Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
613/19.7T8MMN-A
Relator: MARIA DA GRAÇA ARAÚJO
Descritores: DEVEDOR
PERSI
EXTINÇÃO
BANCO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A não colaboração do devedor que justifica, ao abrigo da alínea d) do nº 2 do artigo 17º do DL 227/2012, de 25.10, há de ter-se por revelante para as finalidades do PERSI.
II – Isto significa que assim deve ser considerada não só a total ausência de colaboração, como a colaboração intempestiva (para além do prazo de 10 dias, se não tiver sido requerida e fundamentada uma prorrogação) e, ainda, a colaboração deficiente/insuficiente que impeça a instituição bancária de proceder à avaliação que a lei lhe comete.
III – Na comunicação da extinção do PERSI a que aludem os nºs 2 e 4 do citado artigo, a instituição bancária deve explicitar os concretos motivos que a levaram a tal decisão; só assim têm os devedores a possibilidade de se defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Por apenso à execução sumária que Banco Comercial Português, S.A. moveu contra M… e A…, para deles haver o pagamento da quantia de 162.659,28@, correspondente a capital, juros e outras quantias, titulada por mútuo garantido por hipoteca, veio o executado deduzir oposição mediante embargos.
Alegou, em síntese, que: por carta datada de 14.11.2018, recebida pelo embargante em meados de Dezembro de 2018, a embargada informou-o da sua integração no PERSI na data da carta e solicitou a entrega de documentação; procedeu à entrega da dita documentação no prazo previsto; por carta datada de 14.01.2019, recebida em 20.02.2020, a embargada informou o embargante da extinção do PERSI por falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo Banco; a extinção do PERSI não tem fundamento, pelo que a dívida exequenda não é exigível.
Concluiu pela procedência dos embargos, com extinção da execução e levantamento das penhoras.
A exequente/embargada contestou, dizendo que a carta remetida ao embargante com vista à integração no PERSI foi recebida “com toda a probabilidade” ainda durante o mês de Novembro de 2018 e que os documentos foram entregues de modo intempestivo e incompleto, faltando a nota de liquidação do IRS e nada dizendo sobre os encargos que suporta e a existência de responsabilidades perante outras instituições de crédito, que, efectivamente, existem.
No âmbito da audiência prévia, foi fixado o valor da acção, e proferido despacho saneador, dispensando-se a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgou procedentes os embargos, por verificada a excepção dilatória de falta de condição de procedibilidade (por não extinção do PERSI) e, em consequência, absolveu os executados da instância executiva, com o consequente levantamento de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução.

A exequente/embargada interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.ª O facto que deveria ter sido dado como não provado é o alegado pelo Embargante em 10 da Contestação, ou seja:
“Por carta datada de 14 de Novembro de 2018, recepcionada pelo embargante em meados de Dezembro 2018, em data que não consegue precisar, a embargada informa-o da sua integração no PERSI, “na data da emissão da carta…”devendo para o efeito proceder à entrega de documentação aí referenciada, no prazo de 10 dias”;
2.ª Encontrando-se provado que o Embargado/Apelante enviou uma carta datada de 14 de Novembro, caberia ao Embargante provar que o teor da mesma só foi conhecido “em meados de Dezembro”, o que teria sido impeditivo do Direito do Exequente e que poderia consubstanciar a inexigibilidade da obrigação;
3.ª Se o Embargante alega que tomou conhecimento do teor da carta um mês após a data que se encontra aposta na mesma, caber-lhe-ia provar esse facto impeditivo do direito invocado pelo Exequente/Embargado/Apelante;
4.ª Os Embargantes não produziram qualquer prova nesse sentido, não arrolando qualquer testemunha, nem juntando qualquer documento que demonstre que a carta foi recebida “em meados de Dezembro”;
5.ª Não lograram, assim, infirmar a data que se encontra aposta na mesma de 14/11/18, que se encontra junta aos autos e que os Embargantes confessadamente receberam;
6.ª Pelo que, face às regras do ónus da prova, ao invés de ter sido dado como não provado que “A carta remetida ao embargante com vista à integração no PERSI foi recebida “com toda a probabilidade” ainda durante o mês de Novembro de 2018” deveria antes ter sido dado como não provado que “A carta datada de 14 de Novembro de 2018 foi recepcionada pelo embargante em meados de Dezembro 2018, em data que não consegue precisar”;
7.ª Não tendo o Embargante provado que recepcionou a carta apenas em meados de Dezembro 2018 torna-se inequívoco que a informação facultada ao Embargado excedeu largamente o prazo de 10 dias previsto no Artº 15 nº 3 do Dec.-Lei 227/2012, uma vez que os documentos juntos têm uma data que excede em mais de um mês o da data da carta de integração em PERSI;
8.ª O que só por si seria suficiente para a revogação da procedência dos Embargos;
9.ª Sem conceder, sempre se dirá ainda que apenas face aos factos dados como provados em 16 e 17 também andou mal o Tribunal a quo ao declarar os Embargos procedentes;
10.ª Sem prejuízo da intempestividade, o Embargante só facultou ao Embargado 1 das 3 informações e documentos solicitados;
11.ª Pelo que se encontravam preenchidas as condições para a extinção do PERSI, nos termos do Artº 17º nº 2 al. d) do Dec-Lei 227/2012;
12.ª Não se entende, assim, como pode o Tribunal a quo considerar vaga a fundamentação da extinção do PERSI, quando na carta é referida a falta de colaboração do Embargante, nomeadamente na prestação de informações, bem como a tempestividade da resposta;
13.ª Decorre do contexto da declaração que qualquer dos fundamentos é aplicável, depreendendo-se perfeitamente que qualquer um deles só por si provocaria a extinção do PERSI nos termos do Artº 17º do Dec-Lei 227/2012, que aliás é mencionado na carta;
14.ª Com efeito, como poderia o Embargado cumprir o nº 4 do Artº 15 do Dec-Lei 227/2012, nomeadamente proceder à análise da “capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito” sem as informações solicitadas, que não foram facultadas pelo Embargante, designadamente a informação sobre os seus encargos?
15.ª Assim, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que não foi válida a extinção do PERSI comunicada ao Embargante e que este confessadamente recebeu, e que se encontrava devidamente fundamentada nos termos do Dec-Lei 227/2012;
16.ª Foram violados os Artº 224 do C. Civil e 342 nº 2 do C. Civil e Artºs 15 e 17 do Dec.-Lei 227/2012.

Foram apresentadas contra-alegações, defendendo a confirmação da sentença.
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A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada em 13 de Julho de 2009, no Cartório Notarial de Reguengos de Monsaraz, perante a respetiva Notária, os executados M… e A…, constituíram a favor do Banco exequente hipoteca voluntária sobre o prédio Misto, denominado “Matinho”, composta a parte urbana por rés-do-chão, destinado a habitação com duas dependências e logradouro, e a parte rústica por olivar, cultura arvente e oliveiras, situado na freguesia e concelho de Reguengos de Monsaraz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …º e na matriz predial rústica sob o artigo ….
2. Na escritura pública referida e respetivo documento complementar, que da mesma escritura é parte integrante, os executados confessaram-se devedores ao Banco Comercial Português da quantia de €175.000,00.
3. Declararam ainda que constituíam a favor do exequente hipoteca sobre o prédio atrás identificado para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, e bem assim dos respetivos juros, à taxa anual efetiva de 4,2%, acrescidos de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em € 7.000,00.
4. Na mesma escritura pública, ficou estipulado que o empréstimo e a hipoteca se regulam pelo Decreto-Lei nº 349/98, de 11 de Novembro (Regime Geral) e pelas demais disposições legais aplicáveis e pelas condições constantes do documento complementar, de que os mutuários têm perfeito conhecimento e que aceitaram inteiramente, elaborado de harmonia como nº 2 do Artº 64º do Código do Notariado.
5. No referido documento complementar, ficaram a constar as condições do empréstimo, nomeadamente, a remuneração do capital mutuado, o prazo da concessão e ainda os termos da restituição do mesmo capital de €175.000,00.
6. Foi convencionado o prazo de 202 meses para o empréstimo a contar de 25 de Agosto de 2009, salvo se esse dia coincidir com a data de escritura, e sendo assim, o prazo iniciar-se-á a partir dessa data e será amortizado em 202 prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
7. A quantia mutuada foi creditada na conta de depósito à ordem nº 45357417669, aberta em nome dos mutuários junto do Banco Comercial Português, S.A..
8. O empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, à taxa resultante da EURIBOR a 90 dias, que vigore no segundo dia útil anterior ao inicio do período de contagem de juros, acrescida de 2,7%, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior.
9. A taxa nominal na data de aprovação do presente empréstimo de 4,122% corresponde a taxa anual efetiva de 4,2%, calculada nos termos do Decreto-Lei número 220/94, de 23 de Agosto.
10. Foi, também, convencionado que, em caso de mora, os respetivos juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida de uma sobretaxa de 4% ao ano a título de cláusula penal.
11. A hipoteca voluntária encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial do Reguengos de Monsaraz pela Ap. 23228 de 2009/05/27.
12. A hipoteca garante até ao limite de capital de €175.000,00 e juro anual calculado à taxa de 4,2% acrescido de 4% em caso de mora a título de cláusula penal e despesas no valor de €7.000,00
13. Ficou estipulado no documento complementar que a hipoteca pode ser executada se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas.
14. Os executados V… e A… não pagaram a prestação vencida em 25 de Agosto de 2016, cessando assim as prestações a que se obrigaram, uma vez que não provisionaram devidamente a conta aberta para o efeito.
15. Na sequência duma situação de desemprego em Novembro de 2015, e que se mantém até hoje, o embargante tem sobrevivido com graves dificuldades financeiras que foram de imediato comunicadas ao Banco exequente, na pessoa do gerente do balcão em Reguengos de Monsaraz.
16. Por carta datada de 14 de Novembro de 2018, a embargada informa-o da sua integração no PERSI, “na data da emissão da carta…”, solicitando ao Embargante a seguinte documentação: “a) cópia da última certidão de liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
b) comprovativo do rendimento auferido por V.Exa, nomeadamente a titulo de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.
17. Na sequência do referido em 16., o embargante procedeu à entrega a sucursal da embargada em Reguengos de Monsaraz de
- declaração do ISS datada de 21.12.2018 da qual resulta que o mesmo “não está a receber qualquer pensão/subsídio/complemento/prestação do Instituto de Segurança Social, IP”;
- declaração respeitante à executada emitida pelo ISS em 27.12.2017 relativa aos valores recebidos no ano de 2017 e a receber em 2018, cópia de declaração de rendimentos
18. Em 20-02-2019, o embargante recepcionou uma carta emitida pela embargada datada de 14-01-2019, onde o informa da extinção do procedimento PERSI: “Vimos por este meio comunicar a V. Exa. que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17.º do PERSI (…) na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados consideramos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto. Motivo da extinção do procedimento PERSI: falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco.” – cfr. doc. 7 junto com o requerimento inicial de embargos que no mais se dá por integrado e reproduzido.

O 1º grau considerou que não se provara que:
a) A carta remetida ao embargante com vista à integração no PERSI foi recebida “com toda a probabilidade” ainda durante o mês de Novembro de 2018.
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I - A primeira questão a tratar respeita à decisão sobre a matéria de facto.

A) Na sentença, devem ser levados em conta os factos admitidos por acordo (artigo 607º nº 4 do Cód. Proc. Civ.), comando que se aplica, também, ao acórdão (artigo 663º nº 2 do mesmo diploma).
O ponto 17. dos factos provados provém do alegado no artigo 11º da petição de embargos, conjugado com os documentos apresentados com tal peça processual sob os nºs 4, 5 e 6. Na parte que foi levada àquele ponto, o alegado não mereceu a impugnação da embargada (cfr. artigos 8º e 9º da contestação), pelo que se considera admitido por acordo (artigo 574º nº 2 do Cód. Proc. Civ.).
Assim, levaremos em conta que a cópia da declaração de rendimentos a que se reporta o ponto 17. dos factos provados se refere ao ano de 2017 e a ambos os executados.

B) Pretende o apelante que seja tido por não provado que a carta datada de 14.11.18 tenha sido recebida pelo embargante em meados de Dezembro de 2018. E isto porque este não produziu qualquer prova a respeito (nem sequer arrolou testemunhas).
É verdade que não existe prova testemunhal ou documental sobre o facto de o embargante ter recebido aquela carta na altura que alegou. E é verdade que, assim sendo, o rigor impunha que o incluísse nos factos não provados (já que não é o mesmo não o dar como provado, como sucedeu).
Razão pela qual aditamos aos factos não provados uma alínea b), com a seguinte redacção:
b) Tal carta foi recebida em meados de Dezembro de 2018.”.

Sucede que, como parece pretender o apelante, não é da circunstância de se considerar não provado o referido facto que decorre a prova do “facto” alegado pela embargada e incluído sob a alínea a) dos factos não provados.
Em primeiro lugar, porque alegar um facto equivale a fazer uma afirmação (de conteúdo positivo ou negativo), mas não se traduz em colocar hipóteses, com maior ou menor probabilidade de verificação.
Em segundo lugar, porque a não demonstração das teses invocadas pelas partes nada tem de inconciliável (a não prova de um facto equivale à sua inexistência no mundo processual). Contradição verificar-se-ia, apenas, no caso de ambas as versões resultarem provadas.
Em terceiro lugar, porque a questão de saber a quem compete a prova da data do recebimento da carta em apreço não tem relevo nesta sede, mas quando tratarmos de subsumir os factos às regras jurídicas aplicáveis.
Em consequência, não há razões para considerar demonstrada a matéria da alínea a) dos factos não provados.

II – A segunda questão a analisar é a de saber se os procedimentos desencadeados pela apelante permitem considerar válida a extinção do PERSI.

A) A 1ª instância entendeu que a apelante havia dado início ao PERSI, através da carta referida no ponto 16. dos factos provados, enviada por si e recebida pelo apelado. E, assim, teria dado cumprimento ao disposto no nº 4 do artigo 14º do DL 227/2012, de 25.10. Aspecto que, naturalmente, a apelante não sindica.
Mas já não considerou que esta respeitara, ao extinguir o procedimento, o disposto na alínea d) do no 1 e no nº 3 do artigo 17º daquele diploma. E isto por três motivos: (i) em primeiro lugar, porque, não estando demonstrada a data em que o embargante recebeu a carta de integração no PERSI, também se não pode saber se os documentos apresentados o foram para além do prazo de que o embargante dispunha; (ii) em segundo lugar, porque não houve absoluta falta de colaboração do embargante, posto que este entregou alguns dos documentos solicitados; (iii) em terceiro lugar, porque, na carta de extinção do PERSI, não especificou, clara e concretamente, em que se traduziu a falta de colaboração do embargante.

B) Defende a apelante que era ao embargante que cabia provar a data em que recebeu a carta de integração no PERSI, uma vez que, tendo confessado o recebimento da carta, mas dizendo que apenas a teria recebido em meados de Dezembro de 2018, teria invocado um facto impeditivo do direito da embargada (artigo 342º nº 2 do Cód. Civ.).
Mas sem razão.
A validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização das Situações de Incumprimento criado pelo DL 227/12, de 25.10 e a validade e eficácia da respectiva extinção têm sido pacificamente entendidas como condição de admissibilidade da acção – declarativa ou executiva – que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor. O que, aliás, a apelante não discute.
Assim sendo, a prova dos factos que permitem ter por verificadas aquelas condições compete à instituição bancária (artigo 342º nº 1 do Cód. Civ.), como tem vindo a ser decidido por todos os tribunais superiores (a título exemplificativo, Ac. STJ de 13.4.21, Ac. RP de 23.2.21, Ac. RL de 5.1.21, Ac. RG de 29.10.20, Ac. RC de 7.11.17 e Ac. RE de 27.4.17, in http://www.dgsi.pt, respectivamente, Proc. nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Proc. nº 8821/19.4T8PRT-A.P1, Proc. nº 105874/18.0YIPRT.L1-7, Proc. nº 6/19.6T8GMR-A.G1, Proc. nº 29358/16.8YIPRT.C1 e Proc. nº 37/15.5T8ODM-A.E1).
Neste contexto, não vemos como configurar como facto impeditivo do direito (e que direito em concreto é esse?) da apelante a data do recebimento da carta de integração no PERSI, mormente quando ela se pretende prevalecer do decurso de um prazo a contar dessa data para fundamentar a sua comunicação de extinção do PERSI.

C) Já acima dissemos que a sentença concluiu que a apelante havia válida e eficazmente integrado o embargante no PERSI, apenas rejeitando a validade da extinção.

Para avaliar a capacidade financeira do cliente – e, assim, poder apresentar uma proposta de regularização do crédito ou concluir pela inviabilidade dessa regularização – pode esta solicitar documentos e informações, que o devedor deve facultar no prazo de 10 dias, salvo motivo atendível (artigo 15º do DL 227/12).
Um dos motivos de extinção do PERSI é, precisamente, a falta de colaboração do cliente, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem (artigo 17º nº 2-d) do DL 227/12).
A extinção do PERSI e o respectivo fundamento legal e concreto devem ser comunicados ao devedor (nºs 3 e 4 do citado artigo 17º).

Neste quadro legal, vejamos o que nos dizem ou permitem inferir os factos demonstrados.
A embargada nunca alega expressamente que enviou aos executados a carta referida no ponto 16. dos factos provados. Fá-lo, todavia, implicitamente, ao pretender que a mesma foi recebida, recepção que o embargante confirma.
O problema é que não alega a data em remeteu tal missiva, razão pela qual tal aspecto não foi sujeito ao crivo da prova.
A embargada também não alega qual o meio postal de que socorreu, embora possamos presumir que remeteu carta simples, já que, se assim não fosse, teria junto aos autos os documentos comprovativos do registo e/ou o aviso de recepção e, bem assim, não se teria limitado a invocar uma data provável para o recebimento da carta.
Sendo inequívoco que o embargante recebeu a comunicação, não consta da factualidade demonstrada qual a data em que tal ocorreu. O embargante situava a recepção em meados de Dezembro de 2018; a embargante opunha-lhe, “com toda a probabilidade”, o mês de Novembro de 2018.
Quer a alegação do embargante, quer a da embargada não resultaram provadas. Todavia, considerando que um dos documentos apresentados estava datado de 21.12.18 (ponto 17. dos factos provados), podemos ter a certeza que, nessa data, o embargante já tinha recebido a carta de integração no PERSI.
Nessa carta, a apelante solicitava diversos documentos e informações, como lhe consente o nº 2 do artigo 15º do DL 227/12.
Documentos e informações que o embargante tinha o ónus de entregar/prestar no prazo legal de 10 dias, salvo motivo atendível (nº 3 do citado artigo 15º). Tal prazo terminava, pois, no dia 31.12.18.
Não provada (até porque não alegada por nenhuma das partes) ficou a data em que o embargante entregou os documentos a que alude o ponto 16. dos factos provados. Pelo que nada nos permite afirmar que tais documentos foram apresentados para além do prazo de que o embargante dispunha.
Sucede que, se o embargante correspondeu plenamente ao solicitado na alínea b) da carta de integração no PERSI, já o não fez relativamente ao mais que pedido foi. Com efeito, e por um lado, a cópia da declaração de rendimentos do casal relativa ao ano de 2017 – que se não sabe se foi, efectivamente, apresentada ao Fisco, porquanto o documento junto aos autos o não atesta – não corresponde à cópia da última certidão de liquidação de IRS. Por outro, e sobretudo, o embargante não prestou qualquer informação sobre o tipo e quantitativo dos encargos por si suportados, nomeadamente derivados de contratos de crédito.
[Na petição de embargos, o embargante nada explica a este respeito, até porque alega que procedeu à entrega da documentação solicitada (respectivo artigo 11º). Assim, não consta dos autos que o embargante tenha invocado qualquer motivo (vd. nº 3 do artigo 15º do DL 227/12) para não prestar as informações ou apresentar os documentos solicitados ou para não as prestar ou os apresentar no prazo de 10 dias que da carta constava; também não há menção de que tenha, por qualquer modo e para qualquer efeito, contactado a apelante, conforme a mesma se disponibilizava na referida epístola, ou solicitado o apoio ao consumidor endividado, cujo contacto igualmente figurava na carta.]
A apelante deu, então, por findo o procedimento, nos termos da comunicação referida no ponto 18. dos factos provados.

Perante o cenário descrito, a sentença parece ter entendido que só a total falta de colaboração do devedor bancário legitima a extinção do PERSI (que tem como principal escopo a protecção dos consumidores); e, em consequência de tal entendimento, parece-nos que a sentença exigiria que a apelante actuasse de alguma forma, nomeadamente, ocorre-nos, insistindo com o embargante pelas informações e documentos em falta.
Discordamos.
Se é certo que – como se diz no respectivo preâmbulo - o DL 227/12 criou “procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias” e visou “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, não menos certo é que os benefícios que os devedores retiram – ou poderão retirar – do PERSI implicam da sua parte uma colaboração, exigindo-se-lhes responsabilidade e boa-fé (artigo 4º nº 2 do DL 227/12). Em particular, exige-se-lhes que facultem à instituição bancária os documentos e informações de que ela necessite para proceder à avaliação da capacidade financeira do devedor e, em conformidade, poder apresentar uma proposta de regularização ou, ao invés, concluir pela inviabilidade dessa regularização (artigo 15º do DL 227/12). E exige-se-lhes que o façam num prazo de 10 dias, prorrogável se houver motivo atendível.
A colaboração do cliente bancário é de tal modo importante (dificilmente se concebe que a instituição bancária consiga gizar qualquer plano de regularização exequível sem conhecer as disponibilidades financeiras e os encargos do devedor) que a lei considerou a não colaboração daquele como motivo para a extinção do PERSI por iniciativa da instituição bancária (artigo 17º nº 2-d) do DL 227/12). Mais: tal alínea prevê como fundamento de extinção a não colaboração no prazo previsto. O que também se compreende, tendo em conta que o PERSI representa para as instituições bancárias um compasso de espera no exercício dos seus direitos (vd. artigo 18º do DL 227/12).
Assim sendo, cremos que a interpretação dos preceitos legais em causa não obedece a um inarredável favor debitoris, antes deve pautar-se pela ponderação dos interesses em presença que subjaz ao regime consagrado. Ou seja, a não colaboração que justifica a extinção do PERSI por iniciativa da instituição bancária é, não só a total ausência de colaboração, como a colaboração intempestiva (para além do prazo de 10 dias, se não tiver sido requerida e fundamentada uma prorrogação) e, ainda, a colaboração deficiente/insuficiente que impeça a instituição bancária de proceder à avaliação que a lei lhe comete. Dito de outro modo: a não colaboração há-de ter-se por revelante para as finalidades do PERSI.
Em conclusão, entendemos que a omissão de informação sobre os encargos do embargante - e, embora em menor grau, a ausência de cópia da última liquidação do IRS – impediam a apelante de avaliar a capacidade financeira daquele. E, consequentemente, justificava a extinção do PERSI ao abrigo da alínea d) do artigo 17º do DL 227/12.

Entendeu, por outro lado, a sentença que a carta de extinção não respeitava as exigências do nº 3 do artigo 17º do DL 227/12, uma vez que não especificara claramente o motivo que a determinava.
Concordamos.
De acordo com o nº 3 do artigo 17º do DL 227/12, a instituição de crédito deve informar o cliente da extinção do PERSI, “descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”. E que a lei pretende que tais aspectos sejam conhecidos pelo devedor resulta da circunstância de negar eficácia à extinção (à excepção do caso em que a instituição bancária e o devedor chegam a um acordo no âmbito do PERSI) enquanto lhe não for comunicada (artigo 17º nº 4 do DL 227/12).
Com efeito, o cliente bancário deve ter o direito de aferir da regularidade e legalidade de todo o procedimento, em particular quando é demandado judicialmente pela instituição (como sucedeu no presente caso). E, tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal.
Neste conspecto, invocar, simplesmente, o artigo 17º do DL 227/12 – como fez a apelante - é praticamente o mesmo que nada dizer, já que tal preceito cobre todas as situações de extinção do PERSI.
E invocar que o motivo da extinção do PERSI é “falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco” é, em primeiro lugar, deixar o cliente na dúvida. Em primeiro lugar, porque fica sem saber se a sua falta de colaboração se prendeu com a prestação de informações ou com a resposta a propostas apresentadas, sendo certo que se trata de diferentes realidades; em segundo lugar, fica sem saber se a falta de colaboração se prende com omissões ou com atrasos. Sem saber exactamente quais foram as informações que deixou de prestar ou as respostas que deixou de apresentar e, no caso de as ter prestado/apresentado, o atraso com que o fez, o devedor fica, repetimos, sem poder contrariar tais factos e/ou discutir a sua subsunção jurídica.
Não é, aliás, difícil para a instituição bancária comunicar ao cliente esses concretos fundamentos de extinção, uma vez que é suposto existir um processo para cada cliente, com toda a informação relevante (artigo 20º do DL 227/12).
Em consequência, temos por inválida a extinção do PERSI.
E tal acarreta, como se escreveu na sentença, a absolvição dos executados da instância executiva.
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Por todo o exposto, acordamos em julgar a apelação improcedente, ora se mantendo a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 14 de Julho de 2021
Maria da Graça Araújo
José Lúcio
Manuel Bargado