Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | PERSI CRÉDITO CESSAÇÃO DO CONTRATO PROVA | ||
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Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário:
I - Pressuposto da aplicabilidade do regime do PERSI é a subsistência do contrato de crédito à data da entrada em vigor do DL nº 272/2012, de 25 de Outubro. II - Só a prova da existência da cessação do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e, por consequência, da sua extinção antes de 01.01.2013, pode eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos nos artigos 13º e 15º do citado diploma. III - Tal prova não se considera efetuada se a carta enviada pela credora apenas revela, para um declaratário normal colocado na posição dos devedores/executados, a intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida, mas não de pôr um fim ao contrato de mútuo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO Scalabis - Stc, S.A. instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, contra AA e BB, apresentando como título executivo uma livrança no montante de € 13.738,68, na qual foi aposta a data de vencimento de 18.04.2024, subscrita pelos executados no âmbito de um contrato de crédito ao consumo. Alega, em síntese, que sucedeu na posição contratual estabelecida com os aqui executados por força do contrato celebrado entre o Banco Espírito Santo, S.A./Novo Banco, S.A. e a LX INVESTMENT PARTNERS II, S.A.R.L., tendo esta última cedido o crédito à aqui exequente, sendo que, verificado o incumprimento do contrato por parte dos executados, a livrança dada à execução foi preenchida pelo valor e data acima referidos, do que foi dado conhecimento aos executados. Em 04.11.2024 foi proferido o seguinte despacho: «De acordo com o alegado no requerimento executivo, a livrança dada à execução titula um contrato de crédito ao consumo regulado pelo Decreto-Lei n.º 133/2009 estando a mesma no âmbito das relações imediatas. Assim, antes de mais, ao abrigo do disposto no n.º 4 e sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 726.º do Código de Processo Civil convida-se a exequente a esclarecer se integrou os executados no PERSI e, em caso afirmativo, juntar aos autos cópia da documentação relevante respeitante ao referido processo, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 227/2012». A exequente pronunciou-se nos termos do requerimento de 15.11.2024, dizendo, em síntese, que o crédito em apreço foi incumprido antes da entrada em vigor do regime do PERSI, implementado em 2012, tendo o contrato sido resolvido também em data anterior à da entrada em vigor do DL nº 227/2012, de 25.10. Foi de seguida proferida decisão em cujo dispositivo se consignou: «Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais supra citadas, julgo verificada a supra referida excepção dilatória inominada de preterição de sujeição do devedor ao PERSI e, em consequência, absolvo os Executados AA e BB.» Inconformada, a exequente apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem: « A. O presente recurso é interposto, tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal ad quo, a 20 de Novembro de 2024, a qual, decidiu julgar procedente uma exceção dilatória inominada de falta de demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI- Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, nos termos e para os devidos efeitos legais do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro, tendo, consequentemente, indeferido liminarmente o requerimento executivo. B. Salvo o devido respeito, a Exequente, aqui Apelante, não poderá perfilhar o disposto na douta decisão proferida pelo Tribunal ad quo, por a mesma representar uma interpretação errónea da legislação aplicável aos concretos factos vertidos na presente ação. Vejamos, C. No âmbito da sua atividade bancária, o Banco Espírito Santo, S.A., atual Novo Banco S.A., celebrou um contrato de mútuo sobre a forma de empréstimo bancário, designado por “Crédito ao Consumo BES” com o nº B0399/..., a 28 de Outubro de 2008, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º ... e que atualmente assume o n.º ... com os Executados BB e AA. D. O contrato foi celebrado pelo valor de € 5.724,01 (cinco mil, setecentos e vinte e quatro euros e um cêntimo), sendo que, o pagamento deveria ser efetuado em 84 (oitenta e quatro) prestações mensais e sucessivas. E. Para a garantia do cumprimento das suas obrigações os Executados assinaram uma livrança em branco, estando o Banco mutuante, e a aqui Credora, em virtude das cessões de créditos operadas, autorizado a preenchê-la de acordo com o valor em dívida, o que veio a concretizar-se devido ao facto de os Executados terem deixado de cumprir com as suas obrigações contratuais, ficando em dívida o capital de € 3.786,97 (três mil, setecentos e oitenta e seis euros e noventa e sete cêntimos). F. Os Devedores, ora Executados, entraram em incumprimento, quanto às obrigações contratuais assumidas, em Março de 2012, pelo que, nesse seguimento, o Credor remeteu várias missivas para que os mesmos efetuassem os pagamento devidos, pondo termo à mora- missivas remetidas em 08.03.2012; 16.05.2012; 15.07.2012; 14.08.2012. G. Na missiva de 15.07.2012, o Banco refere que, caso o pagamento do valor em mora não seja efetuado no prazo de 10 dias, o contrato de crédito ao consumo será denunciado. H. Atendendo ao facto de não ter sido efetuado o pagamento do valor que se encontrava em mora, no supra referido prazo de 10 dias, o contrato de crédito ao consumo foi resolvido, tendo, nesse seguimento, o Banco remetido carta de resolução do contrato, em 14.08.2012. I. Face a todo o exposto, se conclui que o contrato de crédito ao consumo celebrado se encontra resolvido por incumprimento, tendo tal resolução ocorrido pelo envio da missiva de 14 de Agosto de 2012. Assim sendo, J. O Decreto- Lei n.º 227/2012, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013- vide artigo 40.º do diploma. K. Ora, no presente caso, tendo em consideração que a mora ocorreu em Março de 2012 e que em Agosto de 2012 o contrato de crédito ao consumo celebrado com os Executados foi resolvido, verifica-se que o regime legal do PERSI não é aqui aplicável. L. O artigo 39.º do diploma, não é aplicável ao presente caso: o PERSI entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013 e o contrato de crédito foi resolvido em 14 de Agosto de 2012, pelo que, naquela data o contrato de crédito já não permanecia em vigor já se encontrando vencida a dívida - não se verificando já, por isso, a situação de mora ou incumprimento aquando da entrada em vigor do PERSI, nem há mais de trinta dias anteriores, legalmente exigível para a aplicação do diploma. M. Assim sendo, não deveria ter sido indeferida liminarmente a presente execução, visto não se encontrar concretizada a exceção dilatória inominada, de não integração do contrato de crédito ao consumo em PERSI, por não ser aplicável o referido o diploma legal, pelo que, devem as presentes Alegações de Recurso ser julgadas procedentes, e, em consequência, revogar-se e substituir-se a douta Sentença, por forma a que os presentes autos sigam os seus ulteriores termos, mormente com a citação dos Executados para pagarem ou se oporem à presente execução.» Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se é aplicável à presente execução o regime do PERSI, constante do DL nº 227/2012, de 25.10. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos a considerar para o julgamento do recurso são os que constam do relatório, a que acrescem os seguintes: 1 – A primeira cessão de créditos (do BES/Novo Banco, S.A. para a sociedade LX Investment Partners II, S.À.R.L) ocorreu em 22.12.2018 e a segunda cessão de créditos (desta última para a sociedade exequente) em 03.04.2020. 2 – O BES enviou a cada um dos executados, em 16.05.2012, uma carta do seguinte teor: «ASSUNTO: REGULARIZAÇÃO DO CONTRATO Nº ... PROCESSO Nº ... Exmo(a) Senhor(a), Não obstante as diligências por nós já efectuadas, ainda se encontra por regularizar o valor em dívida do contrato em epígrafe, no total de 436,78 €, no qual se incluem juros de mora/penalizações. Informamos que nesta data o processo transitou para a gestão do Núcleo de Recuperação Externa, pelo que solicitamos que, com urgência contacte os nossos serviços através do telefone ... por forma a com o Recuperador a quem a dívida está afecta, proceder à regularização da mesma. Se até à data de 26/05/2012 se mantiver o incumprimento, enviaremos o processo para o nosso departamento de Contencioso, tomando-se as medidas julgadas adequadas à defesa dos legítimos interesses da Instituição Credora. Se a recepção desta carta ocorrer após ter efectuado a regularização em causa, agradecemos que a considere sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.» 3 – O BES enviou nova carta a cada um dos executados, em 15.07.2012, com o seguinte conteúdo: «ASSUNTO: REGULARIZAÇÃO DO CONTRATO N.º ... PROCESSO N.º ... Exmo(a) Senhor(a), Vimos por este meio comunicar que o processo de CI - Crédito Individual de que é Titular, se encontra já em fase de Contencioso. Não obstantes os vários contactos anteriormente efectuados pelos nossos serviços, verificamos que a situação de incumprimento não foi ainda regularizada. Deste modo, e a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efectuado o pagamento do valor em mora de 661,16 €, o contrato acima referido será denunciado. Assim, a partir desta data, será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, acrescido dos juros vencidos e das despesas extrajudiciais incorridas. Informamos ainda que, caso não seja pago o montante em dívida no prazo acima indicado, se procederá ao Preenchimento da Livrança e/ou proceder-se-á à execução da hipoteca/garantia (consoante a garantia associada ao contrato), não nos restando outra alternativa que não seja a do recurso à via judicial, para cobrança coerciva do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo acima mencionado. Esta situação foi já, no âmbito das normas em vigor, comunicada ao Banco de Portugal, implicando o consequente registo e acesso por parte das restantes Instituições Financeiras a esta informação com as consequências futuras para V. Exa. Numa última tentativa de resolução consensual deste assunto, antes do seu envio para Tribunal, estamos igualmente a instar os restantes intervenientes no contrato (Titulares, Fiadores e Avalistas). Se a recepção desta carta ocorrer após ter efectuado a regularização em causa, agradecemos que a considere sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.» 4 - O mesmo BES, em 14.08.2012, enviou a cada um dos executados uma carta do seguinte teor: «ASSUNTO: REGULARIZAÇÃO DO CONTRATO Nº ... PROCESSO Nº ... Exmo(a) Senhor(a), Vimos por este meio comunicar que o processo de CI - Crédito Individual de que é Titular se encontra já em fase de Contencioso. Com efeito e não obstante as tentativas feitas pela E. S. RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar- se. Pelo exposto não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso. Mais informamos que estamos, igualmente, a notificar o(s) restante(s) interveniente(s ) deste contrato. Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos». O DIREITO Da (in)aplicabilidade do regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25.10 à presente execução O DL nº 227/2012, de 25.10, como é salientado no respetivo preâmbulo, visa «promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários», tendo instituído, nomeadamente, «um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor». Para cumprimento deste desígnio, o mencionado diploma não só torna obrigatória a integração do cliente bancário no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento1, quando verificados os seus pressupostos (cfr., em especial, arts. 12º a 16º), como determina que incumbe às instituições bancárias desencadear oficiosamente junto do cliente bancário tal procedimento. No caso em apreço, não sofre a mínima contestação que o contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução é um daqueles a que se aplica o DL 227/2012 [art. 2º, nº 1, al. c)] e que o credor não promoveu as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente aos executados. Perante este circunstancialismo, e atento o disposto nos artigos 39º, nº 1 e 40º, do DL 227/2012, o tribunal a quo considerou que, não obstante o incumprimento do contrato de crédito por parte dos executados ser anterior à entrada em vigor daquele diploma, o mesmo ainda permanecia em vigor nessa data, pelo que, tal legislação se lhe aplicava, donde faltar uma condição de procedibilidade da execução, com o consequente indeferimento liminar. Por sua vez, a recorrente - não pondo em causa a natureza dessa condição de procedibilidade, nem as consequências da sua falta, nem a circunstância de, no caso, ela não se verificar - sustenta é que não há lugar à aplicação do PERSI, uma vez que o respetivo regime entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013 e, no caso, «o contrato de crédito ao consumo celebrado se encontra resolvido por incumprimento, tendo tal resolução ocorrido pelo envio da missiva de 14 de Agosto de 2012», sendo que amora ocorreu em Março de 2012. Está, pois, em causa a aplicabilidade do diploma que instituiu o regime do PERSI no tempo. Este diploma entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013 (art. 40º), estipulando, no artigo 39º, que «são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias» (nº 1); sendo que, nestas situações, «a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º» (nº 2). Do citado art. 39º, nº 1, resulta que: (i) os devedores de quantias devidas por força de contratos de crédito que, na data de entrada em vigor deste diploma, já tivessem sido revogados ou denunciados, não necessitam de ser integrados no PERSI; (ii) se tais devedores estivessem em mora há mais de trinta dias a contar daquela data, em contrato ainda operantes, teriam que ser integrados nesses procedimentos. É assim essencial, para a aplicação do DL 227/2012 a devedores que não tenham cumprido obrigações decorrentes de crédito cujo vencimento tenha ocorrido há mais de 30 dias a contar da entrada em vigor daquele diploma, que, nessa data, o contrato esteja em vigor, nomeadamente por não ter sido validamente resolvido - ou seja, não se verificando a aludida resolução, aplica-se de pleno o regime legal em referência. Este entendimento mostra-se consolidado na jurisprudência, que de forma reiterada vem afirmando a essencialidade da resolução anterior como fundamento para a não aplicação do regime legal introduzido pelo DL 227/2012. Assim decidiram entre muitos, os seguintes arestos (todos acessíveis in www.dgsi.pt): - Ac. STJ de 19.02.2019 (proc. nº 144/13.9TCFUN-A.L1.S1) em cujo sumário se consignou: «I - A exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respetivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento.» - Ac. TRE de 24.02.2022 (proc. nº 949/14.3TBSSB-E.E1) em cujo sumário se pode ler: «I. A aplicação do regime de regularização de situações de incumprimento (PERSI) implementado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, aos casos de mora iniciados antes da entrada em vigor deste diploma, tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato permaneça em vigor, o que não ocorre se àquela data o contrato já tiver sido objecto de resolução com fundamento no incumprimento.» - Ac. TRE de 30.03.2023 (proc. nº 16166/21.3YIPRT.E1) com o seguinte sumário: «1 – A aplicação do regime legal introduzido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, aos casos de mora iniciados antes do início da vigência deste diploma tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato invocado permaneça em vigor nessa data (cfr. art. 39º, n.º 1). 2 – Não tendo o banco autor demonstrado que havia procedido à resolução das relações contratuais com o réu em momento anterior à entrada em vigor do regime legal referido, é forçoso concluir pela aplicabilidade do normativo em causa a essas situações de incumprimento. 3 – Consequentemente, não tendo o réu sido integrado em PERSI antes da instauração da acção judicial destinada à cobrança do crédito, verifica-se a excepção dilatória de falta dessa condição objectiva de procedibilidade, prevista no artigo 18° n.° 1, al. b) do DL n.° 227/2012, de 25 de Outubro, o que determina a sua absolvição da instância.»; - AC. TRE de 11.01.2024 (proc. nº 2644/22.0T8ENT.E1), em cujo sumário se pode ler: «I. Pressuposto da aplicabilidade do regime do PERSI é a subsistência do contrato de crédito à data da entrada em vigor do D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro. II. Só a prova da existência da cessação do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma.» - Ac. TRL de 09.04.2024 (proc. nº 8328/23.5T8LRS.L1-7) em cujo sumário se consignou: «I – A aplicação do regime legal introduzido pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, aos casos de mora iniciados antes do início da vigência deste diploma tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato permaneça em vigor nessa data. II – Não tendo sido demonstrado que o credor havia procedido à resolução do contrato de crédito em momento anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, é forçoso concluir pela aplicabilidade deste diploma a tal contrato.» - Ac. TRG de 18.01.2024 (proc. nº 657/13.2TBVVD-E.G1) com o seguinte sumário: «1- A obrigação de integração dos devedores no PERSI, imposta pelo DL 227/2012 às entidades bancárias (ou as que lhe sucedam), aplica-se a contratos ainda não resolvidos à data da entrada em vigor deste diploma (1 de janeiro de 2013), desde que se verifique a falta de pagamento de obrigações decorrentes dos contratos de crédito por ele abrangidos, nos termos do artigo 39º e 40º deste diploma. 2- Assim, a exceção dilatória inominada decorrente da preterição da integração dos devedores bancários em PERSI opera nos casos em que tenha sido efetuada a notificação admonitória aos faltosos em data anterior à data da entrada em vigor do DL 227/2012, desde que nessa data ainda não tivesse sido efetuada a notificação de declaração de resolução do contrato.» Como vimos, a recorrente defende que o contrato de crédito em referência se encontra resolvido por incumprimento, tendo tal resolução ocorrido pelo envio da missiva de 14 de Agosto de 2012. Consta da mesma, acima transcrita, o seguinte: «Vimos por este meio comunicar que o processo de CI - Crédito Individual de que é Titular se encontra já em fase de Contencioso. Com efeito e não obstante as tentativas feitas pela E. S. RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar- se. Pelo exposto não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso.» A resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato2. A resolução, como se retira do artigo 432º e ss. do Código Civil, pode fundar-se em convenção das partes ou na lei. É uma faculdade de pôr termo ao contrato por justa causa, que é potestativa, mas não discricionária3. A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado (e não discricionário), no sentido de que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (art. 432º, n.º 1). Assim, se ocorrer esse fundamento, o contrato pode ser resolvido. Se não ocorrer, a sua resolução não é permitida (cfr. art. 406º, n.º 1)4. In casu, face ao incumprimento do contrato por parte dos executados, ocorria fundamento válido para a sua resolução, a qual se exerce, como resulta do artigo 436º do Código Civil, «mediante declaração à outra parte». Como refere Joana Farrajota5, «em resultado do carácter vinculado do exercício do direito de resolução, a declaração de resolução deve ser precisa quanto aos seus fundamentos, não bastando uma mera referência a uma situação de incumprimento. Com efeito, só desta forma será possível apreciar da respectiva validade. A resolução opera por meio de uma declaração receptícia que, nos termos do artigo 224.º do CC, só produz efeitos quando chega ao destinatário ou deste é conhecida. Ao declarar que resolve o contrato o declarante não está pois (apenas) a descrever uma acção, mas a fazê-la, isto é, a resolver o contrato. Trata-se de um enunciado performativo, elemento constitutivo da resolução”. Considerando o teor da mencionada carta de 14.08.2012, pela qual a apelante sustenta que foi efetuada a declaração de resolução, não há dúvidas de que está em causa o incumprimento do contrato. Porém, não é a afirmação constante da carta de que «não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso» que constitui causa de extinção do contrato, maxime, por resolução (art. 432º do Cód. Civil). Um declaratário normal, colocado na posição dos reais declaratários, aqui executados (cfr. art. 236º, nº 1 do Cód. Civil), não entenderia, nem interpretaria, seguramente, o teor daquela carta como uma declaração de resolução do contrato de crédito em causa, se persistisse no incumprimento, nem tal interpretação encontra, sequer, correspondência no texto da carta. Em suma, a declaração inserta na aludida carta de 14.08.2012 consubstancia uma mera intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida, mas não de fazer cessar o contrato de mútuo. O que significa que, não estando provado que o credor efetuou a resolução, o contrato em causa ainda estava vigente aquando da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25/10, logo, sujeito ao PERSI (cfr. art. 39º, nºs 1 e 2 daquele diploma), com a consequente obrigatoriedade do respetivo cumprimento, o que não ocorreu. Assim, não tendo havido integração dos mutuários, ora executados, em PERSI, falta a condição objetiva de procedibilidade prevista no artigo 18º, nº 1, al. b), daquele diploma, o que constitui exceção dilatória atípica ou inominada, de conhecimento oficioso, que determina o indeferimento liminar do requerimento executivo - e não a “absolvição” dos executados, como por lapso se escreveu no dispositivo da decisão recorrida) -, com a extinção da instância executiva Por conseguinte, o recurso improcede, sendo de manter a decisão recorrida. Vencida no recurso, suportará a exequente/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida, com o alcance de indeferimento liminar do requerimento executivo. Custas pela recorrente. * Évora, 9 de abril de 2025 Manuel Bargado (Relator) Filipe Aveiro Marques António Fernando Marques da Silva (documento com assinaturas eletrónicas)
_________________________________ 1. Doravante abreviadamente designado PERSI.↩︎ 2. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., p. 275.↩︎ 3. OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. IV, p. 319.↩︎ 4. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 99.↩︎ 5. In Os Efeitos da Resolução Infundada por Incumprimento do Contrato, p. 31, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/18555/1/Farrajota_2013.pdf.↩︎ |