Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA NOTIFICAÇÃO SERVIDÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/03/2011 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Área Temática: | PROCEDIMENTO CAUTELAR | ||
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Sumário: | 1 – Improcede o pedido de ratificação judicial do embargo de obra nova efectuado extrajudicialmente se o requerente procedeu à notificação a que alude o art. 412º, n.º 2, do CPC na pessoa de um operário que estava a realizar a obra e não alega e prova que não lhe foi possível ao tempo fazer tal notificação ao próprio dono da obra. 2 – Não se pode considerar validamente efectuada a notificação prevista no art. 412º, n.º 2, do CPC se a matéria fáctica apurada revela que a mesma foi feita, em português, apenas a um operário estrangeiro que não domina a língua portuguesa. 3 – Provando-se tão somente que os requeridos estavam a instalar um portão na entrada da sua propriedade tal facto não representa mais do que o normal exercício do seu direito de propriedade; para concluir que daí resulta ofensa ou ameaça de ofensa a uma servidão de passagem que onera o caminho que utiliza essa entrada seria preciso apurar factos concretos de onde resulte o propósito de obstruir a passagem também aos beneficiários dessa servidão, e não apenas o de vedar o prédio a estranhos. 4 – No pedido de ratificação judicial de um embargo de obra nova feito extrajudicialmente o que está em causa é a confirmação ou não confirmação pelo tribunal de um acto já praticado pelo interessado, pelo que o julgador se limita a verificar se estão reunidos os pressupostos legais necessários a tal confirmação. Não tem por isso aplicação o disposto no art. 392º, n.º 3, do CPC, que estabelece em matéria de providências cautelares que “o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida”, visto que o requerente não se apresenta a pedir uma providência mas sim a homologação daquela que já tomou. Sumário do relator | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. Relatório: Nos presentes autos de providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova que M…, divorciada, move contra M…, viúva, e José A…, divorciado, pediu a requerente a ratificação judicial do embargo de obra nova que levou a cabo no dia 24 de Maio de 2011, na presença de duas testemunhas, à obra realizada pelo requerido de construção de um pilar no caminho que dá acesso à habitação onde a requerente reside, destinando-se esse pilar para colocação de um portão por forma a obstruir a passagem à requerente pois o requerido pretende que a mesma saia da casa. A requerente indicou testemunhas e juntou documentos. Citados, os requeridos alegaram, além do mais, que a requerente não é proprietária nem possuidora do prédio em causa, já que este foi construído num terreno do avô do requerido e a expensas do avô, sendo que a requerente na sentença que decretou o divórcio entre ela e o requerido declarou não existirem bens comuns a partilhar e obrigou-se a desocupar o prédio até 31.12.2003 e apesar de instada para o efeito ainda não saiu do prédio, encontrando-se este registado a favor dos requeridos, pelo que a requerente não tem direito a ocupar o prédio, além de que neste existia antes um portão que foi destruído e o requerido pretende repô-lo para evitar a devassa do prédio por animais e pessoas estranhas. Mais alega que o embargo efectuado não observou os requisitos legais na medida em que o trabalhador a quem foi transmitida a ordem é ucraniano e não domina a língua portuguesa e por isso não entendeu o que lhe foi dito, sendo que o requerido se encontrava no local e nada lhe foi transmitido pela requerente. Concluem pugnando pela improcedência dos embargos. Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido e, em conformidade, não ratificado o embargo da obra levado a cabo pela requerente em 24.05.2011. Inconformada com esta decisão, a requerente interpôs o presente recurso, exarando as seguintes conclusões: 1. Resulta indiciariamente assente da factualidade apurada que a recorrente é legítima possuidora do prédio composto de uma moradia sita em Aldeia Nova, constituída por 3 quartos, 1 sala comum, 1 cozinha e 2 quartos de banho, hall, sótão e quintal e do acesso ao mesmo que o recorrido pretende interromper. 2. Não corresponde assim à verdade que a requerente não tenha logrado provar ser proprietária da casa em que habita, nem sequer possuidora ou detentora da mesma. 3. De facto, a requerente, no decurso de mais de trinta anos em que habita o prédio urbano em causa tem exercido sobre ele, e caminho de acesso respectivo (o único existente), todos os poderes de facto como se da sua proprietária se tratasse 4. “I – O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da acção que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante. No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade. II – O “prejuízo” a que se refere o artigo 412º nº 1 não tem o mesmo sentido da “lesão grave e dificilmente reparável” que constitui fundamento dos procedimentos cautelares não especificados (art. 381º nº 1 do C.P.C.). Basta a ilicitude do facto, basta que esta ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa”. (Ac. RE de 9.12.2009 in www.dgsi.pt) 5. A obra iniciada pelos recorridos ameaça causar prejuízo à recorrente. 6. Pelo que estão verificados os requisitos de que a lei faz depender o decretamento do embargo de obra nova (vd. artº 412º do CPC). 7. Ao decidir de modo diverso violou o tribunal “a quo” o acima referido ditame legal. 8. Tudo razões para ser revogada a decisão em crise e substituída por outra que ratifique o embargo extrajudicial promovido pela recorrente. 9. De todo o modo, e sem conceder, sempre estariam verificados, “in casu”os requisitos para o tribunal recorrido decretar a providência prevista no artigo 395º do C.P.C. 10. De facto, dispõe o artigo 392º nº 3 do C.P.C. : “O tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, sendo aplicável à cumulação de providências cautelares a que cabem formas de procedimento diversas o preceituado nos números 2 e 3 do artigo 31º”. 11. Assim face à factualidade indiciariamente assente podia e devia o tribunal “a quo”, caso entendesse, como entendeu, não estarem verificados os requisitos da providência requerida (embargo de obra nova), ter decretado a providência adequada à salvaguarda dos legítimos interesses e direitos da requerente, nomeadamente a restituição provisória de posse do caminho de acesso ao prédio por si construído e onde vive há mais de trinta anos. 12. A recorrente usou o caminho referido na factualidade assente, durante mais de trinta (30) anos, para aceder ao prédio onde durante esse período de tempo viveu ininterruptamente até à presente data e que foi por si construído. 13. Ao contrário do que se decidiu, a recorrente exerceu, em nome próprio, o corpus possessório relativo ao direito real de passagem pelo prédio da titularidade dos recorridos. 14. Verificado o mencionado elemento corpus possessório, por virtude de presunção não ilidida, impõe-se a conclusão de que exerceu a referida operação de passagem pelo prédio dos recorridos com intenção de exercer o direito real de servidão de passagem (artº 1268º nº 1 do Código Civil). 15. Assim, a construção do pilar e subsequente “colocação de um portão em ferro com fechadura e chave” afecta, ou ameaça afectar, o direito subjectivo de posse da titularidade da recorrente e, consequentemente, à luz do disposto no artigo 1277º do Código Civil, deve proceder a pretensão da recorrente ver embargada a obra que colide com tal posse ou, de todo o modo, deve o tribunal ordenar a não perturbação pelos recorridos de tal posse, abstendo-se os mesmos de qualquer acto que ponha em causa a utilização pela recorrente do caminho de acesso à sua casa de habitação. 16. O artigo 395º do CPC “veio permitir a defesa da posse mediante procedimento cautelar comum quer nos casos em que o esbulho não foi violento, quer quando houve mera turbação da posse:” 17. Ao não decidir como supra se refere violou o tribunal “a quo” o disposto no artigo 1268º do CC e artigos 392º nº 3 e 395º do CPC. 18. Pelo que a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que ordene a não perturbação pelos recorridos da posse que a recorrente vem exercendo sobre o caminho de acesso à casa onde habita há mais de trinta anos. Os recorridos não responderam. O recurso foi admitido, correctamente, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls. 166). Estabelece o art. 705º do CPC que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.” Ficaram assim previstas pelo legislador situações em que não se justifica a intervenção da conferência, atenta a simplicidade da questão a decidir, nomeadamente por essa questão já estar suficientemente esclarecida pela jurisprudência existente ou por o que vem pedido no recurso se apresentar manifestamente infundado. Este conceito de manifestamente infundado deve aproximar-se do previsto no art. 234ºA, n.º 1, do CPC, ao prever a possibilidade de indeferimento liminar, quando este fala em pedido manifestamente improcedente. Por outras palavras: a lei processual pretende que nas situações em que surja como claro e pacífico que o recurso não pode proceder seja isso dito pelo relator em decisão sumária, sem as delongas que implicaria a intervenção do colectivo no tribunal superior. Afigura-se que é essa a situação do presente recurso, atentos os factos e argumentos de direito apresentados pela recorrente e vista a matéria de facto fixada na primeira instância (que não vem questionada). Entendemos que o recurso se mostra manifestamente improcedente, que é evidente que não pode proceder o que nele está pedido, vistas as normas legais aplicáveis e consideradas as posições jurisprudenciais conhecidas. Assim passaremos a demonstrar, apreciando e decidindo como se segue. 2. Objecto do recurso. O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artºs. 684º, nº3 e 685º-A, nº1, ambos do Código de Processo Civil. Considerando as conclusões da recorrente, importa decidir: - se estão reunidos os pressupostos legais para a ratificação judicial do embargo de obra nova efectuado pela requerente; - se, sendo desatendido esse pedido, pode o tribunal decidir pela aplicação de outra providência adequada ao caso. 3. Fundamentação. 3.1 Dos factos. A decisão recorrida considerou indiciariamente provados os seguintes factos (que não estão postos em causa, visto que a recorrente coloca apenas questões de direito): 1 – A requerente e o requerido J… foram casados desde 31.08.1974 e encontram-se divorciados por sentença de 14.12.2001, transitada na mesma data. 2- Durante a constância do casamento a requerente e requerido construíram a expensas de ambos e com o fruto dos seus trabalhos, ela professora e ele funcionário público, uma moradia sita em Aldeia Nova, constituída por 3 quartos, 1 sala comum, 1 cozinha, 1 despensa e 2 quartos de banho, hall, sótão e quintal. 3 – A moradia referida em 2 foi edificada numa parte do prédio misto situado em Aldeia Nova, com a área total de 7590 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo 10, secção E e inscrito na matriz urbana sob os artigos… e … e constituído por pomar de pereiras e dois edifícios térreos, um destinado a armazém com a superfície coberta de 1.014m2 e descoberta de 296 e outro edifico destinado a habitação com a superfície coberta de 167,14m2 e descoberta de 292,86m2. Parte urbana: 1770m2. Norte: J…; Sul: Estrada Nacional 125; Nascente M…; e Poente: Herdeiros de A…, registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº... 4 - O prédio referido em 2 foi construído na década de 70, entre 1974 e 1977 e habitado desde então ininterruptamente pela requerente. 5 - É nesse prédio que a requerente continuou a viver com os filhos depois do divórcio e actualmente vive no prédio com o filho V…, estudante, nele fazem as refeições, dorme e recebem os familiares. 6 - O Requerido pretende que a requerente desocupe o prédio. 7 - O prédio referido em 2 está implantado no prédio referido em 3 que constitui um terreno amplo junto a outros prédios e nomeadamente junto ao prédio onde actualmente os requeridos residem e onde existe um armazém, antiga vacaria. 8 - O armazém é utilizado pelo requerido. 9 - A entrada para o armazém e para a casa onde a requerente reside é a mesma e é constituída por um caminho situado no terreno referido em 7. 10 - Nessa entrada não existe há mais de 6 anos nenhum portão colocado. 11 - Essa entrada constitui o único acesso para a requerente aceder à casa. 12 - No dia 24 de Maio de 2011, cerca das 7h15m, a requerente apercebeu-se que estavam a construir um pilar na entrada do dito caminho que constitui o acesso à casa onde a requerente reside. 13 - O pilar destina-se à colocação de um portão em ferro com fechadura e chave. 14- No dia 24.05.2011, cerca das 7h30m, a requerente, acompanhada por M… e E…, comunicaram de viva voz ao operário de origem estrangeira, e que desenvolve alguns trabalhos para o requerido, e que se encontrava no local a efectuar os trabalhos referidos em 12, que a obra se encontrava embargada e que deveria transmitir aos requeridos e donos da obra. 15 - O projecto de construção da moradia referida em 2 deu entrada na Câmara Municipal de VRSA em 27.04.1974 em nome do avô do requerido. 16 - A aquisição do prédio referido em 3 encontra-se registada a favor dos requeridos por dissolução da comunhão conjugal e sucessão de A…, pela ap. 6 de 2004/05/24. 17 - A requerida paga o IMI referente ao prédio referido em 3. 18 - Na sentença que decretou o divórcio entre requerente e requerido estes declararam não existirem bens comuns a partilhar e que “a casa de morada de família, que se encontra implantada num prédio rústico propriedade do cônjuge marido e de sua mãe, fica a ser utilizada pelo cônjuge mulher até Dezembro de 2003, comprometendo-se o cônjuge marido a não reivindicar tal casa até à referida data”. 19 - Depois de Dezembro de 2003, o requerido já instou a requerente para sair da casa. 20 - A requerente é professora aposentada e aufere a pensão mensal de 2457,99€. 21- Existiu um portão de ferro com dois pilares na entrada referida em 9. 22 - Com o decorrer dos anos o portão danificou-se e um dos pilares foi destruído por um camião. 23 - Na propriedade em causa entram indivíduos de etnia cigana que devassam a propriedade. 24 - No dia referido em 14 a requerente não se identificou perante o trabalhador aí referido. 25 - O trabalhador referido em 14 é de nacionalidade ucraniana e não domina a língua portuguesa. 26 - No dia referido em 14 a requerente viu o requerido nas proximidades do local onde estava a ser levada a cabo a obra e nada lhe comunicou. 3.2. Do direito. 3.2.1. Dispõe o art.º 381.º, n.º 1 do C.P.C. que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Especificamente quanto aos fundamentos do embargo rege ainda o disposto no art.º 412.º, n.º 1 do CPC que determina que “aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer (...) que a obra, trabalho ou serviço, seja mandado suspender imediatamente”. Dispõe ainda o art.º 412.º, n.º 2 do CPC que “o interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar”, desde que requeira, no prazo de cinco dias, a ratificação judicial (cfr. art.º 412.º, n.º 3 do citado diploma). Explicando o conteúdo desta norma, diz Alberto dos Reis –in Cód. Proc. Civil – Anot., Vol. II, 3ª ed., C. Editora, pág. 76 -, que o embargo extrajudicial de obra nova se faz dirigindo-se o titular do direito ofendido ao local da obra e aí notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono dela, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar. E após advertir que a expressão “notificando” está empregada no sentido de aviso extrajudicial - consubstanciado numa declaração de vontade, destinada a produzir efeitos judiciais, mediante a qual o embargante faz saber que embarga a obra -, acrescenta o mesmo Mestre: “A declaração de vontade não pode ser dirigida a qualquer operário ou pessoa que se encontre no local; a lei estabelece uma hierarquia de destinatários: 1º - O dono da obra; 2º - Na sua falta, isto é, se não estiver na obra, o encarregado; 3º - Se este também não estiver presente, a pessoa que o substituir.” E remata a sua exposição: “Há que observar cuidadosamente esta hierarquia.” Temos, pois, que a pessoa a intimar no sentido da suspensão da obra é o dono desta, a pessoa que a faz ou manda fazer. Só na falta deste é lícito, dada a urgência, efectuar a notificação na pessoa das pessoas incluídas nas categorias seguintes. Não se trata de uma escolha facultada pela lei ao embargante: trata-se de uma sequência imperativa, que ele está obrigado a respeitar. Assim sendo, perfila-se desde logo a questão da verificação dos requisitos do embargo extrajudicial realizado. Na verdade, a ratificação judicial do embargo de obra nova depende antes do mais de requisitos formais; a preterição das formalidades legais na realização do embargo extrajudicial implica a improcedência do pedido de ratificação, pois não poderá o tribunal cobrir com a sua autoridade um acto particular ferido de invalidade por desrespeito pelas normas legais que o regulamentam. Ora consta do ponto 14 da matéria de facto apurada que: “No dia 24.05.2011, cerca das 7h30m, a requerente, acompanhada por M… e E…, comunicaram de viva voz ao operário de origem estrangeira, e que desenvolve alguns trabalhos para o requerido, e que se encontrava no local a efectuar os trabalhos referidos em 12, que a obra se encontrava embargada e que deveria transmitir aos requeridos e donos da obra.” E acrescenta-se no ponto 26 que: “No dia referido em 14 a requerente viu o requerido nas proximidades do local onde estava a ser levada a cabo a obra e nada lhe comunicou.” Em relação a esta factualidade, esclarece-se ainda na fundamentação da matéria de facto que: “As testemunhas M… e M… descreveram o embargo e que este foi comunicado ao trabalhador de origem estrangeira e que este se limitou a responder que “isso é com o Sr. José”, referindo-se ao requerido o qual se encontrava nas imediações, que as testemunhas o viram mas que a requerente não se dirigiu ao mesmo.” Perante este quadro, não oferece dúvidas a conclusão de que a embargante não cumpriu as imposições legais a que estava adstrita, pois decidiu-se a efectuar o embargo na pessoa do operário que estava a realizar a obra ao serviço dos requeridos numa situação em que podia e devia ter feito a comunicação ao próprio requerido (este vive numa outra habitação sita dentro do mesmo prédio misto onde os factos ocorreram, e até se encontrava nas imediações quando da realização do embargo, e a requerente viu-o e nada lhe comunicou). E o certo é que a embargante não explica ou justifica de modo algum, no seu requerimento, a razão porque optou por transmitir a sua determinação de embargo ao referido trabalhador e não ao requerido, dono da obra, como a lei impunha. Veja-se o que a este respeito ficou escrito no Acórdão desta Relação de Évora de 09-12-2009, no Proc. n.º 602/09.0TBBJA.E1 (in www.dgsi.pt): “Com efeito, conforme resulta do nº 2 do art° 412° do CPC, no embargo extrajudicial o interessado notifica verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para não a continuar. A notificação em apreço e a imposição legal da sua realização perante duas testemunhas (pois trata-se de uma comunicação verbal) constituem formalidades do embargo cuja não verificação obsta à procedência do pedido de ratificação. Ora, optando pelo embargo extrajudicial, em que o pedido formulado é o da sua ratificação, deve o requerente alegar no requerimento inicial (que equivale ao requerimento dirigido ao juiz no embargo judicial), não só os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, como os que constituem a realização do embargo extrajudicial nos termos legais, isto é, o dia em que foi efectuado, a indicação da pessoa a quem foi feita a notificação, com a observância da hierarquia legal, e a indicação da presença das duas testemunhas e respectiva identificação. Assim, não sendo a notificação efectuada na pessoa do dono da obra, cabe ao requerente alegar no requerimento inicial a razão porque o não foi. Conforme se decidiu no acórdão desta Relação de 14/07/2004 "Se a notificação for feita na pessoa do encarregado da obra, ou de quem o substitua, deve ser alegado que o dono da obra não estava presente" (Proc. n° 1040/04-3 in www.dgsi.pt).” Em conclusão, e ainda que outra razão não exista, temos como certo que a intimação efectuada pela requerente não obedeceu às formalidades legais, desrespeitando a exigência expressa no citado nº 2 do art.º 412º, o que implica, portanto, a invalidade do embargo efectuado e o consequente indeferimento do respectivo pedido de ratificação. Aliás, em face da matéria fáctica fixada, subsistem mesmo dúvidas sobre se terá havido realmente a comunicação exigida na lei (esta refere que o embargo consiste em que “a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”, e que a notificação efectuada extrajudicialmente traduz-se em transmitir ao responsável pela obra a ordem “para a não continuar”). Porém, entre os factos provados temos apenas que “No dia 24.05.2011, cerca das 7h30m, a requerente, acompanhada por M… e E…, comunicaram de viva voz ao operário de origem estrangeira, e que desenvolve alguns trabalhos para o requerido, e que se encontrava no local a efectuar os trabalhos referidos em 12, que a obra se encontrava embargada e que deveria transmitir aos requeridos e donos da obra” (ponto 14), e a seguir, no ponto 25, que “O trabalhador referido em 14 é de nacionalidade ucraniana e não domina a língua portuguesa.” Sendo a notificação um acto destinado a dar conhecimento ao notificando de algo que se lhe pretende transmitir, torna-se difícil aceitar, perante esta factualidade, que estamos perante um embargo extrajudicial onde se encontra satisfeito esse pressuposto básico. Não constando dos factos provados que a embargante se dirigiu ao operário em questão noutra língua que não o português, e dando-se como provado que este não domina a língua portuguesa, não se vê como pode considerar-se válida e eficaz a notificação em causa. Muito menos em relação aos requeridos, a quem seria suposto que o dito ucraniano transmitisse a mensagem. Em resumo: por preterição das formalidades legais necessárias, tendo em, conta o n.º 2 do art. 412º do CPC, apresenta-se como inválido o acto de embargo extrajudicial praticado pela requerente e em consequência é improcedente o pedido da sua ratificação judicial. 3.2.2. Acrescenta-se ainda que a ratificação, para além dos requisitos formais já aludidos, depende da verificação dos requisitos substantivos que são pressuposto do próprio embargo judicial. Como decorre do disposto no art. 412º, n.º 1, do CPC, é necessário que o embargante alegue a titularidade de um direito (de propriedade, singular ou comum, ou outro direito pessoal ou real de gozo ou da sua posse); que se considere ofendido nesse direito em virtude de obra, trabalho ou serviço novo; que alegue a ilicitude do acto violador da propriedade, posse ou fruição; e a existência em virtude do mesmo de um prejuízo ou de uma ameaça de prejuízo para o direito invocado. Afigura-se que os requisitos elencados não se verificam “in casu”, mesmo considerando a matéria fáctica à luz da situação jurídica das coisas tal como é apresentada pela requerente. Ou seja: os factos não corroboram o entendimento de que ocorre violação ou ameaça de violação do direito alegado pela requerente por virtude de ilicitude ou contrariedade à lei dos actos concretos dos requeridos. Como se sabe, em causa nos presentes autos está, de acordo com a requerente, a defesa de um direito de servidão de passagem que se terá constituído a favor do imóvel onde a requerente habita há cerca de 30 anos, e de que ela se considera comproprietária. Essa moradia situa-se em parte de um prédio misto, no qual se situam outras dependências urbanas (moram também ali os requeridos, numa outra habitação, e existe ainda um armazém também pertença dos requeridos). Acrescenta a requerente que a entrada para a sua habitação e para o armazém do requerido faz-se necessariamente por um caminho que atravessa esse terreno mais amplo onde está implantada a casa. Uma vez que o requerido, seu ex-marido, pretende que ela desocupe a habitação, por entender que a ela não tem direito, a requerente teme que a obra de edificação de um portão que veda o acesso a esse caminho signifique o propósito de lhe impedir o acesso a sua casa. Por isso alegou que a obra a embargar consistia na edificação de um “pilar para colocação de um portão por forma a obstruir a passagem à requerente pois o requerido pretende que a mesma saia da casa”. Porém, para os efeitos pretendidos pela requerente não bastam os seus receios subjectivos quanto à ameaça ao seu direito, seria preciso algum facto que objectivamente os corroborasse. Ora se é certo que ficou provado que o requerido pretende que a requerente saia da casa (factos 6 e 19), o que já acontece há muitos anos (pelo menos desde 2001, como se verifica nos documentos juntos relativos ao divórcio), não é menos certo que nada se provou que implique que o portão a instalar tenha a finalidade de obstruir a passagem à requerente. Ao contrário, o requerido alegou que o portão visa obstar à invasão da propriedade por pessoas estranhas; e efectivamente provou-se que “Na propriedade em causa entram indivíduos de etnia cigana que devassam a propriedade” (ponto 23). E apurou-se ainda que já “existiu um portão de ferro com dois pilares na entrada referida” e que “com o decorrer dos anos o portão danificou-se e um dos pilares foi destruído por um camião” (pontos 21 e 22). Aqui chegados, é inevitável observar que, novamente seguindo a exposição da própria requerente e a matéria fáctica disponível, os requeridos são os donos desse terreno mais amplo onde se situa a moradia por ela habitada. Ora os proprietários gozam do direito de tapagem (art. 1356º do Código Civil), que inclui a possibilidade de vedar o seu prédio, por qualquer modo – nomeadamente com um portão de ferro com fechadura e chave colocado à entrada do mesmo. Da factualidade apurada não se descortina, assim, qualquer ilicitude dos actos dos requeridos. Tal como estão fixados, os factos imputados aos requeridos parecem significar o mero exercício do seu direito de propriedade, que não surge controvertido. Obviamente que a lei ao estabelecer que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem” também estabeleceu que isso acontece “dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (art. 1305º do CC). E a requerente alega ofensa ao direito real de servidão, de passagem, que onera, segundo ela, o prédio dos requeridos a favor do prédio de que será comproprietária. Todavia, essa ofensa ou potencial ofensa só resultaria demonstrada pela prova de outros factos, que não a simples intenção de instalar o falado portão. O portão só representa obstáculo para a passagem da requerente se lhe for negada a chave ou o comando do mesmo; nada há de mais vulgar do que a existência de portões a vedar a entrada em propriedades mais vastas em coexistência harmónica com os direitos de passagem de proprietários ou comproprietários de prédios urbanos nelas encravados. Por outras palavras: só se poderia ter por demonstrada a existência de ofensa ou de perigo de ofensa para o direito invocado pela requerente se algum facto se tivesse provado de onde se pudesse retirar o propósito dos requeridos de por meio daquele portão obstruírem a passagem da requerente (como ela alegou no requerimento inicial). Sem isso, os factos apurados não apresentam a prática a qualquer acto ilícito por parte dos requeridos, nem a lesão actual ou previsível de qualquer direito da requerente (isto ainda que se aceitem os pressupostos da requerente quanto à titularidade dos direitos em presença). Em conclusão: no tocante ao embargo directamente realizado pela requerente detecta-se a falta de, pelo menos, um dos requisitos exigidos pelo nº 1 do art.º 412º, a ofensa ou ameaça de ofensa ao direito invocado, pelo que não se mostrando tal iniciativa bem fundada”ab initio”, também agora não poderá deixar de se desatender à sua confirmação judicial. O recurso em apreço mostra-se, por conseguinte, improcedente, também deste ponto de vista. 3.2.3. Por último, diz a recorrente que, a improceder o seu pedido de ratificação, sempre estariam verificados “in casu” os requisitos para o tribunal recorrido decretar a providência prevista no artigo 395º do C.P.C. e tal possibilidade está prevista no artigo 392º nº 3 do C.P.C., ao estatuir que “o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida (…)”. Ou seja, face à factualidade indiciariamente assente podia e devia o tribunal “a quo”, caso entendesse, como entendeu, não estarem verificados os requisitos da providência requerida (embargo de obra nova), ter decretado a providência adequada à salvaguarda dos legítimos interesses e direitos da requerente, nomeadamente a restituição provisória de posse do caminho de acesso ao prédio por si construído e onde vive há mais de trinta anos. Afigura-se equivocado o entendimento exposto. Com efeito, no pedido de ratificação judicial do embargo de obra nova que foi efectuado extrajudicialmente o requerente vem apenas solicitar ao tribunal a ratificação, isto é a aprovação, a confirmação, a validação de um acto que já praticou. O que está pedido não é o decretamento do embargo judicial de obra nova, caso em que se não ficassem provados os requisitos necessários ao decretamento dessa providência em concreto mas ficassem demonstrados os pressupostos adequados ao decretamento de outra que se mostrasse mais adequada poderia o tribunal optar por esta, ao abrigo do citado n.º 3 do art. 292º do CPC. Na situação vertente o embargo já foi feito directamente pelo interessado, e o que se pede ao tribunal é a verificação da sua regularidade, da sua conformidade à lei. Não tem aplicação nesta sede o disposto no art. 392º, n.º 3, do CPC, norma que evidentemente tem como pressuposto uma escolha ainda a fazer: entre a “providência concretamente requerida” e outra que se revele mais adequada. A norma dispõe para a situação processual mais vulgar, em que está pedido ao tribunal que decrete a providência, e não para o caso de se pedir simplesmente a homologação da providência já tomada. Num e noutro caso o objecto das decisões judiciais são inteiramente diferentes, traduzindo-se num caso na imposição ou não imposição de uma providência cautelar e no outro na validação ou não validação de uma providência já aplicada por acto anterior, da responsabilidade do requerente. No pedido de ratificação judicial do embargo de obra nova feito extrajudicialmente o que vem pedido ao tribunal não é que decida a aplicação de uma providência cautelar concreta mas sim que homologue, verificando que estão reunidos todos os pressupostos legais, a providência já aplicada pelo interessado. Improcede, portanto, também por esta via, o recurso em apreço. 4. Decisão: Face ao exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto por M… e confirmar a decisão recorrida. Custas pela requerente/apelante. Évora, 2011-10-03 José António Penetra Lúcio |