para ter uma qualidade de vida satisfatória e condizente com a dignidade humana, como decorre da Constituição da República Portuguesa – art.º 2.º – e tratado de funcionamento da União Europeia e tratados internacionais em que Portugal se obrigou e a União Europeia no seu todo incorporou no seu direito interno. A essência é a dignidade da pessoa humana. A origem do Direito está na pessoa humana e não o contrário. No que diz diretamente respeito a esta questão está provado que: “21. A autora encontra-se desempregada, sendo que vivia exclusivamente do rendimento do trabalho que prestava para a ré; 22. A ré, designadamente o respetivo sócio-gerente, tinha conhecimento de que a autora vivia exclusivamente do rendimento do seu trabalho, mas tal não foi bastante para impedi-lo de praticar os factos descritos em 8 a 11 supra; 23. Como a ré não lhe entregou a documentação necessária para o efeito, a autora não pode requerer junto da Segurança Social o pagamento de subsídio de desemprego; 24. A autora tem recorrido ao apoio de familiares, pedindo dinheiro emprestado às irmãs N… e M…, que vivem nos EUA e E…, que vive em Quarteira, assim como a alguns amigos, designadamente a M…; 25. A autora paga ao Banco € 498,89 de mensalidade relativa à prestação da casa; 26. Paga ainda € 42,95 e € 29,07 de seguros que foram exigidos pelo Banco e um valor trimestral de € 35,00 relativo a uma outra apólice de seguro; 27. A autora tem ainda outros encargos fixos, mas de valor variável, com a água, eletricidade e gás; 28. Até para comer a autora tem precisado de ajuda, para o que tem recorrido ao apoio dos familiares e dos amigos; 29. A autora sentiu-se vexada e envergonhada perante os colegas de trabalho, com a situação e com a forma como tudo se passou, designadamente com as frases e a forma usadas pelo gerente J…; 30. A situação afetou-a psicologicamente, de tal forma que até começou a perder o cabelo, o que a obrigou a cortar o cabelo rente (quando antes usava cabelo comprido); 31. A autora passou a sentir-se profundamente deprimida em consequência da situação, a qual se mantém, continuando a provocar-lhe grande tristeza, angústia e infelicidade, uma vez que não se conforma nem aceita a situação, revoltando-se com o facto de continuar impedida de entrar no seu local de trabalho e de continuar a trabalhar; 32. Na sequência do divórcio de ambos, decretado em maio de 2018, a autora e o sócio-gerente da ré não mantêm um bom relacionamento, sendo difícil a comunicação entre os dois”. Estes factos provados evidenciam que a trabalhadora, em consequência da conduta da empregadora, sofreu danos físicos (queda do cabelo) e emocionais graves. A sentença fixou a compensação no montante de € 4 119,30. Ponderando os factos provados, a conduta da empregadora revela-se grave e intensa, tendo em conta o modo como ocorreu e as consequências que provocou, pelo que a quantia fixada na sentença recorrida a título de compensação pelos danos não patrimoniais mostra-se proporcional, adequada e justa tendo em conta a ilicitude e a culpa da empregadora. Nesta conformidade, a apelação improcede na sua totalidade. III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida na parte impugnada. Custas pela apelante. Notifique. (Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator). Évora, 21 de novembro de 2019. Moisés Silva (relator) Mário Branco Coelho Paula do Paço __________________________________________________ [1] Ac. STJ, de 30.03.2017, processo n.º 2978/14.8TTLSB.L1.S1, www.dgsi.pt/jstj. |