Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
15/19.5PBPTM.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: REINCIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
CIRCUNSTÂNCIA MODIFICATIVA COMUM
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A reincidência é uma circunstância modificativa comum que altera a medida abstrata da pena, agravando-a. A agravação dela resultante justifica-se pelo mais elevado grau de censura despoletado pelo delinquente, pois o novo facto revela que a anterior ou anteriores condenações não lhe serviram de prevenção contra a prática de ilícitos de natureza criminal.
II. O atual artigo 75.º, n.º 1 do CP distingue dois tipos de pressupostos da reincidência: os pressupostos formais e o pressuposto material.
III. São pressupostos formais da reincidência: A prática de crimes reiterados dolosos; A prática de crime punido com pena efetiva superior a seis meses; A condenação anterior em pena de prisão efetiva superior a seis meses A condenação em penas de prisão efetiva por ambos os crimes; O trânsito em julgado da condenação prévia; O não decurso de mais de cinco anos entre a prática de crime anterior e a prática do novo crime.
IV. O pressuposto material da reincidência consiste na culpa agravada do agente, por a anterior condenação não ter servido de suficiente advertência contra o crime.
V. A referência no segmento normativo “de acordo com as circunstâncias do caso” afasta a possibilidade do funcionamento automático da reincidência, implicando que o julgador tenha de investigar a motivação do arguido. Exige-se, ainda, uma conexão entre os crimes reiterados que devam considerar-se relevantes do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Comum Singular n.º 15/19.... da Comarca ... Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., submetido a julgamento, foi o arguido AA condenado como reincidente, pela prática em autoria material de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 alínea e), com referência aos artigos 202.º, alíneas a), d) e e) e 75.º, n.ºs 1 e 2 e 76.º, n.º 1 do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O Arguido ora supra identificado impugna concretamente a matéria de facto tida como provada na Douta Sentença.
2. Fá-lo em concreto no que tange aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 12, e da conjugação daqueles com a prova produzida em julgamento, desde logo, porque o Tribunal não valorou como deveria fazer a confissão integral e sem reservas dos factos de que o arguido vinha acusado.
3. Nem tão pouco foi considerado de forma expressa ou tácita o facto dos objectos alegadamente furtados pelo Arguido terem sido todos recuperados.
4. A simples detenção por parte do Arguido dos objectos em causa foi devidamente esclarecida pelo próprio em sede de julgamento quando lhe foi dada a palavra em audiência de julgamento e confessou a prática dos factos.
5. Tal confissão não foi aqui sequer tida em linha de conta pelo julgador.
6. A confissão do Arguido em julgamento permitia fazer um juízo de prognose mais favorável e como tal, permitiria a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a eventual regime de prova.
7. Nem tão pouco no que tange à situação de doença do Arguido, quando se refere taxativamente no elenco dos factos provados que o arguido “refere” ser portador de HIV, quando na realidade resulta da prova junta aos autos de forma inequívoca que o Arguido é portador da referida patologia.
8. No mais não é feita uma ponderação adequada entre as circunstâncias pessoais do Arguido, o facto dos objectos terem sido recuperados, a problemática aditiva
9. Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a pena aplicada é desproporcionada face às condições do agente, à gravidade do ilícito, e à actuação do Arguido, ao modo como foi executada a conduta, ás exigências diminutas de prevenção da pena, dentro dos limites legais que é sempre feita em função da culpa e das exigências de prevenção, desconsiderando-se a situação de reincidência nos moldes já expostos.
10. Paralelamente, podemos afirmar que não houve um cumprimento rigoroso do artigo 40.º do Código Penal porquanto a pena em nada ajudará, mas antes contribuirá pelo contrário e pelo deficiente acompanhamento do Arguido pelos Competentes Serviços Públicos, mormente para a ressocialização do Arguido, pois que face ao cenário vivenciado e a iminência de nova prisão, em nada ajudarão a ressocialização do Arguido aqui Recorrente.
11. No mais não deve ser considerado reincidente, nos termos conjugados das disposições contidas nos artigos 75.º e 76.º do Código Penal, pois que o Tribunal “a quo” considerou que se encontram preenchidos os requisitos formais, mas já não se pode dizer que o requisito material da reincidência se encontre preenchido.
12. Para que se afirmasse, como se diz na Douta Sentença que o Arguido agiu como reincidente, nos termos e para efeito do disposto no artigo 75.º do Código Penal, era necessário que se pudesse concluir que as anteriores condenações não surtiram como advertência suficiente para não cometer novos crimes.
13. Ora, no caso vertente, não obstante as condenações anteriores, é necessário fazer tal juízo de prognose, tanto das declarações do Arguido (vide gravação estereofónica da audiência de julgamento às 14:35 horas até às 14:53 horas de 08:13 Minutos até 16:28 minutos), como também os elementos documentais que dão nota do acompanhamento do Arguido em contexto de comunidade em que foi acolhido e se encontra a desenvolver actividade tendente à sua ressocialização.
14. Assim, e se é facto que o Recorrente já antes foi condenado por crimes de furto, também é facto que no momento presente se encontra em pleno processo de ressocialização.
15. Com a condenação sofrida, o Douto Tribunal “a quo” apenas vem permitir que se interrompa esse processo de ressocialização, e se colham os frutos de tal processo mais adiante.
16. O Tribunal “a quo” desconsiderou, de forma grosseira (salvo o devido respeito) a situação socioeconómica do Arguido, e a sua desprotecção natural face ao seu próprio contexto débil.
17. O tipo de crime pelo qual foi condenado não sendo substancialmente diferente dos que motivaram as condenações anteriores, ainda assim ocorreu em contexto muito específico, num momento muito específico, envolvendo ainda um “pano de fundo” de comportamento aditivo, como reconhece e bem o próprio Tribunal “a quo”.
18. Acresce que quer das declarações do Arguido, quer da prova carreada para os autos que os objectos furtados foram recuperados.
19. Impunha-se, por isso, e salvo o devido respeito, a ponderação da suspensão da execução da pena de prisão, com eventual sujeição a regime de prova.
20. Acresce ainda que não foram tomadas as declarações do Ofendido em plena audiência de julgamento, pelo que a prova ali produzida não resulta do que foi submetido a julgamento mas tão só dos elementos constantes dos autos, o que não se concede e consubstancia violação do princípio da imediação, pelo que houve violação clara do artigo 355.º do Código do Processo Penal.
21. Ainda assim, sempre se dirá que para efeito de aferição da questão da reincidência (artigo 75.º do Código Penal), e de acordo com a orientação dominante é necessário que se estabeleça uma íntima conexão/correlação entre os vários crimes pelos quais o Agente foi condenado, pois só assim podemos falar de reincidência.
22. Ora, não tendo tal juízo sido efectuado cai por terra a condenação do arguido como reincidente.
23. Falhando a reincidência o limite mínimo da moldura tem de se coadunar com o do tipo legal, pelo que sendo a pena a aplicar inferior a cinco anos, e considerando o contexto vivenciado pelo Arguido poderia e deveria o Tribunal ter suspendido a execução da pena de prisão.
24. Ora, à falta de elementos probatórios, isto é das declarações do próprio Ofendido, que, repita-se, não compareceu ao julgamento e não prestou declarações, o dispositivo deveria ter sido outro, à luz dos princípios constantes do artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
25. Tal deveu-se apenas à confissão do Arguido que assumiu a prática dos factos em julgamento, e conformou-se com as consequências de tal confissão, tendo manifestado arrependimento e pedido uma segunda oportunidade ao Tribunal, o que lhe foi recusado, e com o que o mesmo não se conforma.
26. A condenação partiu pois de elementos de prova manifestamente subjectivos e não da prova produzida em julgamento.
27. Porquanto ressalta da presente motivação (e nunca é demais dizer) que o Arguido não agiu com dolo de se apoderar dos objectos do Ofendido, pois que os mesmos foram recuperados.
28. Ainda assim, e face à confissão e ao arrependimento demonstrado em sede de audiência de julgamento estariam reunidas as condições para que o Tribunal suspendesse a execução da pena de prisão que foi aplicada ao Arguido e Recorrente.
29. Por outro lado, do texto da sentença recorrida resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
30. Além disso, pela prova produzida nos presentes autos impunha-se que o tribunal “a quo” tomasse uma decisão oposta à que resulta da sentença, considerando que o Recorrente não praticou o crime de furto, e, por outra banda, face à confissão, poderia, dessa feita, ter procedido à suspensão da execução da pena de prisão, eventualmente sujeita a regime de prova.
31. Ora, tal não terá acontecido no caso de que agora se cuida, uma vez que através das declarações das testemunhas foram efectuadas apenas meras correlações com outros elementos do processo que levaram o tribunal “ aquo” asufragar o entendimento vertido na acusação, sem uma correcta e coerente valoração dos elementos em jogo.
32. Deste modo, ao considerar como provados os factos que foram sobejamente analisados supra, e além da clara e manifesta violação do princípio contido no artigo 127.º do CPP, o Tribunal violou claramente o artigo 355.º do CPP, uma vez que a condenação não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
33. Mais, a conjugação dos elementos referidos deveria ter sido seguida de um posicionamento crítico por parte do Tribunal “a quo”, facto que não ocorreu no caso vertente.
34. Assim, o facto do Tribunal ter entendido que a versão dos factos apresentada pelo Arguido não seria adequada a gerar dúvidas acerca dos factos constantes dos autos, é violadora das mais elementares garantias constitucionais contidas no princípio do “in dúbio pro reo”, porquanto não é ao arguido que cabe comprovar a sua inocência, mas sim a acusação que tem de ser comprovada e dessa comprovação se retirar a culpabilidade do arguido.
35. Deste modo, o Tribunal “a quo” violou entre outros:
- O artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio “in dúbio pro reo”).
- Os artigos 97.º n.º 5; 127.º, 355.º; 358.º, 359.º, 374.º n.º 2, 379.º e 410,º n.º 2 a) e c) do Código de Processo Penal.
- Os artigos 40.º, 50.º, 75.º e 76.º do Código do Processo Penal.
36. No geral, e em face dos pontos de facto discutidos e da insuficiência da prova a que aludimos a decisão padece também de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º n.º 2 a) do CPP.
37. Com efeito, impõe-se a concreta reapreciação da decisão e da prova produzida, e a consequente revogação da decisão de que se recorre.
Ora, a factualidade acabada de referir não traduz um exame crítico das provas, requisito essencial para condenação.
39. O arguido entende, por fim, que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva e desproporcional.
40. Não podendo sequer ser considerado como reincidente, pelos motivos já sobejamente expostos.
41. Porquanto se baseia em meras suposições e não nos elementos fácticos recolhidos, ao arrepio do artigo 71.º do Código Penal.
42. Quando muito levaria sim a um juízo de prognose favorável ao Arguido podendo suspender-se a execução da pena de prisão.
43. Ademais o Tribunal dá como provados todos os factos inerentes à situação vivenciada pelo Arguido, no que tange à problemática aditiva e à sua situação actual de ressocialização iminente (vide pontos da matéria de facto provada sob os números 13 a 27) e nega-lhe o direito a essa mesma ressocialização quando não suspende a execução da pena de prisão, mediante a eventual sujeição a regime de prova.
44. Pelo que, e face ao exposto, a pena em questão não satisfaz o Direito e a Justiça, pelo que urge a sua revogação, com as necessárias consequências legais.
Pelo que, e nestes termos, e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e, consequentemente, ser revogada a Douta Sentença de que se recorre, com as legais consequências daí advenientes.
Assim sendo:
a) Deverá a Douta Sentença de que se recorre ser revogada por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por violação do artigo 410.º alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, bem como, por violação do artigo 32.º n.º 2 da CRP.
b) Deverá também a Douta Sentença ser revogada por clara violação do artigo 127.º do Código do Processo Penal.
c) Deverá a Douta Sentença ser revogada por violação do disposto nos artigos 70.º, 71.º, 75.º, 76.º e 203.º n.º 1, 204.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea e), com referência ao artigo 202.º alíneas a), d) e e) todos do Código Penal, devendo ao menos ser substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão, permitindo assim a ressocialização do Arguido.
d) Deverá a douta sentença ser revogada pelo facto de não se encontrarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal consignado nos artigos 40.º, 50.º, 201.º, 203.º, e 204.º do Código Penal, por violação dos artigos 97.º n.º 4 e 374.º n.º 2 do CPP, 358.º e 359.º do CPP bem como, por violação dos artigos 32.º n.º 2 e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
e) Deverá a Douta sentença ser revogada e ao menos suspender-se a execução da pena de prisão.
E assim se fará a habitual necessária e lídima Justiça.”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. A sentença recorrida não enferma de nenhum dos vícios a que alude o art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal.
2. A citada norma legal refere-se à existência de vícios que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida e ser perceptíveis a um observador comum.
3. Os alegados vícios de “erro notório na apreciação da prova, “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se verificam, não merecendo, por isso, a douta sentença recorrida qualquer censura neste particular.
4. Da leitura da fundamentação da sentença recorrida resulta que o Tribunal na sua livre apreciação e segundo as regras da experiência fez uma correcta apreciação da prova,
5. A regra da livre apreciação da prova em processo penal, não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável e incontrolável, pois o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo.
6. No caso em apreço, o tribunal recorrido enumerou as provas produzidas que serviram de base à decisão da matéria de facto, e fundamentou de forma clara essa mesma decisão bem como todo raciocínio lógico e racional que lhe serviu de base, não enfermando a decisão recorrida de nulidade por omissão ou deficiente fundamentação
7. Em face da prova, não teve o tribunal qualquer dúvida de que o arguido praticou os factos dados como assentes, factos que, não é demais salientar, confessou (e, por essa razão, não teve o Tribunal a quo necessidade de ouvir o ofendido), preenchendo com a sua actuação, todos os elementos típicos do crime pelo qual foi condenado, pelo que, não houve violação de qualquer princípio ou norma legal, nomeadamente o princípio in dubio pro reo
8. A apreciação conjunta das provas produzidas em audiência, designadamente as declarações confessórias do arguido, os documentos juntos aos autos e depoimentos dos agentes da PSP, que o tribunal efectuou no âmbito dos poderes que legalmente lhe são atribuídos pelo art. 127º do Código de Processo Penal, permitiu dar como definitivamente assentes os factos constantes da decisão, o que resulta claramente explanado na fundamentação da mesma.
9. No caso em apreço, como se refere na douta sentença, no que à verificação dos pressupostos formais da reincidência respeitam, compulsados os antecedentes criminais dados como provados verificamos serem susceptíveis de relevar as anteriores condenações, atentas as datas da prática dos factos, as penas aplicadas, e deduzido o tempo de privação da liberdade sofrido, e a data dos factos em causa nos presentes autos.
10. No que concerne à verificação do pressuposto material, ponderando os tipos de crimes a que se reportam as anteriores condenações (dois crimes de furto qualificado, dois crimes de furto, um na forma tentada, um crime de resistência e coacção sobre funcionário e dois crimes de falsas declarações, o modus vivendi do arguido e a motivação que lhes é subjacente, afigura-se-19
nos podermos inferir da existência de uma íntima conexão entre os crimes pelos quais o arguido foi anteriormente condenado e o ora em caus nos autos e concluir que a reiteração verificada radica na personalidade do arguido, no qual se enraizou o hábito de praticar crimes e a quem por tal essas anteriores condenações não serviram de advertência contra o crime.
11. No que concerne à medida concreta da pena, a confissão do arguido, o arrependimento manifestado e o facto de ter sido submetido a tratamento à toxicodependência militam a seu favor, Contudo, deles não se extrai uma verdadeira interiorização do desvalor de sua conduta, face à atitude de desculpabilização e vitimização adoptadas, e anteriores tratamentos que abandonou sem concluir. Por outro lado, o arguido evidencia um modo de vida e personalidade criminógena, avessa á interiorização do desvalor de sua conduta.
12. Tudo ponderado, tendo-lhe sido já dadas oportunidades para se afastar do crime, que não aproveitou, considera-se justo e adequado aplicar ao arguido uma pena de três anos e seis meses de prisão.
13. Não sendo de esperar que a simples ameaça da pena seja suficiente para afastar o arguido da prática de ilícitos, atentos os sucessivos cumprimentos de prisão, o seu modo de vida, a sua persistente problemática aditiva, e o sucessivo abandono de tratamentos, é de afastar a aplicação da suspensão da execução da pena, devendo o arguido cumprir efectivamente a pena fixada.
Pelo exposto, julgamos não merecer censura a sentença recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma legal.
Porém, Vossas Excelências decidirão como for de JUSTIÇA. (…).”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são:
2.1. Saber se ocorrem os vícios da sentença artigo 410.º, n.º 2, alínea a) e c) do CPP) e o erro de julgamento quanto à matéria dada como provada (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP);
2.2. Apurar se ocorre erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP), por incorreta dosimetria da pena, consideração inoportuna da reincidência e não suspensão da execução da pena.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. No dia 12/03/2019, entre as 20h00 e as 21h00, o arguido AA dirigiu-se à residência sita na Rua ..., em ..., pertença do ofendido BB, com o propósito de retirar do seu interior bens que ali viesse a encontrar.
2. Ali chegado, o arguido saltou o muro da residência e, após, partiu o vidro de uma janela de um dos quartos, nas traseiras, conseguindo através dessa janela introduzir-se no seu interior.
3. De seguida, o arguido acedeu às restantes divisões da referida residência e retirou desta os seguintes objectos:
- um relógio da marca ..., no valor de € 4.000,00;
- um relógio da marca ..., com o n.º de série ...47, no valor de € 2.000,00;
- um anel de senhora em metal amarelo com pedra branca, de valor não concretamente apurado;
- uma gargantilha em metal prateado, de valor não concretamente apurado.
4. Após, o arguido abandonou a referida residência na posse de tais bens, que fez seus e integrou no seu património.
5. O arguido provocou danos na referida residência de valor não concretamente apurado.
6. No dia 15/03/2019, a PSP de ... encontrou na posse do arguido os dois relógios, os quais o mesmo entregou voluntariamente àquela entidade policial, bem como o anel, que se encontrava no interior da residência do arguido, tendo também a gargantilha sido recuperada.
7. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao introduzir-se na residência do ofendido da forma supra descrita, com o propósito de se apoderar de bens que ali viesse a encontrar, como fez, bem sabendo que agia sem o conhecimento e contra a vontade do seu proprietário, causando-lhe um prejuízo patrimonial não concreta e completamente apurado.
8. Mais sabia que o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.
9. O arguido foi condenado no âmbito dos seguintes processos:
• Processo n.º 5961/09...., do ... Juízo Criminal de ...: pela prática em autoria material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, por factos praticados em 04/07/2005, por sentença proferida a 02/02/2012, transitada a 27.02.2012 (à data da prática destes factos o arguido mantinha consumos de estupefacientes, vivia numa situação de sem-abrigo e de inactividade laboral);
• Processo Comum Colectivo n.º 1004/05...., da ... Vara Criminal do Tribunal ...: pela prática em autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, por factos praticados em 01/08/2005, por acórdão proferido a 20.01.2007, transitado em julgado a 13/02/2007 (à data da prática destes factos o arguido era consumidor de heroína e cocaína, não trabalha e residia na via pública);
• Processo Comum Colectivo n.º 929/07...., da ... Vara Mista do Tribunal ...: pela prática de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, por factos praticados a 07/08/2005, por acórdão proferido a 05.02.2010, transitado em julgado 08/03/2010;
• Processo Comum Colectivo n.º 592/05...., da ... Vara Criminal de ...: pela prática em autoria material e como reincidente de um crime de furto qualificado, p, e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 76.º, n.º 1, 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, por factos praticados em 07/05/2005, por acórdão proferido a 03.04.2008, transitado em julgado em 23/04/2008 (à data da prática destes factos o arguido consumia cocaína e heroína, trabalhava na empresa S... e sua mãe havia falecido há pouco tempo);
• Processo Comum Colectivo n.º 354/05...., da ... Vara criminal de ...: pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por factos praticados em 24/05/2005, e pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por factos praticados em 27/05/2005, por acordão proferido a 27.10.2006, transitado em julgado em 29/09/2007 (o julgamento nestes autos decorreu na ausência do arguido);
• Processo Comum Colectivo n.º 637/05.... da ... Vara Criminal do Tribunal ...: pela prática em autoria material de um crime de furto simples na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23.º, 73.º e 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, por factos praticados a 01.07.2005; pela prática em autoria material de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, por factos praticados a 01.07.2005: e pela prática em autoria material de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão por factos praticados a 01.07.2005 e a 06/08/2005, por acórdão proferido a 18.11.2008, transitado em julgado a 08/12/2008 (à data da prática destes factos o arguido era toxicodependente e vivia na rua);
• Processo Singular n.º 420/05.... do ... Juízo Criminal do Tribunal ...: pela prática em autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, por factos praticados em 07/08/2005, por sentença proferida a 18.01.2006, transitada em julgado a 02/02/2006 (à data da prática destes factos o arguido consumia heroína e cocaína, motivo invocado para a sua conduta);
• Processo Comum Colectivo n.º 195/05.... do ... juízo Criminal de ...: pela prática em autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, por factos praticados entre 23 e 24/05/2005, por acórdão proferido a 09.01.2008, transitado em julgado em 29/01/2008 (o arguido à data da prática destes factos era consumidor de cocaína e heroína, encontrava-se desempregado e era ajudado por seu pai);
• Por Acórdão Cumulatório proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 288/12.... da ... Vara Criminal de ..., transitado em julgado em 23/01/2013, que englobou as penas parcelares aplicadas nos Processos n.ºs: 5961/09...., 1004/05...., 929/07...., 592/05...., 354/05...., 637/05...., 420/05...., 195/05...., foi o arguido AA condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.
10. O arguido AA cumpriu ininterrupta e sucessivamente penas de prisão à ordem dos sobreditos processos desde 07/08/2005, sendo que a partir do dia 20/02/2013 cumpriu a pena determinada no referido acordão cumulatório
11. E ficou em liberdade condicional entre 29/04/2014 e a data do termo da pena de prisão, ocorrido em 04/02/2016, achando-se desde essa última data em liberdade definitiva.
12. Porém, o arguido AA, apesar de ter sofrido as supra referidas penas de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica.
13. O arguido confessou os factos e manifestou arrependimento
II. Da evolução pessoal, situação socioeconómica e antecedentes criminais do arguido
14. AA é natural de ... e originário de um agregado familiar numeroso e financeiramente desfavorecido cuja dinâmica familiar ficou marcada pela disfuncionalidade e conflituosidade, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido em bairro social, assinalado por diversas carências ao nível social, económico, cultural e onde estabeleceu as suas relações preferenciais.
15. O seu percurso escolar caracterizou-se pelo insucesso, não tendo concluído o 4º ano e as competências de leitura e escrita.
16. O trajeto laboral data dos seus 12/13 anos, iniciado em atividades indiferenciadas e marcado pela irregularidade e precariedade contratual, percurso gradualmente agravado pelo consumo de estupefacientes do qual precocemente se tornou dependente.
17. As várias condicionantes de natureza familiar, social, económica, de saúde e pessoal não promoveram a interiorização de valores sociojurídicos, nem a sua adaptação, passando a evidenciar comportamentos desviantes que implicaram, aos 16 anos e pelo período de um ano, a sua institucionalização em Centro Educativo do Ministério da Justiça.
18. Todavia, mantiveram-se as mesmas fragilidades pessoais, as evidentes dificuldades de pensamento consequencial e de abstinência de estupefacientes. A conjugação de tais fatores potenciou as dificuldades já sentidas ao nível da sua interação social, da empregabilidade e do ajustamento. A necessidade de angariação de recursos económicos que lhe garantissem a subsistência do seu quotidiano intimamente ligado ao consumo de tóxicos promoveu o seu envolvimento em práticas criminalmente puníveis, datando o seu contacto com o sistema de justiça de 1987, tendo cumprido penas efetivas de prisão e medidas comunitárias.
19. Ao nível de saúde refere ser portador do vírus HIV estando a efetuar terapêutica medicamentosa.
20. Na sequência da problemática aditiva iniciou acompanhamento no CRI Oriental-Equipa de Tratamento de Xabregas, onde se manteve integrado no Programa de Substituição Opiácea, mas o qual foi interrompendo sempre que foi internado em comunidade terapêutica, situação que ocorreu por diversas vezes, não chegando a terminar os programas por dificuldade no cumprimento de regras.
21. Em 30-12-2020 foi admitido na Comunidade Vida e Paz - Centro de Recuperação para Toxicodependentes, na localidade da .... O condenado aceitou submeter-se ao programa terapêutico e recuperação, com a duração de doze a dezoito meses, de modo a dar continuidade a um projeto de vida equilibrado, com vista à reinserção. Porém, em 26-04-2021 abandonou o tratamento por sua iniciativa, por não concordar com as normas da instituição. Entretanto retomou novamente o Programa de Apoio Médico e Psicossocial, com suporte de administração de Cloridrato de Metadona em baixo limiar de exigência em 30-04-2021.
22. No dia 26-08-2021 integrou novamente a Comunidade Terapêutica Vida e Paz, em ....
23. AA tem um processo judicial pendente no Juízo Criminal ... – Juiz ... (Processo nº 31/17....) acusado da prática, em coautoria material e consumada, de um crime de furto qualificado e em autoria material e consumada, de um crime de violação do domicilio, cuja data de audiência de julgamento está designada para o próximo dia 24 de janeiro.
24. AA reintegrou a Comunidade Vida e Paz, Centro de ..., em 26 de Agosto de 2021, com o objetivo de, em regime de internamento, se submeter a tratamento à problemática aditiva, cuja intervenção terapêutica, assente no Modelo Minnesota, terá a duração previsível de um ano.
25. Encontra-se na 1.ª fase do processo terapêutico, que consiste essencialmente na frequência de terapias individuais (com a participação dos conselheiros, técnicos e terapeutas) e grupais (com os colegas internados) e na realização de trabalhos escritos.
26. Ao momento, apresenta um discurso positivo relativamente ao tratamento, conseguindo reconhecer o comportamento aditivo como um problema e os benefícios do acompanhamento terapêutico, aparentando manifestar o índice motivacional necessário para finalizar o tratamento e intenção de parar definitivamente o consumo de substâncias psicoativas.
27. AA manifesta uma atitude apática e resignada face à situação jurídico-penal que se encontra envolvido. Relativamente ao empenhamento no processo de mudança, o arguido reconhece a necessidade de alterar o seu comportamento aditivo, pelo que pretende finalizar o tratamento e permanecer abstinente, tendo em vista manter conduta de acordo com os normativos legais e sociais.
28. No Certificado do Registo Criminal do arguido constam registadas as seguintes condenações:
i) Por acórdão datado de 18.06.1990, proferido no Processo n.º ...0, do Tribunal Judicial ..., ... Juízo, ... Sec., pela prática a 10.07.1989 de um crime de furto qualificado e de um crime de evasão, nas penas de 22 meses de prisão e de 8 meses de prisão, tendo beneficiado de perdão de pena ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho;
ii) Por sentença datada de 03.10.1990, proferida no Processo n.º ...0, do Tribunal ..., ... juízo, ... Sec., pela prática a 28.06.1989 de um crime de furto de uso, na pena de 8 meses de prisão e, posteriormente, englobando em cúmulo jurídico as penas referidas em i), na pena única de 2 anos de prisão;
iii) Por acórdão datado de 14.11.1990, proferido no Processo n.º ...0, do Tribunal Judicial ..., ... Juízo, ... Sec., pela prática a 25.01.1988 de um crime de furto qualificado e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 22 meses de prisão;
iv) Por acórdão datado de 21.12.1990, proferido no Processo n.º ...0, do Tribunal ..., ... juízo, ... Sec., pela prática a 21.11.1989 de um crime furto qualificado e em cúmulo jurídico com a pena referida em iii), na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;
v) Por acórdão datado de 21.05.1991, proferido no Processo n.º ...1, do Tribunal Judicial ..., ... juízo, ... Sec., pela prática a Setembro de 1989 de um crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão, o qual beneficiou de amnistia em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 23/91, de 04.07, tendo por despacho de 15.07.1991 sido declarada cessada a execução da pena.
vi) Por acórdão datado de 28.05.1991, proferido no Processo n.º ...9, do ... Juízo Criminal de ..., ... Sec., pela prática a 18.07.1987 de dois crimes de furto qualificado e em cúmulo jurídico com as penas referidas em i), ii, iii e iv, na pena única de 4 anos de prisão;
vii) Por acórdão datado de 12.11.1991, proferido no Processo n.º ...0, do Tribunal criminal ..., ... Juízo, ... Sec., pela prática a 26.08.89 de um crime de roubo, e em cúmulo jurídico com 265/89, i, , 3396/90 e vi., na pena única de 6 anos de prisão; tendo beneficiado do perdão de um ano de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/91, de 04.07; tendo beneficiado do perdão de mais um ano de prisão, ao abrigo do disposto na lei n.º 15/94, de 11.05, o qual lhe foi ulteriormente revogado; tendo-lhe por despacho de 13.05.1999 sido declarado perdoado o remanescente da pena, ao abrigo do artigo 4.º da Lei n.º 28/99, de 12.05;
viii) Por sentença datada de 07.11.1991, proferida no Processo n.º ...1, do Tribunal Judicial ..., ... juízo, ... Sec., pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 15 meses de prisão, tendo beneficiado do perdão de um ano de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho;
ix) Por acórdão datado de 14.11.1994, proferido no Processo n.º ...4, da ... Vara Criminal de ..., ... Sec., pela prática de um crime de roubo, na pena de 5 anos de prisão;
x) Por acórdão datado de 23.02.99, proferido no Processo n.º 7/98...., do Tribunal ..., ... juízo, pela prática a 26.05.89 de um crime de furto qualificado, na pena de um ano de prisão, tendo beneficiado do perdão de um ano de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/91, de 04.07;
xi) Por sentença datada de 30.10.2001, proferida no Processo n.º 64/0..., do Tribunal Judicial ..., ... Juízo, pela prática a 05.11.2001 de um crime de introdução em lugar vedado ao público, em pena de multa;
xii) Por acórdão transitado em julgado a 21.11.2001, proferido no Processo n.º 297/01...., do Tribunal Judicial ..., ... Juízo, pela prática a 26 e 27.01.2001 de um crime de furto qualificado, de um crime de furto qualificado na forma tentada e de um crime de receptação, na pena única de 3 anos de prisão; posteriormente, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo, foi condenado na pena única de 2 anos e vinte dias de prisão;
xiii) Por sentença transitada em julgado as 11.02.2003, proferida no Processo n.º 156/..., do Tribunal ..., ... Juízo, pela prática a 19.02.2001 de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 4 meses de prisão; posteriormente, por sentença transitada em julgado a 15.07.2003, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos 287/01.... e 64/01...., foi condenado na pena única de 3 anos, 2 meses e 20 dias de prisão;
xiv) Por sentença transitada em julgado a 02.02.2006, proferida no Processo n.º 420/05...., do ... Juízo Criminal de ..., pela prática a 08.07.2005 de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
xv) Por acórdão transitado em julgado a 09.02.2007, proferido no Processo n.º 354/05...., da ... Vara criminal de ..., ... Sec., pela prática a 24.05.2005 de três crimes de furto qualificado, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão; posteriormente, por acórdão transitado em julgado a 11.10.2007, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos n.ºs 420/05.... e 1004/05...., foi condenado na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão;
xvi) Por acórdão transitado em julgado a 13.02.2007, proferido no Processo n.º 1004/05...., da ... Vara Criminal de ..., ... Sec., pela prática a 08/2005 de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão;
xvii) Por acórdão transitado em julgado a 29.01.2008, proferido no Processo n.º 195/05...., do ... juízo Criminal de ..., pela prática a 24.03.2005 de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão;
xviii) Por acórdão transitado em julgado a 03.04.2008, proferido no Processo n.º 592/05...., da ... Vara Criminal de ..., pela prática a 05/2005 de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
xix) Por acórdão transitado em julgado a 18.11.2008, proferido no Processo n.º 637/05...., da ... Vara Criminal de ..., pela prática a 05.08.2005 de um crime de furo simples e de um crime de furto qualificado na forma tentada e a 06.08.2005 de um crime de falsas declarações, na pena única de 1 ano e 3 meses de prisão;
xx) Por sentença transitada em julgado a 08.03.2010, proferida no Processo n.º 929/07...., do ... Juízo Criminal de ..., pela prática a 07.08.2005 de um crime de falsas declarações, na pena de 2 anos de prisão; posteriormente, por acórdão transitado em julgado a 24.11.2011, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos 592/05...., 354/05...., 1004/05...., 195/05...., e 637/05...., foi condenado na pena única de 9 anos de prisão;
xxi) Por sentença transitada em julgado a 27.02.2012, proferida no Processo n.º 5961/09...., do ... Juízo Criminal de ..., ... Sec., pela prática a 04.07.2005 de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 2 anos de prisão;
xxii) Em cúmulo jurídico, por acórdão transitado em julgado a 23.01.2013, proferido no Processo n.º 288/12...., da ... Vara Criminal de ..., englobando as penas aplicadas nos Processos n.ºs 354/05...., 637/05...., 1004/05...., 929/07...., 420/05...., 592/05...., 5961/09.... e 195/05...., foi condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão;
xxiii) Por despacho de 30.05.2016, proferido no Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.º 6454/10...., do TEP ..., ... Juízo, foi convertida em definitiva, com efeitos a partir de 04.02.2016, a liberdade condicional que lhe foi concedida a 29.04.2014;
xxiv) Por sentença transitada em julgado a 07.05.2018, proferida no Processo n.º 456/18...., do Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., Juiz ..., pela prática a 16.03.2018 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 40 dias de multa, substituída pela prestação de 40 horas de trabalho e já declarada extinta pelo cumprimento;
xxv) Por sentença transitada em julgado a 01.10.2018, proferida no Processo n.º 1144/18...., do Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., Juiz ..., pela prática a 15.07.2018 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova incluindo tratamento à toxicodependência.”.

3.1.2. Factos não provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a causa.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição):
“Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e efectuando a análise das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas prestados em sede de audiência de discussão e julgamento.
Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas produzidas, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra digitalmente gravada e devidamente registada em suporte magnético.
Concretizando.
As testemunhas CC e DD, Agentes da PSP, cujos depoimentos foram prestados com objectividade e isenção, no essencial explicaram que, na sequência da deslocação da então companheira do arguido ao Posto (na posse de uma gargantilha), a dar nota da suspeita da prática pelo arguido do furto ocorrido, se deslocaram à residência ora em causa nos autos, falando com o respectivo proprietário que ainda se não tinha apercebido do furto ocorrido, tendo visualizado a residência, uma das janelas das traseiras partida e tendo o proprietário verificado dos bens alvo de furto que depois de abordado o arguido que se deslocou ao Posto, assumindo a autoria do furto, apreenderam na sua posse.
Ouvido na segunda sessão do julgamento, o arguido AA confessou os factos, tendo no essencial atribuído a sua prática à sua situação de toxicodepência (como se dedicar-se à prática de furtos fosse tal uma inevitável consequência), atribuindo culpas quanto ao não desenvolvimento de actividade profissional e ao não prosseguimento de tratamento à sua problemática aditiva a uma sua então namorada. Manifestou arrependimento e o propósito de cumprir o tratamento que iniciou entretanto.
O Tribunal atento ainda na documentação junta aos autos, em particular, no auto de notícia de fls. 18 a 19, informação de fls. 22 e aditamento de fls. 32 (essencialmente quanto às circunstâncias de espaço e tempo dos factos e identificação do arguido como seu autor); o relatório de Inspecção Judicial efectuado ao local dos factos e a respectiva reportagem fotográfica de fls. 30 a 31 (essencialmente quanto ao modus operandi do arguido, sendo visível o vidro que partiu e o interior da residência revolvido); os autos de apreensão de fls. 23, 34 e 35 (dos objectos alvo de apropriação por parte do arguido e de outros), a respectiva reportagem fotográfica de fls. 44 a 47, o auto de exame e avaliação dos mesmos de fls. 50 e os termos de entrega de fls. 54 e 56.
Quento às condenações anteriormente sofridas pelo arguido, circunstâncias da prática dos factos que as fundamentaram, datas de início e termo do cumprimento de pena de prisão à sua ordem e seu rebate no modo de vida do arguido, tiveram–se essencialmente em consideração as certidões de fls. 107 a 119, 328 a 490, lançando-se ainda mão das regras da experiência comum e normalidade doas factos da vida na sua análise.
Em face da análise conjugada da prova assim produzida, o Tribunal dúvidas não teve em dar como provada a factualidade referida sob os pontos 1. a 13.
No que à evolução pessoal e socioeconómica do arguido concerne, o Tribunal valorou o respectivo relatório social elaborado pela DGRSP, conjugadamente com as declarações prestadas pelo arguido.
Por fim e no que aos demais antecedentes criminais do arguido respeita, o Tribunal ponderou o teor do respectivo Certificado do Registo Criminal junto aos autos.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição):
“A) Enquadramento Jurídico-penal
Do Crime de furto qualificado
Dispõe o artigo 203.º do Código Penal que:
“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – A tentativa é punível.
3 – O procedimento criminal depende de queixa.”
Por seu turno, o artigo 204.º do Código Penal, dispõe que:
“1- Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
a) De valor elevado;
2 – Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
(…)
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
(…) é punido com pena de prisão de dois a oito anos.”
O bem jurídico protegido pela norma em questão é não a propriedade propriamente dita, mas sim a disponibilidade material da coisa, tutelando-se, assim, para além da propriedade, a detenção ou mera posse.
São elementos do tipo objectivo de ilícito: a) a ilegítima intenção de apropriação (elemento subjectivo); e b) a subtracção; de coisa móvel; alheia (elementos objectivos).
A estes elementos expressos há ainda que acrescentar um elemento implícito: c) o valor patrimonial da coisa.
No que à “ilegítima intenção de apropriação” respeita, importa atentar que a mesma constitui um elemento subjectivo do tipo de ilícito, fazendo do furto um crime intencional, devendo ser entendida e valorada como a “vontade intencional do agente de se comportar, relativamente à coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro” - Cfr. José de Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, pág. 33.
No entanto, para que haja apropriação, para além do animus, é ainda necessário um mínimo de corpus, ou seja, a apropriação exige que se verifique um autónomo poder material do agente sobre a coisa, traduzido na possibilidade imediata e actual de dela dispor fisicamente.
Assim, o crime em análise consuma-se com a entrada da coisa furtada na esfera patrimonial do agente ou de terceiro.
Ora, da matéria de facto provada dúvidas não resultam que os referidos elementos do tipo objectivo do ilícito em questão se mostram preenchidos pois que o arguido, ciente de que os bens existentes no interior da residência em causa nos autos lhe não pertenciam, saltou o respectivo muro e partiu o vidro de uma janela para aí lograr entrar e daí retirar os objectos de valor que encontrasse a fim de deles se apossar e fazê-los seus, como fez e como era sua efectiva intenção.
No que ao tipo subjectivo de ilícito respeita, o crime de furto é um crime essencialmente doloso, sendo que, no caso em apreço, também este se mostra preenchido, já que o arguido agiu com o propósito de fazer suas coisas alheias (dimensão subjectiva da “ilegítima intenção de apropriação”) e, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, não se absteve de a levar a cabo, agindo assim livre, deliberada e conscientemente.
Preenchidos que se mostram os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto, cumpre agora determinar se se verifica alguma das circunstâncias qualificativas que resultam da alínea a) do n.º 1 e da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal.
O elenco das circunstâncias qualificativas do tipo qualificado previstas no artigo 204.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal é taxativo e de funcionamento automático, ao contrário do que sucede na técnica dos exemplos-padrão.
Sendo que no que à qualificativa prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º, do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea a), ambos do Código Penal, conforme já supra referimos, incorre na prática de crime de furto qualificado aquele que furtar coisa móvel alheia de valor elevado, ou seja, de valor superior a 50 UC, sendo que a unidade de conta no ano de 2019 se fixou em € 102,00.
Ora, da matéria de facto provada resulta que o valor global dos bens de que o arguido se apropriou é de superior a € 5.100,00 (cinco mil e cem euros), pelo que a qualificativa no que ao valor elevado respeita se mostra preenchida.
No que às circunstâncias qualificativas previstas na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, importa atentar no disposto nas alíneas d) e e) do artigo 202.º do Código Penal, que definem “arrombamento” (o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente) e “escalamento” (a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local normalmente não destinado á entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem).
Da matéria de facto provada resulta que o arguido se introduziu no logradouro da residência em causa nos autos saltando o respectivo muro e que partiu o vidro de uma janela para aceder ao interior da residência de onde subtraiu os bens furtados, pelo que a circunstância qualificativa em questão se mostra preenchida, quer no que ao escalamento, quer no que ao arrombamento respeita.
*
B) Determinação das penas a aplicar
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora, nos termos dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, determinar a natureza e a medida das sanções a aplicar-lhe.
B1) Determinação da medida legal ou abstracta da pena
Nos termos do disposto no artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, a moldura abstracta da pena a aplicável ao crime de furto qualificado em causa é de prisão de 2 a 8 anos.
B1.1) Da reincidência
No caso vertente o arguido vem acusado como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal.
Estatui o artigo 75.º do Código Penal o seguinte:
“1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.
4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.”
Da análise deste normativo legal decorre que os pressupostos formais da reincidência são: i) o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a seis meses; ii) a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão efectiva superior a seis meses; e iii) o não decurso de mais de cinco anos entre o crime anterior e a prática do novo crime (neste prazo se não computando o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade).
O pressuposto material da reincidência é que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.
No ensinamento do Prof. Figueiredo Dias e como tem sido sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, “O critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e daquela culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel.” – Cfr. o autor cit. in “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, notícias editorial, páginas 268/269.
Assim, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas, ou exclusivamente exógenas, como o sejam por exemplo a degradação económica do arguido, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples remissão para o Certificado do Registo Criminal do arguido ou com o mero historial criminoso arguido e dos termos de cumprimento das penas, exigindo-se uma específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor, não havendo aqui qualquer presunção, mesmo que ilidível, de que a anterior ou anteriores condenações não serviram, ao delinquente de prevenção contra o crime - Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, UCE, 2008, pág. 241; vide também neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 26.03.08, proc. 4833/07-3ª, e de 18.06.2009, proc. 159/08.9PQLSB.S1-3ª, in www. pdglisboa.pt, e o acórdão do TRC de 30.05.2012, proc. 68/10.1GAGVGS.C1, in www.dgsi.pt.
Ora, no que à verificação dos pressupostos formais da reincidência respeita, compulsando os antecedentes criminais do arguido dados como provados verificamos que serem susceptíveis de relevar as anteriores condenações do arguido no âmbito dos Processos n.ºs 5961/09...., 929/07...., 1004/05...., 637/05.... e 420/05...., atentas as datas da prática dos factos aí em causa (balizados entre 04.07.2005 e 07.08.2005), as penas aplicadas (penas de prisão efectiva superiores a 6 meses) e, deduzido o tempo de privação de liberdade sofrido (8 anos, 8 meses e 22 dias, decorridos entre 07.08.2005 e 29.04.2014), a data dos factos ora em causa nos presentes autos (12.03.2019).
No que que à verificação do seu pressuposto material concerne, ponderando os tipos de crimes a que se reportam essas anteriores condenações (dois crimes de furto qualificado, dois crimes de furto, um na forma tentada, um crime de resistência e coacção sobre funcionário e dois crimes de falsas declarações), o modus vivendi do arguido e motivação que lhes é subjacente, afigura-se-nos podermos inferir da existência de uma íntima conexão entre os crimes pelos quais o arguido foi anteriormente condenado e o ora em causa nos autos e concluir que a reiteração verificada radica na personalidade do arguido, no qual se enraizou o hábito de praticar crimes e a quem por tal essas anteriores condenações não serviram de advertência contra o crime.
Como assim e de harmonia com o disposto no artigo 76.º, n.º 1 do Código Penal, a moldura penal aplicável será agravada de um terço no seu limite mínimo, passando este a fixar-se em 2 anos e 8 meses de prisão.
B2) Determinação da medida concreta da pena
Nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
As finalidades da punição encontram-se expostas no artigo 40.º do Código Penal, que dispõe: “A aplicação de penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A aplicação das penas visa, assim, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva), é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização – Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 227/231.
A medida da pena não pode em caso algum, reafirme-se, ultrapassar a medida da culpa - Cfr. Prof. Figueiredo Dias, cit., p. 230.
Até ao limite máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar em definitivo a medida da pena.
Assim, a pena concreta, há-de ser encontrada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, havendo para tanto que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do disposto no nºs 1 e 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Posto isto, in casu, assumem relevância para a determinação da medida das penas a aplicar os seguintes factores:
- As exigências de prevenção geral, que são elevadas no que ao tipo de criminalidade em causa nos autos concerne, atento o forte sentimento de insegurança e alarme social que esta gera.
- O grau da ilicitude dos factos, que se apresenta mediano, sopesando o concreto modus operandi do arguido e a natureza e valor dos bens subtraídos;
- As consequências da conduta do arguido: não obstante os danos causados, os objectos alvo de apropriação foram recuperados;
- A grande intensidade do dolo: o arguido agiu sob a forma mais gravosa do dolo, isto é, com dolo directo, denotando um grau de culpa intenso, pois que agiu ciente das anteriores condenações sofridas, a sua maioria por factos de natureza idêntica e, mormente, ciente da pendência sobre si da ameaça de uma pena de prisão suspensa na sua execução;
- A confissão dos factos, o arrependimento manifestado e o facto de se ter subsmetido a tratamento no que ao seu problema de toxicodependência relevam a favor do arguido, todavia deles se não extrai uma verdadeira interiorização do desvalor de sua conduta, desde logo face à atitude de desculpabilização e vitimização adoptada, quer face aos anteriores tratamentos a que se submeteu e que abandonou sem concluir. Por outro lado, o modo de vida do arguido e a personalidade criminógena e avessa à interiorização do desvalor de suas concutas espelhada no longo percurso criminal que regista, com cumprimento sucessivo de diversas penas de prisão efectivas e a prática dos factos ora em causa volvidos cerca de cinco meses sobre a sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução (com regime de prova e sujeição a tratamento da sua dependência), não podem deixar de pesar a desfavor do arguido.
Tudo conjugado e tendo em conta o limite máximo permitido pela culpa, considera-se adequada a aplicação ao arguido da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B3) Da não suspensão da execução da pena aplicada
Dispõe o artigo 50.º do Código Penal, para o que ora releva, o seguinte:
“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (…)
5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
Por seu turno, no artigo 53.º do Código Penal, estatui-se o seguinte:
“1. O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2. O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
3 - O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade.
4 - O regime de prova é também sempre ordenado quando o agente seja condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, cuja vítima seja menor.
A aplicação do instituto da suspensão da execução da pena pressupõe a formulação de um juízo de prognose favorável, que deverá assentar em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza. Tal não significa, porém, que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido.
Com efeito, conforme salienta Figueiredo Dias, " (…) o que está aqui em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade" (o autor cit., ob., cit., pág. 344, § 521).
No entanto, há ainda que ter em consideração que, "apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Pois "que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor as socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise" (o autor cit., ob., cit., pág. 344, § 520).
Ora, no caso em concreto, atento o longo percurso criminal que precocemente o arguido encetou, com sucessivos cumprimentos de penas de prisão, maioritariamente pela prática de crimes contra o património, o seu modo de vida pró-delinquencial, a sua persistente problemática aditiva a par do sucessivo abandono de tratamentos encetados, a sua personalidade que desde cedo se revelou avessa à interiorização das mais basilares regras do Direito e de vivência social e às sucessivas intervenções no âmbito da justiça juvenil e penal, que não lograram levar o arguido a mudar/alterar o seu comportamento e a sua atitude, voltando o mesmo a delinquir e fazendo-o na pendência da ameaça de uma pena de prisão suspensa na sua execução sobre si pendente e que notoriamente desprezou, não é possível a este Tribunal efectuar um juízo de prognose favorável quanto à sua ressocialização em liberdade, antes levam o Tribunal a considerar existirem razões sérias para duvidar da capacidade do arguido de não voltar a delinquir, caso seja deixado em liberdade.
Por outro lado, as próprias exigências de tutela do ordenamento jurídico reclamam a necessidade da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, porquanto face à persistência da actividade criminosa, mal compreenderia a comunidade que o mesmo não fosse condenado em pena de prisão efectiva.
Como assim, não nos sendo dado a concluir que a simples cesura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não se determinará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido
Acresce que, enfatize-se, face ao percurso vivencial e criminal do arguido e personalidade do mesmo neles reflectida, quer as exigências de prevenção especial, quer as próprias exigências de tutela do ordenamento jurídico reclamam a necessidade da execução em meio contentor prisional da pena de prisão aplicada ao arguido.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido
Por sentença proferida em 7.3.2022, o arguido AA, ora recorrente, foi condenado como reincidente, pela prática em autoria material de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 alínea e), com referência ao artigo 202.º, alíneas a), d) e e), artigo 75.º, n.º 1 e 2 e 76.º, n.º 1 do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso invocando os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP e a falta de fundamentação da sentença, impugnou a matéria de facto e questionou a valoração da reincidência, bem como a pena aplicada quanto à sua dosimetria e à circunstância de não ter sido suspensa a sua execução.
Cumpre, agora, conhecer as questões suscitadas pelo arguido, seguindo de perto as bem fundamentadas motivações de recurso apresentadas pelo MP em 1.ª instância.

3.2.1. Da impugnação da matéria de facto
A. Dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do CPP
O recorrente entende enfermar a sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CPP.
Esta norma refere-se à existência de vícios que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só de em conjugação com as regras da experiência comum conquanto detetáveis por qualquer homem médio, sem o recurso a quaisquer elementos externos à sentença (ex: depoimentos prestados).
Quanto à "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada" (artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP) esta verifica-se quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valorou, de forma errada, grosseira, ostensiva e evidente contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, factos que não podem ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro positivo ou negativo[1].
Revertendo para o caso em apreço, da leitura da sentença em crise, concretamente da matéria de facto provada (cf. ponto II., 3.1.1. deste Acórdão) e não provada (cf. ponto II. 3.1.2. deste Acórdão) e da justificação relativamente à convicção do tribunal (Cf. ponto II., 3.1.3. deste Acórdão) resulta que a decisão recorrida não enferma de quaisquer dos vícios aludidos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP.

B. Do erro de julgamento quanto aos factos dados como provados (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP)
Entende o recorrente que o Tribunal a quo fixou a matéria de facto provada de forma errada, pois deu como provados os factos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8. e 12. não tendo valorado, como deveria, a confissão efetuada pelo arguido.
A argumentação aduzida pelo recorrente é, todavia, contraditória nas suas próprias premissas, pois se o arguido confessou integralmente os factos constantes da Acusação (cf. ponto 13. dos factos provados) e revelou arrependimento não se compreende como é que em sede de recurso afirma não estarem os factos provados.
Por outro lado, apesar de o arguido ter cumprido o duplo ónus da impugnação previsto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP (embora o tenha feito na motivação e não nas conclusões, como lhe era exigido legalmente), ainda, assim, não ocorreu qualquer erro de julgamento, pois o Tribunal compreendeu perfeitamente o que foi dito em audiência, valorou foi os factos de acordo com a sua livre convicção (como lhe é permitido pelo artigo 127.º do CPP) e não em sintonia com a convicção do recorrente.
A este propósito deve salientar-se o referido na motivação da matéria de facto pelo Tribunal recorrido:
As testemunhas CC e DD, agentes da PSP, cujos depoimentos foram prestados com objectividade e isenção, no essencial explicaram que, na sequência, da deslocação da então companheira do arguido ao Posto (na posse de uma gargantilha), a dar nota da suspeita da prática pelo arguido do furto ocorrido, se deslocaram à residência, ora em causa nos autos, falando com o respectivo proprietário que ainda se não tinha apercebido do furto ocorrido, tendo visualizado a residência, uma das janelas das traseiras partida e tendo o proprietário verificado dos bens alvo de furto que depois de abordado o arguido que se deslocou ao posto, assumindo a autoria do furto, apreenderam na sua posse.”.
Depois ouvido em julgamento, o arguido AA confessou os factos, tendo no essencial atribuído a sua prática à situação de toxicodependência (subentendendo-se que na sua perspetiva o dedicar-se à prática de furtos é uma inevitável consequência da sua dependência), atribuindo culpas quanto ao não desenvolvimento de atividade profissional e ao não prosseguimento de tratamento à sua problemática aditiva a uma sua então namorada. Manifestou arrependimento e o propósito de cumprir o tratamento que, entretanto, iniciou.
Quanto às condenações anteriormente sofridas pelo arguido, circunstâncias da prática dos factos que as fundamentaram, datas de início e termo do cumprimento de pena de prisão à sua ordem e modo de vida do arguido, tiveram-se essencialmente em consideração as certidões de fls. 107 a 119, 328 a 490, em concatenação com as regras da experiência comum e a normalidade dos factos da vida.
Em face da análise conjugada da prova assim produzida, o Tribunal dúvidas não teve em dar como provada a factualidade vertida sob os pontos 1. a 13..
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, ao que não são alheios os princípios da oralidade e da imediação, que permitem o contacto direto com os participantes processuais, a consequente recolha da impressão da sua personalidade e a correta avaliação da credibilidade das declarações prestadas.
Esta regra da livre apreciação da prova em processo penal, não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária da prova, pois o julgador, ao apreciá-la livremente e ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo.
No caso em apreço, o Tribunal recorrido enumerou as provas produzidas que serviram de base à decisão da matéria de facto e fundamentou de forma clara essa mesma decisão bem como todo raciocínio lógico e racional que lhe serviu de base.
Em face dessa prova, não teve o tribunal qualquer dúvida de ter sido o arguido quem praticou os factos dados como assentes, factos que, não é demais salientar, confessou e, por essa razão, não teve o Tribunal a quo necessidade de ouvir o ofendido. Não houve, pois, violação de qualquer princípio ou norma legal, nomeadamente o princípio in dubio pro reo que é corolário da presunção de inocência, o qual se encontra consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da CRP.
O Tribunal a quo motivou e valorou de forma correta e isenta de dúvidas a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. A apreciação conjunta das provas produzidas em audiência, designadamente as declarações confessórias do arguido, os documentos juntos aos autos e os depoimentos dos agentes da PSP, permitiram dar como definitivamente assentes os factos constantes da decisão, o que resulta claramente explanado na fundamentação da mesma.

3.2.2. Da nulidade da sentença por vício de fundamentação a que alude o artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPP
Entende o recorrente, também, padecer a sentença de uma deficiente fundamentação, porquanto a prova testemunhal e documental, constante dos autos, em nada corrobora o referido na sentença.
Depreende-se desta afirmação que o recorrente confunde o erro de julgamento (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP) com a falta de fundamentação da sentença (artigo 374.º, n.º 2 do CPP).
O artigo 374.º, n.º 2 do CPP, impõe que a fundamentação deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Na sentença o Tribunal tem de enumerar os factos provados e os não provados, explicitando expressamente a opção (decisão) tomada, através da indicação e do exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, isto é, dando a conhecer as razões pelas quais valorou ou não valorou as provas e a forma como as interpretou, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável.
Analisado o teor da decisão, constata-se a existência de uma fundamentação, bem elaborada e de forma suficiente, em estrita obediência ao disposto no artigo 374.º n.º 2 do CPP, sendo mencionada a documentação e os depoimentos, assim como as demais provas relevantes, sem esquecer o exame crítico desses elementos.
Em face do indicado é forçoso concluir ter o Tribunal a quo explicitado cabalmente os motivos de facto que fundamentaram a decisão, indicando e examinando criticamente as provas que serviram para formar a convicção, não merecendo a sentença qualquer reparo a este nível, não padecendo de nulidade por vício de fundamentação aludido no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPP.
Não ocorrendo qualquer violação do princípio in dubio pro reo ou do princípio da livre convicção do julgador, nem erro de julgamento, vícios ou nulidades da sentença a matéria de facto mostra-se definitivamente sedimentada.

3.2.3. Do erro de julgamento quanto ao direito aplicado
A. Da falta de pressupostos da reincidência
Defendeu o arguido que o Tribunal a quo ao condená-lo como reincidente realizou uma mera remissão para as anteriores condenações sofridas pelo mesmo, não estando verificados os pressupostos para a sua aplicação, por designadamente não ter ficado demonstrado que as anteriores condenações não serviram de advertência suficiente contra o crime.
A reincidência é uma circunstância modificativa comum que altera a medida abstrata da pena, agravando-a.
A agravação dela resultante justifica-se pelo mais elevado grau de censura despoletado pelo delinquente, pois o novo facto revela que a anterior ou anteriores condenações não lhe serviram de prevenção contra a prática de ilícitos de natureza criminal.
O atual artigo 75.º, n.º 1 do CP distingue dois tipos de pressupostos da reincidência: os pressupostos formais e o pressuposto material.
São pressupostos formais da reincidência:
- A prática de crimes reiterados dolosos;
- A prática de crime punido com pena efetiva superior a seis meses;
- A condenação anterior em pena de prisão efetiva superior a seis meses
- A condenação em penas de prisão efetiva por ambos os crimes;
- O trânsito em julgado da condenação prévia;
- O não decurso de mais de cinco anos entre a prática de crime anterior e a prática do novo crime;
O pressuposto material da reincidência consiste na culpa agravada do agente, por a anterior condenação não ter servido de suficiente advertência contra o crime.
A referência no segmento normativo “de acordo com as circunstâncias do caso” afasta a possibilidade do funcionamento automático da reincidência, implicando que o julgador tenha de investigar a motivação do arguido. Exige-se, ainda, uma conexão entre os crimes reiterados que devam considerar-se relevantes do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa.
No caso em apreço, como se refere na sentença recorrida, encontram-se verificados os pressupostos formais atentos os antecedentes criminais dados como provados, as datas da prática dos factos e as penas aplicadas. Foi, ainda, deduzido o tempo de privação da liberdade sofrido e considerada a data dos factos em causa nos autos.
No concernente à verificação do pressuposto material, ponderando os tipos de crimes a que se reportam as anteriores condenações (dois crimes de furto qualificado, dois crimes de furto, um na forma tentada, um crime de resistência e coação sobre funcionário e dois crimes de falsas declarações), o modus vivendi do arguido e a motivação que lhes é subjacente, infere-se a existência de uma íntima conexão entre os crimes pelos quais o arguido foi anteriormente condenado e o apreciado nos autos. Daí ser de concluir que a reiteração das práticas ilícitas radica na personalidade do arguido, no qual se enraizou o hábito de praticar crimes e a quem por tal as anteriores condenações não serviram de advertência contra o ilícito criminal.
Assim, é correta a agravação no limite mínimo, nos termos do artigo 76.º, n.º 1 do CP, passando a moldura penal abstrata a ser de 2 anos e 8 meses de prisão.

B. Da errada dosimetria da pena
Entende o arguido que a pena aplicada é desadequada, e excessiva, não tendo sido devidamente valorada a sua confissão.
A aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2 do CP).
Em sede de critério de escolha da pena, dispõe o artigo 70.º do CP que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda quando esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A prevenção geral positiva ou de reintegração, prende-se com a necessidade de reafirmar as expectativas comunitárias na validade e vigência da norma jurídica violada, da tutela do bem jurídico nela tutelada, abaladas pela prática do crime.
A prevenção especial relaciona-se com a reintegração do agente na sociedade, com a necessidade de conformação do agente com o quadro de valores vigentes, em particular com aqueles que tutelam o bem jurídico atingido.
Na determinação da pena concreta deve seguir-se o modelo que comete à culpa a função de determinar o limite máximo da pena, cabendo à prevenção geral fornecer uma moldura cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, cumprindo, por último, à prevenção especial encontrar o quantum exato da pena dentro da referida moldura da prevenção, que melhor sirva as exigências de ressocialização do agente[2].
Assim, a culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub-molduras da prevenção, prevalecendo a geral sobre a especial. Para tanto, atender-se-á, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele”.
No caso destes autos, as exigências de prevenção geral são elevadas, havendo um crescendo no desrespeito pelas ordens dadas pelas autoridades públicas, considerando o tipo de criminalidade em causa e o forte sentimento de insegurança e alarme social
Por outro lado, o grau de ilicitude é mediano (atento o modo de atuação e a natureza e valor dos bens subtraídos).
O arguido agiu com dolo no seu grau mais intenso, pois representou os factos e agiu em conformidade com a sua vontade, ciente das anteriores condenações, a sua maioria por factos idênticos.
A confissão do arguido, o arrependimento manifestado e o facto de ter sido submetido a tratamento à toxicodependência militam a seu favor.
Como bem se refere na sentença, todavia, deles não se extrai por parte do arguido uma verdadeira interiorização do desvalor de sua conduta, face à atitude de desculpabilização e vitimização adotadas, e anteriores tratamentos que abandonou sem os concluir. Por outro lado, o arguido evidencia um modo de vida e personalidade criminógena, avessa à interiorização do desvalor da sua conduta.
A influência que as considerações de prevenção especial têm sobre a medida concreta da pena, deve ter em consideração que a ressocialização do agente não pode determinar a opção por uma pena fixada aquém do ponto comunitariamente suportável para efeitos de tutela do bem jurídico protegido.
A consideração da recuperação social do arguido entrou em linha de conta na escolha na medida da pena. Não isoladamente, como de resto não faria sentido, mas no quadro da prevenção geral a fim de se alcançar a eficácia ótima de proteção do bem jurídico.
Tendo em conta a moldura penal do crime cometido, os factos provados e não provados, a personalidade do arguido, a intensidade do dolo e da ilicitude, os antecedentes criminais e as exigências de prevenção geral e de repressão no caso concreto, a pena aplicada é adequada e proporcional e cumpridora do estatuído no artigo 71.º do CP. O tribunal valorou devidamente as condições pessoais e a situação económica do arguido, assim como os fins e motivos que determinaram o cometimento do ilícito, não violando quaisquer disposições legais.
Daí, face às oportunidades anteriores dadas ao arguido para se afastar do crime, por si não aproveitadas, é de manter a pena de três anos e seis meses de prisão.

C. Da suspensão da execução da pena
O recorrente pugna, ainda, pela suspensão da execução da pena, ao abrigo do artigo 50.º, n.º 1 do CP.
Estabelece o artigo 50.º, n.º 1 do CP que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A formulação de um tal juízo implicaria a esperança fundada que o agente ficaria devidamente avisado com a sentença e não cometeria nenhum outro delito. Tal prognóstico é reportado ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao crime objeto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, ainda que tenham já sido tomadas em consideração em sede de medida da pena. O prognóstico requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitam uma conclusão acerca do comportamento futuro do agente, nas quais se incluem, entre outras, a sua personalidade (inteligência e carácter), a sua vida anterior (as condenações anteriores por crime de igual ou de diferente espécie), as circunstâncias do delito (motivações e fins), a conduta depois dos factos (a reparação e o arrependimento), as circunstâncias de vida (profissão, estado civil, família) e os presumíveis efeitos da suspensão.
Está em causa não qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização do arguido em liberdade possa ser alcançada. Nessa circunstância o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
Revertendo para o caso em apreço nos autos, não é de esperar que a simples ameaça da pena seja suficiente para afastar o arguido da prática de ilícitos, atentos os sucessivos cumprimentos de prisão, o seu modo de vida, a sua persistente problemática aditiva e o sucessivo abandono de tratamentos, mesmo que tenha confessado os factos e verbalizado arrependimento.
Assim, embora a pena concretamente aplicada não exceda o limite legal de cinco anos, no caso não se encontra preenchido o pressuposto material previsto na Lei, não ocorrendo razões para se decidir pela alteração na forma de execução da pena como pretende o recorrente.
Não merece, pois, a sentença qualquer reparo sendo de a manter integralmente.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência, mantem-se na íntegra, a sentença recorrida.
2. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.ºs 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais).

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 15 de dezembro de 2022.
Beatriz Marques Borges - Relatora
João Carrola
Maria Leonor Esteves
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[1] Cf. Acórdão do STJ de 98.07.09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77.
[2] Dias, Figueiredo Dias - “Temas básicos da doutrina penal”. Coimbra Editora, 2001, pág. 65 e seguintes.