Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MANUEL MARQUES | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA RENÚNCIA DE DIREITOS | ||
| Data do Acordão: | 03/29/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Sumário: | I – Numa acção de impugnação pauliana incumbe ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto (réus) a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, que possam ser afectos à satisfação do direito do credor. II - A renúncia ao usufruto por parte do réu (devedor) constituiu um negócio gratuito pelo que nos termos do art. 612º do C. Civil, não é necessário verificar-se qualquer má fé na participação do terceiro adquirente, ou beneficiário dessa renúncia, para a procedência do pedido de impugnação pauliana, verificados que estejam os ouitros requisitos. III - «Na renúncia a direitos, os efeitos da procedência da impugnação pauliana consistem na ineficácia do acto impugnado em relação ao credor (e não na declaração de nulidade ou anulabilidade do acto), podendo este satisfazer o seu crédito através desse direito que, para esse exclusivo efeito, se considera renascido no património do devedor, sujeitando-o à execução, nos termos do art. 616º n.º 1 do CC». | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação em processo ordinário Tribunal Judicial da Comarca de Silves - Proc. N.º 371/2001 Proc. n.º 1067/06-2 Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I. A ........ intentou a presente acção contra os réus ................... e ......................., pedindo: - que seja declarada nula, por simulada a renúncia ao direito de usufruto da fracção "D", identificada no art. 16° da p.i., porque preenchida a previsão legal ínsita no art. 240°, n° 1 e 2 do CC; - que se ordene a reposição da inscrição do direito de usufruto a favor do réu ................, sob a cota FI, ap. 12/9811 02 e dar-se sem efeito o cancelamento feito pelo averbamento 01-ap. 12/981112, sobre o prédio descrito na CRP de .......... sob o n° 00295/900802-D; - que, caso não seja declarada a nulidade da renúncia em causa, por impugnação da mesma, deverá ser declarada ineficaz, em relação à autora, podendo o direito de usufruto ser objecto de penhora e posterior venda judicial até integral satisfação do crédito da autora. Alegou, em suma, que em 29-11-94 celebrou com "..................." (empresa da qual o 1º réu era sócio gerente na altura) um contrato de abertura de crédito, até ao montante de 10.000.000$00, tendo este réu, em conjunto com os outros sócios gerentes, se responsabilizado solidariamente como fiador e principal pagador do capital mutuado, correspondentes juros e despesas; que, relativamente a este empréstimo, foi dado como garantia um prédio urbano sito em ........, descrito na CRP de ............... sob o n.º 00851/12.11.1990, a qual foi prestada pela sociedade comercial ................. Lda, sendo seus sócios os demais fiadores); que não tendo sido cumprido pelos devedores o pagamento de tal empréstimo, foi no dia 17-07-98 instaurada acção executiva, na qual o autor não conseguiu cobrar o seu crédito em virtude de entre o mais aquele prédio ter sido vendido num processo de execução fiscal, tendo prosseguido a execução contra o ora aqui réu, sendo que em 25.03.98 a dívida atingia o montante de 9.823.565$00; que requereu a penhora da habitação do 1º réu, correspondente a uma fracção autónoma, sita em ........... e descrita na CRP de ............. sob o n.º 00295/900802-D; que constatou então que esta fracção já não pertencia ao aludido réu, que sobre ele só tinha direito de usufruto e que depois tinha renunciado a ele; que com tal renúncia pretendeu colocar a salvo de eventuais penhoras o único património que lhe restava, assim furtando tal património ao ressarcimento dos créditos que a ................... detinha sobre ele; que a segunda ré conhecia as responsabilidades do pai e as dívidas deste para com a autora; que os réus estabeleceram um acordo no sentido de enganarem a autora de modo a criarem a aparência de que o direito de usufruto havia sido transmitido quando na verdade o prédio continuou na posse do 1º réu que nunca teve a intenção de o alienar, nem a adquirente a intenção de o receber na sua esfera jurídica; que a renúncia é nula, por simulada; e que, caso assim não se entenda, é a mesma ineficaz em relação à autora. O réu .................... contestou a acção, tendo impugnado na sua essência as asserções factuais vertidas na p.i. A ré .................. (filha do 1º réu) contestou igualmente a presente acção, alegando desconhecer por completos os factos alegados pelo autor, sempre tendo agido de boa-fé, nos actos aqui impugnados. A autora replicou e peticionou a condenação do réu como litigante de má fé em multa e indemnização à autora de valor não inferior a 2500 euros. O réu treplicou, concluindo pela sua absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé. Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e organizados os factos assentes e a base instrutória, não tendo sido apresentada qualquer reclamação. Efectuado o julgamento, foi proferida a sentença de fls. 447 a 485, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e foi determinada a ineficácia da renúncia ao usufruto feita pelo réu .........., da fracção autónoma sita em .......... e descrita na Conservatória do Registo Predial de ............ sob o n.º 00295/900802-D e inscrita sob o artigo 891, feita em 10.11.1998, relativamente ao autor “....................”, nos termos do disposto no art. 616º do Código Civil. Inconformado veio o réu .................. interpor o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões: A)-No âmbito dos presentes autos veio a autora intentar acção de nulidade e subsidiariamente impugnação pauliana requerendo que: a)- Pedido principal: fosse declarada nula, por simulada, a renúncia ao direito se usufruto da fracção "O", supra identificada alegando que se encontravam preenchidos os pressupostos do art. 240º n.o 2 do C.C., ordenando-se em consequência a reposição da inscrição do direito de usufruto a favor do R. ................, dando-se sem efeito o cancelamento que fora efectuado b)- Pedido subsidiário: que fosse declarada a nulidade da renúncia em causa, por impugnação da mesma, devendo a mesma ser declarada ineficaz em relação a si A., podendo o direito de usufruto ser objecto de penhora e venda judicial para satisfação do seu crédito. B)- O tribunal "a quo" fundamentou a sua decisão nos factos constantes dos pontos 1. a 21. da douta sentença. C)- Tal fundamentação está em consonância com a forma como respondeu à matéria de facto contida na Base Instrutória, que aqui se dão por reproduzidas para os devidos efeitos legais. D)- De toda a matéria contida na Base Instrutória apenas se provou qual o montante do crédito da ora Recorrida à data de 10.11.98 e, à data da propositura da presente acção e a data em que ocorreu a renúncia ao usufruto. E)- Andou pois, bem o tribunal "a quo" a julgar improcedente a pedido principal formulado pela ora Recorrida, razão pela qual o presente recurso se encontra delimitado à parte em que a sentença em causa julga procedente o pedido subsidiariamente formulado. F)- Salvo devido respeito por melhor opinião, os elementos de prova constantes dos autos, testemunhal e documental, bem como os factos considerados assentes e os considerados provados, impunham a absolvição do ora Recorrente também quanto ao pedido subsidiário formulado pela Recorrida. F)- Nos termos do disposto no Art. 610º do C.C. estipulam-se como requisitos, cumulativos, da impugnação: - que o crédito seja anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; - do acto resultar, para o credor, a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade. G)- Nos termos do disposto no Art. 611° do C.C. : - cabe ao credor provar o montante das dividas; - cabe, designadamente, ao devedor provar que o obrigado possuí bens penhoráveis de igual ou maior valor. H)- Face à matéria de facto dada como provada, salvo devido respeito por melhor opinião não resultam preenchidos os requisitos legais supra. 1)- Não logrou a credora provar que do acto do ora Recorrente resultou a impossibilidade integral de satisfação do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade. J)- Os pontos 1° e 80 da Base Instrutória não foram considerados provados, conforme consta a fls. 320, 321 e 442 dos autos cujo teor se dá por reproduzido, sendo que deveria o tribunal "a quo" ter tido em consideração tal falta de prova na decisão de deferir o pedido subsidiário da ora Recorrida, no sentido de o indeferir. L)- No âmbito da acção se execução supra mencionada foi oferecido um bem imóvel à penhora, suficiente para o pagamento da dívida, o qual ainda não foi objecto de venda, cfr. doe. 1 que se protesta juntar e se dá por reproduzido. M)- Não ficou provada a matéria constante dos pontos 20, 30, 40, 70, 80 e 90 da Base Instrutória. N)- A testemunha ............. referiu a situação comercial da .............. Lda no Algarve, referindo que a mesma era próspera, referiu a existência do imobilizado da mesma, de bens móveis, bem como o facto de a mesma dispor de vários créditos sobre os seus clientes (vide transcrição da cassete n.o 1, Lado A 2149-3189/Lado B). 0)- A testemunha da ora Recorrida, ................., que à data dos factos trabalhava no departamento de crédito às empresas e, ainda trabalha na ................, afirmou em sede de audiência de discussão e julgamento que o juízo formulado quanto à capacidade financeira da "............., Lda" e seus sócios foi aferida perante as declarações dos mesmos, sendo que só posteriormente é que viram que o ora Recorrente apenas era titular do usufruto sobre o imóvel "sub júdice". (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado A 2149-3189 Lado B). P)- Afirmou ainda que, à data da abertura do crédito em conta corrente, o imóvel "sub júdice" era propriedade do Recorrente e, que tal convicção não resulta de qualquer consulta que a ............ tenha efectuado junto das entidades competentes, mas do que constava da ficha de abertura de conta do ora Recorrente, que lhe foi entregue não por este, o com qual nunca se lembra de ter tratado o assunto (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado A 2149-3189 Lado B). R)- Acresce que o ora Recorrente quanto documento de abertura de conta Elementos Informativos - Particulares - (Doc. 1 junto à Réplica) apenas reconheceu como sendo sua a assinatura aposta na última folha no local indicado para o efeito. (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado A 000-1750). S)- A testemunha da Recorrida, ..........................., afirmou que a ............ entendeu que era suficiente para garantia do empréstimo a hipoteca constituída. (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado B 3190-3753 Lado B). T)- Afirmou ainda que na fase executiva do processo presume que averiguaram a existência de património. (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado B 3190-3753 Lado B). U)- Relativamente ao imóvel "sub júdice" afirmou que concluíram que era propriedade do ora Recorrente. (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado B 3190-3753 Lado B). V)- Relativamente ao ora Recorrente afirmou que o mesmo era "apenas o comercial" e que apenas o conheceu no Tribunal Judicial de Silves, a propósito dos presentes autos, sendo que trabalha há dezoito anos na ......... - na área em causa e, teve contacto directo com o processo desde o início. (vide transcrição da cassete n.o 1 Lado B 3190-3753 Lado B). X)- A Recorrida não logrou provar que, à data do acto impugnado, o crédito se encontrava vencido, existindo para o Recorrente a obrigação de prestar, aliás a Recorrida não logrou provar quando é que as obrigações decorrentes do empréstimo em causa se venceram (vide transcrição da cassete n.o 1 lado A 2149-3753 lado B). Z)- A Recorrida não logrou provar que o acto de renúncia ao usufruto efectuado pelo Recorrente foi realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor e que para si resultou a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade. AA)- O Recorrente logrou provar que os demais obrigados possuíam, à data do acto impugnado, e possuem bens penhoráveis de igualou maior valor, tendo sido junto aos autos comprovativo de que no processo executivo supra aludido foi oferecido um bem imóvel à penhora. AB)- Assim, face a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e à prova documental junta aos autos, impunha-se decisão diferente (quanto à parte da sentença de que ora se recorre, ou seja: não deveria ter sido considerado que estão preenchidos, no caso em apreço, os requisitos legais do Art. 610º e o disposto no Art. 611º (à contrário) do C. C. AC)- Salvo devido respeito por melhor opinião, não deveria o tribunal "a quo" ter dado como provado que se encontram preenchido os requisitos do Art. 610º, bem como o disposto no Art. 611º, ambos do C.C. AD)- Com efeito, a prova testemunhal produzida no âmbito dos presentes autos impunha que o tribunal "a quo" tivesse absolvido o ora Recorrente do pedido "subsidiário" do Recorrida. AE)- Assim, ao caso concreto não têm aplicação os Art. 610º e 611º (à contrário) do C.C . AF)- Em consequência devia a presente acção ter sido julgada totalmente improcedente por não provada, ao contrária do peticionado pela A., e em consequência ter o ora Recorrente sido absolvida também quanto à impugnação pauliana. AG)- O pedido da Recorrente, julgado procedente, não é juridicamente claro, porquanto o que pretende é a ineficácia do acta impugnado em relação a si não requerendo a declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado para obter tal efeito. AH)- Razão pela qual estava o tribunal "a quo” impedido de conhecer de tal pedido, nos termos legais, porquanto não estão em causa alegações da Recorrida, mas sim o pedido subsidiário por si formulado, não se aplicando o disposto no Art. 664º do C.P.C., salvo devido respeito por melhor opinião. Conclui pela procedência do recurso. Não foram apresentadas contra-alegações. A fls. 538 o apelante juntou um documento emitido pela Repartição de Finanças de ......... atinente a uma liquidação de IRS do réu ............. referente ao ano fiscal de 2004. Em tal documento refere-se ainda que não foram encontrados ao ora apelante quaisquer prédios. *** II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual: 1.No exercício da sua actividade creditícia, a ..........., SA, celebrou em 29.11.1994, com a "..........................., Lda", um contrato de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de esc: 10.000.000$00, à taxa de 17%, formalizado por troca de correspondência – alínea A) dos factos assentes. 2.Este contrato foi reestruturado, a pedido da mutuária e seus garantes, em 11.3.1997, alteração corporizada em contrato de mútuo com hipoteca e fiança, à taxa de juro de 14,5%. – alínea B) dos factos assentes. 3.Clausulou-se no citado contrato que o capital mutuado venceria juros à taxa anual de 14,5%, alterável em função da variação da mesma, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa legal – alínea C) dos factos assentes. 4.Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas foi constituída, por escritura pública de 23.07.1997, hipoteca sobre um prédio urbano, sito em ..........., Freguesia de .................., inscrito na matriz predial sob o artigo nº 1561 e descrito na Conservatória do registo Predial de ..............., sob apresentação 01/100497, convertida em 11.08.1997 – alínea D) dos factos assentes. 5.Conforme cláusula do contrato de empréstimo já dado por reproduzido, o primeiro réu ........................., em conjunto com outros, todos sócios gerentes da mutuária "................, Lda.", responsabilizou-se solidariamente como fiador e principal pagador do capital mutuado, correspondentes juros e despesas - alínea E) dos factos assentes. 6.A hipoteca do prédio referido em 4, em segundo grau, foi prestada pela sociedade comercial "............., Lda.", proprietária do mesmo, sendo seus sócios os demais fiadores da operação referida em b)(.................. e mulher) - alínea F) dos factos assentes. 7.Em 17.01.1998, a autora instaurou a competente acção executiva, onde demandou todos os devedores, ou seja a mutuária ................., os fiadores, onde se inclui o primeiro réu e a hipotecante ..............., Lda. - alínea G) dos factos assentes. 8.Ta1 acção executiva corre termos pelo 3° juízo cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, sob o n° 345/98 e não foi embargada por nenhum dos executados, incluindo o 1 ° réu - alínea H) dos factos assentes. 9.À data de 25.03.1998, o crédito da ............, sobre o 1° réu atingia esc: 9.823.565$00 - alínea I) dos factos assentes. 10.0 prédio dado de hipoteca (descrito sob o n° 00851 da CRP de .............), penhorado nessa execução (n° 345/98, movida contra o 1° réu e outros), em 20.04.2000, havia sido vendido em 3.03.1999, numa execução fiscal movida contra a titular do imóvel, ............, Lda - alínea J) dos factos assentes.. 11.Em face dessa venda Judicial, cujo produto rendeu esc: 29.750.000$00, a autora e exequente na acção n° 345/98, requereu o prosseguimento da execução com a penhora da habitação do 1 ° réu ................, correspondente a uma fracção autónoma sita em ............., descrita na CRP de ........... sob o n° 00295/900802-D e inscrita na matriz sob o artigo 891 – alínea K) dos factos assentes. 12.Na sequência de incidente de oposição a tal penhora, deduzido pelo executado elo réu ..................., constatou-se que tal imóvel não lhe pertencia, razão porque não puderam os autos prosseguir com a penhora requerida - alínea L) dos factos assentes. 13.0 fiador .................... havia adquirido o direito de usufruto sobre a fracção "D", por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de .............., em 8.07.1994, tendo na mesma data a 2a ré ..............., sua filha, adquirido a nua propriedade sobre a mesma fracção - alínea M) dos factos assentes. 14.Actos que levaram a registo em 2.11.98 - alínea N) dos factos assentes. 15.A 2a ré é filha do 1 ° réu. - alínea O) dos factos assentes. 16.Réu que continuou a residir na fracção autónoma em causa onde foi citado para os termos da acção executiva que a CGD lhe moveu - alínea P) dos factos assentes. 17. O Réu apenas foi citado para a aludida acção executiva em 26.11.1998 - alínea Q) dos factos assentes. 18.A autora aceitou a garantia hipotecária referida em 4, e foi a mesma quem procedeu à avaliação do bem imóvel - alínea R) dos factos assentes. 19.À data da referida renúncia (10.11. 98), o montante do crédito da ......... sobre a empresa ..............., Lda, afiançado pelo 1º réu, cifrava-se em esc: 10.837.256$00, discriminado da forma seguinte: -Capital: 8.754.367$50 -juros de 28.05.97: 2.001.577$00 -despesas: 1.200$00; -Imposto de selo: 80.112$00 – resposta ao quesito 5º. 20.Sendo que actualmente (mais precisamente à data de 19.10.2001) a divida ascende a Esc.: 15.377.742$50, dos quais Esc. 6.367.432$00 se reportam a juros – resposta ao quesito 6º. 21.A renúncia ao usufruto ocorreu em 10 de Novembro de 1998 – resposta ao quesito 11º. * III. Nos termos dos art.ºs 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da recorrente. Assim, as questões a decidir resumem-se, essencialmente, em apurar: - se é caso de alterar a matéria de facto considerada assente em 1ª instância; - se, face à matéria de facto assente, se verificam os requisitos da impugnação pauliana, nomeadamente se o crédito se encontra vencido e se do acto do apelante resultou a impossibilidade integral de satisfação do crédito ou agravamento dessa impossibilidade; - se o pedido julgado procedente é claro e se o tribunal podia conhecer do mesmo. * IV. Comecemos então a apreciar as questões que se prendem com a matéria de facto fixada na 1ª instância.Dispõe o art.º 712º do CPC, que: 1 – A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: "a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. 2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. 4 – Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta…” E nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 690º-A do CPC, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Ora, na sua impugnação da decisão de facto, o apelante, para além de alegar que conseguiu provar que os obrigados possuíam, à data do acto impugnado, e possuem bens penhoráveis de igual ou maior valor, não indicou os concretos pontos de facto que pretendia ver alterados, tendo remetido genericamente para meros aspectos jurídicos, concluindo no sentido de que o tribunal não deveria “ter dado como provado que se encontram preenchidos os requisitos do Art. 610º, bem como o disposto no Art. 611º, ambos do C.C.”. Assim, o apelante omitiu completamente o ónus que na alínea a) do art. 690º-A do CPC. se prescreve para efeitos de impugnação da matéria de facto, não se tratando sequer de um mero cumprimento defeituoso do estabelecido em tal normativo. Ora, a lei sanciona o incumprimento desse ónus com a rejeição do recurso – neste sentido Ac STJ 25-05-2006, relatado pelo Cons. Ferreira Girão NET; Ac STJ 24-01-2007 relatado pelo Cons. Fernando Cadilha. Deste modo, rejeitar-se-á o recurso do apelante sobre a matéria de facto. *** V. O Direito: Fixados os factos, importa apreciar a questão de direito. O que está em causa no recurso é a apreciação do pedido subsidiário formulado na p.i. atinente à impugnação pauliana do acto praticado pelo réu .................. de renúncia ao usufruto sobre a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito na CRP de ........... sob o n.º 00295/900802. Como é sabido, em abstracto, podem ser objecto de impugnação pauliana todos os actos praticados pelo devedor que envolvam diminuição da garantia patrimonial do credor comum que não sejam de natureza pessoal (art. 610º, do C.C.) e não estejam excluídos do activo do património responsável pelo cumprimento da dívida contraída. Na sentença recorrida considerou-se, e bem, que a renúncia ao usufruto por parte do réu.................. pode ser impugnável, pois que da mesma deriva uma diminuição do património do devedor, a qual, ao extinguir aquele, afecta negativamente a garantia patrimonial do credor – neste sentido vide o Ac STJ de 3-10-94, relatado pelo Cons. Torres Paulo, in BMJ 440, p. 422. * São os seguintes os requisitos da impugnação pauliana (arts. 610º e 612º do C. Civil):1º. Existência de um crédito: a) anterior ao acto impugnado, ou, b) posterior a este, desde que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; 2º Existência de um prejuízo para o credor impugnante, traduzido numa impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou num agravamento dessa impossibilidade; 3º Existência da má fé se o acto for oneroso, traduzida na prova de que o devedor e o terceiro tinham consciência do prejuízo que o acto causava ao credor. * Quanto ao 1º requisito:Flui dos autos que o réu ................, em conjunto com outros, todos sócios gerentes da ..................., Lda, responsabilizou-se solidariamente como fiador e principal pagador do capital mutuado a esta sociedade, correspondentes juros e despesas, sendo que o contrato de abertura de crédito em conta corrente foi celebrado em 29-11-1994 e que o mesmo foi reestruturado em 11-03-97, alteração corporizada em contrato de mútuo com hipoteca e fiança, e que na data em que ocorreu a renúncia ao usufruto (10 de Novembro de 1998) o crédito da autora sobre a ...................., Lda, afiançado pelo réu, cifrava-se em 10.837.256$00, sendo 8.754.367$50 de capital e 2.001.577$00 de juros vencidos desde 28-05-97. Deste modo, é indubitável que no caso se verifica o primeiro dos apontados requisitos, tendo o credor provado a anterioridade do seu crédito. Frise-se, por tal questão ter sido levantada nas conclusões de recurso, que tal crédito se encontra vencido (de acordo com o estabelecido no contrato de reestruturação a ............... poderia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o imediato pagamento no caso de incumprimento da obrigação assumida pela mutuária, incumprimento esse que deriva desde logo do facto de existirem juros em dívida após aquela reestruturação) e que, como se sublinha na sentença, mesmo que tal não ocorresse tal não obstaria à impugnação do acto de renúncia, na medida em que a lei não exige esse vencimento (art. 614º, n.º 1, do C. Civil) – neste sentido João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, pag. 166. e 169. * Quanto ao 2º requisito:Quanto a esta matéria, o credor (autora) logrou provar, como lhe competia, o montante da dívida, sendo que, face ao estabelecido no artigo 611º do C. Civil, incumbia ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto (réus) a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor. Ora, os réus não lograram fazer essa prova de que no património do réu .................. (e dos demais devedores) existam bens suficientes para, através dele, se obter o pagamento da dívida. Tendo o devedor (2º réu) praticado um acto (renúncia ao usufruto), do qual derivou um prejuízo para o credor, na medida em que essa constitui uma consequência normal do acto impugnado na data da sua prática, e não tendo os réus provado que à data o réu .................... possuía bens suficientes para satisfazer integralmente o crédito em causa, nem que os tivesse adquirido posteriormente, haverá que concluir pela verificação do segundo dos requisitos apontados, ou seja, pela impossibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito ou num agravamento dessa impossibilidade. Na verdade, a dificuldade do credor conhecer a situação patrimonial do devedor sensibilizou o legislador a adoptar a regra de que compete ao devedor o ónus da prova dessa impossibilidade de satisfação do crédito ou agravamento da sua satisfação (art. 611º CC), que a lei presume – cfr. Pedro Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5ª edição, pag. 29. Desta forma, aliviou-se “o credor da prova do facto negativo da inexistência de bens no património do devedor suficientes para, através dele, se obter o pagamento das dívidas conhecidas deste, competindo antes ao devedor ou ao terceiro interessado demonstrar que aquele tem bens suficientes para garantir esse pagamento. Ao credor bastará apenas provar a existência de dívidas conhecidas, procedendo a impugnação se o devedor ou o terceiro interessado não ripostar com a prova da existência no seu património de bens cujo valor seja igual ou superior ao montante dessas dívidas” – pag. João Cura Mariano, ob. cit., pag. 181. Por outro lado, mesmo que o apelante tivesse logrado provar que os demais devedores possuíam bens suficientes para assegurarem a satisfação do crédito da autora, tal não obstaria à admissibilidade da impugnação do acto de renúncia ao usufruto. Com efeito, no caso de obrigações garantidas por fiança ou aval, pode o credor exigir que quer o património do devedor, quer o património do fiador ou do avalista, mantenham individualmente a sua capacidade de satisfazerem o respectivo crédito. Assim, a solvabilidade do património do devedor ou do avalista não impede a impugnação do acto do devedor que impeça a satisfação integral do crédito pelo seu património, tal como a solvabilidade do devedor também não impede a impugnação do acto do fiador ou do avalista que coloque o seu património em situação de não garantir a satisfação do crédito – Cura Mariano, ob. cit. pag. 172; Ac STJ 9-10-2006, relatado pelo Cons. Faria Antunes, o qual poderá ser consultado in www.dgsi.pt. Ora, o 1º réu e demais fiadores constituíram-se “fiadores solidários e principais pagadores”. Daí que, mesmo que os réus tivessem provado que os demais fiadores e o mutuário tinham outros bens de valor suficiente, tal não obstaria à procedência da impugnação pauliana, pois que a situação daqueles é irrelevante, na medida em que existindo uma pluralidade de devedores solidários a garantia patrimonial não é constituída pela mera soma dos respectivos patrimónios, mas sim pela cumulação dos mesmos patrimónios, responsáveis, cada um de per si pela totalidade do crédito – Ac STJ de 22-02-2004, relatado pelo Cons. Bettencourt Faria NET * Quanto ao terceiro requisito:Tal como se frisou na sentença recorrida, a renúncia ao usufruto por parte do réu ................ constituiu um negócio gratuito, pois que a ré .................... não prestou qualquer contrapartida. Sendo assim, e nos termos do art. 612º do C. Civil, não é necessário verificar-se qualquer má fé na participação do terceiro adquirente, para a procedência do pedido, pois que a ausência de qualquer sacrifício deste nestes actos justifica que os seus interesses sejam postergados perante os do credor. * Diz ainda o apelante que o pedido julgado procedente não é juridicamente claro, porquanto o que se pretende é a ineficácia do acto impugnado em relação a si, não requerendo a declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado para obter tal efeito, pelo que o tribunal estava impedido de conhecer desse pedido, não se aplicando o disposto no art. 664º do C.P.C.Carece de qualquer fundamento o sustentado pelo apelante. Na verdade, na renúncia a direitos, os efeitos da procedência da impugnação pauliana consistem precisamente na ineficácia do acto impugnado em relação ao credor (e não na declaração de nulidade ou anulabilidade do acto), podendo este satisfazer o seu crédito através desse direito que, para esse exclusivo efeito, se considera renascido no património do devedor, sujeitando-o à execução, nos termos do art. 616º n.º 1 do CC. Ora, foi esse, em substância, o pedido subsidiário formulado pela autora e nisso consistiu a condenação dos réus expressa na sentença proferida em 1ª instância, pelo que não se vislumbra qualquer fundamento para que o tribunal não pudesse conhecer do mesmo. Improcede, por isso, o recurso interposto pelo réu: *** VI. Decisão:Pelo acima exposto, decide-se: 1. Rejeitar o recurso do apelante sobre a matéria de facto; 2. No mais, julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida; 3. Custas pelo apelante; 4. Notifique. Évora, 29 de Março de 2007 -------------------------------------- (Manuel Marques - Relator) -------------------------------------- (Almeida Simões - 1º Adjunto) --------------------------------------- (D’Orey Pires - 2º Adjunto) |