Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO COELHO | ||
Descritores: | CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA RECUSA | ||
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Data do Acordão: | 11/22/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Assiste à empresa de mediação a obrigação de certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Sumário: 1. Assiste à empresa de mediação a obrigação de certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover. 2. Sabendo a empresa de mediação, desde o início, que o imóvel integra uma herança indivisa da qual o seu cliente é o cabeça-de-casal, e não tendo exigido dos herdeiros não outorgantes a ratificação do contrato de mediação, corre por sua conta o risco da recusa de outorga do negócio visado por um desses herdeiros. 3. Neste caso, a empresa não pode exigir a remuneração acordada no contrato de mediação imobiliária celebrado em regime da exclusividade, por recusa de outorga do negócio visado por parte de um dos herdeiros não outorgantes, já que o referido contrato lhe é ineficaz. Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Competência Genérica de Sesimbra, (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., apresentou requerimento de injunção contra (…), pedindo o pagamento de € 8.977,71, na sequência da celebração de um contrato de mediação imobiliária para alienação de um imóvel, para a qual encontrou interessado, mas que não se concretizou por desistência da Ré. Na sua oposição, a Ré afirma que o imóvel integrava uma herança indivisa, facto que era conhecido da A., e que o negócio só não se concretizou por recusa dos demais herdeiros. Após julgamento, a causa foi julgada improcedente. Recorre a A. e conclui: A. O Tribunal a quo julgou incorrectamente como não provados os pontos E), H) e L), sendo que o Ponto H) conclui-se assim, pois permite uma leitura incorrecta; B. A prova documental junta – Contrato de Mediação e Proposta de Venda, juntamente com a própria oposição, seria o suficiente para retirar as conclusões que levaram à condenação da R. C. As Declarações de Parte da Ré e o Depoimento da Testemunha arrolada pela A., vieram ainda mais confirmar a razão da A.; D. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo, violou os artigos 341.º, 342.º e 351.º do Código Civil, Artigo 30.º, n.º 1 e 2, 414.º, 571.º, n.º 1 e 2, 572.º, als. b) e c) e 573.º do Código de Processo Civil; E. A Autora demandava à Ré a comissão devida pelo seu serviço de mediação imobiliária, na medida em que única responsabilidade pela não concretização do negócio era da própria Ré, tendo a Ré angariado o comprador, como era sua obrigação e como se houvera comprometido, havendo posteriormente uma desistência por parte da Ré. F. A Ré alega, em sede de Oposição, que a desistência foi devida ao facto do imóvel ser compropriedade sua e dos filhos – fruto da herança do marido – que tal facto não foi averiguado pela Autora e uma vez que os filhos se opuseram à venda, a Ré nada podia fazer, pelo que a responsabilidade seria da Autora que não verificou, como devia, quem eram os legítimos proprietários do imóvel. G. Os factos em sede de 1.ª Instância foram apurados de forma substancialmente diferente, tanto como resulta das Declarações de parte da Ré, como da testemunha ouvida, o vendedor da Autora. H. Não houve, a final, particular discordância entre ambos, sendo que as conclusões jurídicas do Tribunal a quo são mais relevantes, por estarem incorrectas, se bem que as conclusões de facto enfermam de dois erros. I. O primeiro, referente ao facto dado como provado no ponto “H”, já que, da forma simplista como está redigido, transforma-o numa conclusão errada, pois que se é verdade que o corpo do contrato foi preenchido pelo vendedor, também é verdade essencial que foi preenchido na presença da Ré, com os dados que esta forneceu, sendo totalmente explicado à Ré o seu teor e, fundamentalmente, sendo a própria a assinar, manifesta a sua concordância, sendo por isso essencial a correta leitura que o Tribunal a quo faz quanto à total capacidade de compreensão da Ré, não manifestando qualquer debilidade ou limitação intelectual, bem pelo contrário. J. O segundo resulta da conjugação das conclusões dos pontos “L” e “K”, pois não só ficou indubitavelmente provado que a A. foi informada ab initio que o imóvel era compropriedade da Ré e dos filhos – ao contrário do alegado na oposição – como a A. através do seu vendedor e testemunha – contactou com os filhos mais do que uma vez, dois deles estando na Alemanha, e que todos manifestaram a concordância com a venda. K. A Ré foi a única a constar no contrato, porque na prática não era possível constarem a identificação de todos e mesmo recolher a assinatura de todos, só a Ré pode ser demandada, por ser a única a ter legitimidade passiva. L. A Ré a defesa pouco legítima da Ré já que, em sede de Oposição à Injunção, a Ré defende-se invocando a sua ilegitimidade, ou seja, invocando um facto que configura um venire contra factum próprio. M. A Ré alega ser cabeça de casal mas ter realizado um negócio à revelia dos demais herdeiros, pelo que não tinha legitimidade para tal. Ora, tal alegação poderia fazer sentido acompanhada de uma outra de insanidade, de inabilitação ou até interdição, porém vir alegar ilegitimidade de ato que a própria livre e voluntariamente realizou é manifestamente um absurdo fáctico e legal. N. A Autora sabia que a R. era a Cabeça de Casal porque a própria o disse e entregou a respectiva Habilitação de Herdeiros, conforme cópia que foi junta. Foi a própria que assinou o contrato e disse encarregar-se da venda. Aliás, a R. recebeu e fez propostas negociais aceites, pelo que sempre se mostrou apta e capaz, dizendo aliás que previamente consultava os demais herdeiros, algo que ficou claro, em sede de julgamento que, a própria A. teve esse cuidado. O. Em sede de contrato foi apenas identificada a mesma, por ser a Cabeça de Casal, até porque os contratos, cujos modelos vêm pré feitos, não têm espaço para outro tipo de identificação, sendo certo que foi a própria Ré que informou a A. da sua qualidade CC. e entregou a Habilitação de Herdeiros à A. P. O que está em causa é o cumprimento de um contrato outorgado pela Ré, Ré que não é incapaz. Q. A Douta Sentença do Tribunal a quo, deixou claro: “Em momento algum das suas declarações, atenta a forma como foram prestadas e a postura corporal adoptada, foi visível uma pessoa pouco esclarecida e que “se deixasse levar”, como a Ré pretendeu fazer passar na versão por si apresentada” pelo que cabia-lhe a si saber se podia ou não assinar o contrato, se tinha ou não legitimidade e autorização dos filhos para a venda, sendo certo que asseverou à A. que tinha. R. Tendo assinado o contrato e se o tivesse feito abusivamente, tal abuso teria que ser dirimido com os filhos e não com a A. que é interveniente legítima e de Boa-Fé. S. Sabe a A. que a R. agiu em perfeita consonância com os filhos, nada fazendo à revelia, utilizando os argumentos de ilegitimidade numa espécie de fuga para a frente perante a responsabilidade que tem pelo pagamento, como a prova em sede de audiência deixou claro. T. Em sede de julgamento a Ré veio apresentar uma versão que não é referida na sua oposição e, como mais uma vez diz e bem o julgador a quo: “O interesse no desfecho da causa não será alheio a esta forma de prestação de declarações (...)” U. Note-se que não só a Meritíssima Juíza a quo revela que percebe que a Ré é uma mulher com total clarividência, como assume que a Ré traz, apenas em sede de julgamento, um argumento novo, que nunca tinha utilizado nomeadamente quando lhe cabia deduzir defesa, ou seja, o Tribunal decide aceitar uma flagrante violação do n.º 1 do artigo 573.º do CPC e, para mais, percebendo que o argumento apresentado não merece credibilidade. V. Acresce que na fundamentação, na análise dos fundamentos invocados pela Ré, sustenta o Tribunal a quo que: “Com vista a impedir o efeito pretendido pela Autora, a Ré invoca a violação da obrigação de informação com dois fundamentos: - Falta de entrega da cópia do contrato e, - Falta de informação sobre a ilegitimidade da Ré em, sozinha, outorgar o contrato de mediação. Não resulta da factualidade provada que, efectivamente, tais factos não tenham sido praticados pela Autora. W. Perante isto, o Tribunal conclui que mesmo sabendo a Ré que não tinha legitimidade para, sozinha, vender o imóvel, a mesma teria sempre que ter a anuência prévia dos filhos e que, ao vir invocar a sua própria ilegitimidade, não atua em sede de Abuso de Direito, pois, considera não estarem reunidos os pressupostos do Instituto. X. Refere ainda que, embora seja manifestamente falso o argumento da Ré, em sede de oposição, de sonegação de elementos, bem assim como falso o argumento aduzido em sede de julgamento de, praticamente, coacção para assinatura do contrato – ambos reconhecidos pelo Tribunal como falsos – e ainda assumindo que a A. cumpriu a sua obrigação contratual, entende, a final, que a Autora teve um incumprimento superior ao bastar-se com a assinatura no contrato por parte da R.. Y. A R. invoca que a A. não indagou sobre a legitimidade e apura-se que sim, tendo a própria fornecido a Habilitação de Herdeiros e tendo mesmo a A. confirmado com contactos com os filhos. Z. A R. invocou que não lhe foram facultados os documentos, nomeadamente o contrato e verifica-se que a própria juntou ao processo, precisamente porque estava na sua posse. AA. A R. invocou ainda que foi coagida à assinatura, e verifica-se depois – com a junção do documento de proposta - que participou nas negociações do valor, fazendo proposta e aceitando contra proposta. BB. Ficou provado, indubitavelmente, que a Ré mentiu tanto nos argumentos aduzidos em sede própria, ou seja, em sede de Oposição como em sede – anómala – de julgamento e que a Autora aduziu apenas argumentos verdadeiros mas, pelos vistos, não bastavam. CC. Tendo a Ré agido, manifestamente em Abuso de Direito, ao invocar a sua própria ilegitimidade, grave porque conhecida desde sempre, acaba a por ser prejudicada, ainda que tendo cumprido integralmente o contrato que se havia comprometido. DD. A Autora agiu como podia demandando quem podia, ou seja a R., pois foi a mesma que efectivamente contratou consigo e que “atreve-se” a invocar a sua própria ilegitimidade ab initio conhecida de forma informada pela própria A.. EE. A ser verdade a argumentação da Ré – e não é como se viu – teria a mesma que pleitear com os seus filhos ou estes com a mãe, mas seguramente a Autora é terceiro de Boa-Fé, sendo que tal teria que ser reconhecido pelo Tribunal a quo e não foi. FF. A verdade é que as contradições da Ré, em parte, são suficientemente comprovadas por via documental ou do próprio a absurdo da defesa escrita. GG. Mas a verdade é que importa trazer ao Tribunal ad quem, a matéria probatória produzida em sede de audiência (prova testemunhal e prova por Declarações de Parte) para reforçar a contradição de argumentos da Ré e a força argumentativa da Autora. HH. A Ré cometeu um autêntico suicídio processual em sede de Declarações de Parte mas, aparentemente, não terá sido suficiente para o convencimento do Tribunal a quo, esperemos que seja suficiente para a convicção do Tribunal ad quem. II. Os pontos identificados da prova produzida oralmente vêm conferir o elemento indubitável para a decisão ser proferida de maneira diferente. Não foi oferecida resposta. Corridos os vistos, cumpre-nos decidir. Da impugnação da matéria de facto Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – artigo 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.” Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1]. Por outro lado, o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância. Se bem se compreende as alegações da A. – e estas não são um modelo de clareza – começa por impugnar o facto provado sob a al. H), alegando ser verdade que o corpo do contrato foi preenchido pelo vendedor, mas que tal sucedeu na presença da Ré e com explicação do seu teor, tanto mais que a Ré procedeu à sua assinatura, manifestando concordância com o seu conteúdo, e não revelando qualquer debilidade ou limitação intelectual. Porém, para além de não estar em discussão nos autos a assinatura do contrato pela Ré – esta não impugna a sua assinatura – também se notará que nos autos não se discute qualquer vício de vontade decorrente de anomalia psíquica da Ré, pelo que esta parte da impugnação fáctica será desatendida. A A. impugna também a decisão quanto às als. E) e L), nos quais se declara provado que o negócio não se concretizou face à falta de autorização de todos os herdeiros. A A. reconhece que foi informada ab initio que o imóvel era compropriedade da Ré e dos filhos – em bom rigor, integrava a comunhão hereditária aberta por óbito do marido desta – e que contactou com os filhos mais do que uma vez, dois deles estando na Alemanha, e que todos manifestaram a concordância com a venda. No entanto, como reconheceu a testemunha (…), o mediador imobiliário que angariou o imóvel junto da Ré, não foram contactados todos os filhos da Ré, mas apenas dois deles (ao todo, são quatro), pelo que não se pode dar como provado que todos os herdeiros deram a sua concordância. Visto que esta testemunha também reconheceu que o negócio não se concretizou porque pelo menos um dos outros filhos informou que não aceitava a realização da venda, resta confirmar a decisão fáctica. Julga-se, pois, improcedente a impugnação da matéria de facto. A matéria de facto provada estabiliza-se assim nos seguintes termos: A) A A. é uma empresa de mediação imobiliária que usa o nome (…). B) A Ré contratou a A. para angariar comprador para o imóvel sito na Rua (…), lote 389 na Quinta do (…), concelho de Sesimbra, com indicação do preço de € 139.500,00. C) Em 17.06.2015 a A. apresentou comprador que propunha aquisição pelo preço de € 130.000,00. D) A Ré contrapôs com o preço de € 135.000,00 em 20.06.2015, que foi aceite pelo comprador a 27.06.2015. E) Após a angariação do cliente, pelo menos um dos filhos da Ré desistiu do negócio. F) Do contrato de mediação imobiliária assinado constam as cláusulas 4.ª, n.º 1 e 5.ª, n.º 1 e 2, com a seguinte redacção: “Cláusula 4.ª 1. O(s) Segundo(s) Contratante(s) contrata(m) a Mediadora em regime de Exclusividade (...)Cláusula 5.ª 1. A mediação será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado, pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.2. O(s) Segundo(s) Contratante(s) Obriga(m)-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor. (...)” G) Interpelada extrajudicialmente, a Ré nunca liquidou a verba devida. H) O contrato de mediação imobiliária foi preenchido pela A.. I) Quando da celebração do contrato de mediação, a Ré informou a A. que era viúva, tendo entregue à A. cópia da escritura de habilitação de herdeiros. J) O prédio referido em B) foi adquirido pela Ré e pelo seu então marido, na constância do casamento. K) A Ré tem quatro filhos os quais, conjuntamente com aquela, são herdeiros por óbito de um dos comproprietários do imóvel referido em B. L) A não concretização do negócio deveu-se à falta de autorização de todos os herdeiros. Aplicando o Direito. Da remuneração pelo exercício da actividade de mediação imobiliária em regime de exclusividade De acordo com o art. 2.º, n.º 1, da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro (que aprovou o regime jurídico a que fica sujeito o acesso e o exercício da actividade de mediação imobiliária), a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. Podem, assim, considerar-se elementos caracterizadores deste contrato, a obrigação de aproximação de sujeitos; a actividade tendente à celebração do negócio; a imparcialidade; a ocasionalidade; e a retribuição.[2] Permitindo o art. 16.º, n.º 2, al. g), da Lei 15/2013 que o contrato fique sujeito ao regime da exclusividade, tal introduz duas especificidades ao regime da remuneração da empresa mediadora que importa reter: · é devida a remuneração acordada mesmo que o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel – art. 19.º, n.º 2, do mencionado regime; · durante a vigência do contrato, o cliente da mediadora fica impedido de celebrar o contrato visado com interessado intermediado por outra mediadora. Acerca desta última especificidade decorrente do estabelecimento da cláusula de exclusividade, esta “visa proteger o interesse da empresa mediadora em só ela diligenciar no sentido da realização do negócio intencionado, de modo a garantir a correspondente remuneração. Daí que tal cláusula obrigue o cliente a não contratar outra mediadora para a promoção do mesmo negócio visado durante o período de vigência do contrato com o exclusivo. Durante a vigência da cláusula da exclusividade, o cliente não pode fazer cessar unilateralmente o contrato, sem justa causa. Se o pudesse, a cláusula seria de todo ineficaz.”[3] A empresa mediadora reclama da Ré o pagamento da remuneração, ao abrigo da cláusula 5.ª, n.º 1, do contrato e do artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013. Como bem se assinala na decisão recorrida, a Ré não era a proprietária do imóvel (requisito fundamental para a cobrança da remuneração, nos termos do citado art. 19.º, n.º 2), mas simplesmente herdeira e cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito do seu marido, na qual também eram herdeiros os quatro filhos do casal, que não intervieram no contrato de mediação. A venda do imóvel apenas podia ocorrer, deste modo, com a intervenção de todos os herdeiros, pois assim o exige imperativamente o art. 2091.º, n.º 1, do Código Civil. No caso, o contrato de mediação imobiliária não foi celebrado com todos os herdeiros, imputando a A. a responsabilidade por esse facto à Ré, que teria agido em abuso de direito. Porém, para além de se ter demonstrado que a A. conhecia desde o início a situação jurídica respeitante à titularidade do imóvel, pois não apenas foi informada do estado civil da Ré, como lhe foi entregue cópia da escritura de habilitação de herdeiros (e do registo predial, conforme cópia por si anexa à petição inicial), há igualmente a reter que o art. 17.º, n.º 1, al. a), da Lei 15/2013 comete à empresa mediadora a obrigação expressa de certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover. Logo, sendo a certificação da capacidade e legitimidade do cliente uma obrigação legal da mediadora, a A. não pode transferir para a Ré a responsabilidade pela falta de cumprimento dessa obrigação e por não ter procurado que todos os herdeiros celebrassem o contrato de mediação imobiliária (o argumento desenvolvido pela A., do formulário por si utilizado não conter espaço suficiente para a outorga por todos os herdeiros, não impressiona minimamente, quer porque tinha a possibilidade de utilizar o número de formulários necessário à outorga por todos os herdeiros, quer porque esse facto não pode justificar o afastamento das regras imperativas relativas à alienação de bens da herança). Conhecendo a empresa mediadora a falta de legitimidade da Ré para proceder à venda do imóvel, e ponderando que o contrato de mediação era ineficaz em relação aos demais herdeiros enquanto por eles não fosse ratificado – art. 268.º, n.º 1, do Código Civil – assistia à A. o direito de exigir a ratificação do contrato pelos herdeiros não outorgantes, podendo rejeitá-lo ou revogá-lo se tal ratificação não fosse concedida – n.ºs 3 e 4 do mesmo normativo. Não tendo a A. usado essa possibilidade legal de ratificação do contrato de mediação imobiliária pelos herdeiros não outorgantes, “o risco corre por sua conta, pois não parece possível a compressão dos interesses do pseudo-representado, sustentada apenas numa qualquer confiança do terceiro na aparência da existência ou consistência da representação.”[4] Nestas circunstâncias, conhecendo a A. a falta de legitimidade da Ré para contratar a venda do imóvel e não tendo exigido a ratificação do contrato de mediação imobiliária pelos demais herdeiros, este mostra-se ineficaz em relação em relação a eles, correndo por conta da A. o risco da não concretização do negócio visado no contrato de mediação por recusa dos mesmos em outorgar a venda. Sendo o contrato de mediação imobiliária ineficaz em relação aos herdeiros não outorgantes, e correndo por conta da A. o risco a recusa de um deles em outorgar o negócio visado pelo contrato de mediação, não se pode argumentar que assiste à Ré a culpa pela falta de concretização da venda projectada. Na verdade, não apenas era incumbência da empresa mediadora garantir a ratificação do contrato de mediação por todos os herdeiros, como a Ré não pode ser responsabilizada pela recusa de um dos herdeiros em outorgar a venda. Ao contrário do que afirma a A., inexiste abuso de direito por parte da Ré, na modalidade de venire contra factum proprium, pois não apenas a obrigação legal de certificação da capacidade e legitimidade para outorgar o negócio era incumbência da empresa mediadora (e esta não pode alegar o desconhecimento das circunstâncias particulares do negócio, porquanto os factos relevantes foram-lhe dados a conhecer logo de início), como o facto que impossibilita a concretização do negócio não é da responsabilidade da Ré, mas de terceiro em relação ao qual o contrato de mediação imobiliária é ineficaz. Assim, quer porque a Ré não era a proprietária com capacidade e legitimidade para celebrar o negócio visado no contrato de mediação imobiliária, quer porque não lhe é imputável qualquer culpa pela falta de outorga desse negócio, aferida nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (artigo 799.º, n.º 2, do Código Civil), resta concluir que não estão reunidos os requisitos que, nos termos do artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013, permitiriam à A. exigir a remuneração peticionada nos autos. E visto que nada está peticionado a título de interesse contratual negativo, relativo a despesas realizadas na actividade de promoção do imóvel, resta confirmar a decisão recorrida. Decisão. Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida. Custas pela A.. Évora, 22 de Novembro de 2018 Mário Branco Coelho (relator) Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões __________________________________________________ [1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt. [2] Fernando Baptista de Oliveira, in O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial, e-book do CEJ, Outubro de 2016, pág. 11. [3] Idem, pág. 70. [4] Acórdão da Relação de Lisboa de 02.06.2016 (Proc. 266/14.9TJLSB.L1-2), publicado em www.dgsi.pt. |