Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
829/22.9T8LLE.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
NULIDADE DE FORMA
DESPEJO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O contrato de arrendamento para habitação verbal é nulo por falta de forma.
2. As consequências da nulidade são as previstas no artigo 289.º do CC.
3. O valor da restituição pela utilização da coisa corresponde ao valor da renda estipulado por acordo das partes no contrato declarado nulo.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 829/22.9T8LLE.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ Comarca ..., ... – J...
Apelante: AA
Apelados: BB e outros
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
1. BB e CC intentaram ação de despejo, com processo comum, contra AA pedindo que:
a) seja declarado resolvido o contrato de arrendamento do prédio objeto dos autos e, em consequência,
b) sejam a ré condenada a restituir aos autores livre e desocupado de bens e pessoas, o prédio urbano identificado em 1. da presente P.I e objeto do contrato de arrendamento;
c) sejam a ré condenada no pagamento da quantia de € 32 500,00, respeitante às rendas vencidas;
d) seja a ré condenada a pagar aos autores uma quantia a título de indemnização por deterioração da coisa.

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em suma, que em junho de 2017, celebraram com a Ré um contrato de arrendamento para habitação, que nunca chegou a ser reduzido a escrito por recusa da mesma, tendo deixado de pagar as rendas nos termos e valores discriminados na petição inicial.

2. A Ré não contestou, nem constituiu mandatário.
Posteriormente chegou aos autos a informação que foi nomeado patrono à Ré.
Por despacho de 12-09-2022 foi indeferido o requerimento da Ré através do qual pedia a concessão de prazo de 30 dias para contestar.

3. Foi proferido despacho a considerar os factos alegados confessados, nos termos do artigo 567.º, n.º 1 do CPC e foi cumprido o disposto no n.º 2 do mesmo preceito.

4. Foi proferida sentença, em 30-11-2022, que julgou a ação procedente e declarado nulo o contrato de arrendamento, condenando a Ré, nos termos do artigo 289.º do CC, na entrega do locado livre de pessoas e bens e a pagar aos Autores a quantia de €11.351,90 referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação.

5. A Ré interpôs recurso dessa sentença, alegando, além do mais, a nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido.

6. Por morte do Autor foi, em 10-07-2023, proferida sentença de habilitação dos seus herdeiros: a Autora e DD, para com estas prosseguir os termos da causa em substituição o falecido Autor.

7. Por despacho de 04-12-3023, foi conhecida a arguida nulidade e declarada a nulidade da sentença proferida em 30-11-2022, com anulação dos termos subsequentes que dela dependiam.
Foram notificadas as partes, para no prazo de 10 dias, exercerem o contraditório em relação à eventual nulidade do contrato de arredamento e condenação da Ré numa indemnização nos termos do disposto no artigo 289.º do CC.
A Ré apresentou requerimento que o tribunal a quo apreciou considerando que os factos alegados «(…) já poderiam ter sido alegados na contestação que decidiu não apresentar. Assim sendo, não podem os mesmos ser tidos em consideração na sentença que iremos de seguida proferir.
Vem ainda a ré invocar a ineptidão da petição inicial. Esta exceção de conhecimento oficioso nunca poderá proceder uma vez que entendemos que os autores alegaram todos os factos essenciais, em conformidade com os pedidos.»
Os Autores apresentaram requerimento alegando que concordam com o decretamento da nulidade do arrendamento e condenação da Ré a pagar as rendas não pagas e respetivos juros de mora.

8. Em 20-12-2023, o Tribunal recorrido proferiu nova sentença constando da sua parte dispositiva:
«(…) julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a) declaro nulo o contrato de arrendamento com início em junho de 2017, no qual eram locadores BB e CC e locatária a ré AA.
b) Nos termos previstos no artigo 289.º do Código Civil, condeno a ré na entrega/ desocupação do locado [descrito no ponto 1. dos factos dados como provados], livre e devoluto de pessoas e bens, aos autores.
c) Nos termos previstos no artigo 289.º do Código Civil, condeno a ré a pagar aos autores o valor de € 11 351,90 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação.
d) Absolvo a ré do demais peticionado pelos autores.»

Foi ordenada a notificação da Ré, para, querendo, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, considerando a prolação da nova sentença, com menção que, nada, dizendo seria apreciada a interposição do recurso já antes interposto.

9. A Ré nada disse ou requereu.

10. Por despacho de 05-02-2024 foi admitido o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

11. Nesta Relação foram colhidos os vistos.

12. No recurso interposto e em apreciação, a Ré formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«I. O presente recurso tem como fundamento a violação da lei processual, que tem por objeto a nulidade da sentença proferida no âmbito dos presentes autos, justificada pela condenação em objeto diverso do pedido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.
II. A Douta sentença enferma de nulidade insanável, já que resulta da mesma a violação de normas de conteúdo imperativo.
III. A questão sobre a qual se recorre reporta ao seguinte: o Tribunal a quo condenou a Recorrente ao pagamento no valor de € 11.351,90 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação.
IV. Os Recorridos, no seu articulado inicial, alegam que em junho de 2017, celebraram contrato de arrendamento verbal com a Recorrente.
V. Alegam que a Recorrente deixou de proceder ao pagamento das rendas mensais desde março de 2020 e ainda que existem meses em que apenas pagou parcialmente as rendas.
VI. Os pedidos dos Recorridos na petição inicial compreendem o seguinte:
A) seja declarado resolvido o contrato de arrendamento do prédio objeto dos autos e, em consequência, b) sejam a ré condenada a restituir aos autores livre e desocupado de bens e pessoas, o prédio urbano identificado em 1. da presente P.I e objeto do contrato de arrendamento;
c) sejam a ré condenada no pagamento da quantia de € 32.500,00, respeitante às rendas vencidas;
d) seja a ré condenada a pagar aos autores uma quantia a título de indemnização por deterioração da coisa.
VII. A Recorrente, ao ser citada para contestar a suprarreferida ação, dirigiu-se junto da Segurança Social requerimento para obtenção de Apoio Judiciário.
VIII. Não atentou a Recorrente no ónus da entrega do respetivo comprovativo ao Tribunal.
IX. Com isso, a Recorrente viu o seu direito de defesa impedido tendo colocado em causa o seu direito à habitação.
X. Pelo que, os factos alegados pelos Recorridos foram declarados confessados pela Recorrente uma vez que a não contestação desta implicou uma situação de revelia operante, ao abrigo do artigo 567.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
XI. Sucede que, por sentença, o tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Declarou nulo o contrato de arrendamento com início em junho de 2017, no qual eram locadores BB e CC e locatária a Ré AA.
b) Nos termos previstos no artigo 289.º do Código Civil, condenou a Ré na entrega/ desocupação do locado descrito no ponto 1. dos factos dados como provados, livre e devoluto de pessoas e bens, aos Autores.
c) Condenou a Recorrente a pagar aos Autores/Recorridos o valor de € 11.351,90 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação.
XII. Com o devido respeito, andou erradamente o Tribunal a quo, ao condenar a Ré ao pagamento referente à indemnização por uso e fruição do prédio.
XIII. Sendo que, a indemnização referida pelos Recorridos tem a ver uma quantia a título de indemnização por deterioração da coisa.
XIV. Uma vez que não consta no pedido dos Recorridos no seu articulado inicial a indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação é nula.
XV. Pelo que nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Civil, “é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
XVI. Perante o qual a mesma é ineficaz e deve, V. Exa. declarar nula com os devidos efeitos legais.
XVII. Veja-se, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-03-2019, à ordem do processo n.º 2827/14.7T8LSB.L1.S1, que esclarece o seguinte: “A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil.”
Por outro lado,
XVIII. estamos perante um erro na apreciação da prova, designadamente em referência aos meios probatórios juntos com a petição inicial, como Doc. ... e Doc. ....
XIX. Isto porquanto, os Recorridos, após inúmeros pedidos da Recorrente, se negaram sempre a entregar o contrato por escrito.
XX. Os Recorridos alegam que o contrato de arrendamento nunca chegou a ser reduzido a escrito, não por falta de insistência destes, mas sim por recusa da Recorrente.
XXI. Ora, importa referir desde logo que, é impossível a Recorrente impossibilitar alguém de reduzir um contrato a escrito.
XXII. Os Recorridos alegam a existência de contrato, contrato este, que nunca se viu, falsamente alegando que a arrendatária é que não quis assinar, mas que discorrem de forma completamente díspar na ação interposta apresentada junto do Tribunal a quo.
XXIII. Aliás, até porque, dada a composição do prédio, não dispõem os Recorridos de descrição possível para a elaboração do mesmo, conforme certidão permanente junta pelos próprios.
Pelo que,
XXIV. nessa sequência, também não pode ser dado como provado o constante no ponto 2,
XXV. o que impunha uma decisão diversa.
XXVI. Considerando-se o concreto ponto de facto 2 incorretamente julgado, o que consequentemente transforma o ponto de facto 3 numa falácia.
XXVII. Ocorre, assim, uma oposição entre os fundamentos e a decisão, verificando-se, portanto, a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 615.º, alínea c), do Código de Processo Civil.
XXVIII. E mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe, nem concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona,
XXIX. o valor equacionado referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação, formulado na sentença proferida pelo Tribunal a quo mostra-se desadequado perante a realidade fáctica assente, afigurando-se excessivo.
XXX. Desde logo, pois, não tendo nunca sido dada qualquer resposta quanto ao contrato de arrendamento ser reduzido a escrito à Recorrente, por parte dos Recorridos, não podem agora, tais atos/omissões, aproveitar à parte que causou a nulidade do contrato (os Recorridos).
XXXI. Sendo certo que o senhorio é a parte mais forte e, em todos os casos em que o senhorio não celebra por escrito o contrato de arrendamento, fica diminuído o direito do arrendatário à habitação.
XXXII. O que de facto veio a acontecer!
XXXIII. A Recorrente não dispõe de abastecimento de água corrente e potável na sua habitação.
XXXIV. Toda essa situação é ainda, agradava pelo facto da mesma ser portadora de um atestado médico de Incapacidade Multiuso.
XXXV. Ademais, o serviço de fornecimento de água é um serviço público essencial, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 1.º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, e jamais poderia ser privada do mesmo.
XXXVI. Na verdade, o facto de não terem reduzido o contrato de arrendamento a escrito, causou (e causa) diversos danos morais e patrimoniais à Recorrente, que vive em condições precárias e desumanas.
XXXVII. Assim, a douta decisão proferida violou, entre o demais, o disposto no art.º 562.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, por apelo ao supra alegado, fixe a indemnização a por uso e fruição do prédio em valor nunca superior ao do IAS.
XXXVIII. O que aqui se deixa expressamente invocado para todos os devidos efeitos legais.
XXXIX. Pelo que a Recorrente é portadora de um atestado médico de Incapacidade Multiuso, depende apenas de uma pensão de invalidez,
XL. da qual é beneficiária, sendo a sua única fonte de rendimento.
XLI. Deverá proceder e merecer provimento o presente recurso interposto.
Nestes termos
E nos demais de direito, que VªS. Exas. mui doutamente suprirão,
requer-se a VªS. Exas. que se dignem julgar o presente recurso totalmente procedente, declarando a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condena a Recorrente ao pagamento aos Recorridos no valor de €11.351,90 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação, ou, em alternativa, revogar e substituir a condenação referente ao pagamento da indemnização por uso e fruição do prédio em valor nunca superior ao do IAS.»

II- OBJETO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Nulidades da sentença;
- Erro de julgamento em relação aos factos provados 2 e 3;
- Se a indemnização fixada na sentença é devida; a que título e se o seu valor é o que decorre da lei.

III- OS FACTOS
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade (não foram elencados factos não provados):
«1. Encontra-se inscrita a aquisição, a favor dos autores, do prédio urbano, sito na Rua ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57, inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ...48.
2. Em junho de 2017, os autores deram de arrendamento à ré e esta tomou o anexo no prédio suprarreferido em 1..
3. O contrato indicado no ponto 2. nunca foi reduzido a escrito por recusa da ré.
4. As partes acordaram que a renda mensal seria de € 350,00, sendo que a mesma deveria ser paga até ao 8.º dia do mês.
5. As partes acordaram ainda que o pagamento dos serviços de eletricidade, água e telecomunicações ficaria a cargo da ré.
6. Desde o início do contrato, a ré efetuou os seguintes pagamentos:
a) 13.07.2017 = € 700,00
b) 16.08.2017 = €386,00
c) 26.09.2017 = € 362,60
d) 17.10.2017 = € 222,40
e) 24.11.2017 - € 330,00
f) 15.02.2018 - € 330,00
g) 13.03.2018 - € 322,10
h) 22.06.2018 - € 120,00
i) 18.07.2018 - € 50,00
j) 07.09.2018 - € 1550,00
k) 21.11.2018 - € 585,00
l) 11.01.2019 - € 700,00
m) 13.03.2019 - € 590,00
n) 13.05.2019 - € 350,00
o) 02.08.2019 - € 750,00
p) 06.12.2019 - € 750,00
q) 05.02.2020 - € 250,00
7. A ré procedeu à alteração das vedações pré-existentes no prédio rústico e colocou dois cães de raça considerada perigosa sem autorização dos autores.
8. A ré alterou as fechaduras dos abrigos de jardim, sem autorização dos autores.
9. A ré realizou ilegal fornecimento de água do prédio urbano, provocando inundação do rés-do-chão da casa principal e originando processo-crime a correr termos junto do Ministério Público - Procuradoria da Repuìblica da Comarca ..., Departamento de InvestigaçaÞo e AcçaÞo Penal – 1.ª SecçaÞo de ... o Proc. n.º 1050/19.....
10. Os Autores remeteram carta com aviso de receção a 24 de Outubro de 2019 de forma a interpelar a reì para efetuar a desocupação e entrega do anexo no prazo de 30 (trinta) dias a contar da receçaÞo da referida carta
11. Em 20.01.2022, os autores remeteram carta com aviso de receção, comunicando a resolução do contrato de arrendamento e interpelando a ré a efetuar a desocupação e entrega do anexo no prazo máximo de 30 dias a contar da receção da referida carta.
12. A presente ação foi intentada pelos autores em 17/03/2022.»

IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO
1. Nulidades da sentença
A apelante arguiu a nulidade da sentença por ter conhecido em objeto diverso do pedido, violando, desse modo, o artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, porquanto a causa de pedir assenta na invocação de um contrato de arrendamento e na sua resolução por falta de pagamento de rendas e a sentneça decretou oficiosamente a nulidade do contrato de arrendamento e condenou a Ré a pagar uma indemnização pelo uso e fruição (não pedida), pois a que foi pedida foi por deteriorações da coisa. E com base neste último argumento arguiu ainda a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Na apreciação desta questão, verifica-se que a apelante após o tribunal ter declarado nula a sentença, dando cumprimento ao princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC), nada disse ou requereu nos termos que o n.º 3 do artigo 617.º do CPC lhe faculta, mantendo, implicitamente, a arguição da nulidade que tinha invocado em relação à sentença primeiramente proferida.
Porém, em face do suprimento da nulidade por parte do tribunal recorrido, que decorria apenas e tão só da violação do princípio do contraditório, a sentença proferida posteriormente não é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC (conhecimento em objeto diverso do pedido), porquanto, e como ficou explicado na fundamentação da sentença, o conhecimento da nulidade do contrato de arrendamento por não ter sido reduzido a escrito é de conhecimento oficioso por aplicação do regime dos artigos 285.º, 286.º e 289.º do CC conjugado com o disposto nos artigos 220.º e 1096.º, n.º 1 e 2, do mesmo Código.
Sendo que a declaração de nulidade têm efeito retroativo, sendo restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289.º, n.º 1, do CC).
Acrescentando-se que, em relação aos valores a devolver, quando é conhecida oficiosamente a nulidade de um negócio jurídico e decretada a mesma, tendo a ação sido intentada no pressuposto da sua validade, havendo factos que permitam aferir dos valores a restituir, deve a parte ser condenada na restituição do que for devido, precisamente com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do CC, conforme decorre do Assento n.º 4/95, hoje com valor de jurisprudência uniformizadora.
Por conseguinte, sanada que foi a nulidade processual decorrente da falta de cumprimento do princípio do contraditório, falece a arguição da referida nulidade.
Em relação à nulidade prevista na alínea c), do artigo 615.º do CPC, a mesma também não se verifica, porquanto a indemnização fixada na sentença corresponde ao valor do uso e fruição do imóvel até à data da propositura da ação (o pedido só tem essa amplitude temporal em relação às peticionadas rendas). Correspondendo esse montante ao valor económico dessa utilização, aferida pelo único citério viável nestas situações, que é o valor da renda, ou seja, aquele que as partes, no pressuposto da validade do contrato de arrendamento, acordaram como sendo o devido pela utilização do imóvel.
Sublinhando-se que a sentença absolveu a Ré do demais pedido, ou seja, a Ré não foi condenada no pedido na alínea d) do petitório (indemnização pela deterioração da coisa), pelo que não se verifica a alegada nulidade por contradição entre os fundamentos do decidido e a decisão propriamente dita.
Nestes termos, improcedem as arguidas nulidades.

2. Erro de julgamento em relação aos factos provados 2 e 3
A apelante invoca que a sentença incorreu em «erro na apreciação da prova, designadamente em referência aos meios probatórios juntos com a petição inicial, como Doc. ... e Doc. ....», aduzindo, em suma, que não pode ser dado como provado o ponto 2 e, consequentemente, «transforma o ponto de facto 3 numa falácia.»
A apelante fundamenta esta alegação, dizendo que foram os recorridos, apesar dos inúmeros pedidos da Ré, que se negaram sempre a entregar o contrato escrito; que falsamente alegam que a arrendatária não o quis assinar; e que era impossível a Ré impossibilitar a redução a escrito porque «(…) dada a composição do prédio, não dispõem os Recorridos de descrição possível para a elaboração do mesmo, conforme certidão permanente junta pelos próprios.».
Vejamos.
A apelante socorre-se de dois documentos para invocar o referido erro de julgamento ao nível do facto: a certidão permanente on line do imóvel em causa e a caderneta predial urbano do mesmo.
Os factos provados 2 e 3 tem a seguinte redação: «2.Em junho de 2017, os autores deram de arrendamento à ré e esta tomou o anexo no prédio suprarreferido em 1..»; «3.O contrato indicado no ponto 2. nunca foi reduzido a escrito por recusa da ré.»
Ora não se descortina de que modo e que termos estes documentos podem servir como prova para se dar o referidos factos como não provados, pois, o contrato de arrendamento não é passível de ser provado por qualquer destes documentos e muito menos a recusa da Ré da redução a escrito desse contrato.
Ora, sendo assim, e tendo estes factos sido dados como confessados por via da revelia operante da Ré, nos termos do artigo 567.º, n.º 1, do CPC, não se verifica que tenha havido erro de julgamento ao nível da decisão de facto quanto a estes pontos.

3. Se a indemnização fixada na sentença é devida; a que título e se o seu valor é o que decorre da lei.
Na sentença recorrida foi fundamentada a condenação da Ré na indemnização pelo uso e fruição do imóvel como consequência da declaração de nulidade do contrato de arrendamento, aplicando ao caso o disposto no artigo 289.º do CC e a jurisprudência do Assento n.º 4/95, como supra referido.
Lendo-se expressamente na sentença:
«Fruindo e usando a aqui ré do locado, desde junho de 2017, mas tendo pago até fevereiro de 2020 a quantia a título de rendas no montante total de € 8348,10 e deixado de pagar o valor mensal de € 350,00 desde março de 2020, terá de proceder ao pagamento da quantia de € 11 351,90 (valor total do devido até à propositura da presente ação – 17.03.2022). Note-se que nada mais foi peticionado (designadamente, os valores que se venceriam após a propositura da ação, pela ocupação indevida do locado).»
Esclarecendo em relação ao pedido de indemnização pela deterioração da coisa, o seguinte:
«Relativamente à indemnização por deterioração da coisa, os autores podiam e deviam ter peticionado uma quantia – ao não terem feito teremos de considerar que este pedido é inepto e não poderá ser atendido nesta ação. Note-se que os autores apenas alegam, no decorrer do articulado, que a indemnização deverá ser apurada em sede de execução de sentença, mas não alegam factos relativos à impossibilidade de concretizar os valores na data da propositura da ação.»
Sublinhando, ainda, que detetou um erro na indicação do valor pedido, dizendo:
«No pedido, os autores peticionaram a quantia de € 32 500,00. Entendemos que tal se deveu a mero lapso de escrita uma vez que na petição inicial todos os montantes alegados pelos autores perfazem a quantia em dívida de € 11 351,90 – quantia esta que os autores tiveram em consideração para indicar o valor da causa.»
O decidido na sentença e a justificação jurídica apresentada não nos merece qualquer reparo.
A indemnização fixada foi, como já dito, pela utilização do imóvel e é uma consequência jurídica da declaração de nulidade do contrato de arrendamento.
A sentença não fixou qualquer indemnização pela alegada deterioração da coisa, pelo que a crítica da apelante em relação à fixação da indemnização parte de um pressuposto que não se verifica.
Quanto ao quantum fixado, a sentença levou em conta o valor da renda acordada entre as partes para calcular o valor que estava por pagar.
O critério usado é o mais adequado por corresponder ao valor que as partes entenderam ser o devido pela uso e fruição do imóvel no âmbito do contrato de arrendamento válido, não se descortinando razão jurídica para não ser o aplicável quando o contrato é declarado nulo, e para efeitos de fixar o valor da restituição devida pela utilização da coisa.
A apelante vem invocar a excessividade do valor com base na falta de condições de habitabilidade do imóvel e na sua situação de saúde, pretendendo que o valor seja fixado em valor nunca superior ao do IAS, concluindo que a sentença violou o artigo 562.º do CC.
É manifesto, pelo que já se disse em relação ao critério para fixar o valor da restituição, que a apelante não tem razão. Desde logo, aceitou pagar o valor da renda acordado independentemente das referidas condicionantes (da habitação e suas), pelo que não se vê motivo para alterar esse critério quando está em causa fixar o valor da restituição pela utilização do imóvel, que tem razão de ser idêntica à da fixação, por acordo, do valor da renda.
Finalmente, o artigo 526.º do CC não pode ser chamado à colação por o mesmo estabelecer o critério indemnizatório em sede de responsabilidade civil, por violação contratual ou por responsabilidade extracontratual, cujos pressupostos são próprios e diferentes dos que se verificam quando é decretada a nulidade ou de anulação de um negócio jurídico.
Nestes termos, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

V- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 09-05-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José António Moita (1.º Adjunto)
Maria José Cortes (2.ª Adjunta)