Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
716/17.2T8SLV-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: CUSTAS DE PARTE
NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA
COMUNICAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1 - As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25º do RCP.
2 - Embora a parte credora das custas comunique a nota discriminativa e justificativa ao tribunal e notifique (via citius), o mandatário da parte devedora de tal ato, esta comunicação à parte devedora das custas não releva como interpelação para pagamento.
3 - Não obstante o mandatário da parte vencida ter acesso ao citius e ter conhecimento, por essa via, da reclamação das custas de parte, a lei não se basta com esse conhecimento, antes exige que a notificação seja feita, não pelo tribunal ou por via citius, mas pela própria parte vencedora.
4 – O vencimento da obrigação depende da interpelação para pagamento concretizada através da expedição para a parte vencida da nota discriminativa e justificativa, só assim se criando título executivo, o que de outra forma, não se verifica.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

aa, por apenso aos autos de execução que lhe são movidos por Condomínio do Prédio sito no …, Lote …, Vale …, Portimão, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Execução de Silves – Juiz 2), veio deduzir embargos de executado, invocando, no essencial, em síntese, que a nota discriminativa de custas de parte, que integra o título executivo, não lhe foi notificada pela exequente, não ocorrendo interpelação para pagamento, nos termos previstos no art.º 25º n.º 1 do RCP, não se formando título executivo, pugnando pela “extinção da execução por carência de título executivo.”
Em sede liminar os embargos foram indeferidos, por se entender terem “caráter manifestamente improcedente”.
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Irresignado com esta sentença, veio o embargante interpor o presente recurso de apelação e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
a) Não tendo o R., ora Executado/ Embargante, parte vencida na ação declarativa, e nem a sua mandatária, sido notificado/interpelado da nota discriminativa e justificativa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 25.º do RCP, não se formou o título executivo;
b) A mera notificação eletrónica via Citius, em cumprimento do disposto no artigo 221.º do CPC, à contraparte, de requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Juiz, onde se apresenta as custas de parte, não cumpre o disposto no nº 1 do Art.º 25 do RCP e no nº 1 do Art. 31º da Portaria 419-A/2009 de 17 de Abril e como tal não se pode equiparar a interpelação para pagamento.
c) A interpelação formal é condição necessária para o exercício do direito de exigir custas de parte o que só se alcança com o envio da nota discriminativa e justificativa ao R. ou à sua mandatária.
d) Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto – 5.ª Secção - 13884/14.6 T8PRT, decisão de 18/04/2017, disponível em www.dgsi.pt (que se anexa).
e) O título executivo, para a Execução pretendida, deve revestir natureza compósita ou hibrida porquanto deve resultar, cumulativamente, quer da nota discriminativa de custas de parte enviada pela parte vencedora à parte vencida, quer da própria sentença que condenou esta última em custas, cf. art.º. 25.º, n.º1 do Regulamento das Custas, que sob a epigrafe «Nota justificativa», dispõe que: “1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa.”
f) Verificando-se a omissão e/ou incompletude do título executivo nos presentes autos deveria o tribunal a quo ter decidido pelo prosseguimento/admissão dos Embargos seguindo-se a extinção da execução por carência de título executivo.
g) Inexiste, pois, na Execução embargada título Executivo pleno; h) A falta de título executivo implica a extinção da execução.
i) O título executivo é um pressuposto necessário da ação executiva;
j) Sem título não pode haver ação executiva;
l) Face ao exposto, dúvidas inexistem que os Embargos deduzidos mostram-se sustentados na previsão da alínea a) do artigo 729º do C.P.C. impondo-se, por isso, a revogação da douta decisão recorrida e consequente substituição por novo despacho que admitindo os Embargos ordene o prosseguimento dos mesmos.
m) A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação, o disposto no nº 1 do Art.º 25 do RCP e no nº 1 do Art. 31º da Portaria 419-A/2009 de 17 de Abril, bem como o disposto na al. a) do artigo 729º do C.P.C.. ex artigo 732.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma legal.
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O embargado apresentou alegações defendendo a manutenção do julgado, muito embora defenda que a decisão recorrida não é impugnável atendendo a que o valor da causa é de € 729,10.

Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso - (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, todos do CPC).

Assim, a questão nuclear posta à consideração do tribunal, consiste em saber se existe título executivo, já que o executado alega que nunca foi interpelado para pagar as custas de parte.
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Para apreciar a questão há que ter-se em conta o seguinte circunstancialismo factual:
1- O exequente instaurou contra o executado, ora embargante, ação executiva com vista a obter o pagamento das custas de parte que entende serem devidas pelo executado em consequência da condenação em custas proferida na ação declarativa da qual a execução é apensa.
2 - O Exequente faz acompanhar o requerimento executivo de sentença condenatória em custas, transitada em julgado, e da nota discriminativa de custas de parte, dirigida ao Meritíssimo Juiz e remetida ao tribunal via CITIUS em 05/09/2016.
3 - Do comprovativo de entrega ao Tribunal da nota discriminativa de custas de parte, que também acompanha o requerimento executivo, consta a mera notificação eletrónica, via Citius, à mandatária do R. da apresentação do requerimento dirigido ao Meritíssimo Juiz, onde se reclama custas de parte;
4 - Para além deste requerimento a exequente, autora na ação declarativa, não efetuou qualquer outra notificação à parte contrária referente a custas de parte.

Conhecendo da questão
Como ponto prévio haverá que clarificar que não obstante o pequeno valor da causa, não está em questão a recorribilidade da decisão, ao contrário do que defende o embargado, dado que estamos perante uma decisão liminar, prevendo a lei, para estas situações, que independentemente do valor da causa ou da sucumbência, seja sempre admissível a interposição de recurso para o Tribunal da Relação [cfr. art.º 629º n.º 3 al. c) do CPC], donde não merece censura a interposição de recurso, nem a decisão pela qual se admitiu o mesmo.
A questão que nos é colocada em apreciação já foi abordada designadamente nos acórdãos do TRP de 09/01/2017[1] e 18/04/2017[2] em sentido coincidente e, porque perfilhamos do entendimento que neles foi explicitado, passamos a seguir de perto a respetiva fundamentação, embora com as alterações impostas pela análise do caso concreto e de argumentação que também devemos acrescentar, por se mostrar relevante.
Dispõe o nº 1 do Art.º 25 do RCP (Regulamento das Custas Processuais), introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que «Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa».
E nos termos do nº 1 do art.º 31º da Portaria 419-A/2009 de 17 de Abril «As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25º do RCP».
Acrescenta o n.º 2 deste normativo que «Quando a parte vencedora beneficie de conversão de taxa de justiça a título de pagamento antecipado de encargos, nos termos do artigo 22.º do RCP, identifica separadamente, na nota justificativa das custas de parte:
a) A quantia paga a título de taxa de justiça;
b) A quantia convertida a título de pagamento antecipado de encargos;
c) A quantia efectivamente paga a título de encargos;
d) O valor da soma da alínea a) com a alínea b) deduzido da alínea c) que corresponde ao valor pago a título de taxa de justiça e de encargos».
Resulta dos autos que o ora embargado enviou um requerimento para o Tribunal com a nota discriminativa e justificativa das quantias devidas a título de custas de parte tendo o mandatário da embargante/recorrente sido notificado, via citius, da apresentação dessa nota discriminativa e justificativa perante o tribunal.
O ora embargante entende que deveria ter sido interpelado pessoalmente, ou diretamente para o seu mandatário, uma vez que não estamos perante um ato processual, não se aplicando o disposto nos artigos 221º e 225º do CPC, relativo às notificações entre mandatários.
É nossa convicção que a razão está do seu lado.
Pois, uma notificação feita diretamente ao mandatário da parte com a nota de custas de parte devidamente elaborada é bem diferente de uma notificação feita ao mandatário via citius, como aconteceu no presente caso, de que foi apresentado um requerimento em Tribunal com uma nota de custas de parte.
A lei – preceitos supra citados – é bem clara quando impõe que seja remetida a nota discriminativa e justificativa para o tribunal e também para a parte vencida (e, quando for o caso, elabora outra comunicação e envia-a para o agente de execução).
“Para haver, a parte que direito a custas de parte, nos termos supra explicitados, o seu efetivo pagamento, da parte sobre que impenda a obrigação de as pagar, importa que aquela assegure a interpelação desta, quer através do seu mandatário, quer diretamente, designadamente caso ela não tenha constituído mandatário, pois embora a decisão condenatória determine “o nascimento da obrigação de pagamento” o seu vencimento depende da interpelação para pagamento concretizada através da expedição para a parte vencida da nota discriminativa e justificativa, só assim se criando “título executivo, o que de outra forma, não se verifica”.[3]
Por isso, afigura-se-nos que a lei não permite à parte vencedora remeter apenas a nota discriminativa e justificativa ao tribunal e notificar (via citius) a parte contrária desta remessa.
A letra da lei não permite a interpretação feita pela decisão recorrida, impondo expressamente o envio de comunicações autónomas para o Tribunal e para a parte.[4]
Como se afirma nos Acórdãos do TRP supra citados esta interpretação é aquela que deve ser seguida «por ser aquela que:
(I) Está mais próxima do texto da lei;
(II) Gera menos dúvidas na mente do destinatário a quem a lei se dirige.
(III) Não tem aptidão para gerar prejuízos às partes (caso da falta de reclamação a fazer dentro do prazo de 10 dias a contar da data da comunicação), por estas seguirem uma interpretação que depois o tribunal poderá considerar ter sido indevida».
Atenta a redação do nº 1 do Art.º 25º do RCP, supra citado, a parte vencedora tem de notificar a parte vencida não podendo considerar-se como notificação validamente efetuada o facto de se dar conhecimento (notificação eletrónica) através da plataforma citius ao mandatário da parte vencida da reclamação apresentada em Tribunal.
Desta forma podemos afirmar que não obstante o mandatário da parte vencida ter acesso ao citius e ter conhecimento, por essa via, da reclamação, a lei (art. 25º, n.º 1 do RCP) não se basta com esse conhecimento, antes exige que a notificação seja feita, não pelo tribunal ou por via citius, mas pela própria parte vencedora.
Não basta, por isso, que a parte credora das custas comunique a nota discriminativa e justificativa ao tribunal e notifique (via citius), na pessoa do mandatário, esta comunicação à parte devedora das custas.
Por isso, a resposta à questão de saber se o envio para o tribunal de nota discriminativa e justificativa de custas de parte dando-se conhecimento desse facto (notificação eletrónica) ao mandatário da parte vencida, vale como se o envio daquela nota discriminativa e justificativa de custas de parte tivesse sido efetuado para a própria parte, devendo considerar-se interpelada para pagar, terá de ser negativa, devendo o recurso proceder.
Nestes termos relevam as conclusões do apelante, impondo-se a procedência da apelação e a revogação da decisão impugnada, que deverá ser substituída por outra, que admita os embargos, se outra causa a tal não obstar.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão impugnada que deverá ser substituída por outra que admita os embargos, se outra causa a tal não obstar.
Custas pelo apelado (artº 527º n.º 1 e 2 do CPC).

Évora, 12-04-208
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Manuel Bargado

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[1] - No processo 1388/09.3TBPVZ-A.P1, disponível em www.dgsi.pt
[2] - No processo 13884/14.6T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt
[3] - v. Miguel Côrte-Real, “Custas de Parte” julho de 2011, disponível em www.verbojuridico.net; Salvador da Costa in As Custas Processuais, 6.ª Edição, 214.
[4] - Embora a decisão recorrida não seja expressa na clarificação de tal entendimento, dela transparece que se teve por notificado o executado no âmbito da previsão do disposto no artº 221º do CPC (notificação entre mandatários das partes), muito embora depois aluda a um acórdão do TRC de 20/04/2016 disponível em www.dgsi.pt, no qual se constata que existiu a efetiva remessa da nota discriminativa das custas, não sendo, apenas, um envio para o tribunal de nota discriminativa e justificativa de custas de parte dando-se conhecimento desse facto (notificação eletrónica) ao mandatário da parte vencida.