Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
Descritores: | MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA REMUNERAÇÃO RESTITUIÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. A regra plasmada no n.º 1 do artigo 19.º do RJAMI é a de que o direito da mediadora à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do negócio querido pelo cliente, suportando a empresa o risco de, a final, correrem por sua conta e sem qualquer contrapartida as despesas em que incorreu no exercício da sua actividade, risco que de algum modo justifica as elevadas remunerações que, via de regra, são cobradas. II. Deste modo, a conclusão do contrato visado com a mediação não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo também facto constitutivo do direito da empresa a ser remunerada. III. Sendo a remuneração devida, como é regra, apenas com a celebração do contrato visado com a mediação, no caso de venda do imóvel, podem as partes acordar em antecipar esse pagamento, parcial ou totalmente, para o momento em que é celebrado o contrato promessa, no reconhecimento de que se trata inequivocamente de um marco relevante no iter negocial, assinalando a vinculação das partes à celebração do contrato prometido, situação a que respeita a previsão da 2.ª parte do transcrito n.º 1 do artigo 19.º. IV. No caso das partes convencionarem a antecipação do pagamento da remuneração, parcial ou total, fazendo-o coincidir com a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo não se vier a realizar, a mediadora deve restituir ao cliente as quantias a este título recebidas. V. O crédito do cliente consumidor da empresa mediadora vence juros à taxa fixada para as dívidas de natureza civil, uma vez que a razão de ser do agravamento dos juros comerciais relaciona-se com a qualidade do credor, e não do devedor. (Sumário da Relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2086/23.0T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Cível de Faro – Juiz 2 I. Relatório (…) instaurou contra (…) – Mediação Imobiliária, Lda. a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 118.080,00, acrescida de juros de mora contados da citação à taxa legal para as dívidas de natureza comercial. Em fundamento alegou, em síntese, ter celebrado com a ré em 25 de Janeiro de 2022 contrato de mediação imobiliária, no âmbito do qual fez entrega a esta, aquando da celebração de contrato promessa com comprador interessado que pela demandada havia sido angariado, da quantia de € 118.080,00, correspondente ao total da remuneração acordada, acrescida do respectivo IVA. Sucede, porém, que o negócio prometido não chegou a concretizar-se, pelo que a remuneração não é devida, recusando-se a ré a restituir a quantia recebida a título de mero adiantamento, como resulta do acordo entre as partes celebrado, o que justifica a presente acção. Citada, a ré veio apresentar contestação, peça na qual sustentou ser-lhe devida a remuneração paga porque assim foi convencionado nos termos do contrato celebrado com a A., defendendo a improcedência da acção logo em sede de despacho saneador. Cautelarmente, requereu a intervenção principal da (…), Seguros, SA, companhia com a qual celebrou contrato mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade dos danos causados a terceiros no exercício da sua actividade imobiliária até ao montante de € 150.000,00. Admitida a intervenção principal provocada da seguradora, veio esta oferecer contestação na qual impugnou, por desconhecida, a factualidade impugnada, defendendo em todo o caso o direito da ré à remuneração. * Teve lugar audiência prévia e nela, frustrada a tentativa de conciliação, acordaram as partes em reconhecer que o contrato prometido não se realizará, devendo a causa ser decidida à luz da norma contida no n.º 1 do artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro. Tendo o Tribunal anunciado o conhecimento antecipado do mérito, foi cumprido o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPCiv.. Foi de seguida proferida sentença que na procedência da acção condenou as RR solidariamente a pagarem à A. a quantia de € 118.080,00, acrescida de juros de mora contados da citação e até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para as dívidas de natureza comercial. * Inconformada, apelou a ré e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: “A- A douta sentença recorrida interpretou e aplicou, de forma errada, a norma do n.º 1, 2.ª parte, do artigo 19.º da Lei 15/2013, ao entender que mesmo na hipótese ali prevista, a remuneração à mediadora só seria devida com a conclusão e perfeição do negócio visado. B- No caso vertente, A. e R. estipularam, validamente, na Cláusula 5.ª do CMI que a remuneração seria devida, na totalidade, se fosse celebrado CPCV, no qual o sinal entregue à A. fosse igual ou superior a 12% do valor da venda. C- A A. veio a celebrar um CPCV com compradores angariados pela R., tendo recebido daqueles um sinal no montante de € 192.000,00, equivalente a 12% do preço estipulado no CPCV (€ 1.600.000,00), pelo que a remuneração prevista no CMI era devida na totalidade. D- A estipulação da Cláusula 5.ª do CMI é, duplamente, válida, porque assenta na previsão da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 19.º da Lei 15/2013 e no princípio da liberdade contratual que dali emana, permitindo às partes clausular no CMI que o momento do vencimento da remuneração da mediadora pode coincidir, total ou parcialmente, com a celebração do CPCV e ainda porque os termos dessa estipulação concreta inserta no CMI estão em conformidade com o que se consagra na minuta do CMI com CCG, anexa à Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, designadamente, na Cláusula 5.ª dessa minuta. E- A referência, na parte final do n.º 1 do artigo 19.º a que a remuneração é devida logo que ocorra a celebração do contrato promessa, só pode significar que, estando previsto no CMI o pagamento (total ou parcial) da remuneração, nessa hipótese (de haver contrato promessa) a remuneração se vence e torna exigível definitivamente nesse momento (outorga do contrato promessa). F- Em suma, o direito à remuneração foi adquirido pela R. quando a A. celebrou o CPCV e recebeu um sinal de montante equivalente a 12% do preço da venda prometida e, para o caso, é indiferente se o CPCV foi ou não cumprido, pois mesmo que o contrato definitivo jamais seja celebrado, o direito à remuneração da R. foi adquirido definitivamente com a outorga do CPCV e o recebimento do sinal. G- Assim, e definitivamente, a correcta interpretação da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 19.º é a de que a previsão ali inserta constitui uma excepção à regra geral da 1.ª parte do n.º 1, isto é, a remuneração será sempre devida e de modo definitivo e irreversível, independentemente da conclusão e perfeição do negócio visado, desde que as partes, como aqui aconteceu, prevejam no CMI o pagamento duma remuneração à mediadora no momento da celebração do contrato promessa, caso este venha a existir. H- A douta sentença é nula por violação dos artigos 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, pois a questão da nulidade do CMI não foi suscitada pelas partes nos articulados, nem foi aflorada na audiência prévia e o Tribunal, ao decidir pela nulidade, sem conceder à R. a possibilidade de se pronunciar sobre tal matéria, violou o princípio do contraditório, com a consequente nulidade, nessa parte, da decisão proferida. Sem conceder, I- A suposta nulidade do CMI radicaria, segundo a douta sentença, na omissão no CMI da referência às consequências para a A. e a R. do regime de exclusividade, o que violaria a disposição da alínea g) do n.º 2 do artigo 16.º da Lei 15/2013, sendo certo que tais consequências estão, clara e profusamente, mencionadas no n.º 2 da Cláusula 4.ª do CMI, nas alíneas: (a) - Consequência para a R. e para a A. “in fine” e (b) - Consequências para a Autora. J- Pelo que a exigência da referida alínea g) do n.º 2 do artigo 16.º se mostra cumprida, de forma clara, sendo inteiramente válido o CMI dos autos. K- A douta sentença, decidindo pela nulidade, para além dela própria (sentença), enfermar de nulidade, fez uma errada aplicação da lei (artigo 16.º, n.º 2, alínea g) e 7, da Lei n.º 15/2013). Ainda sem conceder, L- Finalmente, ainda que por mera e remota hipótese a condenação da R. viesse a ser confirmada, os juros de mora devidos deveriam ser calculados à taxa dos juros civis e não à taxa dos juros comerciais, face ao disposto no § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, dado que pela sua natureza, a credora não poderia ser considerada uma empresa comercial e só a estas, enquanto credoras, são devidos juros calculados à taxa dos juros comerciais. M- A douta sentença, ao condenar a R. no pagamento de juros de mora à taxa dos juros comerciais, violou o disposto no § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial”. Com os transcritos fundamentos conclui pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, pugnando pelo proferimento de acórdão que decida ter a recorrente direito ao recebimento da remuneração paga. Também a interveniente interpôs recurso, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões: “1.ª Para efeitos de delimitação do objeto do presente recurso, refira-se que o mesmo recairá apenas sobre matéria de direito, nomeadamente: (iv) Da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro (v) Da nulidade do contrato de mediação (vi)Taxa de juros de mora a aplicar à indemnização. 2.ª A Recorrente adere na integra às alegações de recurso apresentadas pela Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda., mediadora imobiliária. 3.ª A Interveniente entende que de acordo com a redação da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, foi deixado à livre disposição das partes a definição do momento do vencimento da obrigação do pagamento da comissão à imobiliária. 4.ª Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, do RJAMI, a remuneração da empresa de mediação é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 5.ª Ora, a Interveniente não pode aceitar o entendimento do Tribunal que nos casos em que as partes acordaram que o pagamento da comissão é devido com a celebração do contrato promessa, pode haver situações em que a comissão deve ser devolvida. E não pode concordar com este entendimento, desde logo porque o mesmo não resulta expresso do contrato de mediação. Em nenhuma cláusula do contrato de mediação, ou até mesmo da Lei n.º 15/2013 do RJAMI, está previsto que, sob certas e determinadas circunstâncias o valor da comissão deva ser devolvido. 6.ª Acresce que a posição da Autora também não ficou prejudicada, uma vez que resulta assente no facto 4 que com a celebração do contrato promessa, esta recebeu a quantia de € 192.000,00 a título de sinal. Sendo que o valor do sinal não foi devolvido, pelo que a Autora reteve o valor de € 192.000,00 para si. 7.ª E por último, também não foi alegado pela Autora ou pela Ré que o contrato de mediação tenha sido rescindido com a celebração do contrato promessa, pelo que não se tendo realizado o contrato de compra e venda nada impedia que a Ré continuasse à procura de um comprador para o imóvel da Autora. 8.ª O facto de as partes poderem estipular o momento do vencimento da obrigação do pagamento da comissão tem sido defendido por várias decisões dos Tribunais superiores, nomeadamente no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/04/2023, no âmbito do processo n.º 614/21.5T8MFR.L1-1, mas também no Acórdão da Relação de Lisboa de 07/07/2022, no âmbito do processo n.º 2092/21.0T8OER.L1-2; no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/02/2012, no âmbito do processo n.º 1988/09.1TBPFR.P1; no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17/03/2005, no âmbito do processo 873/04-2; bem como, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/03/1994, proc. 446, CJ 1994, II, págs. 260-2, ainda ao abrigo da anterior redação da lei da mediação. 9.ª Face ao exposto, a ora Interveniente entende que a decisão aqui em crise deveria ter decidido que de acordo com a vontade das partes, estipulada no contrato de mediação, o direito ao pagamento da comissão nascia na esfera jurídica da Ré com a celebração do contrato-promessa e, como tal, o valor que foi entregue à Ré era-lhe devido e não deve ser restituído, o que culminaria com a absolvição da Ré e Interveniente. 10.ª Com respeito à nulidade do contrato, a Autora em momento algum do processo alegou que o regime da exclusividade tivesse interferência com a celebração do contrato de mediação ou com a inviabilidade do contrato definitivo. 11.ª A Autora nunca colocou em causa a celebração do contrato de mediação com exclusividade e tanto assim é que as partes acordaram, em sede de audiência prévia, que para a discussão de direito do presente litígio, não se deveria aplicar o disposto no artigo 19.º, n.º 2, da do RJAMI que é exatamente onde se encontra previsto uma exceção sobre o pagamento em virtude do contrato ter sido celebrado com exclusividade. 12.ª Ao decidir conforme pela nulidade da referida cláusula, o Tribunal violou o preceituado no artigo 264.º, n.ºs 1 e 2 e os artigos 660.º e 661.º, n.º 1, todos Código de Processo Civil. 13.ª. De igual modo, não foi dada a oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a eventual nulidade contratual, o que configura uma nulidade da sentença, nos termos do disposto nos artigos 195.º, n.º 1, 199.º, e 615.º, n.º 1, alínea a), do CPC. 14.ª Face ao exposto, a Interveniente entende que a decisão sobre a nulidade do contrato de mediação deve ser eliminada da sentença. 15.ª Sem conceder no que acima se deixou dito quanto ao direito à restituição do valor da comissão da Recorrida, refira-se ainda que mal andou o Tribunal recorrido ao condenar a Recorrente no pagamento de juros de mora à taxa aplicável às transações comerciais – 7% –, o que fez por entender que a Ré e Interveniente são sociedades comerciais. 16.ª De acordo com o disposto no artigo 102.º, § 3.º, do Código Comercial, na redação introduzida pelo artigo 11º do DL n.º 62/2013, de 10 de maio, a Autora não é uma empresas comerciais, singulares ou coletivas. 17.ª E de igual modo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 277/2013, de 26 de agosto, a Autora também não é titular de empresas comerciais, singulares ou coletivas. 18.ª Assim, mesmo que se admita, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona que a Autora seja titular de um crédito perante a Ré e Interveniente, o facto de não ser uma empresa ou sociedade, mas antes uma pessoa singular, inviabiliza a aplicação da taxa de juro comercial e como tal a condenação em juros deve ser de acordo com a taxa civil em vigor, isto é, de 4%. 19.ª Assim, mal andou o Tribunal recorrido ao aplicar o artigo 102.º do Código Comercial, pois para aplicação deste artigo não importa que a Ré e a Interveniente sejam sociedades comerciais. 20.ª Verificando-se que a Autora não é titular de nenhum crédito comercial, uma vez que não é uma sociedade comercial, o artigo 102.º do Código Comercial não tem aplicação ao caso em apreço e deve ser aplicada a taxa civil.” Conclui igualmente pela revogação da sentença recorrida. A autora contra alegou, defendendo naturalmente a manutenção do julgado. * A Sr.ª juíza pronunciou-se no sentido de não se verificar a arguida nulidade. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir: i. da nulidade da sentença por excesso de pronúncia; ii. do erro de interpretação da cláusula 5.ª do contrato e n.º 1 do artigo 19.º da Lei 15/2013; iii. da natureza dos juros devidos. * i. Da nulidade da sentença recorrida As apelantes imputaram à sentença recorrida o vício da nulidade por ter indevidamente conhecido de questão não suscitada pelas partes, na circunstância a nulidade do contrato, tanto mais que na audiência prévia acordaram que o enquadramento jurídico da causa ficava circunscrito à interpretação das cláusulas acordadas, com especial enfoque na cláusula 5.ª, e n.º 1 do artigo 19.º da citada Lei 15/2013, sem que lhes tenha sido dada previamente a possibilidade de se pronunciarem, assim resultando violado o princípio do contraditório. Conhecendo: Atendendo ao fundamento invocado pela apelante, afigura-se que o vício imputado à decisão recorrida é o excesso de pronúncia, previsto na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, que ocorre quando o Tribunal infringe a regra do artigo 608.º, nos termos da qual, com excepção das questões de conhecimento oficioso, o tribunal só pode pronunciar-se sobre aquelas que as partes suscitaram, ainda que tenha de se pronunciar sobre todas elas. Antes de mais, importa referir que, podendo as partes acordar que a causa deva ser decidida à luz de um determinado quadro jurídico, tal acordo não vincula o Tribunal, como resulta claro da regra consagrada no n.º 3 do artigo 5.º do CPCiv. Deste modo, e tratando-se além do mais de nulidade de conhecimento oficioso – apenas à empresa de mediação se encontra vedada a sua invocação[1] – podia/devia o Tribunal dela tomar conhecimento, caso entendesse, como parece ter sido o caso, ainda que daí se não tenham retirado quaisquer consequências, que o contrato celebrado era nulo. Questão diversa desta é saber se o poderia fazer sem previamente chamar as partes a pronunciarem-se, uma vez que nenhuma delas equacionou a verificação de tal excepção. Como é sabido, “O princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão dos fundamentos de direito em que ela vá assentar, sendo decorrência do mesmo a proibição da decisão-surpresa, ou seja, a prolação de decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, ou que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurado pela parte, sem que estas tivessem obrigação de tal prever” (cfr. acórdão do STJ de 02 de Maio de 2024, proferido no processo n.º 1099/21.1T8AMD.L1.S1, acessível em www.dgs.pt). E, conforme se assinala no mesmo aresto, “A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal, o que quer dizer que o juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes, mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição”. Estando em causa a omissão de acto imposto pela lei, discute-se, porém, se estamos perante uma nulidade da sentença -o vício seria aqui o excesso de pronúncia-, impondo-se a sua arguição no recurso interposto desta peça conforme prescreve o n.º 4 do artigo 615.º do CPC, entendimento que tem vindo a registar crescente adesão[2], ou se se trata antes de nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, assim submetida ao regime previsto nos artigos 201.º e seguintes. do citado diploma legal, devendo ser arguida no prazo de 10 dias e perante o Tribunal onde a irregularidade se verificou[3]. Seja qual for o entendimento que a propósito se perfilhe, a verdade é que a questão da nulidade do contrato veio a ser referida na sentença apenas a título de “obter dictum”, sem que dela tenha sido extraída qualquer consequência, o que afastaria a necessidade de notificação prévia das partes para se pronunciarem, uma vez que a omissão não teve influência na decisão da causa[4]. Acresce que, conforme faz notar a apelada, não seria agora caso de anular a sentença, uma vez que tal resultaria num acto inútil (e, como tal, proibido, atento o que dispõe o artigo 130.º do CPCiv), posto que as partes tiveram oportunidade de sobre essa mesma questão emitir pronúncia nas alegações e contra alegações que oportunamente ofereceram, o que fizeram[5], nada obstando portanto a que, se for caso disso, este Tribunal se pronuncie sobre a eventual nulidade do contrato ajuizado. Improcede, nos termos e com os fundamentos expostos, a invocada nulidade da sentença recorrida. * II. Fundamentação De facto É a seguinte a factualidade a atender, a qual resultou provada em virtude do acordo das partes e documentos juntos aos autos: 1. A Autora (…) tem inscrita a seu favor pela Ap. (…), de 02-04-2015, a aquisição por doação da fração autónoma para habitação correspondente ao Apartamento n.º 801, 8.º Andar, composto de habitação com sala comum, 4 quartos, cozinha, despensa, 3 casas de banho e varanda, sito no Edifício (…), Avenida da (…), em (…), freguesia de Quarteira, Concelho de Loulé, inscrita na matriz sob o artigo urbano (…) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n° …/19910531, tal como resulta do documento 1 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. A Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda. é uma sociedade comercial que, no âmbito do seu objeto social, se dedica à mediação imobiliária e é titular da Licença AMl n° (…) emitida pelo IMPIC. 3. Por escrito datado de 25 de Janeiro de 2022, a Autora (…), como 2.ª outorgante, e a Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda., como 1.ª outorgante, celebraram "Contrato de Mediação Imobiliária", no âmbito do qual a Ré obrigou-se a diligenciar, em regime de exclusividade, no sentido de conseguir interessados na compra do prédio propriedade da Autora, sendo que nos termos convencionados, as partes acordaram no seguinte: “Cláusula 4.ª “Regime de contratação” “2. (…) b) Será devida à MEDIADORA a remuneração acordada na cláusula seguinte quando o negócio visado no CMl não se venha a concretizar por causa imputável ao(s) SEGUNDO(S) OUTORGANTES(S), bem como no reembolso das despesas efetuadas, nomeadamente comercialização e divulgação, mediante apresentação dos respetivos comprovativo" Cláusula 5.ª "1- A remuneração só será devida à MEDIADORA se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede Portugal (…) conseguirem interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei/15/2013, de 08 de fevereiro. 2- O(s) SEGUNDO(S) CONTRAENTE(S) obriga-se a pagar à MEDIADORA a título de remuneração a quantia de 6% (seis) por cento) calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor. 3- A remuneração da MEDIADORA será paga da seguinte forma: a) O total da remuneração aquando da celebração do CPCV, quando o valor do sinal entregue pelo cliente comprador for igualou superior a 12% (doze por cento) do valor da venda; b) 50% (cinquenta por cento) do total da remuneração aquando da celebração do CPCV, sempre que o sinal entregue seja superior a 6% (seis por cento) e inferior a 12% (doze por cento) do valor da venda sendo os restantes 50% (cinquenta por cento) aquando da celebração da escritura publica de compra e venda; c) Aquando da celebração da escritura pública de compra / venda sempre que o sinal entregue for inferior a 6% (seis por cento) do valor da venda ou na inexistência no CPCV ( ... )", tal como resulta do documento 2 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (…)”. 4. No dia 22 de setembro 2022, na sequência dos serviços de mediação diligenciados pela Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda., a Autora celebrou e assinou um contrato promessa de compra nos termos do qual: i. a Autora obrigou-se a vender a fração autónoma a (…) e (…), casados no regime da comunhão de adquiridos, pelo preço de € 1.600.000,00, tendo recebido a quantia de € 192.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento, correspondente a 12% do preço e a escritura pública deveria ser outorgada até ao dia 31.01.2023 no cartório notarial do Dr. (…), em (…), podendo o prazo ser objeto de prorrogação por mais 60 dias, por impossibilidade de uma das partes; ii. a marcação da escritura competia aos Segundos Contratantes, Promitentes Compradores, e iii. consta da sua cláusula 11.ª a intervenção da Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de mediadora imobiliária, tal como resulta do documento 3 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 5. A Autora pagou à Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda, após a celebração do contrato-promessa referido em 4), a quantia de € 96.000,00 mais IVA, no total de € 118.080,00. 6. O contrato definitivo objeto do contrato promessa referido em 4) não será realizado. 7. A Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda. transferiu para a Ré (…), Seguros, SA a responsabilidade civil da sua atividade de mediadora imobiliária por contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…). 8. Os promitentes compradores instauraram contra a aqui A. e também contra a (…), Mediação Imobiliária, Lda., acção declarativa, a qual se encontra pendente no mesmo Juízo Central Cível de Faro com o n.º 3513/23.2T8FAR, na qual pedem a condenação solidária dos RR no pagamento da quantia de € 384.000,00, correspondente ao dobro do sinal passado e indemnização por danos infligidos, acrescida dos juros, conforme consta da certidão de fls. 59 a 83 dos autos (facto aditado nos termos dos artigos 607.º, n.º 4, ex vi do n.º 3 do artigo 663.º do CPCiv). * De Direito Da constituição do direito à remuneração da empresa mediadora: da interpretação do artigo 19.º da Lei 13/2015 e cláusula 5.ª do contrato celebrado nos autos Na definição constante do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 13/2015, de 8 de Fevereiro (doravante designado por RJAMI), “A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”, sendo a descrita actividade a prestação característica do contrato de mediação imobiliária[6]. Não se encontra controvertido nos autos que entre a A. e a Ré foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, logo, necessariamente oneroso, discutindo-se apenas se a ré empresa de mediação tem direito a haver para si a retribuição integral convencionada, a qual lhe foi paga pela autora na sequência da celebração do contrato promessa com o terceiro interessado angariado pela demandada. Sendo aplicável o regime jurídico da atividade de mediação imobiliária consagrado na Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto, em vigor à data da celebração do contrato em causa nos autos (artigo 12.º do Código Civil), tal questão convoca, conforme as partes reconhecem e aceitam, a interpretação do artigo 19.º, n.º 1, do diploma citado e também da cláusula 5.ª do contrato celebrado, impondo-se ter presente que a remuneração devida, a sua forma de cálculo e forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável, têm de constar obrigatoriamente do contrato, sob pena de nulidade (nulidade atípica, estando vedada a sua invocação à empresa de mediação), como resulta do disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea c) e n.º 5, do RJAMI. Não interessando discutir aqui se no âmbito dos contratos de mediação a empresa mediadora assume uma verdadeira obrigação – de meios ou resultado –, ou apenas uma incumbência, afigurando-se que tal decorrerá da interpretação dos termos acordados[7], afigura-se, todavia, que a celebração do negócio visado pelo cliente, porque na dependência de terceiros, não integra o tipo contratual. Não obstante, aqui com relevância para a decisão, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 19.º do RJAMI que a remuneração da mediadora não é devida pelo exercício da atividade de mediação, ou seja, pelas diligências efectuadas no sentido de encontrar interessado no negócio visado, nem sequer pela obtenção do interessado, sendo devida apenas com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do RJAMI, sendo no entanto irrelevante para este efeito que o mesmo venha ou não a ser cumprido. É, pois, "entendimento pacífico, na doutrina e jurisprudência, que no contrato de mediação imobiliária a regra é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua atividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito”[8]. Nestes termos, e como correctamente se enuncia na decisão recorrida, para que a remuneração da empresa de mediação seja devida, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: a) o mediador há-de ter exercido a sua actividade, tendo agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o primeiro quer celebrar; b) a conclusão do contrato pretendido entre o comitente e um terceiro, não bastando, em regra, a promessa de contratar ou manifestações de vontade que não correspondam à celebração do negócio visado; c) a existência de nexo causal entre aquela atividade e a conclusão deste contrato. De volta ao caso que nos ocupa, verifica-se ter ficado a constar da cláusula 1.ª do contrato celebrado que a aqui ré se obrigava apenas “a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel identificado pelo preço de € 1.650.000,00, desenvolvendo para o efeito acções de prospecção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis” (vide n.º 1), assim recusando a assunção de uma obrigação de resultado. Não obstante, estipularam ainda as partes, o que fizeram constar da cláusula 5.ª, que “A remuneração só será devida à mediadora, se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede (…) conseguirem interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro” (é nosso o destaque). Defende todavia a apelante que, ao invés do decidido, a remuneração integral é-lhe devida na sequência da celebração do contrato promessa, não só porque assim foi estipulado, mas também porque se trata de uma excepção à regra de que a remuneração é devida com a concretização do negócio, a qual goza, também ela, de consagração legal na 2.ª parte do n.º 1 do citado artigo 19.º. Não secundamos tal interpretação, o que se adianta, não obstante o reconhecimento de que se trata de questão que divide doutrina e jurisprudência. Vejamos: O artigo 19.º dispõe que “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.” A regra é, pois, e como se deixou já referido, a de que o direito da mediadora à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do negócio querido pelo cliente, suportando a empresa o risco de, a final, correrem por sua conta e sem qualquer contrapartida as despesas em que incorreu no exercício da sua actividade, risco que justifica de algum modo as elevadas remunerações que, via de regra, são cobradas. Reconhece-se que as partes têm liberdade para estipular, se assim o entenderem, que é devida uma remuneração – autónoma – pela celebração do contrato promessa, o qual pode satisfazer o interesse do cliente[9], marcando o momento em que se constitui o direito da mediadora à mesma. Tal situação é, porém, distinta daqueloutra em que, sendo a remuneração devida, como é regra, apenas com a celebração do contrato visado com a mediação, no caso a venda do imóvel, as partes acordam em antecipar esse pagamento, parcial ou totalmente, para o momento em que é celebrado o contrato promessa, no reconhecimento de que se trata inequivocamente de um marco relevante no iter negocial, assinalando a vinculação das partes à celebração do contrato prometido. A esta última situação se reporta, em nosso entender, a previsão da 2.ª parte do transcrito n.º 1 do artigo 19.º, sob pena do quase total esvaziamento da regra geral: veja-se que a antecipação do pagamento da comissão, parcial ou até integral, tendo por referência o momento da celebração do contrato promessa vem prevista no modelo de contrato aprovado pela Portaria 228/2018, de 13 de Agosto (no qual, de resto, se inspirou claramente o celebrado pelas partes nestes autos), potenciando a sua inclusão na esmagadora maioria dos contratos celebrados. Entendemos, pois, assim secundando o entendimento expresso na sentença recorrida, que o acordo a que se refere a lei no segmento final do preceito que se analisa reporta-se “exclusivamente ao momento, à “fase” em que é devido o pagamento, e não à aquisição ou constituição do direito à remuneração própria do contrato de mediação”[10], interpretação que, encontrando expressão na letra da lei, é aquela que salvaguarda o princípio que o legislador entendeu erigir em regra. Atinge-se assim que a conclusão do contrato visado com a mediação não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo também facto constitutivo do direito da empresa a ser remunerada. E tanto assim é que só para os casos em que foi convencionada a exclusividade o legislador previu excepcionalmente, no n.º 2 do preceito, que a empresa mediadora tenha direito à remuneração sem concretização do negócio visado, exigindo, porém, a prova de que a não concretização se ficou a dever a causa imputável ao cliente proprietário (ou arrendatário trespassante) do bem imóvel. Entendimento diverso, permitindo ao mediador que fizesse sua a remuneração recebida aquando da celebração do contrato promessa nos casos em que o contrato visado não se viesse a concretizar, seria fazer depender a aquisição do direito à remuneração da concretização daquele contrato, e não do contrato visado com a celebração do acordo de mediação[11], transferindo para o cliente “a álea caracterizadora da actividade do mediador (…) ainda em fase a anterior à celebração do contrato visado, o que o tipo não parece admitir (…)”[12]. Decorrência do que vem de se dizer, no caso das partes convencionarem a antecipação do pagamento da remuneração, parcial ou total, fazendo-o coincidir com a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo não se vier a realizar, a mediadora deve restituir ao cliente as quantias a este título recebidas[13]. A solução que resulta da interpretação do citado artigo 19.º não resulta contrariada quando se analise o acordo celebrado nos autos. Recorda-se aqui que em matéria de interpretação da declaração negocial releva quanto dispõem os artigos 236.º a 239.º, o primeiro destes preceitos consagrando a teoria objectivista da impressão do destinatário, maneira que a regra é a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, entendido como alguém medianamente instruído e diligente colocado na posição do real declaratário, perante o comportamento do declarante (exceptuados os casos, que aqui não relevam, de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real daquele). Nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. No caso, estipula-se na alínea a) do n.º 3 da dita cláusula 5.ª) do acordo de mediação que se o vendedor e o interessado na compra celebrassem um contrato-promessa com entrega de um sinal igual ou superior a 12% do valor da venda, a remuneração do mediador, fixada em 6% do preço, seria devida, na sua totalidade, no momento da celebração daquele contrato, tendo sido em cumprimento do assim estipulado que a A. fez entrega à Ré mediadora da quantia de € 118.000,00, correspondente à remuneração integral, acrescida do IVA. No entanto, em parte alguma da cláusula que se analisa se prevê que seja devida uma remuneração (autónoma) apenas pela celebração do contrato promessa, valendo ainda aqui a regra geral que as partes fizeram constar do n.º 1 da qual, por via da remissão para o antes citado artigo 19.º, só se exceptuam os casos em que foi convencionada a exclusividade e o negócio se não conclui por causa imputável ao cliente (cfr. o n.º 2 do preceito). Mas também o teor do n.º 3 da cláusula que se analisa, conjugada com os números precedentes, indica que estamos apenas perante uma antecipação do pagamento da remuneração, que só com a celebração do contrato visado será devida. Assim, tendo as partes convencionado que nos casos em que o sinal prestado fosse superior a 12% do preço convencionado o pagamento integral da remuneração coincidia com a celebração do contrato promessa, naqueles em que o sinal atingisse 6% do preço da venda (sendo, no entanto, inferior a 12%), deveria ser paga apenas metade da remuneração, com diferimento do restante para o momento da celebração do contrato definitivo. Finalmente, quando o sinal passado fosse inferior a 6%, o pagamento da remuneração ocorreria apenas com a celebração do contrato visado com a mediação, de tudo resultando que não estamos perante a derrogação da regra geral, expressamente consagrada no n.º 1 da cláusula em referência -a remuneração, em qualquer um dos casos, era devida apenas pela celebração do contrato definitivo- estando antes em causa a previsão do pagamento antecipado e eventualmente faseado da mesma, em função da maior disponibilidade financeira que os sinais previstos nos contratos promessa celebrados propiciassem aos comitentes. Conclui-se assim, acompanhando a decisão recorrida, que “quer o artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto, quer a cláusula do contrato em causa nos autos, estabelecem apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase na expectativa de que, em condições normais e com grande probabilidade, ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido.”[14] No entanto, daqui não resulta que se tenha constituído o direito da mediadora à remuneração, o qual continua dependente da conclusão e perfeição do negócio definitivo, tal como ficou a constar do n.º 1 da mesma cláusula, sentido que um destinatário normal, colocado na situação da autora, destinatária real, retiraria da estipulação em apreço, na articulação dos seus diversos números e alíneas, e ainda por via da remissão para as excepções consagradas no artigo 19.º da Lei 15/2013. Ocorre, porém, que conforme resultou demonstrado nos autos por acordo das partes, o contrato definitivo não se irá celebrar, pelo que a ré agora apelante não tem direito a haver para si a título de remuneração a quantia que lhe foi adiantada pela autora, com a consequência de se encontrar obrigada a restituí-la. Uma nota ainda quanto à nulidade do contrato, reconhecida na decisão recorrida, por “não ter dado [a empresa mediadora aqui ré] integral cumprimento ao disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), da Lei n.º 15/2013 (…) dado que, estando em causa o regime de exclusividade, não procedeu à especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente (…)”. É certo que o RJAMI não contém a especificação dos efeitos da cláusula de exclusividade, fazendo recair sobre as partes o ónus de os explicitarem, sob pena de nulidade do contrato (vide n.º 5 do preceito). A este respeito, visto o teor da cláusula 4.ª, designadamente dos seus n.ºs 2 e 3, afigura-se que se encontram suficientemente explicitadas as obrigações decorrentes para o cliente da subscrição de tal cláusula (SÓ a mediadora e as sociedades de mediação integrantes da Rede Portugal (…) ficaram com direito de promover a venda do imóvel durante o período de vigência do contrato, ficando interditada ao cliente a celebração de outro CMI relativo ao mesmo imóvel[15]) e as consequências da sua inobservância (obrigação de pagar a remuneração acordada caso o contrato se não viesse a concluir por causa imputável à cliente, bem como de reembolsar as despesas efectuadas, mediante apresentação dos respectivos comprovativos), para além do mais que as partes previram e preveniram nos n.ºs 3 e 4. Por outro lado, e ainda que se entendesse diversamente, eventual nulidade da cláusula de exclusividade, por inobservância da predita alínea g) do n.º 2 do artigo 16.º do RJAMI, não acarretava, em nosso entender, a nulidade total do contrato, mas antes a conversão do acordo celebrado num contrato de mediação simples, salvo se se demonstrasse a essencialidade daquela estipulação[16]. Ocorre, porém, que no caso em apreço, as partes acordaram expressamente em excluir a cláusula de exclusividade da discussão do litígio, tudo se passando como se o contrato tivesse sido celebrado sem ela, pelo que, ainda a verificar-se a nulidade da mesma, juízo que, como se viu, não subscrevemos, tal não afectava a solução a que se chegou. * Dos juros As apelantes contestam a sua condenação no pagamento dos juros à taxa em vigor para as dívidas de natureza comercial. E com razão o fazem, antecipa-se. Como resulta das disposições legais convocadas na sentença recorrida – artigo 102.º, § 3.º, do Código Comercial, na redacção introduzida pelo DL 62/2013, de 10 de Maio, e artigo 2.º da Portaria 277/2013, de 26 de Agosto, os juros moratórios aqui contemplados são os relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, justificando a aplicação de juros agravados a “necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua actividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”[17]. A razão de ser do agravamento dos juros comerciais relaciona-se, pois, com a qualidade do credor e não do devedor[18]. No caso em apreço a autora, titular do crédito, não é titular de empresa – ou tanto não alegou – pelo que os juros devidos são contados à taxa supletiva em vigor para as dívidas de natureza civil, nos termos dos artigos 559.º, n.º 1, do CCiv e 1.º da Portaria 291/2003, de 8 de Abril, procedendo este fundamento do recurso. * III. Decisão Acordam os juízes da 2.ª secção cível do TRE em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré (…), Mediação Imobiliária, Lda., condenando-a no pagamento dos juros vencidos e vincendos à taxa supletiva legal em vigor prevista na Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril, confirmando-se quanto ao mais a sentença recorrida. Custas nesta e na primeira instância, na proporção de 98% para a Ré e 2% para a Autora (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv). * Sumário: (…) * Évora, 12 de Setembro de 2024 Maria Domingas Simões Isabel de Matos Peixoto Imaginário José Manuel Tomé de Carvalho __________________________________________________ [1] Assim se aderindo ao entendimento expresso pela Sr.ª Des. Higina Castelo, em “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade” in Revista de Direito Comercial, pág. 1448, acessível em ttps://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5f022e6c04cf460c9abc7f88/1593978480039/2020-26+-+1401-Me, no qual afirma que “O teor literal da norma e a sua conjugação com a regra do artigo 286.º do CC conduzem a que a nulidade possa ser invocada por qualquer interessado com exceção da empresa de mediação, e a que deva também ser conhecida oficiosamente pelo tribunal”. [2] Assim, o aresto do mesmo STJ de 13/10/2020, no processo 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1, e o acórdão do TRG 19/3/2020, processo 6760/19.8T8GMR-A.G1, este com anotação concordante do Prof. MTS –Blog IPPC, entrada de 8/9/2020 –, na esteira da opinião já antes ali expendida. [3] Cfr., Neste preciso sentido, aresto do STJ de 2/6/2020, processo 496/13.0TVLSB.L1.S1, ainda que a propósito da violação do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do CPC, e o comentário crítico do Prof. M. Teixeira de Sousa no Blog do IPPC, entrada de 8/3/2021. [4] Cfr., no sentido de que o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito, mesmo que meramente adjectivas, susceptíveis de virem a integrar a base da decisão, o acórdão do TRP de 2/12/2019, proferido no processo 14227/19.8T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt. [5] Cfr., neste preciso sentido, o acórdão do STJ de 1 de Outubro de 2019, proferido no processo 3550/90.0TBVLG.P1.S1, também acessível em www.ddgsi.pt, citado pela apelada nas contra alegações. [6] Neste sentido, a Sr.ª Des. Higina Castelo no seu “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade” in Revista de Direito Comercial, já citado. [7] Concordamos assim com a Des. Higina Castelo quando sustenta, no seu “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, in Revista de Direito Comercial, que “Perceber se a mediadora se obrigou e a quê, só casuisticamente, mediante a análise de cada concreto contrato, poderá ser conseguido. Há que olhar o texto do contrato e interpretá-lo”. [8] Fernando Baptista Oliveira, in “Direito dos Contratos – O contrato de mediação imobiliária na prática judicial: uma abordagem jurisprudencial” – Centro de Estudos Judiciários, 2016, Coleção Formação Contínua, acessível em file:///C:/Users/MJ01415/Downloads/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria%20(1).pdf [9] Considere-se, por hipótese, o caso de o contrato promessa ser considerado pelas partes como o acto conclusivo, por ter eventualmente ocorrido pagamento integral do preço acompanhada da traditio do imóvel prometido vender, ou ainda, como parece ter-se verificado no caso julgado pelo STJ no acórdão de 1/4/1964, em que as partes terão considerado a situação “firme e definida” pela mera celebração do contrato promessa, anotado por Manuel Salvador no seu “Contrato de Mediação”, citado por Maria de Fátima Ribeiro, em “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Revista de Direito Comercial, acessível em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b03df1670a6adb23e887769/1526980376093/2017-08.pdf., notas 37 e 38. [10] Maria de Fátima Ribeiro, citado “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Revista de Direito Comercial. [11] Assim, e acompanhada de perto, Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação….” [12] Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação…”. [13] É a solução adoptada por Maria de Fátima Ribeiro na obra citada, e ainda nos acórdãos do TRP de 30/6/2022, proferido no proc. 12308/21.7T8PRT.P1, TRL 25/11/2021, proc. 8971/20.4T8SNT.C1-8, com recenseamento de outras decisões jurisprudenciais, e no acórdão deste mesmo TRE de 27/10/2022, no proc. 760/19.5T8FAR.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt [14] Com efeito, e como se assinala no aresto do TRP citado na nota anterior, que versou sobre caso com base factual idêntica, “Muito embora a norma e a cláusula do contrato que a reproduz usem a expressão «ser devido», em bom rigor o pagamento da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa não significa que baste a celebração desse contrato para que se preencham os pressupostos do direito à remuneração. Em qualquer caso, a constituição desse direito continua dependente da conclusão e perfeição do negócio visado e só se esta circunstância se verificar é que a remuneração se torna juridicamente exigível (devida). Se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador. Mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial. O que a norma em causa e a cláusula do contrato em causa estabelecem por referência a um momento em que o negócio ainda não se concretizou é apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa (um contrato cujo efeito jurídico é a constituição da obrigação de celebração do negócio visado) e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase. Na expectativa de que em condições normais e com grande probabilidade ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido, as partes no contrato de mediação imobiliária podem indexar o pagamento da remuneração (o vencimento) ao momento da celebração do contrato-promessa, apesar do que, se o contrato prometido não vier a ser celebrado, haver casos em que o direito à remuneração se constitui e casos em que ele não chega sequer a constituir-se, daí resultando que o pagamento antecipado se torna supervenientemente inexigível e dever ser repetido.(…)” [15] Ficando, todavia, aparentemente em aberto a possibilidade de angariar por si interessado na aquisição, questão que, no entanto, não releva para estes autos. [16] Defendendo esta mesma solução, a Sr.ª Des. Higina Castelo, no “Contratos de mediação imobiliária; simples e com exclusividade”. [17] Acórdão do STJ de 09-07-2014 (Proc. 433682/09), citado no acórdão do STJ de 8.9.2016, processo 1665/06.5TBOVR.P2.S1, acessível em www.dgsi. [18] Bastando para a sua aplicação a existência de um acto de comércio unilateralmente comercial, como decidido no acórdão do TRG de 21/1/2021, no processo 720/18.3TbBCL.G1), com referência a outras decisões. |