Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES INSTRUÇÃO DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 10/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – Em processo de promoção e protecção o juiz, ouvido o MP, pode declarar encerrada a fase de instrução, ao abrigo do art. 110º da LPCJP, quando entender que estão reunidas as condições para proferir decisão. 2 – Essa possibilidade legal não contraria o princípio do contraditório a que o processo tem que obedecer, o qual impõe que os interessados referidos na lei sejam ouvidos e possam intervir nos autos tal como resulta da regulamentação processual aplicável. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I Nos presentes autos de promoção e protecção, referentes à criança AA, nascida a .../.../2010, filha de BB e CC, foi proferido a 27 de Junho último o seguinte despacho:“Em 19 de maio de 2022 foi aplicada, a título provisório e cautelar, à menor AA, nascida a .../.../2010, a medida de promoção e proteção de confiança a pessoa idónea - a madrinha DD e o seu companheiro EE - prevista no artigo 35/1-c) da Lei 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei 142/2015, de 8 de setembro. Esta medida de promoção e proteção foi aplicada por seis meses, com revisão decorridos três meses. Nesta fase de instrução foram já efetuadas as diligências de prova necessárias. Declaro encerrada a instrução. Na esteira da douta promoção que antecede, e renovando o despacho já proferido em 15 de junho de 2022, a medida de promoção e proteção que se afigura adequada a salvaguardar os interesses de AA é a de confiança a pessoa idónea - a madrinha DD e o seu companheiro EE - prevista no artigo 35/1-c) da Lei 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei 142/2015, de 8 de setembro, devendo ser convertida em definitiva a medida provisória e cautelar já aplicada nos autos. Assim, notifique a progenitora, a madrinha de AA e o companheiro EE para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, remetendo cópia da douta promoção que antecede.” II Contra a decisão supra transcrita insurgiu-se a progenitora, BB, através do presente recurso, em alegações que culminam com as seguintes conclusões: 1ª - O Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando decidiu encerrar a instrução antes da apresentação do contraditório – no prazo legal – apresentado por BB, mãe da menor AA, depois de notificada para o sobredito efeito; contraditório esse decorrente “da nova Promoção” efectuada pelo M.P. onde requerem que a menor AA fosse entregue à confiança dos Srs. DD e Companheiro Sr. EE. Promoção/ Requerimento esse que não coincidia com a Promoção inicial efectuada em 23/02/2022, em que não considerava expressamente que a menor AA fosse entregue à confiança de DD e Companheiro EE. Aliás, até desconsiderava tal hipótese atento a matéria que carreou para os autos. 2.ª- O Tribunal “a quo” ao declarar encerrada a Instrução antes do exercício do contraditório da BB, relativo à “nova Promoção/ Requerimento” no qual promoveu a entrega da menor AA à confiança da Sra. DD e Companheiro EE, violou o estabelecido no n.º 5 do art.º 32º, 13º, n.º 2 do art.º 266º, 2.º e n.º 3 do art.º 18º, todos da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e ainda violou o estabelecido no n.º 3 do art.º 3º, do C.P.C.. Porque assim é, 3.ª- O V. Tribunal da Relação de Évora deverá proferir douto Acórdão, o que se requer, que Revogue a Decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que Declarou encerrada a Instrução antes do exercício do contraditório da Mãe da menor AA, BB, relativamente à “nova Promoção” do M.P. que requerem que a menor AA fosse entregue à confiança da Sra. DD e Companheiro Sr. EE. E decorrentemente, 4.ª- No referido Acórdão deverá ser deliberado que os actos de Instrução deverão continuar tendo em conta e consideração o requerido pela Mãe da menor, BB, em sede de contraditório que apresentou no prazo legal em 07/Julho/2022 e após ter sido notificada para o sobredito efeito.” III Por seu lado, o Ministério Público apresentou contra-alegações defendendo que a decisão recorrida não merece censura e deve ser mantida.Diz o MP o seguinte, em resumo: 1 – Resulta do disposto no art. 110º nº 1 da LPCJP que o juiz decide sobre o encerramento da fase de instrução do processo judicial de promoção e proteção ouvido o Ministério Público. 2 - Não há, neste segmento particular, lugar à audição dos progenitores ou do jovem mas tão-só do Ministério Público. 3 - O contraditório, que está legalmente previsto, ocorre em momento anterior, aquando da prolação do despacho que declara aberta a fase de instrução, como dispõe o art. 107º nº 3 da LPCJP. 4 - Nos presentes autos, o contraditório foi cumprido tempestivamente e exercido pela progenitora, aqui recorrente, como atestam as diversas diligências instrutórias realizadas a seu pedido. 5 - Não tinha, pois, o tribunal a quo que ouvir a recorrente sobre o encerramento, ou não, da instrução, pelo que o despacho recorrido não desrespeitou o princípio do contraditório nem violou as normas legais invocadas pela recorrente. IV Tendo presente que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (cfr. arts. 635º, n.º 3 e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir na presente apelação traduz-se em saber se podia o juiz declarar encerrada a instrução nos presentes autos, ou se essa decisão violou o princípio do contraditório ou qualquer disposição legal ou constitucional. V Os dados necessários a considerar para a decisão constam já do relatório e das alegações que antecedem, nomeadamente do despacho e das conclusões de recurso que foram transcritas. Sublinha-se ainda que, consultados os autos, verifica-se o seguinte: O processo teve o seu início por requerimento do Ministério Público, entrado a 23/02/2022. Por promoção datada de 24/06/2022 o MP promoveu que se declarasse encerrada a instrução, eque a menor AA fosse confiada aos padrinhos (a medida de protecção e protecção de confiança a pessoa idónea junto destes já tinha sido aplicada a título provisório por despacho de 19 de Maio de 2022). Seguidamente, pelo despacho de 27 de Junho de 2022, ora recorrido, o Tribunal declarou encerrada a instrução, consignando que “nesta fase de instrução foram já efetuadas as diligências de prova necessárias”. Por requerimento entrado a 7 de Julho, a progenitora manifestou a sua discordância com a posição do MP, no que respeita ao encerramento da instrução e quanto à medida promovida, indicando ainda algumas diligências de prova. VI APRECIANDO E DECIDINDO:Como se verifica, a recorrente insurge-se contra a decisão de encerramento da instrução, tomada na sequência de promoção do MP, tendo o tribunal entendido que já se havia procedido às diligências necessárias em sede de instrução. O fundamento para a discordância da recorrente é o alegado desrespeito pelo contraditório. Efectivamente, o processo judicial de promoção e protecção, regulado pela Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro, conhecida por Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), consagra expressamente o princípio do contraditório. Essa preocupação de respeito pelo contraditório é manifestada enfaticamente no art. 104º: “1 - A criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto têm direito a requerer diligências e oferecer meios de prova. 2 - No debate judicial podem ser apresentadas alegações escritas e é assegurado o contraditório. 3 - O contraditório quanto aos factos e à medida aplicável é sempre assegurado em todas as fases do processo, designadamente na conferência tendo em vista a obtenção de acordo e no debate judicial, quando se aplicar a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º”. E mais adiante essa preocupação com o princípio do contraditório aflora de novo, no art. 114º, especialmente relevante para a situação em apreço. Diz o art. 114º: “1 - Se não tiver sido possível obter o acordo de promoção e proteção, ou tutelar cível adequado, ou quando estes se mostrem manifestamente improváveis, o juiz notifica o Ministério Público, os pais, o representante legal, quem detiver a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias. 2 - O Ministério Público deve alegar por escrito e apresentar provas sempre que considerar que a medida a aplicar é a prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º 3 - Recebidas as alegações e apresentada a prova, o juiz designa dia para o debate judicial e ordena a notificação das pessoas que devam comparecer. 4 - Com a notificação da data para o debate judicial é dado conhecimento aos pais, ao representante legal ou a quem tenha a guarda de facto das alegações e prova apresentada pelo Ministério Público e a este das restantes alegações e prova apresentada. 5 - Para efeitos do disposto no artigo 62.º não há debate judicial, exceto se estiver em causa: a) A substituição da medida de promoção e proteção aplicada; ou b) A prorrogação da execução de medida de colocação.” Do conteúdo destas normas legais se extrai que o princípio do contraditório percorre toda a regulamentação legal do processo em causa, tanto antes como depois da decisão de encerramento da instrução prevista no art. 110º a que alude a recorrente. Por seu turno, este citado art. 110º, dispondo sobre o final da fase de instrução, estabelece que: “1 - O juiz, ouvido o Ministério Público, declara encerrada a instrução e: a) Decide o arquivamento do processo; b) Designa dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção ou tutelar cível adequado; ou c) Quando se mostre manifestamente improvável uma solução negociada, determina o prosseguimento do processo para realização de debate judicial e ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114.º 2 - Quando a impossibilidade de obtenção de acordo quanto à medida de promoção e proteção resultar de comprovada ausência em parte incerta de ambos os progenitores, ou de um deles, quando o outro manifeste a sua adesão à medida de promoção e proteção, o juiz pode dispensar a realização do debate judicial. 3 - O disposto no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, ao representante legal e ao detentor da guarda de facto da criança ou jovem.” A norma do artigo 110º tem que ser compreendida à luz do disposto no art. 109º, que imediatamente o precede: “A instrução do processo de promoção e de proteção não pode ultrapassar o prazo de quatro meses. “ Compreende-se que assim seja, atenta a característica de urgência atribuída a estes processos no art. 102º da mesma Lei. Ou seja: o processo judicial tem natureza urgente (art. 102º), começa por uma fase de instrução (art. 106º), nesta fase o juiz procede às diligências que a lei considera obrigatórias e também àquelas que considerar necessárias, por iniciativa oficiosa ou por promoção do MP ou por requerimento, nomeadamente da criança, ou dos pais, ou de quem a representar ou tiver à sua guarda (arts. 107º e 108º), mas esta fase não pode ultrapassar o prazo de quatro meses. Termina esta fase de instrução com o despacho a que se refere o art. 110º, proferido após audição do MP, e no qual o juiz determina qual o destino do processo (o arquivamento, ou o prosseguimento nos termos das alíneas b) e c) do artigo citado). Foi o que aconteceu no caso que nos é presente. O processo tinha tido início a 23 de Fevereiro, pelo que os quatro meses previstos para a fase de instrução terminavam a 23 de Junho. O tribunal ouviu o Ministério Público, que se pronunciou pelo encerramento da instrução, e que o processo prosseguisse para aplicação a favor da menor da medida de confiança junto de pessoa idónea que já tinha sido aplicada a título provisório a partir de 19 de Maio. Não se descortina aqui onde se situa a ofensa ao princípio do contraditório. O respeito pelo contraditório não pode confundir-se com a inibição do tribunal para decidir, e a progenitora já tinha tido plena oportunidade de intervir na fase de instrução, contribuindo activamente para a tomada de decisões por parte do julgador. Mas para a decisão concreta em si, de encerramento da instrução, a recorrente não tinha que ser ouvida. A lei impõe apenas a audição do Ministério Público. No caso a decisão foi justificada com a consideração de que “nesta fase de instrução foram já efetuadas as diligências de prova necessárias”. E na realidade há que convir que esta apreciação é exclusivamente da competência do tribunal. Aos interessados referidos na lei é garantido o exercício do contraditório, e também é garantida a possibilidade de requerer diligências e oferecer meios de prova. Mas, obviamente, ao tribunal compete decidir, não estando vinculado ao deferimento automático de tudo o que os interessados apresentem nessas matérias e competindo-lhes nomeadamente a decisão sobre os actos ordenadores dos termos do processo. Diga-se, aliás, que a recorrente não indica nas suas alegações quais as diligências ou meios de prova cuja falta implique conclusão contrária à do tribunal (que não foram efectuadas as diligências de prova necessárias). O certo é que estamos em sede de jurisdição voluntária (cfr. art. 100º da LPCJP) e nesta o tribunal não deve reger-se por critérios de legalidade estrita, cabendo-lhe orientar-se pelos princípios e valores subjacentes ao próprio processo, nomeadamente o superior interesse da criança – o que pode até por vezes implicar a flexibilização e adaptação das formas processuais, adequando-as aos fins que visam servir. Mas no caso presente nem estamos perante situação desse teor, antes se mostrando inteiramente respeitada a tramitação processual prevista na lei, e os princípios que a enformam. Não houve violação do contraditório, nem antes da prolação do despacho recorrido, nem com a prolação deste, e nem sequer com as determinações deste. Se repararmos, o despacho em causa termina ordenando que se “notifique a progenitora, a madrinha de AA e o companheiro EE para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, remetendo cópia da douta promoção que antecede.” Tal determinação, imposta pelo art. 110º, n.º1, al. c) – declarando encerrada a instrução o juiz “quando se mostre manifestamente improvável uma solução negociada, determina o prosseguimento do processo para realização de debate judicial e ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114.º” - tem que ser compreendida em conjugação com o disposto no citado art. 114º, n.º 1 – “o juiz notifica o Ministério Público, os pais, o representante legal, quem detiver a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias.” Por outras palavras: mesmo no prosseguimento do processo tal como foi determinado na decisão de encerramento da instrução continua a ser salvaguardado o direito ao contraditório por parte da requerente, tal como aconteceu na fase que por esse despacho terminou. Em conclusão, julgamos improcedente a apelação em apreço, e acordamos na confirmação da decisão impugnada. * DECISÃOPelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente apelação e em confirmar a decisão recorrida. Custas da fase recursal pela apelante (cfr. art. 527º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. * Évora, 13 de Outubro de 2022 José Lúcio Manuel Bargado Albertina Pedroso |