Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/11.3GIEVR-A.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: SIGILO DE COMUNICAÇÕES
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
FACTURAÇÃO DETALHADA
SUSPEITO
Data do Acordão: 11/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. Para o efeito da autorização de uma escuta telefónica ou, para o que nos interessa, da junção ao processo dos elementos a que se refere o nº 2 do art. 189.º do CPP não é exigível que o «suspeito» seja uma pessoa identificada no processo, nomeadamente, através do seu nome, mas é necessário, pelo menos, que se trate de uma pessoa «concretizada», por meio do conhecimento de um mínimo de características que permita individualizá-la relativamente às demais, pois, a não ser assim, ficaria desprovido de objecto o juízo de indiciação associado à evocada categoria de pessoas.

2. A diligência prevista no nº 2 do art. 189.º do CPP consubstancia uma vulneração suficientemente relevante do segredo das telecomunicações para que o legislador a tenha rodeado de algumas das cautelas requeridas para a efectivação de escuta telefónica, mormente, ter de ser ordenada ou autorizada por um Juiz, versar sobre «crime do catálogo» e ter por alvo pessoa abrangida na previsão do nº 4 do art. 187.º do CPP.

3. Caso viesse a ser autorizada a prestação das informações pretendidas pela Digna Recorrente e se viesse a verificar que haviam sido localizadas celularmente e listadas comunicações em que não eram intervenientes pessoas abrangidas em qualquer das categorias tipificadas nesta última disposição legal, por improvável que tal hipótese se afigure, a diligência teria conduzido a um resultado que a lei inequivocamente proíbe.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

No inquérito nº 1/11.3GIEVR, distribuído para o exercício das funções jurisdicionais dessa fase processual ao Tribunal de Instrução Criminal de Évora, pela Digna Procuradora-Adjunta titular dos autos foi dirigida à Exmª Juiz desse Tribunal, em 21/6/11, a seguinte promoção:

«Nos presentes autos está em investigação a prática de crime de furto qualificado. p. e p. nos arts. 203° e 204°/1. c) e 2. do do Código Penal.

O local onde ocorreu a subtracção é ermo, numa capela anexa a um cemitério que, por sua vez, está implantado no meio de uma herdade agrícola, a cerca de 1.7 Km da localidade mais próxima. A habitação mais próxima, ela própria isolada, localiza-se a cerca de 300m da referida igreja.

O local apenas é frequentado por quem se desloca ao cemitério, sobretudo pelo funcionário que, todas as sextas feiras, faz a respectiva manutenção.

Por esse motivo, o furto do sino apenas foi detectado quando o funcionário da manutenção aí se deslocou, como sempre, na sexta-feira, dia 18/02/2011 (pelas 07hOO) e constatou que, ao contrário do que acontecia na semana anterior - 11/02/2011 (pelas 19hOO. quando abandonou o local) - aquele já ali não se encontrava.

Nesse período - entre 11/02/2011 e 18/02/2011 - ninguém se deslocou ao cemitério ou capela com intuito de visitar o local ou venerar os defuntos, pois, caso contrário, atendendo às características próprias da população rural servida pelo cemitério, o desaparecimento do sino tinha sido de imediato detectado e reportado às autoridades, o que não aconteceu.

Ante o isolamento do local escolhido pelos autores do crime, não existem testemunhas ou quaisquer outros elementos similares que permitam a sua identificação, o que implica dificuldades acrescidas para a investigação: sendo certo que os autores não deixaram quaisquer vestígios.

Atendendo ao modo do cometimento do crime e ao peso do sino, é manifesto que o crime foi cometido por mais do que um indivíduo.

Desta forma, o único modo de obtenção de prova e de eventual identificação dos suspeitos é através da listagem das chamadas que tenham feito no momento e local do cometimento do ilícito, pelo que torna-se essencial para a descoberta da verdade a obtenção destes elementos, sem os quais é impossível a identificação dos autores do ilícito.

Nos termos do art. 189° 2 do Código de Processo Penal, tais elementos apenas poderão ser validamente obtidos por despacho do JI, quanto a crimes previstos no art. 187º 1 do mesmo diploma e em relação às pessoas referidas no n° 4 - suspeitos ou arguidos, intermediários destes nas conversações e vítimas de crime.

No caso dos autos, o ilícito em investigação está previsto no art. 187° 1. a) do Código de Processo Penal e os elementos cuja obtenção se pretende são necessariamente relativos aos suspeitos do seu cometimento.

A este propósito salienta-se:

- o local dos factos é particularmente isolado, com a localidade mais próxima a cerca de 1.7km:

- no período em referência não foi frequentado por visitantes ou elementos da herdade (caso em que o furto havia sido necessariamente descoberto e reportado mais cedo), ou seja, entre as 19h00 de 11/02/2011 e as 7h00 de 18/02/2011, apenas o funcionário PA e os autores do crime de deslocaram à capela de S. ---. As horas indicadas correspondem às horas de saída e regresso ao local do mesmo funcionário:

- ficando no meio de uma herdade e a cerca de 400m da via de comunicação mais próxima, não existiam outras pessoas que, para além dos suspeitos, pudessem ter activado as células telefónicas.

De todos estes elementos circunstanciais conclui-se que as únicas pessoas existentes no local e período do cometimento do crime e que poderiam ter utilizado telefones móveis para conversas são apenas e necessariamente os suspeitos da prática de furto.

A este propósito é de extrema importância ter em conta que os elementos que se pretendem obter se reportam a uma localização exacta e muito restrita. Na verdade, a identificação pelas referências "LAC” e "CID" de cada uma das operadores e a que infra irá ser feita referência concreta correspondem à exacta localização do edifício onde ocorreu o furto, ou seja, correspondem às coordenadas precisas das células activadas no edifício, pelas chamadas que a partir dele sejam efectuadas.

Desta forma, não são solicitados elementos relativos a uma área geográfica alargada, mas apenas relativos às conversações efectuadas no restrito perímetro onde o ilícito foi cometido, ele próprio ermo.

Pelo exposto, dúvidas não nos restam que a informação pretendida reporta-se unicamente a registos de chamadas efectuadas ou recebidas pelos suspeitos do crime em investigação, pelo que estão preenchidos todos os pressupostos legais para a sua obtenção.

Nestes termos e de harmonia com o disposto nos arts. 189º/2. 187º/1, a) e 4 do Código de Processo Penal, promovo que a Mmª JI autorize e ordene às operadoras de telefones móveis que:

1) forneçam o registo detalhado das chamadas efectuadas e recebidas e que activaram as seguintes células entre as 14h00 do dia 110:22011 e as 07h00 do dia 18/02/201 1:

- para a rede OPTIMUS - 268-NE03-LAC 3510-CID 21141 e 268-NE03-LAC 46000­CID21141:

- para a rede TMN - 268-NE06-LAC 15104-CID 4870 e 268-NEO6-LAC 805-CID 38253:

- para a rede VODAFONE - 26S-NEO l-LAC 9-CID 2660 e 268-NEO l-LAC 9-CID 310.

2) forneçam a identificação dos proprietários/utilizadores dos cartões SIM e IMEI a partir dos quais foram efectuadas as chamadas que activaram as mesmas células no mesmo período e venham a ser identificadas na facturação mencionada em 1 )

3) caso os elementos mencionados em 2) correspondam a cartões pré-pagos, o fornecimento da identificação da conta bancária a partir da qual foram feitos os carregamentos ou as respectivas referências bancárias e ou zona do país onde foram feitos os pagamentos pay-shop ou similares .

. Mais se promove que se determine às operadoras que forneçam a facturação em suporte digital, para melhor tratamento da informação».

Na sequência da promoção transcrita, pela Exmª Juiz do TIC de Évora, foi proferido o seguinte despacho:

«Dispõe o art. 187.º, do Cód. Proc. Penal que a intercepção e a gravação de conversações telefónicas ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizada, por despacho do juiz, quanto a crimes:

- puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo a três anos;
- relativamente a tráfico de estupefacientes;
- de detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
- de contrabando;
- de injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através do telefone;
- de ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
- de evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores,

se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

As intercepções telefónicas estão, assim, dependentes de quatro pressupostos materiais, de que a lei faz depender a sua admissibilidade.

Em primeiro lugar, terão de estar preordenadas à perseguição de um dos crimes de catálogo.

Por outro lado, exige-se uma forma relativamente qualificada da suspeita da prática do crime. Não se exigindo os fortes indícios, não se basta o ordenamento jurídico com meras suposições ou boatos não confirmados. “A suspeita terá de atingir um determinado nível de concretização, a partir de dados do exterior ou da vida psíquica” (cfr. Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, p. 290).

Em terceiro lugar, estão subordinadas a um princípio de subsidiariedade, isto é, não será legítimo ordenar as escutas nos casos em que os resultados probatórios possam ser alcançados sem dificuldades particularmente acrescidas.

Por último, limita a lei as escutas a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas, exigindo o n.º 4 do art. 187.º, do Cód. Proc. Penal que este meio de obtenção de prova seja dirigido contra: a) suspeito ou arguido; b) pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou c) vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

Sustenta o Ministério Público que a informação pretendida se reporta unicamente a registos de chamadas efectuadas ou recebidas pelos suspeitos do crime em investigação.

Nos presentes autos não existe arguido constituído e, presumindo-se que se trata de seres humanos, não se apurou qualquer elemento relativo aos autores dos factos.

Dispõe o art. 1.º, al. e), do Cód. Proc. Penal que é suspeito toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu um crime ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar.

A lei não exige que o suspeito seja pessoa devidamente identificada, mas exige que se tenha em vista uma pessoa concreta, com determinadas características, ainda que não devidamente apurada a respectiva identidade.

A questão reconduz-se à chamada densificação da noção de suspeito.

A jurisprudência vem sufragando o entendimento de que a pessoa em concreto relativamente à qual se visa a utilização do meio de obtenção de prova em causa não pode ser uma mera abstracção (neste sentido vide, Ac. R.L. de 7/11/2007 e Ac. R.E. de 14/07/2010). Tal como se refere nesta última decisão “O n.º 4 do art. 187.º do Código de Processo Penal exige que a autorização judicial ali prevista tenha por referência pessoas concretas ou, pelo menos, determináveis (que ainda não conste dos autos a identificação civil). Não basta para esse efeito a indicação de um grupo indeterminado de utilizadores de telemóvel, cujo único traço comum é o de ocuparem, no dia dos factos e horas indicadas, um espaço físico abrangido por determinadas BTS/antenas das operadoras de telemóveis nacionais.”

Afigura-se-nos, por isso, e revendo posição anterior (sustentada em alguns despachos que proferimos noutros processos) que a total ausência de elementos que permitam indicar quem são as pessoas autoras dos factos em investigação não salvaguarda a legalidade de obtenção de prova pelo meio que vem promovido.

Em face do exposto, indefere-se o requerido.

Notifique».

Do despacho proferido o MP interpôs recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1a - Nos autos em epígrafe estão preenchidos todos os pressupostos legais para a obtenção dos elementos pretendidos pelo Ministério Público e indeferidos pela Mmaa JI, designadamente os previstos no art. 1870 do Código de Processo Penal.

2a - Designadamente, tais elementos reportam-se ao suspeito da prática do crime de furto qualificado em investigação, como impõe o art.187/4, a) do Código de Processo Penal, ou seja, "pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou nele participa ou se prepara para participar" – art. 1°, e) do mesmo diploma.

33 - Não obstante as dúvidas suscitadas pela Mma. JI no despacho recorrido - "presumindo-se que se trata de seres humanos" -, é evidente que o registo de facturação de chamadas telefónicas pretendido apenas poderá reportar-se a humanos, uma vez que não são conhecidos outros seres do reino animal ou vegetal que utilizem equipamentos telefónicos

43 - No período mencionado pelo Ministério Público na promoção indeferida - entre as 19hOO do dia 11/02/2011 e as 07h00 do dia 18/02/2011 - apenas os autores do furto estiveram no local do crime e apenas eles poderão ter utilizado telefones móveis e activado as respectivas células

53 - Tal resulta evidente da conjugação dos seguintes elementos circunstanciais descriminados nos autos:

- o local onde ocorreu a subtração é ermo, a cerca de 1.7 Km da localidade mais próxima e em que a habitação mais próxima, ela própria isolada, se localiza a cerca de 300 m;

- o local apenas é frequentado por quem se desloca ao cemitério, sobretudo pelo funcionário da manutenção, que foi quem detectou o furto;

- entre as 19h00 de 11/02/2011 e as 7h00de 18/02/20110 cemitério esteve fechado e o local não foi frequentado por visitantes ou elementos da herdade (caso em que o furto havia sido necessariamente descoberto e reportado mais cedo), ou seja, neste período apenas os autores do crime de deslocaram à capela de S ...;

- se algum outro individuo aí se tivesse deslocado, designadamente para venerar os defuntos, atendendo às características próprias da população rural servida pelo cemitério, o desaparecimento do sino tinha sido de imediato detectado e reportado às autoridades, o que não aconteceu;

- os elementos que se pretendem obter reportam-se a uma localização exacta e muito restrita, uma vez que as referências "LAC" e "CID" das operadoras correspondem à exacta localização do edifício onde ocorreu o furto, ou seja, às coordenadas precisas das células activadas no edifício, pelas chamadas que a partir dele sejam efectuadas.

6a - Por este motivo, os elementos telefónicos pretendidos pelo Ministério Público reportam-se unicamente a registos de chamadas efectuadas ou recebidas pelos suspeitos do crime em investigação, pelo que estão preenchidos todos os pressupostos legais para a sua obtenção.

7a - Tais elementos são essenciais para a obtenção da prova e sem eles, apesar de os suspeitos serem identificáveis não poderão vir a sê-lo, investigação e alcance das finalidades do inquérito, definidas no art° 262° do Código de Processo Penal.

8a - No despacho recorrido a Mma JI fez uma errada interpretação do art. 187°/4, a) do Código de Processo Penal e do conceito de "suspeito" nele ínsito, norma que violou.

Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o fornecimento das informações promovidas pelo Ministério Público no seu despacho de fls. 52.”

Por não haver arguido nos autos, não foi dado cumprimento ao disposto no nº 6 do art. 411º do CPP.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado, e com efeito suspensivo da decisão.

Pela Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação foi emitido parecer contrário à concessão de provimento ao recurso.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

I. Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões da Digna Recorrente, resume-se à pretensão de reversão do indeferimento da promoção sobre que recaiu o despacho impugnado, por entender encontrarem-se reunidos os pressupostos legais da solicitação das informações então pretendidas pelo MP.

Em causa está, em primeira linha, um pedido de informação às operadoras de telemóveis (Optimus, TMN e Vodafone), no sentido fornecerem ao processo o registo detalhado das chamadas que activaram, no período compreendido entre as 19 horas do dia 11/2/11 e as 7 horas do dia 18/2/11, as células correspondentes ao lugar onde ocorreram os factos agora sob investigação.

Não se trata, como poderia erradamente inferir-se de uma leitura isolada do despacho recorrido, de um pedido de intercepção e gravação de conversas e comunicações telefónicas.

Contudo, a solicitação da informação pretendida pelo MP na alínea a) da parte final da promoção indeferida pelo despacho está dependente, nos termos da lei processual penal, da verificação de condições, que coincidem, em parte, com as exigidas para a autorização de escutas telefónicas.

A tal respeito, dispõe o nº 2 do art. 189º do CPP:

A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no nº 1 do artigo 187º e em relação às pessoas referidas no nº 4 do mesmo artigo.

Conforme amplamente resulta dos termos processuais reproduzidas na certidão que instrui estes autos de recurso, os factos investigados no processo principal resumem-se à subtracção de um sino colocado numa igreja situada junto a um cemitério, que terá sido evada a efeito, tanto quanto é possível saber, por uma pluralidade de indivíduos desconhecidos, dentro do período temporal a que se reporta a informação pretendida pelo MP.

Os factos averiguados são susceptíveis, numa primeira abordagem, de integrar a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nºs 1 al. c) e 2 al. d) do CP, como referiu o MP na promoção indeferida, ao qual é cominada pena de 2 a 8 anos de prisão.

Trata-se de «crime do catálogo», porquanto o nº 1 do art. 187º do CPP, que define o universo das infracções cuja investigação pode justificar a autorização de uma escuta telefónica, faz nele incluir, por via da sua al. a), os crimes a que corresponda pena de prisão até um limite máximo superior a 3 anos.

O fornecimento das informações pretendidas pelo MP só é permitido em relação às pessoas referidas no nº 4 do art. 187º do CPP, cujo teor o despacho recorrido transcreve.

Desde logo, podemos dar de barato, por evidente, que a pretensão da Digna Recorrente não se reporta a qualquer das categorias de pessoas definidas pelas als. b) e c) do referenciado normativo legal, devendo nós ter em consideração apenas a hipótese prevista na al. a), sem perder de vista a definição de suspeito fornecida pela al. e) do art. 1º do CPP, que o despacho sob recurso também reproduz.

Para o efeito da autorização de uma escuta telefónica ou, para o que nos interessa, da junção ao processo dos elementos a que se refere o nº 2 do art. 189º do CPP não é exigível que o «suspeito» seja uma pessoa identificada no processo, nomeadamente, através do seu nome, mas é necessário, pelo menos, que se trate de uma pessoa «concretizada», por meio do conhecimento de um mínimo de características que permita individualizá-la relativamente às demais, pois, a não ser assim, ficaria desprovido de objecto o juízo de indiciação associado à evocada categoria de pessoas.

Ora, no caso presente, são desconhecidas quaisquer características individualizadoras das pessoas que tenham praticado os factos sob investigação.

É certo que o MP, na promoção sobre que recaiu o despacho recorrido, desenvolve uma extensa e bem apoiada argumentação, tendente a demonstrar que, durante o período a que se reportam as informações pretendidas, ninguém esteve no local onde foi levada a cabo a subtracção participada nos autos, além das pessoas que nela intervieram, baseando-se, em síntese, na circunstância de se tratar de um lugar ermo, muito afastado de qualquer povoação ou via de comunicação, e de ali não ter sido levado a efeito, no lapso temporal em referência, algum acto relativo ao culto religioso ou dos defuntos.

A argumentação expendida pela Digna Recorrente mostra-se convincente no sentido de demonstrar que é muito improvável que, durante o período de tempo em causa, alguém tenha estado no «locus delicti», que não os próprios agentes do facto ilícito, mas não pode de todo garantir quer tal não tenha ocorrido.

O nº 4 do art. 34º da CRP estatui:

É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

A junção ao processo dos elementos referidos no nº 2 do art. 189º do CPP constitui um atentado ao sigilo das telecomunicações, constitucionalmente tutelado, menos gravoso que a escuta e gravação das conversas telefónicas, propriamente ditas.

Tanto assim é que a lei de processo penal estabelece para a junção dos mencionados elementos um regime menos rigoroso do que aquele que condiciona a realização de escuta telefónica, não exigindo, para a decretação da primeira, o «estado de necessidade investigativo» prefigurado pelo nº 1 do art. 187º do CPP.

Ainda assim, a diligência prevista no nº 2 do art. 189º do CPP consubstancia uma vulneração suficientemente relevante do segredo das telecomunicações para que o legislador a tenha rodeado de algumas das cautelas requeridas para a efectivação de escuta telefónica, mormente, ter de ser ordenada ou autorizada por um Juiz, versar sobre «crime do catálogo» e ter por alvo pessoa abrangida na previsão do nº 4 do art. 187º do CPP.

Caso viesse a ser autorizada a prestação das informações pretendidas pela Digna Recorrente e se viesse a verificar que haviam sido localizadas celularmente e listadas comunicações em que não eram intervenientes pessoas abrangidas em qualquer das categorias tipificadas nesta última disposição legal, por improvável que tal hipótese se afigure, a diligência teria conduzido a um resultado que a lei inequivocamente proíbe.

Assim sendo, teremos de concluir que o estado actual do processo não permite garantir a observância do requisito a que se refere o nº 4 do art. 187º do CPP no fornecimento das informações pretendidas na alínea a) da parte final da promoção inferida pelo despacho sob recurso, o que acarreta a inviabilidade legal da obtenção de tais elementos.

Em consequência, ficam logicamente precludidas as pretensões formuladas nas alíneas b) e c) da mesma promoção.

Nesta conformidade, terá o recurso de improceder.

II. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Notifique.

Évora 8/11/11 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)