Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
72904/22.2YIPRT.E1
Relator: SUSANA FERRÃO DA COSTA CABRAL
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
RECUSA A DEPOR
Data do Acordão: 10/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

I. O facto de a mãe do Réu se ter recusado a depor não pode ser interpretado como indício da falsidade do depoimento do filho. Essa recusa é uma faculdade legal (artigo 497.º do CPC) reconhecida aos familiares, destinada a evitar conflitos de consciência e a proteger relações familiares.

II. Inexiste erro na valoração da prova quando o Tribunal a quo analisa e pondera toda a prova produzida, de forma rigorosa e clara, com racionalidade lógica e coerente.

III. A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto prejudica a apreciação da questão de direito invocada em sede de recurso, quando a solução propugnada pela recorrente depende da alteração da factualidade que foi dada como provada e não provada.

Decisão Texto Integral: *

Acordam na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Évora,

1. Relatório:

PWKG Consulting, Lda., com sede em Lisboa, apresentou requerimento de injunção contra AA e BB, residentes em Cidade 2, “no sentido de lhes ser paga a quantia de €29.514,81”, sendo €29.300,00 a título de capital, €61,81 a título de juros de mora e €153,00 de taxa de justiça.


Para o efeito, invocou que, no âmbito da sua atividade e a solicitação dos Requeridos, entre 17-10-2018 e 30-04-2022, prestou diversos serviços de consultoria empresarial e fiscal a um conjunto de empresas das quais os Requeridos eram administradores de facto e de direito e que os requeridos nada pagaram.


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Foi apresentada oposição, pelo que atendendo ao valor da causa, os autos prosseguiram sob a forma de processo comum.


Em sede de petição inicial aperfeiçoada, a autora concretizou que os serviços foram prestados aos RR, “na qualidade individual e de representantes das sociedades A... Limited, A... Limitada e A... Limited – representação em Portugal”.


Após a realização da audiência final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu os Réus AA e BB do pedido.


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A autora, por não se conformar com esta sentença, interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes 55 “conclusões” que se transcrevem:

A. A decisão da matéria de facto, salvo o devido respeito (e que é muito), merece reparo por ter dado por provados factos que não deveria e, bem assim, por ter omitido outros que deveria ter julgado provados.

B. No que respeita aos factos que a douta sentença deu por não provados (referenciados na douta sentença como factos A) e B)) existem diversos elementos probatórios que permitem concluir que o Tribunal a quo errou ao julgá-los nesses termos.

C. Quanto ao facto A) que a douta sentença deu por não provado, o mesmo deveria ter sido dado como provado em face da correta valoração crítica da prova produzida nestes autos.

D. Em particular e sobre a motivação desta decisão expendida entre pp. 13 e 14 da douta sentença, podem assinalar-se os seguintes erros na valoração crítica dos meios probatórios relevantes:

a. A mera negação dos Réus em que se estriba a sentença recorrida – interessados diretamente no desfecho da lide –, por si só, jamais poderia constituir um argumento decisivo para dar o facto A) por não provado, sendo certo que o Tribunal não explicou por que razão valorou mais tais depoimentos quando outros existem – como é o do legal representante da Autora ou da testemunha CC – que afirmaram precisamente o contrário.

b. Depois, sendo os RR. os beneficiários dos serviços prestados pela Autora – pela sua ligação dos RR. às sociedades A..., AA, enquanto sócio gerente da A... representação em Portugal e BB, como a própria confessou em juízo, enquanto gerente da sociedade A... Limited nos Estados Unidos – afigura-se muito provável, de acordo com as máximas de experiência, terem sido estes a celebrar o contrato com a Autora. Tal regra de experiência foi pura e simplesmente desconsiderada pelo Tribunal a quo.

c. Bem impressivo da falsidade da tese dos Réus – maxime, a de que seria DD a contratar os serviços da Autora – é o facto de a mesma DD se ter recusado a depor em juízo por ser mãe do Réu AA – cf. recusa gravada na sessão de 1.7.2024 em que esta testemunha se recusa a depor por ser mãe do Réu AA. Ora, à luz das regras de experiência comum, só pode extrair-se desta recusa um receio claro de prejudicar o Réu seu filho ou, em sinal oposto, o de ter de vir mentir em juízo. De facto, se fosse verdadeira a tese de que DD teria contratado a Autora e, perante o risco de ver o seu filho a ser responsabilizado por isso, ditam as regras de experiência comum que uma mãe teria seguramente a iniciativa de proteger o seu filho, repondo a verdade em juízo.

d. A tese dos RR. foi contrariada pelos depoimentos do legal representante da Autora e pela testemunha CC (transcritos supra, na presente alegação) que asseveraram ter presenciado a contratação dos serviços. Depoimentos que, com o devido respeito, o Tribunal não desvalorizou criticamente e, por isso, a tais elementos probatórios deveria ter atendido.

e. A tese dos RR. é ainda contrariada pela prova documental que revela que os serviços foram acompanhados na sua execução com constantes trocas de comunicações com os Réus (reproduzidas e identificadas supra). Ora, se os Réus nada contrataram com a Autora, como explicar estas trocas de comunicações? Mais uma vez, estamos diante de uma nova evidência probatória de que foram os Réus efetivamente que contrataram os serviços da Autora e não DD como estes vieram dizer e o Tribunal parece acompanhar.

f. Não colhe também a alusão que o Tribunal faz à “missiva eletrónica de 07.07.2022” porquanto verifica-se que tal e-mail está exposto em termos genéricos e sem explicitar a situação concreta da A... e, muito menos, sem fazer alusão ao contrato que se discute nestes autos. Ora, como resulta da prova produzida nestes autos – e é consensual entre as partes, de resto –, a Autora prestava uma assessoria também a empresas de DD, pelo que esta comunicação surge no contexto dessa assessoria a outras empresas e não relativamente a este contrato específico.

g. Também não colhe a ilação que o Tribunal retira da missiva de 07.07.2022, como contendo uma exoneração de responsabilidades do Réu AA, pois verifica-se que tal e-mail está exposto em termos genéricos e sem explicitar a situação concreta da A... e muito menos sem fazer alusão ao contrato que se discute nestes autos. Ora, como resulta da prova produzida nestes autos – consensual entre as partes, de resto –, a Autora prestava uma assessoria também a empresas de DD, pelo que esta comunicação surge no contexto dessa assessoria a outras empresas e não necessariamente a este contrato específico.

h. Outrossim, também não se acolhe que a simples inserção de DD em comunicações trocadas seja elemento relevante para negar a contratação com os Réus porquanto, a intervenção de DD, não afasta a do Réu AA nem permite infirmar o que de mais decisivo nestes autos se defende: que foi com os Réus que a Autora celebrou a relação contratual. Aliás, as comunicações evidenciam a intervenção de ambos os Réus, pelo que só reiteram que estes tinham conhecimento e participavam nos contactos com a Autora. Os demais elementos documentais juntos aos autos atestam a intervenção dos Réus, pelo que a mera intervenção de DD, como se vê, não é excludente de que o Contrato haja sido celebrado entre os RR. e a Autora.

i. Existe de resto abundante prova nestes autos que demonstra a intervenção de ambos os Réus no tratamento dos assuntos da A..., documentação essa que foi junta pela Autora e que contempla procurações a favor de AA, e-mails subscritos por ambos os Réus, a circunstância de ambos serem gerentes das sociedades, como aliás os mesmos confessaram, bem como a confissão do Réu AA de que recebia valores da A.... Tudo isto, sim, elementos probatórios decisivos e bem mais intensos na demonstração que a intervenção de DD, apesar de existir – porventura explicada no quadro de uma relação familiar com o seu filho e sobrinha – , não se confundia com a dos Réus nem abala a celebração do contrato entre a Autora e os Réus.

j. Não é correto afirmar que não haja outros elementos documentais que atestem a relação contratual existente e os termos do negócio. Veja-se, pois, a interpelação admonitória dirigida pelos Autores aos Réus por via das missivas datadas de 20.6.2022.

k. Olvida por fim o Tribunal, ao julgar o facto A) por não provado, a prova testemunhal produzida nestes autos e que vai precisamente em sentido oposto a esta conclusão. Em particular, sobressai neste conspecto o depoimento da testemunha CC e que confirmou totalmente a contratação dos serviços nos exatos moldes prefigurados pela Autora na sua petição inicial (cf. transcrição supra).

l. Com efeito, a testemunha CC não afirmou, ao contrário do que diz o Tribunal, que o acordo tenha sido feito entre a DD e a Autora. O que a testemunha explicou foi que a DD já era cliente da Autora e que foi ela a apresentar os Réus à Autora. Mais explicou este testemunha que o acordo para a prestação de serviços nasceu numa reunião mantida com os Réus no Hotel... em Fevereiro de 2018. Ou seja, numa reunião com os Réus e não só com DD, como deduz a douta sentença – tudo cf. depoimento transcrito supra no corpo da presente alegação de recurso.

m. Por conseguinte, o que se pode retirar deste depoimento – ao contrário do que surge afirmado na douta sentença – é que os serviços foram contratados com ambos os Réus e o legal representante da Autora. O que a testemunha expressou foi que o acordo surgiu na reunião em que estavam presentes os Réus e o legal representante da Autora. Isto e somente isto. Existe, pois, com o devido respeito, um manifesto erro de valoração da prova produzida e gravada em audiência.

E. Face a todos estes elementos probatórios e à justa valoração crítica da prova produzida, conclui-se que errou o Tribunal a quo ao dar o facto A) como não provado, devendo neste recurso julgar-se este facto provado.

F. Por sua vez, também quanto ao facto B) que a douta sentença jugou não provado, se crê que o mesmo deveria ter sido dado como provado.

G. Em particular e sobre a motivação desta decisão expendida na p. 15 da douta sentença, podem assinalar-se os seguintes erros na valoração crítica dos meios probatórios pertinentes para a prova do facto B):

a. Mais uma vez e à semelhança do que sucedeu com a prova do facto A), também nesta sede o Tribunal absolutizou os depoimentos dos Réus, quando, em rigor, existem outros elementos probatórios de sinal contrário – desde logo o da contraparte e a prova testemunhal. Ora, a prova por recurso às declarações de parte deve ser interpretada cautelosamente e não pode afastar naturalmente outros elementos probatórios relevantes, designadamente a prova testemunhal.

b. Destaque-se depois que, salvo o devido respeito pela douta sentença recorrida, não corresponde à verdade que o legal representante da Autora e a testemunha CC tenham referido que o pagamento “dependia da liquidez dos Réus”. Com efeito, o que estes depoentes realçaram é que houve conversações com os Réus ao longo da execução da prestação de serviços e que estes foram afiançando à Autora que pagariam os serviços, com promessas sucessivas que nunca vieram a ser cumpridas. O que, com o devido respeito, é totalmente distinto do que se conclui a sentença. Na verdade, uma coisa é a tolerância do credor ao conceder moratórias ao devedor, outra, bem distinta, é a exigibilidade do respetivo pagamento. Todavia e como resulta do depoimento da testemunha acima transcrito, não há dúvidas de que foi acordada a remuneração dos serviços prestados pela Autora, de forma profissional, aliás, como de resto é legalmente presumido o respetivo caráter oneroso à face do Código Civil (cf. artigo 1158.º/1 do CC).

c. Mas, mesmo que assim não fosse, o que os autos elegem com segurança é que a Autora prestou serviços aos Réus no quadro de uma prestação de serviços que perdurou entre 2018 e 2022 e que lhes dirigiu duas interpelações para cumprimento. Em face deste dado de facto – aliás, dado por provado pois as interpelações constam dos factos 4 e 5 da douta sentença –, no limite, o facto B) deveria ter sido dado por provado nos seguintes termos:

▪ Em face da conclusão dos serviços contratados, a Autora enviou duas interpelações aos Réus exigindo o pagamento dos mesmos.

H. Face a todos estes elementos probatórios e à valoração crítica da prova produzida, conclui-se que errou o Tribunal a quo ao dar o facto B) como não provado, devendo neste recurso julgar-se tal facto provado. Assim,

I. Nos termos acabados de expor, os factos A) e B) dos factos não provados da decisão de facto de que se recorre, devem ser dados como provados. Todavia, além dos factos A) e B), outros existem – omitidos totalmente da decisão de facto – que devem dar-se por provados.

J. O primeiro facto a destacar é o seguinte: a)Em 17 e 18 de fevereiro de 2018 ocorreu uma reunião no Hotel..., em Cidade 2, que contou com a presença do legal representante da Autora e dos Réus, acompanhados por DD, com vista a ser iniciada a assessoria empresarial aos Réus em assuntos que envolviam o eventual encerramento da atividade da A... Limited, A... Limitada e a A... Limited Representação em Portugal

K. Tal facto deve ser dado por provado em face dos seguintes elementos probatórios: nas declarações do legal representante da Autora e da testemunha CC (acima transcritas).

L. O segundo facto que deve ser provado neste recurso é o seguinte: b) Na reunião de 17 e 18 de fevereiro de 2018, ficou acordado que os serviços de consultoria empresarial e fiscal seriam prestados pela Autora aos Réus AA e BB e que o preço dos mesmos seguiria as regras de mercado e de acordo com os profissionais envolvidos

M. Tal facto deve ser dado por provado em face dos seguintes elementos probatórios: no depoimento da testemunha CC (acima transcrito).

N. O terceiro facto que deve ser provado é o seguinte: c) Entre 2018 e 2020, a Ré BB e o Réu AA dirigiram diversas comunicações ao legal representante da Autora versando sobre assuntos relacionados com o encerramento da A... Limited, A... Limited – representação em Portugal e A... Limitada

O. Tal facto deve ser dado por provado em face dos seguintes elementos probatórios: os docs. n.º 1 e 2 juntos com o Requerimento de 8.9.2023 (junto aos autos), com a referência citius 11637570, acrescido dos Docs. 10 e 11 juntos com o Requerimento de 29.8.2023, com a referência citius 11610853.

P. O quarto facto que deve ser provado é o seguinte: d) O Réu AA recebia quantias da A... enquanto sócio gerente e movimentava dinheiros por investimentos que lhe eram transferidos

Q. Tal facto deve ser dado por provado em face da confissão que se extrai do depoimento do Réu AA acima transcrito.

R. O quinto facto que deve ser provado é o seguinte: E. Era o Réu AA que celebrava escrituras em representação da A... Limited, surgia referenciado em Atas como representante da empresa em Portugal, dispunha de poderes de administração e geria a contabilidade da empresa em Portugal

S. Tal facto deve ser dado por provado em face do teor dos Docs. 1, 3, 6 e 25 juntos com o requerimento de 29.8.2023, com a referência citius 11610853.

T. O sexto facto que deve ser provado é o seguinte: F. A Ré BB foi gerente da sociedade A... Limited desde 2016 até à data do respetivo encerramento

U. Tal facto deve ser dado por provado em face da confissão da Ré BB que se assumiu como gerente da sociedade – cf. depoimento transcrito supra.

V. O sétimo facto que deve ser provado é o seguinte: G) Os serviços prestados pela Autora aos Réus incidem sobre consultoria empresarial e fiscal e incluem o âmbito descrito nas missivas de 20.6.2022 (cf. pontos 4 e 5 dos factos provados da sentença)

W. Tal facto deve ser dado por provado em face da confissão do Réu AA ao assumir a prestação os serviços, do depoimento da testemunha CC que confirmou a prestação de serviços (cf. excerto supra transcrito) e, ainda, pelo teor dos Docs. 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 juntos com o Requerimento de 29.8.2023, com a referência citius 11610853 que confirma a execução dos serviços de consultoria por parte da Autora.

X. O oitavo facto que deve ser provado é o seguinte: H. Antes da interpelação aos Réus pelas missivas de 20.6.2020, a Autora tentou por diversas ocasiões que os Réus pagassem os serviços, o que estes prometeram fazer mas nunca cumpriram

Y. Tal facto deve ser dado por provado em face do depoimento da testemunha CC (supra transcrito) que confirmou a as tentativas de obtenção do pagamento dos serviços.


Por tudo o exposto,

Z. Deve a decisão de facto ser alterada, mantendo-se os factos provados pela douta sentença e acrescentando-se a seguinte factualidade como provada:

a. Por solicitação dos Réus, a Autora prestou serviços de consultoria empresarial e fiscal aos mesmos, na qualidade individual e de representantes das sociedades: “A... Limited”, sociedade norte-americana em que a Ré BB foi beneficiária; “A... Limitada”, sociedade de direito angolana, detida pela Ré BB; e “A... Limited – Representação em Portugal”.

b. Ficou verbalmente convencionado entre a Autora e os Réus que os honorários devidos pelos mesmos seriam pagos após a conclusão dos serviços.

c. Em 17 e 18 de fevereiro de 2018 ocorreu uma reunião no Hotel..., em Cidade 2, que contou com a presença do legal representante da Autora e dos Réus, acompanhados por DD, com vista a ser iniciada a assessoria empresarial aos Réus em assuntos que envolviam o eventual encerramento da atividade da A... Limited, A... Limitada e a A... Limited Representação em Portugal

d. Na reunião de 17 e 18 de fevereiro de 2018, ficou acordado que os serviços de consultoria empresarial e fiscal seriam prestados pela Autora aos Réus AA e BB e que o preço dos mesmos seguiria as regras de mercado e de acordo com os profissionais envolvidos

e. Entre 2018 e 2020, a Ré BB e o Réu AA dirigiram diversas comunicações ao legal representante da Autora versando sobre assuntos relacionados com o encerramento da A... Limited, A... Limited –representação em Portugal e A... Limitada

f. O Réu AA recebia quantias da A... enquanto sócio gerente e movimentava dinheiros por investimentos que lhe eram transferidos

g. Era o Réu AA que celebrava escrituras em representação da A... Limited, surgia referenciado em Atas como representante da empresa em Portugal, dispunha de poderes de administração e geria a contabilidade da empresa em Portugal

h. A Ré BB foi gerente da sociedade A... Limited desde 2016 até à data do respetivo encerramento

i. Os serviços prestados pela Autora aos Réus incidem sobre consultoria empresarial e fiscal e incluem o âmbito descrito nas missivas de 20.6.2022 (cf. pontos 4 e 5 dos factos provados da sentença)

j. Antes da interpelação aos Réus pelas missivas de 20.6.2020, a Autora tentou por diversas ocasiões que os Réus pagassem os serviços, o que estes prometeram fazer mas nunca cumpriram

AA. A procedência do recurso da matéria de facto nos termos acabados de descrever, deve ditar a coerente aplicação do Direito aos presentes autos, com a consequente procedência da ação movida pela Autora com os Réus.

BB. Em síntese, subsumindo-se na aplicação do regime legal aplicável ao mandato (cf. artigos 1154.º e ss. do Código Civil), reconhecendo-se ainda o incumprimento dos Réus na obrigação de pagar os serviços prestados pela Autora com a correspondente condenação dos Réus no valor peticionado, acrescido dos respetivos juros de mora.


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O Réu/Recorrido apresentou contra-alegações, com 43 conclusões, onde refere em síntese que:

A. Foi sempre impugnado que existiu algum contrato de prestação de serviços com os Recorridos e foi sempre negado que os serviços reclamados neste processo foram prestados;

B. Ademais se foram ou não prestados e quais, era um dos temas da prova e foi dado como não provado pelo Tribunal a Quo .

C. Nunca se reconheceu que acordaram os serviços concretos aqui reclamados nem que os mesmos foram prestados!

D. O depoimento de parte e as declarações do filho são de livre apreciação do Tribunal, que decidiu não valorar por imparciais, terem faltado à verdade, bem como por não serem corroboradas por absolutamente ninguém ou por qualquer prova documental, nem cumprindo a Recorrente com o dever de legal de identificar concretamente as passagens em que se baseia.

E. A Recorrente ignora que o que o Tribunal a Quo diz é que a Recorrente alega que prestou serviços durante 5 anos e não existe absolutamente nenhuma prova, nem sequer um sinal de fumo, de ter havido:

• proposta;

• aceitação;

• negociação;

• discussão de preços;

• orçamentos;

• facturas;

• uma interpelação em 5 anos para pagar alguma coisa;

• alguma prova de terem “concedido moratórias” como diz o recorrente que fez na página 20/46 do seu recurso;

• algum dos inúmeros pareceres técnicos que diz que elaborou;

• algum contabilista, advogado, representante fiscal, inspector das finanças com quem diz a recorrente que reunia e/ou prestava aconselhamento;

• algum colaborador;

• alguma prova que corporize algum trabalho prestado dos que estão na interpelação que enviou.

F. Se aconselhava e dava pareceres, como é que não há uma única prova escrita em 5 anos da Recorrente a aconselhar os Recorridos ou a enviar algum dos pareceres técnicos? Ou uma única testemunha que não o filho?

G. Quer ainda a recorrente que se dê como provado 8 (oito) factos. Acontece que transcorridos todos os articulados validamente apresentados aos autos pelas partes, neles não se encontra as alegações dos factos em causa. Estamos, pois, em presença de factos que no momento processual próprio - qual seja o dos articulados - não foram introduzidos na discussão, não tendo, pois, sido submetido à apreciação e julgamento do Tribunal de 1ª instância.


*


Questões a decidir:


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, atento o disposto artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º do Código de Processo Civil.


Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:

i. Da admissão do recurso da matéria de facto;

ii. Da impugnação da decisão de facto

iii. Reapreciação jurídica da causa: do contrato de prestação de serviços;


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2. Fundamentação:

1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1. A PWKG – CONSULTING, LDA., é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada que tem por objeto a consultoria, orientação e assistência a operações de empresas ou organismos em matérias diversas, tais como projetos, organização, controle, formação e gestão, informática, investigação e desenvolvimento; gestão, aluguer, arrendamento, compra e projetos de tempo e espaço, exercício de todas as operações inerentes a tais atividades e relacionadas com as mesmas; produção, edição, distribuição e comercialização de conteúdos escritos; atividades de animação turística e organização de eventos; compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim investimento estratégico, arrendamento, gestão e administração imobiliária, investimentos imobiliários; e atividades de contabilidade e consultoria fiscal; obrigando-se com a assinatura de um gerente, figurando como gerente EE.

2. A A... Limited é uma sociedade comercial, com sede nos Estados Unidos da América, que tem por objeto comércio geral.

3. A A... Limited – REPRESENTAÇÃO EM PORTUGAL representava a A... Limited em Portugal, tinha por objeto comércio geral, figurando como representante AA, e foi encerrada em 27.05.2019.

4. Da missiva datada de 20.06.2022, destinada a AA, expedida mediante carta registada com aviso de receção, e rececionada no dia 21.06.2022, consta, entre o mais, o seguinte:

«Exmos. Senhores,

AA

(em representação da A... Limited – Representação em Portugal)

[…]

Assunto: interpelação para pagamento de valores em dívida, correspondentes aos serviços prestados ao v/grupo empresaria nos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.

Exmos. Senhores,

Somos pela presente a interpelar V. Exas. para, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, proceder à liquidação dos erviços prestados, que ascende a 29.300,00€ (vinte e nove mil e trezentos), a que acresce IVA à taxa legal, e que melhor se discriminal em documento junto […].

Caso tal não se verifique e sem necessidade de nova interpelação, iremos proceder à cobrança coerciva dos valores em divida.

[…]

Anexo I

Data – Serviço Prestado – Valor

17, 18 de fevereiro de 2018 – Serviços de consultoria empresaria para enquadramento no panorama fiscal/societário em relação à empresa “A... Limited” (Representada por BB) e “A... Limited – Representação em Portugal” (Representada por AA), bem como conferência com cliente, elaboração de aconselhamento técnico e acompanhamento ao Novo Banco e Serviço de Finanças para tal; - Valor: 1.750,00€

fevereiro e março de 2018 – Análise de documentação remetida, conferência com os clientes AA e BB respeitantes as referidas empresas com objetivo emissão de parecer técnico para assessoria aos advogados para facilitar a impugnação de IRS de DD – Valor: 850,00€

fevereiro e março de 2018 – Análise de documentação remetida, e conferência com os clientes AA e BB respeitante aos documentos em que as referidas empreas são intervenientes (A... Limited, e A... Limited – representação em Portugal), juntos nos procedimentos de inspeção tributária ...75 e ...76 pelos advogados, bem como emissão de parecer técnico – Valor: 850,00€

maio e junho de 2018 – Reuniões com a B... (em Cidade 3) e C..., Lda.. (Representante fiscal da A... Limited), e conferência com os clientes AA e BB, com objetivo de análise de documentação de suporte ao procedimento de inspeção tributária ...09 da DF Faro, bem como emissão de parecer técnico para auxílio a eventual reação à mesma pelos advogados da empresa – Valor: 1.750,00€

maio, junho e julho de 2018 – Análise de documentação e conferência com clientes para elaboração de parecer societário-fiscal para adequação pelos advogados da empresa a eventual reação ao processo de inquérito criminal 535/18.9..., em investigação na SATAC da Direção de Finanças de Faro – Valor: 1.750,00€

julho de 2018 – Conferências com a instrutura do processo de inquérito criminal ..., Dra. FF, bem como emissão de parecer técnico, para justificação de questões levantadas durante o mesmo, a pedido dos clientes – Valor: 1.750,00€

julho de 2018 – análise de documentação contabilística para verificação da permanência de contas em aberto da A... Limited na contabilidade da empresa “D... 2, Unipessoal, Lda.”, para esclarecimento aos advogados para preparação do processo de insolvência da mesma entidade – Valor: 850,00€

setembro de 2018 – Análise e emissão de parecer técnico da documentação de suporte e respetiva implicações tributárias da transação de Lote em Cidade 4 pela A... Limited para assessorai aos advogados para eventual responsabilização do Dr. GG – 850,00€

setembro de 2018 – Conferência co os clientes e Dr. HH (Contabilista certificado da A... Limited – representação em Portugal), para análise de situação contabilística da referida empresa e emissão de solicitações e parecer técnico – Valor: 1.750,00€

setembro de 2018 – Análise de documentos contabilísticos e respetiva solicitação à B..., bem como reunião na Direção de Finanças de Faro em reação a IRC de 2017 – Valor: 750,00€

setembro de 2018 – Análise de documentação de suporte a constituição de uma representação em Portugal da A... Limited, anteriormente efetuada, solicitada à sede da empresa, no estado de Delawere, EUA – Valor: 850,00€

outubro de 2018 – Analise de documentação de suporte e elaboração de parecer técnico para auxílio à correção pelos advogados dos valores apurados em desse de inspeção tributária efetuada à sociedade A... Limited – Valor: 850,00€

outubro de 2018 – Análise da documentação de suporte, elaboração de parecer técnico e troca de correspondência com o Sr. II sobre a realidade contabilística, comercial e societária da empresa, a pedido dos clientes – Valor: 1.750,00€

outubro de 2018 – Análise de documentação de suporte, elaboração de parecer técnico e reuniões com a B... e C..., Lda. em relação às empresas “E... Constructuion Technology, LLC” e “E... Industrial Consultants, LLC”, bem como a intervenção e relações contabilistas e societárias com a A... Limited / A... Limitada (sociedade registada em Angola), bem como eventual transmissão da gestão da A... Limited da BB a terceiro – Valor: 1.750,00€

janeiro de 2019 – Análise de documentação de suporte be, como conferências com os clientes AA e BB, bem como conferência com o Dr. HH para regularização de contas e preparação de encerramento da sociedade A... Limited – representação em Portugal, com o consequente cancelamento da matrícula – Valor: 1.750,00€

fevereiro de 2019 – Reuniões no Serviço de Finanças e Conservatória do Registo Comercial para constatação da situação societária atualizada da empresa A... Limited – representação em Portugal, bem como assessoria aos advogados dos procedimentos tributários a adotar – Valor: 850,00€

fevereiro e março de 2019 – Elaboração de parecer técnico para escrita de documentos societários para encerramento da Representação em Portugal, bem como do envio para Gibraltar para emissão – Valor: 1.250,00€

Março de 2019 – Reunião com o Dr. HH para aconselhamento dos procedimentos tributários a adotar para cessação de atividade da representação em Portugal da A... Limited – Valor: 850,00€

março e abril de 2019 – Conferências com os clientes AA e BB para aconselhamento nos procedimentos tributários a adotar e troca de correspondência com a B... em Portugal e Gibraltar, bem como, a pedido dos mesmos, com o Sr. II – Valor; 850,00€

março de 2019 – Receção dos documentos de suporte, emissão de parecer técnico, conferência com os clientes oara entrega do pedido de registo do encerramento da representação permanente e cancelamento da matrícula, bem como levantamento dos documentos de registo em abril de 2019 – Valor: 2.750,00€

outubro de 2019 – Análise de extratos bancários da A... Limited e esclarecimentos sobre eventuais implicações e responsabilidade dos clientes AA e BB, nomeadamente transferências efetuadas de 33.33% de valores recebidos pelo Ministério dos Negócios de Angola para a A... Limited, bem como transferências da A... Limited – representação em Portugal para financiar a atividade de várias empresas, cuja beneficiária são a F..., Lda. e G..., Lda. – Valor: 250,00€

ano de 2020 e 2021 – Aconselhamento pontual e emissão de parecer técnico sobre questões declarativas emanadas pela AT – Valor: 850,00€ março e abril de 2022 – Aconselhamento pontual de situação contabilística transitada da A... Limited – Representação Portugal, emissão de parecer técnico e conferência com o contabilista e clientes – Valor: 850,00€».

5. Da missiva datada de 20.06.2022, destinada a BB, expedida mediante carta registada com aviso de receção, e rececionada no dia 21.07.2022, consta, entre o mais, o seguinte:

«Exmos. Senhores,

BB

(em representação da A... Limited e A... Limitada)

[…]

Assunto: interpelação para pagamento de valores em dívida, correspondentes aos serviços prestados ao v/grupo empresaria nos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.


Exmos. Senhores,


Somos pela presente a interpelar V. Exas. para, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, proceder à liquidação dos erviços prestados, que ascende a 29.300,00€ (vinte e nove mil e trezentos), a que acresce IVA à taxa legal, e que melhor se discriminal em documento junto […].


Caso tal não se verifique e sem necessidade de nova interpelação, iremos proceder à cobrança coerciva dos valores em divida.


[…]


Anexo I


Data – Serviço Prestado – Valor


17, 18 de fevereiro de 2018 – Serviços de consultoria empresaria para enquadramento no panorama fiscal/societário em relação à empresa “A... Limited” (Representada por BB) e “A... Limited – Representação em Portugal” (Representada por AA), bem como conferência com cliente, elaboração de aconselhamento técnico e acompanhamento ao Novo Banco e Serviço de Finanças para tal; - Valor: 1.750,00€


fevereiro e março de 2018 – Análise de documentação remetida, conferência com os clientes AA e BB respeitantes as referidas empresas com objetivo emissão de parecer técnico para assessoria aos advogados para facilitar a impugnação de IRS de DD – Valor: 850,00€


fevereiro e março de 2018 – Análise de documentação remetida, e conferência com os clientes AA e BB respeitante aos documentos em que as referidas empreas são intervenientes (A... Limited, e A... Limited – representação em Portugal), juntos nos procedimentos de inspeção tributária ...75 e ...76 pelos advogados, bem como emissão de parecer técnico – Valor: 850,00€


maio e junho de 2018 – Reuniões com a B... (em Cidade 3) e C..., Lda.. (Representante fiscal da A... Limited), e conferência com os clientes AA e BB, com objetivo de análise de documentação de suporte ao procedimento de inspeção tributária ...09 da DF Faro, bem como emissão de parecer técnico para auxílio a eventual reação à mesma pelos advogados da empresa – Valor: 1.750,00€


maio, junho e julho de 2018 – Análise de documentação e conferência com clientes para elaboração de parecer societário-fiscal para adequação pelos advogados da empresa a eventual reação ao processo de inquérito criminal 535/18.9..., em investigação na SATAC da Direção de Finanças de Faro – Valor: 1.750,00€


julho de 2018 – Conferências com a instrutura do processo de inquérito criminal ..., Dra. FF, bem como emissão de parecer técnico, para justificação de questões levantadas durante o mesmo, a pedido dos clientes – Valor: 1.750,00€


julho de 2018 – análise de documentação contabilística para verificação da permanência de contas em aberto da A... Limited na contabilidade da empresa “D... 2, Unipessoal, Lda.”, para esclarecimento aos advogados para preparação do processo de insolvência da mesma entidade – Valor: 850,00€


setembro de 2018 – Análise e emissão de parecer técnico da documentação de suporte e respetiva implicações tributárias da transação de Lote em Cidade 4 pela A... Limited para assessorai aos advogados para eventual responsabilização do Dr. GG – 850,00€


setembro de 2018 – Conferência co os clientes e Dr. HH (Contabilista certificado da A... Limited – representação em Portugal), para análise de situação contabilística da referida empresa e emissão de solicitações e parecer técnico – Valor: 1.750,00€


setembro de 2018 – Análise de documentos contabilísticos e respetiva solicitação à B..., bem como reunião na Direção de Finanças de Faro em reação a IRC de 2017 – Valor: 750,00€


setembro de 2018 – Análise de documentação de suporte a constituição de uma representação em Portugal da A... Limited, anteriormente efetuada, solicitada à sede da empresa, no estado de Delawere, EUA – Valor: 850,00€


outubro de 2018 – Analise de documentação de suporte e elaboração de parecer técnico para auxílio à correção pelos advogados dos valores apurados em desse de inspeção tributária efetuada à sociedade A... Limited – Valor: 850,00€


outubro de 2018 – Análise da documentação de suporte, elaboração de parecer técnico e troca de correspondência com o Sr. II sobre a realidade contabilística, comercial e societária da empresa, a pedido dos clientes – Valor: 1.750,00€


outubro de 2018 – Análise de documentação de suporte, elaboração de parecer técnico e reuniões com a B... e C..., Lda. em relação às empresas “E... Constructuion Technology, LLC” e “E... Industrial Consultants, LLC”, bem como a intervenção e relações contabilistas e societárias com a A... Limited / A... Limitada (sociedade registada em


Angola), bem como eventual transmissão da gestão da A... Limited da BB a terceiro – Valor: 1.750,00€


janeiro de 2019 – Análise de documentação de suporte be, como conferências com os clientes AA e BB, bem como conferência com o Dr. HH para regularização de contas e preparação de encerramento da sociedade A... Limited – representação em Portugal, com o consequente cancelamento da matrícula – Valor: 1.750,00€


fevereiro de 2019 – Reuniões no Serviço de Finanças e Conservatória do Registo Comercial para constatação da situação societária atualizada da empresa A... Limited – representação em Portugal, bem como assessoria aos advogados dos procedimentos tributários a adotar – Valor: 850,00€


fevereiro e março de 2019 – Elaboração de parecer técnico para escrita de documentos societários para encerramento da Representação em Portugal, bem como do envio para Gibraltar para emissão – Valor: 1.250,00€


Março de 2019 – Reunião com o Dr. HH para aconselhamento dos procedimentos tributários a adotar para cessação de atividade da representação em Portugal da A... Limited – Valor: 850,00€


março e abril de 2019 – Conferências com os clientes AA e BB para aconselhamento nos procedimentos tributários a adotar e troca de correspondência com a B... em Portugal e Gibraltar, bem como, a pedido dos mesmos, com o Sr. II – Valor; 850,00€


março de 2019 – Receção dos documentos de suporte, emissão de parecer técnico, conferência com os clientes oara entrega do pedido de registo do encerramento da representação permanente e cancelamento da matrícula, bem como levantamento dos documentos de registo em abril de 2019 – Valor: 2.750,00€


outubro de 2019 – Análise de extratos bancários da A... Limited e esclarecimentos sobre eventuais implicações e responsabilidade dos clientes AA e BB, nomeadamente transferências efetuadas de 33.33% de valores recebidos pelo Ministério dos Negócios de Angola para a A... Limited, bem como transferências da A... Limited – representação em Portugal para financiar a atividade de várias empresas, cuja beneficiária são a F..., Lda. e G..., Lda. – Valor: 250,00€


ano de 2020 e 2021 – Aconselhamento pontual e emissão de parecer técnico sobre questões declarativas emanadas pela AT – Valor: 850,00€


março e abril de 2022 – Aconselhamento pontual de situação contabilística transitada da A... Limited – Representação Portugal, emissão de parecer técnico e conferência com o contabilista e clientes – Valor: 850,00€».


*

1. O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

A. A) Por solicitação dos Réus, a Autora prestou serviços de consultoria empresarial e fiscal aos mesmos, na qualidade individual e de representantes das sociedades:

0. i) “A... Limited”, sociedade norte-americana em que a Ré BB foi beneficiária;

ii) “A... Limitada”, sociedade de direito angolana, detida pela Ré BB; e

iii) “A... Limited – Representação em Portugal”.

B) Ficou verbalmente convencionado entre a Autora e os Réus que os honorários devidos pelos mesmos seriam pagos após a conclusão dos serviços.


*

1. Apreciação das questões a decidir:

1. Da admissão do recurso da matéria de facto;


Cumpre, antes do mais, apreciar e decidir se é de admitir ou rejeitar o recurso da decisão relativa à matéria de facto.


Nos termos do artigo 640.º do CPC, que estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal de Recurso reaprecie a decisão quanto à matéria de facto, sob pena de não o fazendo ser rejeitada a impugnação, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina – 7:ª edição, pág. 198)”, o recorrente deve especificar:

a. os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. os meios probatórios que imponham decisão diversa e, no caso de prova gravada, com indicação exata das passagens da gravação relevantes.

c. a decisão que deve ser proferida.


Analisado o teor do recurso, no que se refere ao mencionada em a., verificamos, que a recorrente especifica os seguintes concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados:

• Pontos A) e B) dados como não provados;

• Omissão dos factos mencionados em c) a j);


No que se refere ao requisito referido em b., a recorrente indica os documentos e os depoimentos que considera relevantes, especificando em concreto as passagens da gravação que entende pertinentes para a alteração pretendida.


Finalmente, quanto ao pressuposto constante em c., a Recorrente expressa a redação que os pontos impugnados devem passar a ter.


Face ao exposto, admite-se a impugnação da matéria de facto, procedendo-se, assim, de imediato à sua apreciação.


*

1. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:


O Tribunal considerou não provados os factos referidos em A) e B), ou seja, considerou não provado que:


- A solicitação dos RR, a autora lhes tenha prestado serviços de consultadoria empresarial e fiscal, quer na qualidade individual quer como representantes das empresas referidas.


- Tenha havido um acordo verbal, entre A e RR, nos termos do qual o preço dos serviços seria pago, após a conclusão dos mesmos.


A Recorrente sustenta que ambos os factos devem ser julgados provados, tendo havido, no seu entender, um erro do Tribunal a quo “na valoração crítica dos meios probatórios.”.


Analisemos, então, os argumentos invocados, tendo presente que estando em causa factos alegados pela Autora/recorrente e constitutivos do seu direito a receber um preço pelos serviços alegadamente prestados, a prova dos mesmos incumbe à Autora/Recorrente, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do CC.


Em primeiro lugar, refere a Recorrente que o facto de os RR terem negado os factos não pode constituir um argumento decisivo. Ora, conforme resulta da sentença, alude-se à negação dos factos pelos RR, mas, em si não foi essa situação que foi determinante. Com efeito, é manifesto que os RR conforme resulta da contestação não pretendem pagar qualquer serviço à Autora e, por isso, negaram veemente quer qualquer acordo, quer a prestação de quaisquer serviços prestados pela Autora.


Em segundo lugar, invoca a recorrente que os RR são os beneficiários dos serviços prestados pela A., pelo que, de acordo com as regras da experiência, foram eles que celebraram o acordo com a Autora. Concordamos com a Recorrente quando refere que das regras da experiência é possível concluir que, em princípio, contrata um serviço quem beneficia do mesmo. Sucede que, no caso concreto, os RR AA e BB impugnaram que lhes tenha sido prestado qualquer serviço pela Autora e, por isso, incumbia à autora, pretendendo que se alcançasse a referida ilação, demonstrar ter prestado determinados serviços, em concreto, aos RR. Ora, quanto a estes não foram apresentados documentos, que os comprovem, já que as cartas juntas de interpelação, datadas de 2022, são insuficientes para a prova quer da solicitação dos serviços , quer da prestação dos serviços. Por outro lado, embora os serviços estejam descritos nas cartas de interpelação de 2022 e refiram designadamente análises e emissões de pareceres técnicos, particularmente nos anos de 2018 e 2019, já que nos anos de 2020, 2021 e 2022 alude-se apenas a aconselhamentos pontuais e emissão de pareceres técnicos, o certo é que não foi junto a este processo cópia de qualquer parecer, a fim de demonstrar qualquer trabalho que tivesse sido realizado. É certo que os pareceres técnicos que a Autora alega ter prestado não tinham de ser escritos, mas, face aos valores peticionados, ao tempo decorrido, inexistindo qualquer documento que os demonstre e tendo sido produzida como prova as declarações de parte do legal representante da autora e da testemunha CC, seu filho, que são contraditadas pelos declarações dos RR, inexistem quaisquer motivos para alterar a decisão alcançada pelo tribunal a quo.


Não sendo possível concluir, face à prova produzida, como a Recorrente pretende, que os RR tenham sido beneficiários de quaisquer serviços prestados pela Autora, designadamente os constantes das missivas de 2022, também não é possível retirar a conclusão almejada pela Recorrente de que que se os RR beneficiaram de um serviço foi porque o contrataram.


O terceiro argumento invocado de que a recusa da mãe dos RR, a referida DD, de depor é impressivo da falsidade do depoimento dos RR, não procede, porque se trata de uma prerrogativa legal concedida aos familiares. Com efeito, o exercício desta faculdade que visa “ obstar ao conflito de consciência que resultaria para a testemunha de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um seu familiar ou afim, mas também e sobretudo proteger as relações de confiança e solidariedade, essenciais à instituição familiar”1 não permite ao tribunal extrair a ilação pretendida, de que: “à luz das regras da experiência comum, só pode extrair-se desta recusa um receio claro de prejudicar o seu filho ou, em sinal oposto, o de ter de vir mentir em juízo”.


Quanto aos depoimentos do legal representante da autora, EE e da testemunha CC que asseveraram ter presenciado os RR a contratarem os serviços da Autora e a Recorrente diz que o tribunal não desvalorizou criticamente e, por isso, deveria ser atendido, também não assiste razão à Recorrente. O tribunal, conforme resulta da motivação da decisão, conjugou esses depoimentos com a demais prova produzida e valorou-os de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º do CPC, não se vislumbrando a existência de qualquer erro de julgamento.


Finalmente, a Recorrente para demonstrar a existência dos serviços e a contratação dos RR invoca que a prova documental junta “revela que os serviços foram acompanhados com constantes trocas de comunicações com os RR”. Ora, o Tribunal a quo analisou os diversos documentos juntos, designadamente os emailes referidos e concluiu, e bem que os mesmos embora demonstrem que o Réu AA tinha intervenção na gestão das empresas A..., aliás diremos nós tal como a Ré BB , que conforme resulta dos emailes juntos no requerimento de 29-08-2023 fez solicitações diretamente a EE, tal não se mostra suficiente para concluir “quem terá contratado os serviços jurídicos da Autora, peticionando os seus serviços, determinado os seus termos e concluído o negócio jurídico.”.


No que concerne aos depoimentos do legal representante da autora e da testemunha CC, seu filho, que efetivamente referiram que os RR tinham contratado a autora para prestar serviços, os seus depoimentos vagos relativamente à contratação e sem sustento documental, pois como já se referiu os documentos juntos não atestam qualquer termo de um contrato entre ambos celebrado e designadamente no que se refere a serviços prestados, valores acordados e formas e tempos de pagamento, não se mostraram suficientes para prova dos factos alegados pela Autora.


Em suma, quer quanto ao facto A) quer quanto ao facto B) dados como não provados o Tribunal analisou e ponderou bem toda a prova produzida, o que fez de forma rigorosa e clara, com racionalidade lógica e coerente, apelando à experiência e normalidade das relações, pelo que se mantém nos seus exatos termos as respostas dadas a estes factos.


*


Sustenta ainda a Recorrente que o Tribunal omitiu 8 factos que deveriam ser considerados como provados (que se encontram supra transcritos na conclusão Z, referidos em c) a j).).


Nos termos conjugados nos artigos 5.º e 607.º do CPC, o ónus de alegação respeita somente aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa e “o juiz deve sinalizar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo”2. Ora, a matéria que a Recorrente pretende agora aditar, designadamente o que consta das alíneas c), d), e) , f) , g), h) e j) não foi alegado nos articulados, para além do que consta em A) e B) dos factos não provados, pelo que não tinha o Tribunal que elencar quer nos factos provados , quer nos factos não provados , o referido nas mencionadas alíneas.


O que está mencionado em i) foi dado como não provado em A) e B) dos factos dados como não provados, nos exatos termos em que foi alegado.


Por conseguinte, o Tribunal a quo respondeu a toda a matéria factual alegada nos articulados e necessária à decisão da causa, inexistindo qualquer matéria alegada e relevante para a decisão que não tenha sido considerada. Além do mais, sempre se dirá que face à matéria que foi dada como não provada os factos novos agora invocados mostravam-se totalmente irrelevantes


Improcede, por isso, totalmente também, nesta parte, o recurso interposto pela Autora.


*


2.3.3. Do contrato de prestação de serviços:


A procedência da ação assentava na procedência do recurso quanto à matéria de facto (Cfr. conclusão AA. Dupra transcrita). Ora, conforme supra se expôs a impugnação da decisão relativa à matéria de facto improcedeu totalmente. Logo, importa considerar prejudicada a questão de direito3, mantendo-se nos seus exatos termos a fundamentação de direito da sentença do tribunal a quo, que, em breve síntese, considerou que não se provou a celebração entre a Autora e os RR de um contrato de prestação de serviços oneroso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1154.º do Código Civil, do qual decorresse a obrigação dos RR de pagar os valores peticionados pela Autora, e concluiu pela absolvição dos RR do pedido.


Deve, por todo o exposto, confirmar-se a sentença recorrida.


*


As custas são suportadas pela Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


*


3. Decisão:


Pelo exposto, decide-se julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a Sentença recorrida.


Custas pela Recorrente.


*


Évora, 16 de outubro de 2025


Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)


Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto (1.º Adjunto)


António Fernando Marques da Silva (2.º Adjunto)

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1. Decisão Sumária m.º 111/2022, proferida no Processo n.º 40/21 do Tribunal Constitucional, acessível in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20210111.html↩︎

2. Abrantes Geraldes, paulo Pimenta, L.F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 718,↩︎

3. Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-12-2024, acessível in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/1ae91291717e836580258c0a00348a42?OpenDocument↩︎