Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
197/24.4T8TNV.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CONDOMÍNIO
DESPESAS
DÍVIDA AO CONDOMÍNIO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
DECLARAÇÃO TÁCITA
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PRESCRIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

I - A obrigação dos condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, é uma típica obrigação propter rem, decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio.


II - As despesas da administração da coisa e tudo o que disser respeito a reparações ordinárias indispensáveis para a conservação do edifício cabem ao usufrutuário.


III - A assunção de dívidas é a transmissão da posição jurídica do devedor, isto é, do débito, ou seja, a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efetuar a prestação devida por outrem, operando uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação.


IV - A declaração negocial tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.


V - Esse comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.


VI - No caso das quotas de condomínio, estamos perante prestações periodicamente renováveis, normalmente pagas em prestações mensais, constituindo a contrapartida do uso e fruição das partes comuns.


VII - Estas prestações renovam-se de forma sucessiva enquanto perdurar o condomínio (arts. 1424º e 1431º, do CC), estando, por isso, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310º, al. g), do CC.


VIII - A interpretação dos factos feita pelo autor/recorrente, deve ser entendida como a defesa convicta de uma perspetiva jurídica desses factos, que no caso foi diversa daquela que a decisão judicial acolheu, o que não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação de qualquer sanção processual.

Decisão Texto Integral: Proc. nº 197/24.4T8TNV.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I - RELATÓRIO


Condomínio do Prédio Avenida 1, 63, Local 1, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe: (i) a quantia de 16.588,41€ acrescida de juros contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, a incidir sobre o capital de € 6.429,88 ou, subsidiariamente, (ii) a quantia de € 6.019.03, com o acréscimo de juros no montante de € 2.081,91 (correspondente a quotizações relativos aos anos de 2014 a 2020).


Alega, em síntese, que o réu e os seus irmãos foram proprietários de duas frações autónomas no prédio do condomínio autor, das quais o pai do réu foi usufrutuário até 2015, não tendo, porém, pago as quotas que se venceram desde 2004, tendo a autora proposto ações declarativas e executivas contra o pai do réu, nas quais não logrou recuperar a totalidade do montante em dívida.


Mais alega que o réu e os seus irmãos assumiram perante o autor, por carta, que pagariam as quotas devidas pelo usufrutuário quando vendessem o imóvel o que não fizeram, sendo que o réu adquiriu as quotas-partes dos irmãos na fração «AB» em 2020 e, em 2023, vendeu essa fração a terceiros.


O réu contestou, excecionando a ilegitimidade (processual) do autor, invocando a falta de deliberação da assembleia de condóminos mandatando a administração do condomínio para intentar a presente ação; a sua ilegitimidade substantiva, dizendo que até à inscrição da renúncia ao usufruto no registo predial da fração, o responsável pelo pagamento das quotas de condomínio era o usufrutuário e não o réu, negando ainda ter assumido o pagamento desta obrigação; a prescrição de todas as quotizações e juros vencidos até 05-03-2019; que os valores recebidos pelo autor nas ações executivas intentadas contra o usufrutuário, eram suficientes para cobrir as dívidas deste ao condomínio relativas aos anos de 2004 a 2010.


Mais alegou desconhecer qual o valor das quotizações deliberadas em Assembleia Geral de condóminos para cada um dos anos indicados na petição inicial.


Convidado para o efeito, o autor respondeu às exceções invocadas pelo réu, defendendo a não verificação da arguida ilegitimidade ativa, reiterando também ser o réu o responsável pelas dívidas peticionadas na ação, e aduzindo que a prescrição invocada se interrompeu com o reconhecimento da existência do crédito do autor pelo réu e seus irmãos, apenas se tendo reiniciado com a venda do imóvel a terceiros em 30.06.2023.


Teve lugar a audiência prévia, na qual o autor concretizou os seus pedidos e alguma da factualidade alegada, designadamente: (i) que peticiona as quotas de condomínio vencidas de janeiro de 2004 a 31-12-2019 e um crédito de € 81,46, respeitante a um acerto realizado pelo condomínio por reporte ao mês de junho de 2020; (ii) que as quotas mensais desde o ano de 2004 e até janeiro de 2015 correspondem aos valores indicados na tabela junta como documento n.º 10 da petição inicial, para cada ano, a dividir por doze; (iii) que peticiona um adicional de 2.250.69€, referente ao ano de 2008, relativo a uma quota extraordinária de reparação de elevadores.


Convidado a esclarecer a data de vencimento da obrigação de pagamento de quotas, o autor não logrou concretizá-la, indicando apenas que os juros computados na ação o foram por referência ao total anual das quotas e calculados apenas a partir de 31 de dezembro do respetivo ano. Esclareceu ainda que os valores recebidos em ações executivas movidas contra o anterior usufrutuário foram imputados, primeiro, a pagamento de juros vencidos e, depois, a capital.


Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa e/ou irregularidade de representação da autora, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.


Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, julga-se a ação intentada por CONDOMÍNIO DO PRÉDIO Avenida 1, 63, Local 1 contra AA E BB improcedente, por não provada e, em consequência, decide-se absolver o R. do pedido.


Mais se decide condenar o A. como litigante de má-fé numa multa no valor de 3 (três) UC.


Custas pelo A. (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).»


Inconformado, o autor apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação de prolixas conclusões, que não satisfazem a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no art. 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas.


Das mesmas conclusões consegue, não obstante, respigar-se quais as questões submetidas à apreciação deste Tribunal da Relação, e porque o réu/recorrido exerceu de forma efetiva o respetivo contraditório, considerando ainda o princípio da proporcionalidade, não deixará de se conhecer do objeto do recurso (eliminei “dos réus”, não só por o recurso ter sido interposto pelo autor e não pelo réu – e não réus -, como por desnecessário), podendo resumir-se assim o teor das conclusões:


- O réu/recorrido, os seus irmãos, CC e DD e BB, e o seu pai, EE, através de carta datada de 28.01.2010, que enviaram ao mandatário do recorrente, sabendo que as quotizações de condomínio não eram pagas desde 2004, reconhecendo a sua dívida, vencida e vincenda até ao momento da venda da fração, obrigaram-se ao pagamento de todos os montantes em dívida no momento da outorga do contrato promessa.


- Entre janeiro de 2004 e fevereiro de 2019, nem o usufrutuário EE, nem os proprietários do imóvel pagaram voluntariamente quaisquer quotas de condomínio, sendo que os únicos pagamentos efetuados decorreram de execuções instauradas.


- Considerando os pagamentos parciais já recebidos em sede executiva, permanece em falta a quantia de € 14.814,12, correspondente ao saldo de quotas vencidas até 12.02.2015 e às quotas de 13.02.2015 a fevereiro de 2019, acrescido de juros vencidos e vincendos.


- Nos termos dos artigos 224º e 236º do Código Civil, a declaração do réu e das demais pessoas referidas, é válida, eficaz e deve ser interpretada como uma confissão da dívida, no sentido de que abrange todas as quotizações vencidas à data do contrato-promessa.


- A declaração de 2010 interrompeu o prazo de prescrição (art. 325º CC). O novo prazo só se iniciaria com a escritura de compra e venda, que não ocorreu. Além disso, tratando- se de crédito judicialmente reconhecido, aplica-se o prazo prescricional de 20 anos, nos termos do art. 309º do CC, pelo que a ação é tempestiva.


- A condenação do Recorrente como litigante de má-fé não tem fundamento, porquanto todas as quantias pagas foram corretamente contabilizadas em conta corrente, não houve ocultação de factos nem utilização abusiva de meios processuais, sendo que eventuais lapsos de cálculo foram meramente técnicos, sem dolo ou intenção de enganar.


- Deve a sentença recorrida ser revogada por erro na interpretação da declaração, no cômputo do crédito e por indevida condenação em litigância de má-fé.


O réu contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso e a consequente manutenção da sentença recorrida.


Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO


Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:


- se o réu é responsável pelo pagamento das quotas ordinárias ao Condomínio, o que passa por saber, designadamente, se a declaração do réu e dos irmãos, constante da carta de 28.01.2010 representa uma assunção da dívida do pai (usufrutuário);


- se o montante das quotas peticionadas (ou parte delas) e respetivos juros se mostram prescritos.


- se o autor/recorrente litigou de má-fé.


III – FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos1:


1. Sob a descrição predial n.º 810/20071210, da Conservatória do Registo Predial de Cidade 2, freguesia de Vila 3, mostra-se descrito o prédio urbano sito na Avenida 1 nº 63.


2. Sob a descrição predial n.º 810/20071210-AB da Conservatória do Registo Predial de Cidade 2, freguesia de Vila 3, mostra-se descrita uma fração autónoma designada pela letra «AB», correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano referido em 1.


3. Na descrição referida em 2 mostra-se inscrita, pela apresentação n.º 71, de 29-03-1982, a aquisição da referida fração a favor de DD e BB, CC e BB e AA e BB, por doação de FF.


4. Na descrição referida em 2 mostra-se inscrita, pela apresentação n.º 70, de 29-03-1982, a constituição de um direito de usufruto sobre a referida fração a favor de EE (casado com GG e BB), por doação de FF.


5. Por sentença proferida pelo então 5.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, em 23-10-2009, no âmbito do processo n.º 6985/08.1..., em ação intentada pelo aqui A. além do mais contra EE, este último foi condenado a pagar ao A. a quantia de 6.341,14€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 09-09-2009 e até integral pagamento.


6. Na sentença referida em 5 deram-se por provados os seguintes factos:


«1 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2 sob os números 810/20071130 e 810/20071212-AB, freguesia de Vila 3, o prédio urbano sito na Avenida 1, matriz n.º 1606, constituído em propriedade horizontal pela apresentação de 12/06/1974, cuja fracção autónoma composta pelo segundo andar esquerdo, tem usufruto inscrito a favor de EE casado/a com GG e BB no regime de comunhão geral, por doação de FF, pela apresentação 70 de 29/03/1982.


2 – No dia 16 de Fevereiro de 2006, os condóminos do prédio referido em 1 realizaram uma reunião onde acordaram por documento escrito, sob a epígrafe “Acta de Reunião n.º1/2006”, onde se pode ler, para além do mais: “(…) ordem de trabalhos: (…) 5. Outros assuntos diversos (nomeadamente quotizações em atraso) (…) O condómino do 2º esquerdo deve


Do ano de 2004 – 749,73€


Do ano de 2005 – 1.032,88€


Totalizando a sua dívida em – 1.782,61€


(…) A Assembleia, por unanimidade, considerou necessário instaurar a correspondente acção judicial (…)”


3 - No dia 2 de Agosto de 2006, os condóminos do prédio referido em 1 realizaram uma reunião onde acordaram por documento escrito, sob a epígrafe “Acta de Reunião n.º2/2006 Elevadores do Prédio”, onde se pode ler, para além do mais:


“(…) Pagar ao instalador (OTIS) que faz a manutenção corrente dos ascensores em 24 prestações mensais Cobrar aos condóminos, mensalmente, as respectivas quotas, conforme consta na tabela que se anexa à presente acta


Obrigar todos os condóminos a cumprirem o dever de pagar as quotas mensais, referentes a este investimento nos ascensores, até ao dia 8 do mês seguinte a que a quota diz respeito (…)


Se o condómino, ao quarto mês em falta, não pagar a totalidade da sua participação global, a Administração fica com poderes para, judicialmente, dar solução ao problema (…)


MAPA


(…) 2º esq (…) pagamento integral 2.251,69€ (…) 24 meses 93,82€”


4 – As quotas de condomínio do prédio referido em 1 respeitantes aos anos de 2006 e 2007, totalizam a quantia de €1.153,42 cada.


5 - O condómino do 2º andar esquerdo do prédio referido em 1 não procedeu à entrega de 22 prestações para os efeitos referidos em 3»


7. Por carta datada de 28-01-2010, dirigida ao Ilustre Advogado HH, com o assunto «Ref.: Proc. 6985/08.1... 5.º Juízo Cível de Oeiras| Adm. do Cond. da Avenida 1, 63 - Cidade 2», e subscrita pelo R., por EE, por CC e BB e por DD e BB, estes comunicaram o seguinte:


«Sr. Dr. HH:


Os abaixo assinados, EE e seus filhos, AA e BB, CC e BB e DD e BB, são respectivamente os titulares do direito de usufruto e do direito da nua propriedade da fracção AB correspondente ao 2.° andar esquerdo do prédio descrito sob o n.º 810/20071210 da Conservatória de Cidade 2.


A Administração do Condomínio do referido prédio sito na Avenida 1, 63, decidiu intentar uma acção contra o primeiro signatário e sua ex-mulher por falta de pagamento das quotas de condomínio, facto que este desconhecia uma vez que não reside no referido apartamento há cerca de vinte e cinco anos.


No momento presente foi decidido entre todos os signatários, proceder à venda do imóvel e em seu lugar, adquirir outro menor só para a D.ª II pelo que no momento em que seja outorgado o respectivo contrato promessa de compra e venda se procederá à liquidação de todos os montantes em divida.


Por tal sugere-se a V.Ex. se proceda à suspensão da instância pelo prazo de três meses que se julga adequado à resolução deste assunto.


Sem mais por ora».


8. A A. intentou contra EE uma execução para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 1152/11.1..., correu termos no Juízo de Execução de Oeiras.


9. No âmbito da ação executiva referida em 8 foi penhorada ao aí Executado EE uma quantia total de 11.081,33€, da qual 9.363,98€ foram entregues ao A. para pagamento dos juros e capital em dívida, taxa de justiça e sanção pecuniária compulsória, 1.182,23€ foram entregues ao Estado a título de sanção pecuniária compulsória, 487,45€ foram pagos ao agente de execução e 47,97€ foram devolvidos ao Executado por excesso de penhora.


10. A A. recebeu o valor de 9.363,98€ referido em 8 nas seguintes tranches:


a) 4.221,29€, até 03-02-2016;


b) 355,67€, até 01-03-2016;


c) 355,00€, até 29-03-2016;


d) 711,30€, até 16-06-2016;


e) 355,00€, até 04-08-2016;


f) 702,00€, até 19-01-2017;


g) 357,00€, até 03-02-2017;


h) 357,00€, até 13-03-2017;


i) 1.949,42€, até 12-03-2018.


11. Por escritura pública outorgada em 12-02-2015, no Cartório Notarial de Vila 4, EE renunciou gratuitamente ao usufruto sobre a fração autónoma referida em 2 e sobre a fração autónoma designada pela letra «D» do prédio referido em 1.


12. Por sentença proferida pelo então Juiz 1 da Secção Cível da Instância Local de Faro, em 09-09-2015, no âmbito do processo n.º 1609/14.0..., em ação intentada pelo aqui A contra EE, este último foi condenado a pagar à A. a quantia de 7.863,95€, referente às quotas do condomínio relativas aos anos de 2008 e até final do primeiro trimestre de 2014, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 820,91€ e de juros vincendos e «todas as quotizações devida a titulo de Condomínio que se vierem a vencer enquanto este tiver a posição de usufrutuário, nas datas do respectivo vencimento».


13. Em 16-03-2016, a A. intentou contra EE uma execução para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 983/16.9..., correu termos na 1.ª Secção de Execução (J1) da Instância Central de Loulé.


14. No âmbito da ação executiva referida em 13, a A. liquidou:


a) título de capital, o valor de 7.863,95€;


b) a título de 24 meses de quotas vencidas e não pagas, no valor de 115,51€ por mês, a quantia de 2.772,24€;


c) a título de juros de mora vencidos até 31-03-2014 a quantia de 820,91€;


d) a título de juros de mora vencidos desde 01-04-2014 a quantia de 629,11€.


15. No âmbito da ação executiva referida em 13, a A. recebeu, pelo menos, as seguintes quantias:


a) 4.160,17€, até 11-06-2020;


b) 72,60€, até 01-03-2021.


16. O A. tomou conhecimento da renúncia ao usufruto referida em 11 em data não apurada, mas não posterior a 18-02-2019.


17. Por carta de 10-04-2019, emitida pelo A. e entregue em mão ao R. e a DD e BB e CC e BB, o A. comunicou o seguinte:


«Assunto: Condomínio do n.º 63 da Avenida 1


Rectificação do Registo do Prédio na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2


Dívidas ao Condomínio


Na sequência da carta enviada pelo Advogado do Condomínio, Sr. Dr. HH, a V. Ex.as, que junto para imediata identificação do assunto, a Administração do Condomínio muito agradece que, com a máxima brevidade possível, outorguem a favor dos administradores do Condomínio a procuração cuja minuta foi anexa à aludida carta. Os Senhores ausentes no estrageiro poderão por procuração à Ex.ma Senhora D. DD e BB, dar solução a este problema do Condomínio, que convém resolver com a máxima brevidade possível.


Aproveito para lembrar que a renúncia do usufruto das fracções "AB", correspondente ao 2º esq.º, e "D", correspondente à arrecadação, do nosso condomínio, foi outorgada em 12 de Fevereiro de 2015, no Cartório Notarial de Vila 4, de JJ, pelo que desde essa data V. Exas são proprietários, por inteiro, das duas fracções. Ora, assim sendo, todas as despesas do Condomínio são da conta de V. Exas, desde 12 de Fevereiro de 2015 em diante e, como tal, são devedores dos seguintes montantes:


10 meses de 2015 ………………...………………… 1.379,84€ x 10/12 = 1.149,87€


2106 ……………………………………………………………………1.479,80€


2017 …………………………………………………………………… 1.391,57€


2018 …………………………………………………………………… 1.506,64€


1º e 2º Trimestres de 2019 ………………………………………………. 783,96€


Total: ………………………………………………6.311,84€ (sem juros de mora)


Face ao exposto muito se agradece a regularização dos dois assuntos acima referidos.


A aguardar as vossas notícias, envio os melhores cumprimentos».


18. As quotas de condomínio referentes à fração identificada em 2 e relativas aos meses de março a dezembro de 2019 foram pagas.


19. Na descrição referida em 2 mostra-se inscrita, pela apresentação n.º 2358, de 17-02-2020, a renúncia, pelo usufrutuário, ao usufruto referido em 4.


20. Na descrição referida em 2 mostra-se inscrita, pela apresentação n.º 2192, de 07-10-2020, a aquisição de 2/3 da referida fração por AA e BB, por compra a DD e BB e CC e BB.


21. Por sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Olhão, Juiz 2, em 15-08-2023, no processo de insolvência n.º 818/23.6..., e transitada em julgado em 05-09-2023, EE foi declarado insolvente.


22. O processo referido em 21 encontra-se em fase de liquidação dos bens.


23. Na descrição referida em 2 mostra-se inscrita, pela apresentação n.º 213, de 01-07-2023, a transmissão da fração aí mencionada a favor de KK e LL, por compra ao aqui R. e a MM.


24. O R., CC e BB e DD e BB não pagaram ao A. os montantes correspondentes às quotas vencidas entre 2008 e 12-02-2015.


25. Em 23-05-2023, o A. emitiu uma declaração com o seguinte teor:


«Nos termos e para os efeitos do artigo 1424/A nº 1 do Código Civil, NN, com o Cartão de Cidadão n.º ..., válido até 07-08-2031, na qualidade de Administrador do Condomínio do prédio urbano sito na Avenida 1, nº 63, Miraflores ... Vila 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2 sob o nº 810 e inscrito na matriz predial urbana sob artigo 3317, declara, para os devidos efeitos, que, relativamente às Fracções "AB", que corresponde ao 2º Esq.º, destinado a habitação, e "D" referente à arrecadação n.º 4, existe uma divida ao Condomínio no montante de 6.858,15€ (seis mil oitocentos e cinquenta e oito euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora, correspondendo esta dívida ao período de 2004 (inclusive) a 30 de Junho de2020;


Relativamente à dívida supra-referida e às despesas condominiais deste Condomínio, declara-se o seguinte:


1. Dívida do 2º Esq.º (fracções "AB" e "D", correspondentes à habitação e arrecadação, respectivamente)


1.1 O Sr. EE era, por doação do seu Pai - com registo na 2º Conservatória do Registo Predial de Cidade 2, em vinte e nove de Fevereiro de mil novecentos e oitenta e dois -, o usufrutuário, legal, das duas fracções, ficando, na supra-referida doação, proprietários os netos do doador: DD e BB, CC e BB e AA e BB;


1.2 O Sr. EE renunciou o usufruto no dia doze de Fevereiro de dois mil e quinze, como consta em certidão lavrada no Cartório Notarial de Vila 4;


1.3 Os usufrutuários reais da fracção, após o divórcio do Sr. EE, eram a Sr. D. OO e os seus três filhos, mencionados em 1.1


1.4 No período de dois mil e quatro a doze de Fevereiro de dois mil e quinze o Sr. EE não pagou despesas condominiais no montante de 15.443,49€;


1.5 Pelo não pagamento de despesas condominiais há um Processo Judicial a decorrer, contra o Sr. EE, no Juiz 1 do Juízo de Execução de Loulé, da Comarca de Faro, tendo o Processo o n.º 983/16.9...;


1.6 Sem juros de mora, o valor de todas as cotizações que não foram pagas pelo Sr. EE no período de 2004 (inclusive) a 12 de Fevereiro de 2015, data da renúncia do usufruto, atinge o montante de 15.443,49€;


1.7 O valor total executado e recebido (em 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020) pelo Condomínio até 2020 (inclusive), sem juros de mora, atinge o montante de 14.441,84€;


1.8 O montante por receber, sem juros de mora, do período de 2004 (inclusive) a 12 de Fevereiro de 2015 (renúncia do usufruto) é: 15.443,49€ -14.441,84€ = 1.001,65 € (mil e um euros e sessenta e cinco cêntimos);


1.9 O Valor, sem juros de mora, de todas as cotizações que não foram pagas no período de 12 de Fevereiro (depois da renúncia do usufruto pelo Sr. EE) a 30 de Junho de 2020 ascende ao montante de 5.856,50€.


1.10 Face ao supra-referido o montante global da dívida do 2º esq.º ao condomínio, sem juros de mora, é a soma dos valores referidos em 1.8 e 1.9, isto é: 6.858,15€;


(…)


2. Valor das Quotizações para o Ano 2023


2.1. A quota anual do condomínio referente às duas fracções supracitadas é, no ano dois mil e vinte e três, de 1.581,82€ (mil quinhentos e oitenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), para as despesas correntes, não incluindo este valor eventuais quotizações especificas para obras em partes comuns do edifício;


2.2. O valor referido em 2.1 é pago em 4 (quatro) cotizações trimestrais de 395,455 €, que vencem no final do 1º mês de cada trimestre;


2.3. Referente às Fracções "AB" e "D", com as áreas brutas de 145m2 e 6,7m², respectivamente, está incluído um seguro multirrisco com o valor de 191,60€;


2.4 No valor referido em 2.3 está incluído o montante de 13,86€ referente à fracção "D" da arrecadação isto é 7% de 191,60€,


2.5. Nos orçamentos anuais do Condomínio, atribuível à Fracção "D", correspondente à arrecadação n.º 4, apenas se considera atribuído o valor de 13,86€ (para 2023) referido em 2.4;


(…)»


Foram considerados não provados os seguintes factos.


a) O prédio referido em 1 tem uma fração autónoma designada pela letra «D» correspondente à arrecadação n.º 4.


b) O R. e os seus irmãos CC e DD e BB estiveram inscritos como proprietários da fração autónoma indicada em a).


c) O pai do R. EE foi usufrutuário da fração autónoma indicada em a).


d) Com a subscrição do documento referido em 7, o R., CC e BB e DD e BB pretenderam assumir solidariamente com o seu pai, EE, a responsabilidade pelo pagamento das quantias em dívida a título de quotizações de condomínio, a pagar no momento da venda da fração referida em 2.


e) As quotas aprovadas pela Assembleia de Condóminos do A. relativamente à fração mencionada em 2 foram:


i. em 2008, o valor anual de 1.254,49€;


ii. em 2009, o valor anual de 1.258,18€;


iii. em 2010, o valor anual de 1.271,98€;


iv. em 2011, o valor anual de 1.273,69€;


v. em 2012, o valor anual de 1.252,93€;


vi. em 2013, o valor anual de 1.242,35€;


vii. em 2014, o valor anual de 1.386,20€;


viii. em 2015, o valor mensal de 114,97€;


ix. em 2016, o valor mensal de 123,32€;


x. em 2017, o valor mensal de 115,96€;


xi. em 2018, o valor mensal de 125,55€;


xii. em 2019, o valor mensal de 179,92€.


f) Por referência à fração referida em 2, não foi pago um valor de 81,46€ relativo a quotas de junho de 2020.


g) O A. apenas teve conhecimento do facto referido em 11. em julho de 2020, por consulta da certidão predial do imóvel identificado em 2.


O DIREITO


Da responsabilidade pelo pagamento das quotas ordinárias ao Condomínio


Está provado que, por carta datada de 28.01.2010, dirigida ao Sr. Advogado HH, com o assunto «Ref.: Proc. 6985/08.1... 5.º Juízo Cível de Oeiras| Adm. do Cond. da Avenida 1, 63 - Oeiras», subscrita pelo réu/recorrido e por EE, CC e BB e por DD e BB, os subscritores emitiram a declaração transcrita no ponto 7 dos factos provados.


Lê-se na sentença recorrida:


«(…) o objetivo último da carta era a suspensão da instância num processo pendente que, como se extrai do teor dos factos provados n.ºs 5 e 6, já havia conhecido sentença favorável ao A. e desfavorável ao usufrutuário da fração, apenas englobando as quotas relativos aos anos de 2004 a 2007, e que acabou por conhecer uma execução que permitiu ao A. obter o pagamento coercivo destes valores.


Por outro lado, em ponto algum da aludida carta é expressa uma assunção direta e pessoal da dívida que fora objeto dessa ação, antes decorrendo da mesma uma manifestação da intenção do devedor e dos proprietários de raiz do bem (sem os quais a fração não poderia ser vendida) de, no futuro, virem a vender a mesma e, aí, ocorrer pagamento dos valores em dívida ao condomínio. Não se especifica, no entanto, que outra pessoa (se alguma), que não o usufrutuário pagará estas quantias ao A.. Atente-se no uso de um pronome indefinido com função de sujeito: «(…) se procederá à liquidação de todos os montantes em divida.».


Ademais, não resulta da matéria de facto alegada e provada que o A. tenha respondido a esta missiva ou que, de qualquer outra forma expressa ou tácita, tenha dado o seu consentimento à pretensa assunção de dívida; que se tenha verificado a suspensão da instância que com esta carta era pretendida, ou que se tenha verificado a condição para o pagamento dos valores em dívida, objeto do processo judicial identificado na epígrafe da carta: a venda do imóvel.


Pelo contrário, o que os autos revelam é que o usufrutuário do bem optou simplesmente por renunciar ao usufruto, sem cuidar de pagar os valores em dívida ao condomínio.


Destarte, não se poderá concluir (como pretende o A.) que o R. assumiu perante si as dívidas de condomínio da responsabilidade de usufrutuário (quer as que eram objeto do processo n.º 6985/08.1... identificado na carta, quer as vencidas posteriormente e até à data da carta, quer as que se venceram nos cinco anos que se seguiram ao envio desta missiva e até à renúncia do usufruto).


Logo, improcede a pretensão do A. de ver o R. condenado pelo pagamento de quotas de condomínio vencidas até 12-02-2025.»


Entendimento diverso tem o recorrente, para quem a referida missiva constitui uma assunção da dívida por parte do réu e dos restantes filhos do usufrutuário.


Vejamos, pois, de que lado está a razão.


Constitui entendimento dominante que a obrigação dos condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, é uma típica obrigação propter rem, decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio2, que, no dizer de Henrique Mesquita3, é integrado por normas consagradas diretamente na lei, por um título de origem negocial (o título constitutivo da propriedade horizontal) e relativamente à gestão das coisas comuns, por deliberações da assembleia dos condóminos.


No mesmo sentido, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela4, que «todo aquele que ingresse no condomínio (ou exerça com base numa relação creditória, os poderes que aos condóminos competem: caso do arrendatário ou do comodatário), fica automaticamente subordinado às regras do respetivo estatuto, seja qual a sua origem (legal ou negocial)».


Daí sobre ele recair, nos termos do disposto no art. 1424º, nº 1, do Código Civil5, a obrigação de pagamento, na proporção do valor da respetiva fração ou frações, das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, que constarem do orçamento elaborado anualmente e forem aprovadas pela assembleia geral de condóminos.


É o que sucede in casu, sabendo-se que sobre as frações em causa incidiu um direito de usufruto constituído a favor do pai do réu e dos demais subscritores da declaração a que se aludiu supra.


Tal entendimento decorre da própria estrutura do direito de usufruto, o qual confere ao usufrutuário os poderes de usar, fruir e administrar a coisa, de acordo com o seu destino económico [art. 1446º do CC], e que, em contrapartida, lhe impõe o dever de suportar as reparações ordinárias indispensáveis à conservação da coisa e as despesas inerentes à sua administração (artigo 1472º, nº 1, do CC)6.


Não oferece, pois, dúvidas que durante todo o período em que se manteve o usufruto constituído a favor de EE sobre as frações autónomas designadas pelas letras “AB” e “D”, do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2 sob a ficha n.º 810/20071210, da freguesia de Vila 3, competia exclusivamente ao usufrutuário – e não a réu e restantes comproprietários – o pagamento das quotas de condomínio relativas a esse período


Assim, tendo o usufrutuário, por escritura pública de 12.02.2015, renunciado gratuitamente ao usufruto das frações autónomas, pelo menos até esta data é aquele o único responsável pelo pagamento das quotizações em dívida.


Mas será que a acima referida carta de 28.01.2010 representa, como defende o recorrente, uma assunção de dívida por parte do réu/recorrido?


Apreciando aquela missiva, no contexto em que a declaração dela emergente foi produzida, afigura-se claro da mesma não resultar que o réu tenha assumido a dívida do usufrutuário, já que o mesmo – assim como os demais subscritores da carta – se limitou a enunciar uma intenção futura de proceder à liquidação dos valores em dívida, caso viesse a concretizar-se a venda do imóvel.


A assunção de dívidas é a transmissão da posição jurídica do devedor, isto é, do débito, ou seja, «a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem, operando uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação»7, em que «mediante negócio jurídico, um terceiro se constitui devedor da dívida em que outrem se achava constituído»8.


A este propósito, dispõe o art. 595º do CC, no seu nº 1, que a transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se, por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor [al. a]; por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor [al. b].


Distingue, assim, este normativo legal, três modalidades de assunção de dívidas, ou seja, a assunção derivada de contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor [citada alínea a) do nº 1], a assunção derivada de contrato entre o novo devedor e o credor, com consentimento do antigo devedor [citada alínea b) do nº 1] e a assunção derivada de contrato entre o novo devedor e o credor, sem consentimento do antigo devedor [citada alínea b) do nº 1].


Por sua vez, preceitua o nº 2 do art. 595º do CC, que «em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado», distinguindo, assim, complementarmente, em obediência às consequências da transmissão operada, a assunção liberatória da assunção cumulativa da dívida.


Lê-se na carta datada de 10.04.2019, enviada pela Administração do Condomínio ao réu/recorrido e aos seus irmãos:


«(…) Aproveito para lembrar que a renúncia do usufruto das frações “AB”, correspondente ao 2.º esq., e “D”, correspondente à arrecadação, do nosso condomínio, foi outorgada em 12 de fevereiro de 2015, no Cartório Notarial deVila 4, de JJ, pelo que desde essa data V. Exas. são proprietários, por inteiro, das duas frações. Ora, assim sendo, todas as despesas do Condomínio são da conta de V. Exas., desde 12 de fevereiro de 2015 em diante e, como tal, são devedores dos seguintes montantes (…)».


Sendo que os montantes alegadamente em dívida, e referidos naquela carta se encontram discriminados e reportam-se a 10 meses do ano de 2015 até ao 2.º trimestre de 2019.


Tal facto demonstra inequivocamente que o autor/recorrente nunca reconheceu na carta de 28.01.2010 qualquer assunção ou reconhecimento de dívida por parte do réu, pois se o tivesse feito, não teria deixado de imputar ao réu e aos irmãos o pagamento de todas as quotas em dívida desde essa data, e não apenas aquelas que se venceram após a renúncia ao usufruto.


A reforçar este entendimento, os mapas de “Exercício de 2018/Controlo de pagamentos e dívidas” (doc. 2 junto com a contestação), onde a dívida é exclusivamente imputada ao “Sr. EE”. Apenas a partir de 2019 - quando o recorrente tomou conhecimento da renúncia ao usufruto - passou a imputar as dívidas relativas às quotas de condomínio a “Filhos do Sr. EE” (vd. doc. 3 junto com a contestação).


Por sua vez, nos termos do nº 1 do art. 217º do CC, «[a] declaração negocial pode ser expressa ou tácita: diz-se expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo direto de manifestação de vontade; e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, revelem».


O Supremo Tribunal de Justiça, tem reiteradamente decidido que os factos concludentes de onde se deduz a declaração negocial devem ser significantes, positivos e inequívocos9.


A declaração negocial tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo, podendo esse comportamento declarativo estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa10.


Lê-se na sentença recorrida:


“Focando a análise no teor da carta de 28-01-2010 verifica-se que o único trecho suscetível de levar à ponderação de uma intenção de assunção de dívida é o seguinte:


«No momento presente foi decidido entre todos os signatários, proceder à venda do imóvel e em seu lugar, adquirir outro menor só para a D.ª II pelo que no momento em que seja outorgado o respectivo contrato promessa de compra e venda se procederá à liquidação de todos os montantes em divida.»


Não tendo ficado provada que a vontade real dos subscritores da carta fosse a que o A. invocou (cf. alínea d) da matéria de facto não provada), há que determinar qual o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do A., retiraria de tal expressão.


Começando por analisar o «sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo», verificamos que a missiva em causa é dirigida ao advogado do A. e faz expressa menção ao processo judicial indicado em 5 da matéria de facto provada, sendo a carta concluída nos seguintes termos: «Por tal sugere-se a V.Ex. se proceda à suspensão da instância pelo prazo de três meses que se julga adequado à resolução deste assunto.».


Temos, pois, que o objetivo último da carta era a suspensão da instância num processo pendente que, como se extrai do teor dos factos provados n.ºs 5 e 6, já havia conhecido sentença favorável ao A. e desfavorável ao usufrutuário da fração, apenas englobando as quotas relativos aos anos de 2004 a 2007, e que acabou por conhecer uma execução que permitiu ao A. obter o pagamento coercivo destes valores.


Por outro lado, em ponto algum da aludida carta é expressa uma assunção direta e pessoal da dívida que fora objeto dessa ação, antes decorrendo da mesma uma manifestação da intenção do devedor e dos proprietários de raiz do bem (sem os quais a fração não poderia ser vendida) de, no futuro, virem a vender a mesma e, aí, ocorrer pagamento dos valores em dívida ao condomínio. Não se especifica, no entanto, que outra pessoa (se alguma), que não o usufrutuário pagará estas quantias ao A.. Atente-se no uso de um pronome indefinido com função de sujeito: «(…) se procederá à liquidação de todos os montantes em divida.».


Subscrevemos integralmente estas palavras da sentença recorrida, as quais refletem uma cuidada análise da factualidade em causa, sendo que não se colhem quaisquer outros elementos de toda a indagação feita na presente ação, que permitam sustentar que o que foi declarado na carta de 28.01.2010 tivesse um âmbito mais vasto do que aquilo que os declarantes haviam querido dizer, isto é, a enunciação de uma intenção futura de proceder à liquidação dos valores em dívida, caso viesse a concretizar-se a venda do imóvel.


Assim, não se tendo provado a intenção do réu assumir pessoalmente a obrigação do usufrutuário, e inexistindo consentimento do credor que pudesse tornar eficaz uma eventual assunção, improcede a pretensão do recorrente de responsabilizar o recorrido pelas quotas de condomínio vencidas até 12.02.2015.


Das alegadas dívidas relativas a quotas do condomínio


São três os períodos temporais a considerar para efeitos de apuramento e imputação das dívidas relativas a quotas não pagas ao condomínio e peticionadas pelo autor/recorrido:


(i) período anterior à renúncia ao usufruto (desde janeiro de 2004 até 12.02.2015 - data da renúncia ao usufruto);


(ii) período desde a renúncia ao usufruto e até ao primeiro mês relativamente ao qual o réu procedeu pagamento das quotas (desde 12.02.2015 e até 01.03.2019);


(iii) período desde março de 2019 e até dezembro de 2019;


Vejamos cada um destes períodos separadamente.


Do período de janeiro 2004 a 12.02.2015


Como resulta dos factos dados como provados (pontos 5 e 6), o usufrutuário (pai do recorrido) foi condenado judicialmente, ao pagamento das quotas do condomínio relativas aos anos de 2004 a 2007, e que, na execução dessa sentença, o recorrente foi integralmente ressarcido de tais valores, tendo, inclusive, havido devolução de parte dos valores penhorados ao executado, por excesso de penhora (pontos 7 a 9 dos factos provados).


O usufrutuário foi ainda condenado, no âmbito do processo n.º 1609/14.0..., a pagar não só as quotas do condomínio relativas aos anos de 2008 e até final do primeiro trimestre de 2014 (liquidadas em 7.863,95€) mas também «todas as quotizações devidas a título de Condomínio que se vierem a vencer enquanto este tiver a posição de usufrutuário, nas datas do respectivo vencimento» - cf. ponto 12 dos factos provados.


Assim, jamais pode ser imputada ao recorrido a responsabilidade pelo pagamento dos montantes não liquidados em sede de execução, os quais eram da exclusiva responsabilidade do usufrutuário e nunca por si foram assumidos.


Do período de 13.02.2015 e até 26.09.2018


As dívidas respeitantes a este período temporal, ainda que pudessem ser imputadas ao recorrido, encontram-se prescritas atento o disposto no artigo 310º, al. g), do CC, sendo que a prescrição foi expressamente invocada pelo réu na contestação.


Também não é defensável que prescrição se tenha interrompido por via da declaração inserta na carta de 28.01.2010. Desde logo, porque, como se viu, essa declaração não consubstancia um reconhecimento da dívida, nem uma assunção pessoal da mesma, carecendo de qualquer eficácia interruptiva nos termos do artigo 326.º do Código Civil.


Mas ainda que se admitisse tratar-se de um reconhecimento de dívida, o que não se concede, sempre os seus efeitos se limitariam às quantias especificamente em causa no processo judicial a que a carta aludia, e nunca a prestações posteriores não abrangidas por esse processo.


Assim, relativamente aos valores alegadamente em dívida no período em apreciação, os mesmos encontram-se prescritos.


A prescrição é o instituto jurídico pelo qual os direitos subjetivos se extinguem se não forem exercidos durante certo lapso de tempo fixado na lei (art. 298°, n° 1 do CC).


A prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, carecendo de ser por estes invocada (arts. 301 ° e 303° do CC).


A prescrição tem como principal fundamento a inércia de alguém que, podendo ou devendo atuar para exercitar um direito, se abstém de o fazer. Sustenta-se numa ideia de negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência essa que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna desmerecedor de proteção jurídica.


Este instituto visa a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a proteção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles.


No caso das quotas de condomínio, estamos perante prestações periodicamente renováveis, normalmente pagas em prestações mensais, constituindo a contrapartida do uso e fruição das partes comuns.


Estas prestações renovam-se de forma sucessiva enquanto perdurar o condomínio (arts. 1424º e 1431º, do CC), estando, por isso, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310º, al. g), do CC. O prazo começa a correr a partir do momento em que a prestação se torna exigível (cf. art. 306º, nº 1, do CC).


Defende o recorrente que no caso seria aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no art. 309º do CC, por alegadamente já terem os créditos sido judicialmente reconhecidos, o que carece de sustentação, pois o recorrido nunca foi parte em qualquer das ações executivas instauradas, não tendo sido judicialmente demandado para o pagamento de quaisquer valores. Do mesmo modo, como vimos, nunca reconheceu ou assumiu pessoalmente a responsabilidade pelo pagamento das quotas.


Nessa medida, aplica-se ao caso o prazo quinquenal do artigo 310º, al. g), do CC, pelo que os montantes relativos ao período em referência se encontram prescritos.


Ademais, como bem se observa na sentença recorrida:


“(…) a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido (cf. n.º 1 do artigo 325.º do Código Civil), sendo que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam (cf. n.º 2 do preceito).


Ora, (1) à data da emissão da carta em causa o A. não era (como se viu) titular de qualquer direito sobre o R. e seus irmãos (mas apenas sobre o pai destes); (2) as quotas então em dívida não correspondem às que ora se analisam e que se venceram após a renúncia ao usufruto do bem pelo pai do R.; (3) o aludido documento não contém declarações suscetíveis de serem interpretadas como reconhecimento de um direito do A. contra o R. nem exprime factos dos quais se possa extrair de forma inequívoca um reconhecimento da dívida condominial (coeva ou futura) pelo R.; (4) como acima se viu já, a interpretação da missiva revela uma intenção diferente da de assunção de dívida e, por maioria de razão, de qualquer reconhecimento de dívida.


Destarte, o teor daquele documento não é idóneo a interromper o prazo prescricional, por cerca de 13 anos, como pretende o A..


Aqui chegados, caberá chamar à colação o regime excecional de suspensão dos prazos prescricionais que vigorou no nosso ordenamento jurídico no período de vigência das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19.


Assim, por força do disposto no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (com a redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril), a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade ficou suspensa a partir de 09-03-2020 e até 02-06-2020, tendo tal suspensão sido reintroduzida pelo artigo 6.º-B, n.º 1, aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e vigorado entre 22-01-2021 e 05-04-2021 (cf. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).


Destarte, ao prazo de prescrição de 5 anos haverá que descontar estes 160 dias de suspensão do mesmo, durante os quais o prazo não correu.


Por outro lado, em face da data em que ocorreu citação válida do R. para esta ação, aplica-se o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que a data a considerar para efeitos da interrupção da prescrição é 04-03-2024 (uma vez que a ação foi intentada em 28-02-2024).


Logo, e decorrendo do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil que apenas a citação ou a notificação judicial de algum ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, pode constituir fator interruptivo da prescrição, conclui-se que se encontram prescritos os valores peticionados pelo A. que correspondam a quotas de condomínio vencidas até 26-09-2018 (04-03-2024 - 160 dias - 5 anos).


(…).


Assim, está a pretensão do A. votada ao insucesso relativamente (também) às quotas de condomínio vencidas entre 15-02-2015 e 26-09-2018, o que, como resulta do que acima se expôs, abrange os 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2015, os anos de 2016 e 2017 e os 1.º a 3.º trimestres de 2018.


Considerando que o prazo de prescrição de juros é também de 5 anos, mostram-se igualmente prescritos todos os juros vencidos sobre as quotas prescritas (antes da sua prescrição) pois, sobre o seu vencimento, decorreram os 5 anos previstos no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.”


Do período de 27.09.2018 até 28.02.2019


No que respeita às quotas de condomínio não prescritas, ou seja, as vencidas após 27.09.2018, o autor não provou factos que sustentem a origem do crédito invocado, designadamente que tais quotas tenham sido aprovadas em Assembleia de Condóminos, no período em causa, e nos montantes que constam dos mapas anexados à petição inicial, não sendo suficiente a junção de atas contendo deliberações sobre montantes em dívida por parte de um condómino, sem que se demonstre concretamente o valor das quotas que, em cada ano, lhe cabia pagar.


Assim, não tendo o autor logrado provar o facto constitutivo do direito que invoca, incumprindo assim o ónus que sobre ele recaía, nos termos do artigo 342º, nº 1, do CC, também no que respeita às quotas vencidas depois de 27.09.2018, a sua pretensão não pode proceder.


Acresce que, para além das dívidas pelas quais o executado (pai do réu), enquanto usufrutuário, já foi condenado e que, por conseguinte, se encontram judicialmente reconhecidas, o recorrente não demonstrou quais os valores das quotas fixados em assembleia de condóminos e respeitantes a cada um dos anos.


Importa, ainda, salientar que, à data, a fração autónoma em causa se encontrava em regime de compropriedade entre o réu e os seus dois irmãos. Nestes casos dispõe o artigo 1405º, nº 1, 2ª parte, do CC, que os comproprietários participam separadamente nas vantagens e encargos da coisa, na proporção das respetivas quotas ideais.


Lê-se no sumário do acórdão da Relação do Porto de 12.05.202511.


“I - A obrigação dos condóminos quanto ao pagamento das quotizações do condomínio – obrigação propter rem - não é uma obrigação solidária, mas uma obrigação conjunta (cfr. nº1, do art. 1424º, do Código Civil).


II - E a obrigação dos comproprietários de uma fração autónoma em relação às despesas comuns é, também, uma obrigação conjunta, respondendo cada comproprietário na medida da sua quota-parte.


III - Com efeito, a responsabilidade pelas despesas de conservação ou fruição da coisa comum é distribuída entre os comproprietários de acordo com as suas quotas de participação (nº1, do art. 1411º, do CC).


IV - Está, pois, a responsabilidade de cada condómino comproprietário de fração autónoma limitada à sua quota-parte na fração (nº1, do art. 1424º e nº1, do art. 1411º, ambos do CC), só podendo o credor exigir de cada um dos comproprietários a sua quota parte específica.”


Assim, na presente ação, a admitir-se que houve uma assunção de dívida, o que não se concede, não poderia o autor reclamar do réu senão o valor equivalente à sua quota-parte, isto é, 1/3 das quotas de condomínio vencidas entre 13.02.2015 e 07.10.2020, data em que o réu adquiriu a totalidade da fração, tornando-se, a partir de então, o único responsável pelo pagamento integral das quotas.


Do período de março a dezembro de 2019


As quotas relativas a este período foram pagas, como está provado [ponto 18 dos factos provados], pelo que também neste ponto improcede a pretensão do recorrente.


Da má-fé


«Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:


a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;


b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;


c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;


d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão» (art. 542º, nº 2, do CPC).


O instituto da litigância de má fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade.


Lê-se no acórdão da Relação do Porto de 16.07.2014 12 :


“A concretização das situações de litigância de má fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (art. 20º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental.


Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida.


(…).


Assim, à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objectivo de entorpecer a realização da justiça.


Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.”


Escreveu-se na sentença:


“(…) a prova carreada para os autos (alguma pelo próprio A.) revelou uma versão da realidade diferente da alegada na petição inicial e evidenciou que o A. peticionou o pagamento de quotas que já havia recebido (as referentes aos anos de 2004 a 2007 – recuperadas em ação executiva contra o anterior usufrutuário -, e as relativas aos meses de março a dezembro de 2019 - pagas voluntariamente pelo R.)


Temos, pois, que o A. deduziu uma pretensão de pagamento de valores que não poderia ignorar não ter fundamento, por se tratarem de valores já pagos, e alterou a verdade dos factos no que tange à forma e ao momento em que tomou conhecimento da renúncia ao usufruto.


Assumiu, assim, o A., na petição inicial, uma posição que não poderia ignorar ser inverídica e que importou um labor acrescido de prova e litigância, que não teria ocorrido acaso se tivesse abstido de reclamar valores a que sabia não ter direito por deles já se mostrar, há muito, ressarcido.


A conduta do A. consubstancia, assim, uma paradigmática dedução de pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar e uma alteração da verdade dos factos, que forçou o Tribunal à produção de prova desnecessária sobre parte do pedido, com inútil ocupação dos meios judiciais, pelo que é de concluir que o A. litigou de má-fé.”


Defende o recorrente que «deu conhecimento ao Tribunal de toda a informação e documentação referente às quotizações de condomínio devidas e não pagas e aos pagamentos efectuados pela Agente de Execução, não tendo omitido ou alterado qualquer facto, cumprindo, na integra, o dever de cooperação, sendo que os eventuais erros de cálculo jamais poderão preencher os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do citado artigo».


Mais aduz que «[n]ão utilizou o Recorrente de forma reprovável meios processuais para atingir um objectivo ilegal, antes pelo contrário, estava, e está, convicto que o Recorrido é responsável pelo pagamento das quotizações de condomínio, que desde 2004 até Fevereiro de 2019 não foram pagas, tal como ficou demonstrado na presente lide, não impediu a descoberta da verdade nem entorpeceu a acção da justiça».


Nesta questão não se acompanha a decisão recorrida.


Com efeito, considerando os vários períodos respeitantes a quotas do condomínio alegadamente em dívida, a interpretação dos factos feita pelo autor/recorrente, deve ser entendida como a defesa convicta de uma perspetiva jurídica desses factos, que no caso foi diversa daquela que a decisão judicial acolheu, o que não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação de qualquer sanção processual, admitindo-se que a discrepância de alguns valores face ao que foi dado como provado, tenha decorrido de erros de análise ou de avaliação.


Em suma, não indiciam os autos que o autor tenha atuado com dolo ou culpa grave, pelo que se impõe a revogação da condenação do autor como litigante de má-fé.


Vencido nas questões essenciais da apelação, e porque o incidente de má-fé não altera o valor da causa, suportará o autor as custas respetivas - art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


Sumário:


(…)


IV - DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que condenou o autor como litigante de má-fé, mantendo-se no mais o decidido.


Custas pelo autor, nos termos sobreditos.


*


Évora, 30 de outubro de 2025


Manuel Bargado (relator)


António Fernando Marques da Silva


Sónia Kietzmann Lopes


(documento com assinaturas eletrónicas)

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1. Mantém-se a numeração e redação da sentença recorrida.↩︎

2. Neste sentido, Henrique Mesquita, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 23º, p. 130 e Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., p. 432.↩︎

3. In Revista de Direito e Estudos Sociais, cit., p. 134.↩︎

4. In Código Civil Anotado, cit., p. 447.↩︎

5. Doravante abreviadamente designado CC.↩︎

6. Cf., inter alia, os acórdãos da Relação de Guimarães de 04.102023, proc. 1458/22.2T8GMR-A.G1, e da Relação de Lisboa de 28.09.2017, proc. 3133/16.8T8CSC.L1-8, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.↩︎

7. Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, p. 611 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, vol. II, 1990, p. 349.↩︎

8. Vaz Serra, Assunção de Dívida (Cessão de Dívida – Sucessão Singular na Dívida), BMJ nº 72, pp. 191-192.↩︎

9. Cf., inter alia, os acórdãos de 24.10.2000, CJ/STJ, 3, p. 93 e de 02.10.2025, proc. 828/22.0T8AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

10. Acórdão do STJ de 24.05.2007, proc. 07A988, e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª edição, p. 464.↩︎

11. Proc. 3241/15.2T8PRT-A.P2, in www.dgsi.pt.↩︎

12. Proc. 117/13.1TBPNF.P1, in www.dgsi.pt.↩︎