Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1109/14.9T8PTM-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - extinta a instância na causa principal pelo julgamento, é inadmissível o incidente de habilitação do cessionário;
- se, à data da apreciação do requerimento de habilitação do adquirente ou cessionário, o direito objeto de aquisição ou cessão tiver já sido considerado na causa principal por decisão transitada em julgado, impõe-se a extinção do incidente por impossibilidade superveniente da lide.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerida: (…)

Recorrida / Requerente: (…), S.A.

Os presentes autos consistem em incidente de habilitação deduzido contra (…) – Construção Unipessoal, Lda., (…), Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. e Banco Santander Totta, S.A. invocando a Requerente (…), S.A. que lhe foram transmitidos pelo Banco Santander Totta, S.A. (após aplicação de medida de resolução do Banif, por força da deliberação extraordinária do Concelho de Administração do Banco de Portugal) os créditos e respetivas garantias que aquele detinha sobre os réus nos autos principais.
O Banco Santander contestou, mas apresentou-se posteriormente a declarar que, perante melhor análise do caso, o pedido de sub-rogação que constitui o 3.º pedido formulado na p.i. (relativamente ao qual tinha já operado a substituição processual do Banif pelo BST) assenta na titularidade de crédito que foi efetivamente cedido pelo BST à requerente, (…), S.A., pelo que «é esta que deve prosseguir com o terceiro pedido formulado na p.i.» – cfr. requerimento de 28/06/2018 nos autos principais.


II – O Objeto do Recurso

Foi proferida decisão conforme segue:
«(…) porque não houve oposição e os documentos apresentados provam que a requerente, por força do negócio de cessão de créditos, é detentora do crédito acima referido, declaro habilitada a requerente (…), S.A. (cfr. artigo 356º, n.º 1 e 2, do diploma em apreço).»

Inconformada, a Requerida (…) apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, por ilegal. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1) Por douta sentença proferida, nos autos principais, em 12 de Junho de 2018 foi julgado totalmente improcedente o 3º pedido formulado pela A. contra a Ré, ora Recorrente, que nesse segmento transitou em julgado pelo facto de não ter sido dele interposto qualquer recurso;
2) Em consequência disso, a sentença ora recorrida, de 4 de Fevereiro de 2019, que julgou habilitada a ora Recorrida para com ela prosseguir o processo estando apenas em causa quanto a ela o referido 3º pedido, violou o disposto no artº 613º, nº 1, do CPC, pelo facto de proferida a sentença nos autos principais ter ficado imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar se a sentença proferida no incidente de habilitação enferma de vício decorrente de anteriormente ter sido proferida decisão nos autos principais quanto ao mencionado terceiro pedido.


III – Fundamentos

A – Os factos
Os factos provados em 1.ª Instância
1. O Banco de Portugal, por deliberação extraordinária do Conselho de Administração, no dia 20.12.2015, decidiu aplicar ao Banif uma medida de resolução (doc. de fls. 8 a 25).
2. O Banco Santander Totta sucedeu nos direitos e obrigações transferidas do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. (doc. de fls. 8 a 25, 27 a 34).
3. Por contrato de compra e venda de carteira de créditos hipotecários, assinado em 26.06.2017, o Banco Santander Totta vendeu os créditos que detinha sobre os réus e todas as garantias acessórias a eles inerentes à (…), S.A. (doc. de fls. 26 a 84 e 156 a 163 verso e confissão).
Mais se alcança dos presentes autos e dos autos principais o seguinte:
4 - A sentença recorrida, que declarou a habilitação de (…), S.A., sucedendo ao BST relativamente aos créditos detidos sobre os RR, foi proferida a 04/02/2019;
5 - Nos autos principais, por saneador-sentença de 12/06/2018, foi proferida decisão conforme segue:
«1. Julgando a coligação ilegal e absolver da instância os réus relativamente aos dois primeiros pedidos formulados.
2. Julgando a ação totalmente improcedente.
3. Absolvendo os réus do terceiro pedido formulado.
4. Julgando não verificada qualquer responsabilidade por litigância de má-fé.
5. Condenando o autor nas custas do processo.»
6 – O terceiro pedido formulado consiste no seguinte: «Seja reconhecido o direito do autor em sub-rogar-se à ré (…) ao peticionar da ré (…) “o montante correspondente ao incumprimento contratual ou caso assim não se entenda ao seu enriquecimento sem causa (…)”.»
7 – A 03/09/2018, Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. – em Liquidação interpôs recurso formulando a seguinte pretensão:
«deverá a presente Apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser a decisão recorrida declarada nula, baixando os presentes autos ao tribunal da 1.ª instância para prolação de nova decisão.
Caso assim não se entenda,
Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, alínea f), do CPC e determine o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos.
Caso assim não se entenda,
Deve a decisão recorrida ser objeto de reforma quanto a custas, repartindo a responsabilidade pelas duas partes vencidas na presente ação – Recorrente e Santander –, na proporção do seu decaimento, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 528.º, n.º 4, do CPC.»
8 – O Recorrente alicerçou a sua pretensão essencialmente nos seguintes fundamentos:
«o tribunal a quo decidiu absolver as Rés da instância relativamente aos dois primeiros pedidos e, simultaneamente, decidiu julgar a ação totalmente improcedente, o que implica a absolvição das Rés de todos pedidos.
Um declaratário normal não consegue descortinar, com segurança, o sentido inequívoco desta decisão, isto é, se no que diz respeito aos dois primeiros pedidos formulados o tribunal a quo decidiu absolver as Rés da instância ou do pedido.
(…)
a sentença recorrida não contém qualquer fundamentação de facto ou de direito que justifique a decisão de improcedência do primeiro e segundo pedido e consequente absolvição das Rés dos mesmos, especificando apenas os fundamentos que determinaram a absolvição das Rés do terceiro pedido.
(…)
Destarte, (i) a coligação das Rés deve considerar-se lícita ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 36.º do CPC, admitindo-se que o Autor demande as duas Rés conjuntamente e formule três pedidos diferentes na mesma ação; (ii) a exceção dilatória de ilegalidade da coligação deve julgar-se improcedente, uma vez que entre os três pedidos existe a conexão exigida pelo artigo 36.º do CPC (cf. Artigo 577.º, alínea f), do CPC a contrario); e consequentemente (iii) a decisão recorrida de absolvição da Ré (…) da instância quanto ao primeiro e segundo pedido deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a referida exceção e determine o prosseguimento dos presentes autos, nomeadamente a prolação do despacho previsto no artigo 596.º do CPC e a marcação da audiência de julgamento.»
9 – Pela 2.ª secção cível deste Tribunal foi proferido acórdão a 11/04/2019;
10 – A 29/04/2019, foi apresentado pela ali Recorrida (…) requerimento com vista a retificação em conferência do acórdão quanto a custas;
11 – Na decisão recorrida exarou-se o seguinte, em sede de relatório:
«Apenas o Banco Santander contestou.
Posteriormente, porém, veio o contestando confessar que, após melhor análise, o crédito foi cedido à requerente, pelo que deve ser esta a prosseguir com o terceiro pedido formulado na petição inicial (único que será apreciado por este Tribunal, atenta a decisão tomada em sede de Audiência Prévia).»

B – O Direito

A decisão aqui colocada em crise declarou a requerente (…), S.A. habilitada nos autos principais por lhe ter sido cedido pelo BST o crédito que de que este era titular sobre os réus. Trata-se do mencionado terceiro pedido.
O incidente da habilitação consiste na tramitação processual autónoma que implica a modificação da instância quanto aos sujeitos, ou seja, a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio seja por sucessão seja por ato entre vivos – cfr. art. 262.º, al. a), do CPC. O que constitui exceção ao princípio da estabilidade da instância, segundo o qual a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir – cfr. art. 260.º do CPC.
Certo é que está apenas em causa a repercussão processual da transmissão entre vivos e na pendência da causa da situação litigiosa.[1]
Ora, no caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, a habilitação é facultativa, conforme resulta do regime inserto no art. 263.º do CPC. A transmissão. A habilitação do adquirente ou cessionário, prevista no art. 356.º do CPC é admissível desde que se verifiquem os pressupostos de aplicação do art.º 263.º do CPC, a saber:
- a pendência de uma ação;
- a existência de uma coisa ou de um direito litigioso;
- a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação por ato entre vivos;
- o conhecimento da transmissão durante a ação.

No caso em apreço, a sentença que julgou o incidente de habilitação foi proferida a 04/02/2019. Se bem que o saneador-sentença tenha sido proferido, no processo principal, a 12/06/2018, certo é que dele foi interposto recurso a 03/09/2018 visando, em primeira linha, a declaração de nulidade da decisão. Porém, analisados os fundamentos que alicerçam o recurso, logo se alcança que não foi colocado em crise o decidido relativamente ao terceiro pedido. Dele os RR foram absolvidos e essa decisão já não é suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
A decisão, nesse segmento, transitou em julgado (cfr. art. 628.º do CPC) e por via disso, nesse âmbito, a instância extinguiu-se (cfr. art. 277.º, al. a), do CPC).
«Extinta a instância na causa principal pelo julgamento, é inadmissível o incidente de habilitação do cessionário, pois já não faz qualquer sentido falar-se de modificação subjetiva da instância.»[2]
Uma vez que, à data em que foi proferida a decisão no incidente de habilitação, a causa já não se encontrava pendente relativamente ao direito objeto de cessão, é manifesto que se impunha a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide – cfr. art. 277.º, al. e), do CPC.

O que implica na pretendida revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre o Recorrido Requerente do incidente – art. 536.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, declarando-se a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide – cfr. art. 277.º, al. e), do CPC.
Custas pelo Recorrido Requerente do incidente.
Évora, 12 de Junho de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 508.
[2] Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2.ª edição, página 242.