Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BACELAR CRUZ | ||
Descritores: | INFRACÇÃO DAS REGRAS DE CONSTRUÇÃO PROVA PERICIAL PROVA TESTEMUNHAL CARTA ROGATÓRIA TELECONFERÊNCIA NULIDADE ADVOGADO ESTAGIÁRIO SUBSTITUIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/23/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO INTERLOCUTÓRIO | ||
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Sumário: | 1. Na fase de julgamento o juiz não deve, como princípio, rejeitar um meio de prova que qualquer dos sujeitos processuais ofereceu e repute indispensável para a descoberta da verdade, a não ser que o requerido seja ilegal e ofensivo de normas processuais, ou manifestamente infundado, impertinente ou dilatório, sob pena de cercear a apreciação do mérito da pretensão deduzida com base na verdade material. 2. A inobservância da indicação da matéria sobre a qual as testemunhas devem depor não pode nem deve levar à rejeição da pretensão formulada – inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro por carta rogatória ou videoconferência -, por falta de normativo legal expresso nesse sentido, devendo, antes, o juiz convidar o requerente a especificar a matéria a que pretende que as testemunhas sejam ouvidas. 3. Tendo o tribunal recorrido indeferido diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade, violou o disposto no n.º1 do art. 340.º do CPP, cometendo, em consequência, a nulidade prevista no art. 120.º, n.º2, alin. d), parte final, do mesmo normativo legal, cuja arguição tempestiva conduz à revogação da decisão recorrida e invalida os actos processuais subsequentes. Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO No processo comum nº 1318/06.4TALLE, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, o Ministério Público acusou: - V, divorciado, construtor civil, …, pela prática, - em co-autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; - em autoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 202º, alínea b), todos do Código Penal - P, casado, engenheiro técnico civil, …. em co-autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; - F., casado, pedreiro, …pela prática, em co-autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. L., constituiu-se Assistente nos autos e declarou acompanhar a acusação formulada pelo Ministério Público. Os Arguidos V. e P. apresentaram as contestações que constam de fls. 610 a 612 e 628 e 629, respectivamente. O Arguido F. não contestou. Realizado o julgamento, perante Tribunal Colectivo, a) o Arguido V. foi condenado - como autor material de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; - como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 202º, alínea b), e 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - em cúmulo, na pena única de 8 (oito) anos de prisão; b) o Arguido P. foi condenado, como autor material de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; c) o Arguido F. foi condenado, como autor material de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo. Inconformado com tal decisão, o Arguido V. dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «6.1 O arguido V. vem condenado a 8 anos de prisão efectiva pela prática em concurso real e efectivo de um crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo artigo 277 n.º 1 alínea a) do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, sob a forma continuada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 217 n.º 1, 218 n,ºs 1 e 2, alínea a) por referência ao artigo 202 alínea b) e 30 n.º 2, todos do Código Penal. 6.2 O arguido V. não aceita que os elementos de facto apurados permitam ao Tribunal, ajuizar, como fez, nem que as provas gravadas permitem chegar às conclusões que foram tomadas respeitantes à factualidade, que vem enumerada e demonstrada como prova. 6.3 O arguido V. exerceu, pelo menos entre 1998 e 2001, a actividade profissional de empresário da construção civil 6.4 No âmbito dessa actividade decidiu construir em Quarteira, …, um prédio urbano composto por 8 pisos acima da cota de soleira (estando o primeiro destinado a actividade comercial e os restantes a habitação) e uma semi-cave, destinada a parqueamento 6.5 Para o efeito, o arguido obteve, em 5 de Maio de 1998, o alvará de licença de construção nº … emitido pela Câmara Municipal de Loulé e válido por 3 anos. 6.6 O projecto de estabilidade do edifício foi elaborado pelo arguido P., engenheiro técnico civil, que assinou o “termo de responsabilidade do autor de projecto de estabilidade”, datado de 29 de Abril de 1997, onde consignou que “observa as normas técnicas e específicas de construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis, designadamente o REBAP, o RSA e Posturas Camarárias em vigor 6.7 O arguido P. assumiu, também, a responsabilidade pela direcção técnica da obra. 6.8 Mais ficou ali a constar que o início da obra ocorreu no dia 1 de Julho de 1998 e conclusão em 20 de Março de 2001 6.9 Na zona próxima de implantação do edifício, a formação do terreno foi caracterizada por estudo geotécnico junto aos autos. 6.10 O “Edifício X” foi projectado com uma semi-cave, com cerca de 1,5 metros de profundidade abaixo do nível da rua e com laje de fundação do tipo ensoleiramento geral nervurado inferiormente, em betão armado com 0,35m de espessura. 6.11 O arguido V. era o patrão, que se encontrava ausente a morar na Austrália, pelo que não poderia nessa circunstância fazer um acompanhamento diário à obra, tendo sobre esta as informações que o seu mestre de obras, o arguido F. lhe transmitia. 6.12 O arguido V. deslocava-se a Portugal de dois em dois meses e por vezes de 3 em 3 meses. 6.13 A laje de fundação foi, por opção técnica, colocada numa posição diferente da que havia sido projectada. Todavia, não será de interpretar desse facto uma infracção das regras de construção, como se pode comprovar pela impugnação da prova feita a esse nível. 6.14 Não coube ao arguido V. a direcção de facto da obra 6.15 Não conseguiu provar o douto tribunal a quo a que nível se encontra fixada a laje de fundação do Edifício X. 6.16 Os resultados do estudo geotécnico e da perícia junta aos autos apenas demonstram as características das camadas do terreno e a que profundidade estas se encontram, de modo simplesmente descritivo, não podendo servir de base à formação da convicção condenatória do tribunal a quo. 6.17 Não poderá assim o douto tribunal a quo fundamentar a sua decisão determinando que o problema do Edifico X reside nas fundações por estas não assentarem no único nível de substracto com resistência dinâmica para suportar a construção. 6.18 Erradamente tentou comparar o douto tribunal a quo, para a formação da sua convicção sobre a prática do crime de infracção das regras de construção, a construção do Edifício X com a construção do Edifício contíguo, em todo diferentes entre si, desde logo por o Edifício X possuir apenas uma semi-cave e o edifício contíguo possuir duas caves. 6.19 O arguido V. apenas teve conhecimento que o Edifício X estava “Fora da Prumada”, porquanto foi essa a informação que lhe foi transmitida pelo seu mestre de obras, o arguido F. 6.20 Relacionaram os arguidos o motivo de o prédio de encontrar fora de prumo a qualquer imprecisão dos trabalhadores em obra, e não a qualquer problema estrutural do edifício, que a final também não se provou. 6.21 Não deu a qualquer dos profissionais da obra o arguido V. instruções para disfarçar ou dissimular o que quer que fosse. 6.22 Não teve o arguido o intuito de enganar ninguém, e muito menos de astuciosamente obter um enriquecimento correspondente ao prejuízo patrimonial de terceiros. 6.23 Pelos documentos agora juntos com o presente recurso comprova-se que não se poderá considerar que o arguido V. tivesse o propósito de obter para si um lucro, para além do que se considera normal e que resulte do exercício da venda de propriedades. 6.24 Não poderá o douto tribunal a quo considerar que o Edifício X tem um maior risco de colapso numa ocorrência sísmica, porque não foi efectuado qualquer estudo nesse sentido, nem sequer comparativo com outros edifícios, assentando esse facto em opiniões técnicas dadas por testemunhas, em clara violação da lei. 6.25 Não se vislumbrou necessidade de ordenar estudo geológico à data da construção do Edifício X porquanto, não foi constatada qualquer característica anormal do terreno que conduzisse a essa necessidade. 6.26 O douto tribunal a quo deveria ter apreciado com outra acuidade os depoimentos das testemunhas, em especial dos trabalhadores que se encontravam no terreno aquando da construção, por terem estes um conhecimento directo dos factos. 6.27 Não agiu com justeza o tribunal a quo ao ponderar estes estudos como meios de prova inatacáveis, para além do valor que lhes é atribuído pelo artigo 163 do Código de Processo Penal. 6.28 Em face do erro notório na apreciação da prova pelo douto tribunal a quo, como acima se expôs, em especial o que respeita ao conhecimento ou desconhecimento pelo arguido V. sobre o motivo exacto pelo qual o Edifício X se encontra em rotação, faltará não apenas o elemento cognitivo do dolo eventual na prática do crime de infracção de regras de construção, mas também falha a verificação do dolo directo na prática do crime de burla. 6.29 Errou decisivamente também o douto tribunal a quo ao fundamentar os requisitos de verificação do crime de burla, em especial na justificação dada pelo alegado comportamento do arguido V., astuciosamente descrito, por não provado. 6.30 Ficou bem claro que o arguido V. não disfarçou nem mandou dissimular o que quer que fosse, como acima já se mencionou. 6.31 Para além do mais, excedem-se os limites do bom senso na apreciação da prova quando se conjuga o dolo eventual na prática do crime de infracção de regras de construção com o dolo directo na prática do crime de burla, porque quem aceita calmamente o que acontece não pode ter na mesma medida uma intenção clara e inequívoca de enganar e prejudicar. 6.32 As garantias constitucionais do processo penal de que o arguido V. inequivocamente possui foram-lhe assim castradas pelo douto tribunal a quo ao considerar provados factos que claramente se deveriam ter por não provados. 6.33 Colocando-se em causa o principio basilar do Direito Penal in dúbio pro reo 6.34 Pois decorrendo a audiência de julgamento com a ausência do arguido nos termos do disposto no artigo 334 n.º2 do Código de Processo Penal, não prestou o arguido V. quaisquer declarações ou confissões. 6.35 Logo, para se considerarem provados certos comportamentos, sendo a consciência e a vontade de realização de determinado acto matéria de natureza subjectiva, (de que só o próprio tem o domínio), a sua prova, na falta de confissão, teria que ser feita por meio da chamada prova indirecta, indiciária ou por presunções naturais ou judiciais. 6.36 Com provas certas, objectivas e inequívocas. 6.37 Como acima se apontou, não poderia o douto tribunal a quo inferir dos depoimentos prestados o tal comportamento de o arguido V. deliberadamente pretender enganar astuciosamente terceiros, mas, ainda assim, veio condenar o arguido em conformidade com esses factos, nem sequer colocando qualquer hipótese em termos de aplicação de uma pena menos gravosa, conforme o disposto no artigo 193 do Código de Processo Penal. 6.38 Para além do mais, encontram-se retidos dois recursos já apresentados pelo arguido V., fulcrais em termos de prova para a defesa do arguido. 6.39 Por tudo o que se expôs, tem sido francamente perturbado o direito constitucional penal ao arguido V., quando, na verdade o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa aos arguidos, presumindo-se estes inocentes até ao trânsito em julgado de Acórdão de Condenação 7. Normas Jurídicas Violadas a) Artigo 32 da Constituição da República Portuguesa. b) Artigo 13 da Constituição da República Portuguesa. c) Artigo 20 da Constituição da República Portuguesa. d) Artigo 60 do Código de Processo Penal. e) Artigo 124 do Código de Processo Penal. f) Artigo 127 do Código de Processo Penal. g) Artigo 128 do Código do Processo Penal. h) Artigo 163 do Código de Processo Penal. i) Artigo 131 do Código de Processo Penal. j) Artigo 132 do Código de Processo Penal. k) Artigo 133 n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal l) Artigo 13 do Código Penal. m) Artigo 14 do Código Penal. n) Artigo 40 do Código Penal. o) Artigo 70 do Código Penal. p) Artigo 71 do Código Penal. q) Artigo 218 n.º 1 e 2, ex vi artigo 202 alínea b) e 30 n.º 2 do Código Penal. r) Artigo 277 n.º 1 alínea a) do Código Penal. s) Artigo 217 n.º 1 do Código Penal. t) Artigo 18° do RGEU. 8. Sentido em que deveriam ser interpretadas as normas indicadas pelo Tribunal: No que concerne aos artigos 13°, 20º e 32 da Constituição da República Portuguesa, é inquestionável que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, pelo que, a todos também é assegurado o acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos (artigo 20 da CRP); Motivo pelo qual estatui o artigo 32° do referido diploma que todo o arguido se deve presumir inocente até ao trânsito em julgado de decisão que o condene, corolário do Princípio Penal in dubio pro reo. Na Acórdão que agora se recorre o douto tribunal a quo menospreza claramente os direitos constitucionais de defesa do arguido V., pelas deduções que injustamente fez no sentido de considerar provados os factos que acima se indicaram, quando na verdade os mesmos teriam necessariamente que se considerar não provados ou submetidos a outras diligências probatórias, postergando claramente a posição processual do arguido V. conforme vem consagrada no artigo 60 do Código de Processo Penal. O sentido em que o tribunal recorrido interpretou a matéria e aplicou o direito é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13º, 20º e 32° da CRP. Em concreto, ocorreu a violação dos artigos 124, 127 e 128 do Código de Processo Penal quando perante factos relevantes que colocavam em causa a perícia junta aos autos, em concreto a existência da laje de fundação do Edifício e a não determinação de qual a profundidade a que esta se encontrava, o tribunal oficiosamente não diligenciou outros meios probatórios que permitissem clarificar esses pontos controvertidos, para a descoberta da verdade. Dando, ao invés, um valor inabalável à perícia junto aos autos, em clara violação do artigo 163 do Código de processo Penal, extrapolando assim desta perícia conclusões que deveriam resultar a final por não provadas. Ao nível da prova testemunhal violou o tribunal a quo as disposições dos artigos 131, 132 e 133 do Código de Processo Penal, porquanto permitiu que fossem dadas opiniões técnicas por sujeitos que se encontravam ali na qualidade de testemunhas e sobre esses depoimentos considerou provados factos, nomeadamente o elevado risco de colapso do Edifício X; quando essa conclusão nem sequer resulta obvia da perícia junta aos autos. Deveria o douto tribunal a quo limitar o depoimento dessas testemunhas e não ter admitido opiniões sobre esses factos. Violou também o tribunal a quo os artigos 218 n.º 1 e n.º 2 (por remissão ao artigo 202 alínea b) e artigo 30 n.º2), bem como os artigos 277 n.º 1 alínea a) e 217 n.º 1 do todos do Código penal e artigo 18 do REGEU, porquanto, errou na decisão ao considerar provado que o principal problema do edifício x seriam as fundações, conforme se refere na Acórdão ora recorrida, já que, não foi determinado a que nível estas se encontram e sobre que substrato. Portanto, não poderia desde logo ser esta problemática subsumida a esta qualificação jurídica. Do mesmo modo, viola-se também a aplicação do artigo 13º e 14 do Código Penal pelo tribunal a quo ao considerar praticados com dolo eventual e dolo directo os comportamentos do arguido V., quando, em bom rigor deveria ter-se considerado a falta quer dos elementos cognitivos, quer dos volitivos caracterizadores do dolo, conforme ficou demonstrado na impugnação da matéria de facto que foi dada como provada. Quanto muito seria de considerar a figura da negligência na supervisão da obra, ainda que à distância. Por último considera-se completamente desajustada a pena aplicada ao arguido V., reputado no meio em que se insere, pai de família e trabalhador honesto, factos que o douto tribunal a quo ignorou por completo, não tendo sido sequer solicitado qualquer relatório social sobre este arguido, pelo que, se terá necessariamente que concluir na violação dos artigos 70 e 71 do Código Penal. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência: Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em conformidade: Absolver-se o arguido da prática do crime de burla qualificada; Absolver-se o arguido da prática do crime de infracção de regras de construção Ou, Condenar-se o arguido da prática do crime de infracção de regras de construção a título negligente; Aplicar a atenuação especial da pena. Suspender-se a execução da pena. ASSIM SE FAZENDO SÃ E SERENA JUSTIÇA!» Inconformado com tal decisão, o Arguido P dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «I- Há já nos autos recurso de despacho do Tribunal Colectivo que negou ao ora recorrente a junção de certidão de perícia efectuada ao mesmo imóvel em outro processo, perícia mais recente do que a perícia nestes autos crime, e que demonstra falhas de rigor na perícia destes autos, mais antiga; assim se pondo em crise garantias de defesa do arguido, ao impedir a produção de uma prova que poderia facultar ao julgador a possibilidade de aplicar o art.163.º CPP. II- A decisão da Relação a tirar sobre esse recurso, poderá pôr em causa a decisão ora posta em crise (acórdão final de 1ª Instância), sendo assim questão prejudicial e prévia em relação à apreciação do presente recurso. III- A documentação das declarações orais prestadas em audiência, está em muitos trechos das declarações do ora recorrente, do co-arguido F., da testemunha MF e da Testemunha RM, totalmente imperceptível, em virtude de ruído que se sobrepõe à gravação e torna as declarações inaudíveis nesses trechos. IV- É imprescindível à defesa, para este recurso, o conhecimento da reprodução integral e segura daquilo que foi dito. Com tal ruído, a gravação é como se não tivesse sido feita nesses trechos, o que impossibilita uma defesa cabal e segura, configurando-se uma situação equiparada à falta da documentação, o que acarreta nulidade nos termos do art. 363.° do CPP, nulidade que se deixa desde já invocada para todos os legais efeitos. V- o douto Acórdão recorrido contem na sua Fundamentação contradição insanável, vício que resulta do texto da decisão recorrida. VI- Quem visualizou, na prática, o concreto local em que o prédio se edificou (não os seus arredores ou contornos, mas o local exacto onde se escavou e se edificou), verificou um terreno duro, consistente, argiloso e sem nada que demonstrasse a sua inaptidão para suportar o imóvel. Isso sucedeu com o próprio recorrente, com o seu co-arguido F., com as testemunhas MF e A, que assim declararam e cujas declarações, nesses trechos se pediram fossem transcritas. VII- Em 1.12 de Factos Provados, o douto Acórdão dá como provado que num primeiro nível existem aterros de material areno-silto-argiloso, com espessura até 3 m. Ou seja: escavando até 3 m, o que se encontra são terrenos areno-silto-argilosos, sendo incontornável que os ensaios feitos até 3m; bem como a escavação feita até 3 m para implantação da laje de fundação e para semi-cave de 1.5m, nunca poderiam fornecer ao arguido ou a quem procedesse a tal escavação a indicação de que os solos ali fossem constituídos por lodos, pois estes estão para lá dos 3m. VIII- o douto acórdão o declara em 1.12: o primeiro nível é constituído por material areno-silto-argiloso, com espessura até 3 m. Só num segundo nível – portanto só abaixo dos 3 m – é que na sondagem (efectuada muito a posteriori, por Gabinete de Estudos) se detectaram os lodos areno-argilosos (Facto Provado 1.12). Só após esta sondagem posterior se ficaram a conhecer os estratos de solo existentes na contiguidade do imóvel, que estivessem para lá dos 3 m de profundidade. IX- Assim, nem a escavação – que não ultrapassou os 3 m -; nem os ensaios feitos pelo arguido no início da obra, que também não os ultrapassaram, poderiam fornecer ao arguido outra informação que não aquela que está provada em 1.12: o solo era constituído por material areno-silto-argiloso, com resistência dinâmica compatível com a edificação. X- Daí que, declarando o Acórdão como provado que:- o primeiro nível de solo é constituído por material areno-silto-argiloso, com espessura até 3 m (Ponto 1.12 Factos Provados); e que o edifício foi projectado com semi-cave, com cerca de 1,5m de profundidade (ponto 1.13 Factos Provados); não possa o Acórdão, sem contradição, dar igualmente por provado que com aquela escavação os arguidos foram tendo informações relevantes sobre o terreno. XI- Todavia, o Acórdão faz isso, ao dar como Facto Provado o que consta em 1 .37: com a escavação os arguidos foram tendo informações relevantes sobre a consistência do terreno. Não se vê como poderiam tê-las; nem o Acórdão recorrido o diz. Limita-se a, a pág. 22, dizer: “Igualmente resultou da prova testemunhal (e das regras da experiência) que com a escavação, foram tendo informações relevantes sobre o terreno em causa (daí a prova do ponto 1.37 dos factos provados acima descritos)”; sem porém referir que prova testemunhal é essa (que testemunha(s), em que sessão, em que declaração); nem as regras da experiência demonstram o que ali se diz. Até pelo contrário: demonstram que quem escava terreno até 3 m e encontra permanentemente solo duro, areno-argiloso, não está a receber informação relevante diferente dessa sobre a consistência e natureza do solo. XII- Assim, é insanável a contradição existente entre os pontos 1.12 e 1.13, por um lado, e o ponto 1.37, por outro, todos dos Factos Provados, existindo o vício constante na ai. b) do nº 2 do art. 410° do CPP, fundamento para recurso nos termos desses dispositivo que se mostra assim violado, vício que se deixa alegado nos termos e para os efeitos do art. 426° do mesmo CPP. XIII- O Tribunal a quo, nesta sede, ao dar como provado os factos constantes em 1.12 e 1.13, tinha que dar como não provado o facto constante em 1.37, prova negativa que, aliás, essa sim, resulta das regras da experiência, pelo que violou o Tribunal a quo as disposições dos art. 410, nº 2, ai. b) e art. 127° CPC. XIV- o recorrente impugna que se tenham dado como provados os factos constantes em 1.11, 1.14, 1.22, 1.36, 1.37, 1.38, 1.39, 1.40, 1.43 de Factos Provados (fls. 4 a 16 do Douto Acórdão); e tais factos deverão ser dados como não Provados face à prova produzida e examinada em sede de audiência. XV- O meio concreto de prova (declarações do recorrente prestadas a 9.11.2009, de minutos 2.15 a 4.35, cuja transcrição supra se pediu e aqui se reitera, para ela remetendo), impunha que o ponto 1.11 se desse como não provado. XVI- O que foi estudado no inicio da construção, pelo arguido, por ensaios de prospecção, foi o que, nas circunstâncias de um homem normal e de um técnico competente, haveria a estudar para a colocação concreta daquela lage de ensoleiramento e fundação, para uma semi-cave de 1,5m de profundidade. Não houve uma sondagem a profundidades para lá dos 3 m; mas houve estudo geológico feito através de ensaios, até aquela profundidade. XVII- Nenhuma regra técnica ou norma profissional impõe ou impunha à data conduta diversa desta. Logo, este facto (1.11) não pode ser dado como provado, devendo ser dado como não provado, dando-se como provado o facto de que houve estudo geológico feito através de ensaios. E daqui decorre que o projecto de fundações era adequado ao que, à data, se conhecia do terreno e dos solos onde o prédio se implantou. XVIII- que em 1.14 se classifica como “as verdadeiras condições locais do terreno”, são, face ao mesmo meio concreto de prova, condições que só são conhecidas a posteriori, não à data da elaboração do projecto das fundações. Nessa data, o que se conhecia era terreno areno-silto-argiloso; e para esse tipo de solo, as fundações são adequadas. XIX- Inexiste prova, mesmo no relatório pericial, que para este tipo de solo as fundações projectadas eram inadequadas. Sê-lo-ão eventualmente para o tipo de terreno que se veio a conhecer depois; o que também resulta das declarações do co-arguido F. ao dizer que a fundação ali colocada o foi sobre terreno consistente, sendo esse concreto meio de prova o que consta na pedida transcrição dessas declarações (sessão de 9.11.2009, da 15.22.31 a 15.48.27). XX- o ponto 1.14 deve ser dado como não provado, com base na declaração do arguido, e no facto do estudo geotécnico que revela “as verdadeiras condições o local” ser muito posterior ao projecto. XXI- Quanto ao 1.22 dos factos provados, igualmente os mesmos têm que ser dados por não provados. A conclusão de deficiência nas cintagens resulta de as premissas para as condições de cálculo usadas pelo projectista serem diferentes das que vieram a ser utilizadas pelo perito, que fez tais cálculos partindo da suposição constante no Relatório – e que se viu ser totalmente errada! Factos não Provados 2.1, 2.2 e 2.5- de que não havia laje de fundação, para lá de outras. XXII- Ora, a partir de tal erro gritante, todas as premissas de cálculo do perito são necessariamente erradas, e errada será também a conclusão tirada em 1.22, que nele assenta. XXIII- O ponto 1.36 de Factos Provados deve ser dado como não provado pelo menos no que respeita ao recorrente, sendo os meios concretos de prova que tal impõem as declarações do co-arguido F., ao dizer que quando se apercebeu da inclinação do prédio no final da construção supôs que fosse um erro de prumada nunca identificando tal desnível com qualquer rotação do edifício ou problema de assentamento no solo; que informou dessa inclinação ou desnível o patrão (V.) e apenas o patrão (de 7.30m e 8.52m das declarações deste co-arguido pedidas que se transcrevessem, e confirmada pelo Mmo Juiz Presidente, de 11.15.m a 11.35.m das mesmas, ao dizer em jeito de conclusão: “então só avisou o patrão da inclinação!”.); que quanto à alteração da posição da viga, nunca referiu nada ao Engenheiro (de 21.00m a 21.18m); que nunca disse nada ao Engenheiro (ora Recorrente) sobre a inclinação ou sobre o reboco que corrigiu tal inclinação (de 24.40m a 24.54m); e também as declarações do ora recorrente, enquanto arguido, prestadas naquela sessão de 9.11.2009, a minutos 16.40: Aquilo que eu posso dizer é que na altura da conclusão daquele edifício, aquele edifício não estava inclinado; e de 19.16m a 22.16m onde explica tecnicamente como era impossível ter ocorrido a rotação na fase construtiva. XXIV- Daqui decorre, desde logo, que o arguido P. não teve conhecimento da rotação do Edifício até ao final da fase construtiva; e que qualquer sinal dessa rotação que tivesse sido eventualmente verificado pelos co-arguidos, lhe foi ocultado ou, pelo menos, não lhe foi transmitido. XXV- Com base em tal prova, o ponto 1.36 de Factos Provados não pode ser dado como provado em relação ao arguido e recorrente P. XXVI- Quanto ao ponto 1.37 de factos provados, repete-se o alegado quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação. Com base nas provas que ali se indicam (declarações do arguido e declarações das testemunhas MF e AA, cujas transcrições foram já pedidas e para as quais se remete), nunca o facto constante em ponto 1.37 pode ser dado como provado. XXVII- Aliás, este ponto 1.37, como se vê pelo próprio Acórdão (pág 22 do mesmo) não encontra fundamento em qualquer testemunha concreta para poder provar-se. O Acórdão também não explicita como se aplicam ao caso as regras da experiência invocadas, regras da experiência que, aliás, impõem conclusões contrária, e não esta que foi tirada pelo Tribunal “a quo”. XXVIII- Igualmente no que respeita ao 1.38, dos factos provados repete-se aqui o que se alegou quanto ao ponto 1.14 supra nestas conclusões. O arguido P não verificou em concreto – nem se provou que tivesse verificado – condições de solo ou técnicas que lhe impusessem parar a obra, fazer estudo geológico por sondagem ou elaborar projecto de fundações especiais, nem se lhe anteviu necessidade de encontrar solução para a “situação”, posto que esta situação que 1.38 se refere é de inclinação do edifício, a qual só se verifica posteriormente à conclusão do mesmo. XXIX- Quanto ao ponto 1.39 de factos provados, o mesmo não pode ser dado como provado, pois a alteração do projecto de estabilidade aprovado reside na inversão da posição da laje de ensoleiramento, solução esta que não é necessariamente uma alteração de um projecto de estabilidade, mas sim uma correcção prática em obra que uma posição de um elemento que não afecta nem releva na estabilidade. XXX- o que resulta das declarações do co-arguido F., que apesar de em grande parte imperceptíveis se pediu que fossem transcritas, das declarações do professor Catedrático JB, testemunha de acusação, prestadas a 9.11.2009 de 15.53.21 a 16.44.06, de minutos 14.00 a 17.15, e de de minutos 19.02 a 21.52, cuja transcrição supra se pede e para a qual se remete; e das declarações da testemunha Professor FB no seu depoimento de 9.11.2009, de 16.48.50 a 17.07.04, cuja transcrição se pediu (trecho de 07.40 a 08.00m ). XXXI- Daqui decorre, que a chamada alteração ao projecto de estabilidade aprovado é uma discrepância que não tem gravidade nem representa anomalia nem pode ter influência no caso concreto da rotação do edifício, sendo inócuo para a solução do caso concreto. Deve pois com base nessa prova dar-se como não provado o ponto 1.39. XXXII- Ou se se considerar o mesmo provado, entender-se que este facto é irrelevante para a decisão jurídica da causa. XXXIII- O Ponto 1.40, não é um facto, mas sim uma conclusão, pelo que não pode constar entre factos provados. E o mesmo se diz quanto ao ponto 1.43, ambos devendo ser eliminados do rol dos factos provados ou não provados, por não serem factos. XXXIV- Violou o Tribunal “a quo” a disposição do n.º 2 do art. 374.° do CPP, ao incluir na fundamentação, na enumeração dos factos provados e não provados, pontos que não respeitam a factos mas sim a conclusões. XXXV- Nos termos do artigo 412.°, n.º 3 e 4 do CPP, deixam-se impugnados estes concretos pontos da matéria de facto que se vêm referindo, porque incorrectamente julgados, face às provas concretas que aqui se indicaram e que impõem decisão diversa da recorrida. XXXVI- Tais pontos de facto têm que ser dados como não provados face às provas que se indicaram com remissão para as especificações previstas no nº 4 do art. 412.º do CPP, concretamente as passagens que se vieram aludindo, com referência aos trechos das declarações em causa cuja transcrição se pediu. XXXVII- O relatório pericial de fls. 340 a 367 contem erros graves, que foram demonstrados ao longo da audiência. Notadamente, tal relatório pericial indicava inexistência de ensaios geotécnicos, inexistência de lajes de fundação, deficiências nas secções de elementos estruturais e na ausência de lajes de fundação, erros de projectos de estabilidade ao nível de concepção, ao nível de cálculo e dimensionamento dos elementos de betão armado, incumprimento regulamentares, nomeadamente a cintagem dos varões em pilares e diversas alterações à geometria da estrutura. XXXVIII- Como decorre da douta decisão quanto aos factos não provados 2.1, 2.2 e 2.5, pontos essenciais apresentados como resultado da perícia daquele relatório estão afinal errados e por isso não se provam, o que seria suficiente para ferir fatalmente aquele relatório quanto à sua credibilidade para efeitos de prova e qauntop a qualquer cálculo ou conclusão que ali conste. XXXIX- Acresce que posteriormente foi efectuada nova perícia, mais recente, não nestes autos, mas em processo civil (processo n.º ---/06.0TBLLE, do 3° Juízo Cível do Tribunal de Loulé), perícia esta que se concluiu em Agosto de 2009. XL- A referida segunda perícia, que ainda que efectuada no âmbito de um processo civil foi exactamente dirigida aos mesmos fins e visou o mesmo prédio e as suas fundações e estrutura, desmente em larga medida as conclusões da primeira perícia (a que está nos autos crime), demonstrando tecnicamente que essas conclusões estão erradas e falhas de rigor. XLI- Foram arroladas como testemunhas as individualidades (os professores catedráticos Eng. JB e Eng. FB) que procederam a tal segunda perícia, Todavia, o douto Tribunal “a quo”, considerando que tais personalidades, independentemente dos seus conhecimentos técnicos são meras testemunhas, não lhes permitiu que nos seus depoimentos emitissem qualquer juízo de valor, opinião técnica ou interpretação dos factos que presenciaram no exame ao edifício. XLII- A situação descrita viola, a nosso ver, a disposição do art. 130. °, n.º 2, alínea b), do CPP. E, nessa medida, coarcta garantias de defesa, ao claramente opor-se ao princípio da investigação ou da verdade material, impedindo assim que se produzam provas legais que contribuiriam para a descoberta da verdade. XLIII- Logo, as conclusões que o douto Acórdão tira, baseado no relatório pericial de fls. 340 a 367 são grandemente baseadas numa prova pericial falha de correcção e que não logrou efectuar uma verificação cabal e completa do objecto da perícia. XLIV- O Tribunal “a quo”, por douto Despacho de 17.12.2009, indeferiu a junção da certidão da segunda perícia aos autos, mas tal despacho está já sob recurso nestes autos, recurso que é questão prejudicial à decisão final recorrida. XLV- Não obstante o Tribunal valorou a opinião pericial que claramente esse mostrou incorrecta, incompleta por falha de rigor, pelo que violou o disposto no art. 127.° do CPP, por errada valoração de um meio de prova, XLVI- Caindo ainda no âmbito do erro notório da apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 410.° do CPP. XLVII- O que aqui se alega para todos os efeitos legais nomeadamente as do artigo 426.° do CPP. XLVIII- Não podia ser atendida como prova aquele relatório pericial, baseando-se pois a decisão numa prova nitidamente sem valor e da qual o julgador tinha todos os motivos e fundamentos para divergir. Foi assim violado também o art. 163.°, n.º 2 do CPP. XLIX- Admite-se que possam, ao julgador, levantar dúvidas: se a rotação se verificou ou não antes do fim da construção, se o Engº PM teve conhecimento dela e quando, e qual o tipo de terreno efectivamente encontrado. Mas esta dúvida não pode transformar-se em certeza contra o arguido. L- Ao fazê-lo, foram violados também pelo Tribunal “a quo” o art. 355° do CPP. e o princípio in dubio pro reo. Pelo que deverá o arguido ser absolvido. LI- Ainda que se considerasse ter ocorrido crime, o que não se admite, todos os elementos disponíveis nos autos sempre apontariam para uma conduta negligente por parte do arguido e nunca para uma conduta dolosa, pelo que a pena aplicável nunca poderia ir além dos três anos de prisão ou multa, por força do disposto do n.º 3, do art. 277.° do CP, pena esta, que caso venha a ser aplicada, revogando-se a decisão anterior. Sempre deverá ser suspensa na sua execução LII- Considera-se a pena aplicada (4 anos e seis meses de prisão) demasiada severa para os factos em apreço, e para o seu papel neles mesmo que, o que não se concede, se considerasse o crime doloso. O Recorrente, tendo em conta o contexto dos factos e o conhecimento que tinha dos solos à data da elaboração dos projectos, fez o que era exigível e expectável. LIII- Como resulta do próprio Acórdão, fls. 24 do mesmo, e dos factos constantes em 1.50 e 1.51 de factos provados, é o Arguido um Engenheiro Civil competente, criterioso e exigente ao nível técnico (ponto 1.51). LIV- Numa moldura penal até 8 anos, a pena aplicada é seguramente excessiva e desadequada aos factos apurados como praticados pelo arguido. Pelo que a pena é desajustada nos termos do art. 71.º do CP, artigo que por este modo é violado no douto Acórdão, devendo ser aplicado pena menos gravosa. Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, devendo ser revogada a decisão recorrida por violação das normas e princípios referidos, e substituindo-se por outra que declare haver contradição insanável na fundamentação e erro notório na apreciação da prova, com as legais consequências; que, em sede de matéria de facto, dê como não provados os pontos de facto aludidos e dados por provados e ora postos em crise; que declare haver errada valoração do Relatório Pericial; que absolva o arguido por violação do princípio in dubio pro reo pelo Tribunal a quo; que declare, se assim se não entender, que o crime cometido é negligente e não doloso; e que, sem prejuízo do demais, declare que a pena é demasiado severa, substituindo-se por outra menos gravosa, Assim se fazendo JUSTIÇA!» O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu, a) ao recurso interposto pelo Arguido P., pela forma expressa de fls. 1134 a 1154, concluindo pela sua improcedência. b) ao recurso interposto pelo Arguido V., pela forma expressa de fls. 1155 a 1172, concluindo pela sua improcedência. Nos autos foram interpostos outros recursos, relativamente aos quais houve declaração expressa de manutenção de interesse. A.) Recurso da decisão, proferida em 23 de Novembro de 2009, que indeferiu inquirição de testemunhas por videoconferência ou rogatória – interposto pelo Arguido V e constante de fls. 807 a 813 dos autos. Formula o Recorrente as seguintes conclusões [transcrição]: «1. O arguido V. apresentou contestação. 2. Pelo indeferimento do requerimento para inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro, que ora se recorre, vê o arguido V. o direito constitucional de garantia da sua defesa amputado. 3. Enquanto co-arguido num processo criminal tem o arguido V. necessariamente o mesmo direito de defesa que os restantes co-arguidos, pelo que viu afectado o seu direito constitucionalmente consagrado de igualdade perante a Lei; 4. Vê o arguido V. o princípio constitucional que lhe assegura o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, excluído pelo Despacho que indefere a inquirição das suas testemunhas residentes no Estrangeiro. 5. O processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa aos arguidos, presumindo-se estes inocentes até ao trânsito em julgado de Sentença de Condenação. 6. O tribunal deveria ter assumido o poder-dever de inquirição de testemunha faltosa sob a égide da realização da justiça material ao caso concreto. 7. As rogatórias/vídeo-conferência requeridas pelo arguido V. reputam-se não apenas como necessárias mas também fundamentais para a prova de factos essenciais à defesa e bem assim à descoberta da verdade. 8. A prova requerida encontra-se em respeito do preceituado no código de processo Penal e, ainda assim, foi indeferida. 9. No que concerne à prova testemunhal não estipula a lei um limite aos factos a que cada testemunha está adstrita a responder, pelo que, é entendimento que cada testemunha deporá sobre os factos dos quais tem conhecimento directo e que constituem objecto da prova. 10. Ademais, não se seguindo o entendimento supra, deveria ter sido determinado pelo colectivo de juízes um despacho de aperfeiçoamento ao requerimento efectuado, de acordo com os princípios da adequação formal e da cooperação. 11. Tendo sido omitida a prática de um acto determinante para o exame e a boa decisão da causa, verifica-se uma irregularidade que comina a nulidade do acto. i) Normas Jurídicas Violadas: a) Artigo 32 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. b) Artigo 13. n.º 1 da Constituição da república Portuguesa. c) Artigo 20 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. d) Artigo 32 n.ºs 1,2,5 da Constituição da República Portuguesa. e) Artigo 340 n.º 1 do Código do Processo Penal. f) Artigo 230 n.º 2 do Código de Processo Penal. g) Artigo 79 do Código de Processo Penal. h) Artigo 128 do Código de Processo Penal. i) Artigos Artigo 265-A e 266, ambos do Código de Processo Civil. j) Artigo 201 do Código de Processo Civil ii) Sentido em que deveriam ser interpretadas as normas indicadas pelo Tribunal que fundamentam o despacho de indeferimento: a) No que concerne ao disposto no artigo 230 n.º 2, deveria ter o tribunal entendido que o depoimento das testemunhas apresentadas pelo arguido V. assentaria em factos essenciais e determinantes na sua defesa, uma vez que fruto do indeferimento nenhuma testemunha subsiste, devendo por essa forma de ter admitido, conforme foi requerido, a rogatória à autoridade estrangeira, ou, em alternativa, deveria o tribunal ter convidado o requerente ao aperfeiçoamento do requerimento sob pena de violação de um direito constitucional de defesa do arguido, conforme já foi referido. b) No que diz respeito ao artigo 318 n.º 3, que retrata a tomada de declarações a residentes fora da comarca, e a particularidade de informar quais os factos ou circunstâncias sobre que deveriam versar tais declarações; deveria o Tribunal ter entendido que os depoimentos versariam sobre toda a matéria de facto constante da defesa, ou, em alternativa, deveria o tribunal ter convidado o requerente ao aperfeiçoamento do requerimento sob pena de violação de um direito constitucional de defesa do arguido, conforma já foi referido. Pelo exposto (…) deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência: Revogar o despacho de indeferimento sobre o requerimento no qual solicita a inquirição de testemunhas o arguido V., por videoconferência ou Carta Rogatória, com todas as suas legais consequências, tendo como base do presente recurso, o disposto no artigo 410.º n.º 3 do Código de Processo Penal. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!» Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pela forma expressa de fls. 899 a 903, concluindo pela improcedência do recurso. Após relato do que se passou no decurso da audiência de julgamento e transcrição da decisão recorrida e do disposto nos artigos 318º, n.º 3, e 230º, n.º 2, do Código de Processo Penal, afirma-se que o Tribunal recorrido, ao indeferir a pretensão do ora Recorrente, se limitou ao estrito cumprimento da lei, «na ausência dos elementos necessários que lhe tinham que ter sido proporcionados pelo requerente, para avaliação da essencialidade para a sua defesa, da inquirição das testemunhas em causa». Após o que se realça que «considerando o arguido serem as testemunhas residentes no estrangeiro essenciais para a sua defesa, como em agora alegar na motivação de recurso, deveria, desde logo, atempadamente, e aquando da indicação do rol, ter requerido a expedição de cartas rogatórias para a sua inquirição, por escrito e perante a autoridade judicial competente ou através de videoconferência, o que não fez.» Acrescentando-se, ainda, que tendo «a produção da prova iniciado, a expedição pretendida de cartas rogatórias, cujo cumprimento, como é sabido, demora meses ou até anos, seria de todo incompatível com o princípio da continuidade da audiência estabelecido no artigo 328º do Código de Processo Penal, inviabilizando o cumprimento do prazo máximo de 30 dias previsto pela lei para as interrupções da audiência, o que conduziria no caso concreto, á perda de eficácia de toda a prova já produzida.» B.) Recurso interposto da decisão, proferida em 17 de Dezembro de 2009, que indeferiu a junção aos autos de relatório pericial realizado no âmbito do processo n.º ---/06.0TBLLE, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé - interposto pelo Arguido P. e constante de fls. 855 a 863 dos autos. O Recorrente formula as seguintes conclusões [transcrição]: «I- O Tribunal “a quo” não permitiu que pessoas com especiais conhecimentos técnicos, e que inclusive realizaram recente perícia ao prédio em causa nestes autos, pudessem no seu depoimento apresentar a interpretação dos factos que presenciaram, nomeadamente não admitindo que a defesa do arguido solicitasse tal interpretação às ditas testemunhas. II- Foi assim violado o artigo 130.º, n.º2, alínea b), do CPP. III- O arguido pretendeu juntar como documento, e nos termos do art. 340.° do CPP, certidão de um relatório pericial de Agosto de 2009, que ainda que feito noutro processo, o foi ao mesmo edifício, e pelos mesmos motivos do que o relatório pericial que está no processo-crime. IV- O relatório mais recente demonstra a sem razão e falta de rigor das várias das conclusões do relatório pericial que está dado como prova na acusação. V- O Tribunal “a quo” indeferiu a junção de tal certidão aos autos, assim impedindo a defesa de fazer uma prova que punha em causa aquelas conclusões, e que portanto serviria para alcançar a verdade material, conferindo ao mesmo tempo ao Mmo Juiz fundamentação para eventual aplicação do art. 163.° n.º 2, do CPP. VI- Ficou assim impedida a defesa de produzir prova importante com vista à descoberta da verdade, prova esta admissível porquanto legal, processualmente cabível nos termos do art. 340.º do CPP. VII- Igualmente com tal despacho, o Tribunal “a quo” se exclui da sua obrigação processual de investigar autonomamente com vista à descoberta da verdade, podendo e devendo fazê-lo. VIII- Violou assim o Tribunal “a quo” os artigos 124.°, 130.°, n.º 2, alínea b), 163,°,340.º, todos do CPP, e ainda o artigo 32.° da CRP. IX- Bem como os princípios do contraditório, da investigação, da prova livre e da descoberta da verdade material. X- O Despacho supra transcrito é merecedor de censura, devendo ser revogado e substituído por outro que admita a junção da certidão em causa, e que a considere como documento, para dos os efeitos de prova, e eventualmente para as finalidades do artigo 163.°, n.º 2 do CPP. XI- Junta-se a este recurso a certidão que foi solicitada para ser junta aos autos, e cuja junção foi indeferida, por se afigurar ser importante tal junção a esta peça recursória. Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, devendo ser revogada a decisão recorrida por violação das normas e princípios referidos, e substituindo-se por outra que admita a junção da certidão que aqui se anexa, a considere como meio de prova idóneo, inclusive para os fins previstos do artigo 163.°, n.º 2 do CPP. Assim se fazendo JUSTIÇA!» Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «1.ª Em sede de conclusões o recorrente veio em súmula alegar que: - O tribunal a quo não permitiu que pessoas com especiais conhecimentos técnicos, e que realizaram recente perícia ao prédio em causa nestes autos, pudessem no seu depoimento apresentar a interpretação dos factos, tendo assim sido violado o disposto no artigo 130.°, n.º2, alínea b), do C.P.P.; e - Violou o preceituado nos artigos 124.°, 130.°, n.º2, alínea b), 163.° e 340.°, todos do C.P.P. e ainda o artigo 32.º da C.R.P., bem como os princípios do contraditório, da investigação, da prova livre e da descoberta da verdade material, quando não admitiu a junção para efeitos probatórios de ser considerado documento e eventualmente para as finalidades do disposto no artigo 163.°, n.º2, do C.P.P., de certidão de um relatório pericial elaborado noutro processo relativo ao mesmo edifício e pelos mesmos motivos constantes do relatório pericial que se encontra neste processo crime. 2.ª O douto despacho ora recorrido veio pronunciar-se em face de requerimento apresentado pelo recorrente a fls. 755, no qual este requereu resumidamente que tendo em conta o depoimento prestado pelos Srs. Engenheiros JB e FB, os quais relataram factos por si presenciados e que são contrárias a conclusões do relatório pericial realizado nestes autos e sendo certo que o Sr. Engenheiro FB havia realizado uma outra perícia ao edifício para efeitos de processo n.º ---/06.0TBLLE a correr no 3.° Juízo Cível do Tribunal de Loulé que: a) nos termos do disposto no artigo 164.°, 165.° e 340.°, todos do C.P.P., fosse junta certidão desse relatório de perícia realizada naquele processo; b) fossem tomados esclarecimentos aos peritos que subscreveram o relatório de fls. 340 a 367, nos termos do disposto no artigo 158.° do C.P.P.; e c) fosse ouvido o Engenheiro AS, nos termos do disposto no artigo 340.° do C.P.P. 3.ª O ora despacho recorrido pronunciou-se e deferiu o referido nas alíneas b) e c) e indeferiu o constante na alínea a). 4.ª Tendo em conta que o Tribunal a quo deferiu todos os depoimentos requeridos não se pode concordar com o recorrente quando afirma que no âmbito de despacho proferido em 17 de Dezembro de 2009 foi violado o disposto no artigo 130.°, n.º2, alínea b), do C.P.P., por não se ter permitido o depoimento de pessoas com especiais conhecimentos. 5.ª Quanto à junção da certidão de relatório pericial efectuado no processo n.º ---/06.0TBLLE do 3.° Juízo Cível do Tribunal de Loulé, o Tribunal “a quo” indeferiu esta parte, uma vez que considerou a junção em causa sem interesse para a decisão da causa, fundamentando que o relatório pericial realizado naquele processo não pode valer enquanto perícia nestes autos pois esta prova depende de determinados pressupostos que é necessário verificar para que possa adquirir validade probatória e não faz sentido ser admitido enquanto documento tendo em conta que não teria qualquer interesse enquanto prova documental porque conta com especiais conhecimentos técnicos. 6.ª Ora, na parte respeitante ao indeferimento concorda-se com a douta decisão recorrida quando se afirma que a perícia realizada no outro processo de natureza civil não pode ser considerada enquanto prova pericial no âmbito destes autos, uma vez que não se verificaram os pressupostos legais. Ou seja, na verdade não se verificou o disposto nos artigos 154.°, 155.°, 156.° e 157.°, todos do C.P.P., designadamente não foi observado o direito de defesa e contraditório nos moldes que é definido pela lei processual penal. 7.ª No entanto, entende-se que à partida nada obsta admitir-se a certidão de relatório pericial elaborado no processo cível enquanto documento, ainda que contenha especiais conhecimentos técnicos. 8.ª Na verdade, não podendo ser valorada enquanto prova pericial pelas razões invocadas pelo douto despacho impugnado (e com as quais se concorda), versando a perícia do processo civil sobre a matéria em apreço nestes autos afigura-se que em termos abstractos poderia ser útil para efeitos de eventual confronto dos peritos que realizaram a perícia efectuada nestes autos em pontos que se suscitem necessidade de melhor esclarecimento ou de melhor clareza. 9.ª Aliás os pontos de que o recorrente entende importar melhor apuramento na parte respeitante à matéria constante de perícia efectuada nestes autos foram apontados pelo mesmo em requerimento ao qual recaiu o douto despacho recorrido. 10.ª Quanto a estes pontos de que o recorrente entende ser de esclarecer há que observar que não foi por causa da falta ou não de pertinência desses esclarecimentos que a pretensão do recorrente foi rejeitada pelo Tribunal “a quo”, pelo que nada há a apreciar. 11.ª A junção afigurou-se no momento em que foi requerida adequada face à complexidade da perícia em causa e tendo em conta que a prova pericial embora esteja subtraída à livre apreciação do julgador não é insindicável. 12.ª Ou seja, o relatório de exame que se pretendia juntar não teria obviamente o valor probatório acrescido que se verifica para a prova pericial nos termos do disposto no artigo 163.° do C.P.P., pois deve ficar sujeito à livre apreciação do Tribunal, no entanto poderia ser tido como mera ferramenta para melhor esclarecer a perícia efectuada nestes autos com o eventual auxílio de peritos, nos termos do disposto no artigo 158.° do C.P.P. 13.ª No entanto, no momento em que actualmente se encontra o processo considera-se que esta parte do recurso relativa ao requerimento da junção de certidão não deve ter provimento, uma vez que foram mais uma vez obtidos esclarecimentos aos senhores peritos em sessão que teve lugar em 13 de Janeiro de 2010, sendo que de tais esclarecimentos se entende que mais nenhuma diligência se entende por pertinente realizar o que inclui a junção da certidão em causa. 14.ª Mais se acrescenta que quanto aos referidos esclarecimentos nada obstou que os mesmos fossem da parte da defesa inspirados na referida perícia realizada no processo civil supra referido. 15.ª Assim sendo, considera-se que após os últimos esclarecimentos obtidos aos senhores peritos que a junção da certidão se afigura inútil para a boa decisão da causa, traduzindo-se em mera diligência dilatória, pelo que se pugna pelo não provimento do presente recurso também nesta parte. Nestes termos, devem Vossas Excelências rejeitar totalmente o recurso e, em consequência, manter na íntegra, a douta decisão recorrida, fazendo assim, como sempre, a costumada JUSTIÇA. » C.) Recurso da decisão, proferida em 10 de Fevereiro de 2010, que não admitiu a intervir nos autos a Sr.ª Dr.ª S., Advogada Estagiária, com substabelecimento a seu favor, com reserva, outorgado Sr. Dr. A., Mandatário constituído do Arguido V. – interposto pelo Arguido V. e constante de fls. 1008 a 1015 dos autos. O Recorrente formula as seguintes conclusões [transcrição]: «1. O arguido Valter Pinto, havia constituído defensor nos autos conforme estatuição do artigo 62 do Código de Processo Penal. 2. O arguido Valter Pinto tem sido julgado na sua ausência pelo disposto no artigo 334 n.º 2 do Código de Processo Penal. 3. O Defensor do Arguido V. havia substabelecido com reserva, os poderes por este confiados em mandato, numa Sra. Dra. Advogada Estagiária para a diligência do dia 10 de Fevereiro de 2010. 4. Na sétima sessão do Julgamento, que teve lugar nesse dia, iriam ser feitas as alegações, entre outras, as do arguido V., nos termos e com os efeitos do artigo 360 do Código de Processo Penal. 5. Por despacho ditado para a acta, não permitiu o Douto Tribunal a quo a intervenção da Sra. Advogada Estagiária na supra referida sessão invocando-se o artigo 189 n.º 1 alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados. 6. Mandou o digníssimo juiz presidente notificar o teor do referido despacho aos presentes, nos termos do artigo 11 n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal. 7. Mas, por não se encontrar o arguido presente nem o seu defensor (que havia substabelecido com reserva os poderes conferidos pelo arguido numa sua colega Advogada Estagiária, que não foi admitida na diligência conforme se expôs), resultou que o teor do Despacho não foi assim notificado ao defensor, nos termos do n.º 9 do artigo 113 do Código de Processo Penal. 8. Acto contínuo, optou o colectivo de juízes pela nomeação oficiosa ao arguido V. de advogada que se encontrava presente na diligência por forma a assegurar a defesa daquele na dita sessão de julgamento. 9. Mas, também não foi o arguido notificado daquele despacho na pessoa da Ilustre Advogada que lhe foi nomeada oficiosamente já que, a Ilustre Advogada só foi nomeada defensora do arguido após ser dado e mandado notificar o referido despacho. 10. Pelo que, só em 16 de Março de 2010 tomou conhecimento o arguido do sucedido em virtude de ter requerido a sua notificação ao teor do despacho que indeferiu a defesa. 11. De todo em todo, tal circunstância entra em contradição com o direito do arguido em escolher livremente o seu defensor, o que aliás havia feito, tal como vem reconhecido na alínea e) do n.º 1 do artigo 61 do CPP, não obstante o que dispõe o artigo 65 do mesmo diploma quanto à assistência a vários arguidos. Pois, a regra dominante é a de que o arguido detém ampla e total liberdade para constituir advogado no decurso do processo. 12. Sobre esta temática, confira-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/06/2008 sob o processo 850/03.6TACBR.C1, que expõe: “Mas como doutrinam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4° Ed., Revista, 516) “A fórmula do n° 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. No n° 3 do art. 32° citado dispõe-se que o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória ( … ) A obrigatoriedade de defensor em determinados actos do processo tem uma função de garantia, de controlo da legalidade dos actos e de assistência técnica ao arguido, possibilitando que este esteja perfeitamente informado dos seus direitos e deveres e das consequências dos seus actos no processo (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 308).Na verdade, enquanto a defesa pessoal é exercida pessoalmente pelo arguido, a defesa técnica é actuada pelo defensor, onde a preparação técnica deste assume papel de primordial importância.” (in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/06/2008 sob o processo 850/03.6TACBR.C1, relator Heitor Vasques Osório www.dgsi.pt). 13. É aliás dever deontológico do exercício da profissão de advogado prestar os seus serviços a quem livremente o tenha mandatado, bem corno recusar o patrocínio de questão que possa constituir conflito de interesses entre os seus clientes e, sobretudo, estudar com cuidado e tratar com zelo questão de que seja incumbido, cfr artigos 93, 94 e 95 do EOA 14. Naturalmente que a Sra Dra. Advogada nomeada não tinha efectuado qualquer preparação prévia para alegar em defesa do arguido V., já que havia sido nomeada minutos antes. 15. Sendo certo que, “as alegações são seguramente essenciais para a descoberta da verdade, para assegurar o contraditório para a boa administração da justiça” (Santos M. e Leal-Henriques M., Código de Processo Penal Anotado, II volume, Rei dos Livros 2000); 16. Porque, os debates tendem a esclarecer o julgador, cada uma das partes salienta, do que se passou, a parte que melhor serve para o sustento da sua tese. A parte acusadora, o que pode determinar a condenação ou imposição da pena mais elevada; a defesa, o que pode determinar a absolvição ou a menor pena; o MP deve ponderar umas e outras circunstâncias para obter a aplicação de uma pena justa” (in Luís Osório – Comentário ao Código de Processo Penal, VoI V, pág 289), 17, Deste modo viu o arguido V. inegavelmente abalado o seu direito de defesa, uma vez que a Sra. Advogada no acto nomeada oficiosamente mais não fez do que “pedir justiça”, ao invés de proferir as conclusões de facto a extrair da prova produzida as conclusões de direito resultantes daquelas. 18. “Pedir justiça” jamais poderá ser qualificado como alegações no âmbito do artigo 360 do Código de Processo Penal. 19. Salienta-se o teor do Acórdão 85-148-2 do Tribunal Constitucional de 31/07/85, esclarece que: “O direito constitucional do arguido a assistência de defensor que constitui a dimensão formal do direito de defesa, abrange o direito de escolher um defensor, constituindo advogado de sua confiança, em qualquer altura do processo criminal, e o direito de ser por ele assistido em todos os actos de processo” (todo o sublinhado é nosso) – (in Acórdão do Tribunal Constitucional – 85-182-2; de 31/07/85, Processo 84-0155, Relator Messias Bento, www.dgsi.pt) 20. Pois, enquanto co-arguído num processo criminal tem o arguido V. necessariamente o mesmo direito de defesa que os restantes co-arguidos, pelo que viu afectado o seu direito constitucionalmente consagrado de igualdade perante a Lei; 21. O processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa aos arguidos, presumindo-se estes inocentes até ao trânsito em julgado de Sentença de Condenação. 22. Pelo que, deveria o douto tribunal a quo ter optado pela interrupção da realização da sessão, já que o n.º 1 do artigo 67 dispõe: “Se o defensor, relativamente a um acto em que a assistência for necessária, não comparecer, se ausentar antes de terminado, ou recusar ou abandonar a defesa, é imediatamente nomeado outro defensor; mas pode também quando a nomeação imediata se revelar impossível ou inconveniente, ser decidido interromper a realização do acto” e o n.º 3 “Em vez da interrupção a que se referem os números anteriores, pode o tribunal decidir-se, se isso for absolutamente necessário, por um adiamento do acto ou da audiência, que não pode, porém, ser superior a cinco dias” 23. Tendo sido preterida, com grave inconveniente para o arguido, a prática de um acto determinante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, verifica-se assim, uma irregularidade que comina a nulidade do acto nos termos do artigo 119 do Código de Processo Penal. i) Normas Jurídicas Violadas: a) Artigo 32 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. b) Artigo 32 n.º 3 da Constituição da República Portuguesa; c) Artigo 32 n.º 5 da Constituição da República Portuguesa; d) Artigo 13. n.º 1 da Constituição da república Portuguesa. e) Artigo 20 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. f) Artigo 113 n.º 9 e n.º 10 do Código do Processo Penal. g) Artigo 334 n.º 4 do Código de Processo Penal. h) Artigo 61 n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal. i) Artigos 93, 94 e 95 do estatuto da Ordem dos Advogados j) Artigos 360 do Código de Processo Penal. k) Artigo 67 n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Penal. 2. Sentido em que deveriam ser interpretadas as normas indicadas pelo Tribunal que fundamentam o despacho de indeferimento: a) No que concerne ao disposto no 113 n.º 9 e n.º 10 do Código de Processo Penal, deveria ter o tribunal entendido que o despacho proferido para a acta não foi notificado ao arguido nem ao seu defensor, Porque não tendo o tribunal permitido que a defesa do arguido V. fosse assegurada pela Sra. Dra. Advogada Estagiária, não pode o mesmo ser considerado notificado na pessoa da mesma. b) No que diz respeito ao artigo 67 n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Penal, que retrata a substituição de defensor ao arguido, deveria o douto tribunal a quo ter entendido que, na fase processual em que se encontravam os autos seria inegável e por demais evidente que a nomeação imediata de defensor oficioso seria, para a defesa do arguido prejudicial e inconveniente, nos termos do n.º 1; pelo que deveria ter, o douto tribunal a quo, decidido pelo adiamento do acto, nos termos do n.º3 do mesmo preceito, sob pena da violação de um direito constitucional de defesa do arguido, conforme já foi referido. Pelo exposto (…) deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência: Determinar a nulidade dos actos praticados na 7ª sessão da Audiência de Julgamento em virtude de o despacho que não permite que a defesa do arguido V. fosse assegurada por advogada estagiária, não lhe ter sido notificado, nem na pessoa do seu defensor, e subsidiariamente, se dêm sem efeito as alegações feitas em audiência pela Sra. Advogada que foi no acto nomeada oficiosamente, com todas as legais consequências, tendo como base do presente recurso, o disposto no artigo 410.° n.º 3 do Código do Processo Penal. ASSIM SE FAZENDO SÃ E SERENA JUSTIÇA!» Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pela forma expressa de fls. 1113 a 1122, concluindo pela improcedência do recurso. Após relato das conclusões do recurso formuladas pelo Recorrente do que se passou no decurso da audiência de julgamento, de alguns actos praticados nos autos e da transcrição da decisão recorrida, afirma-se que o Defensor constituído não ignorava as limitações estatutárias da Senhora Advogada em quem substabeleceu e que a impediam de intervir nos presentes autos, que o Tribunal recorrido se limitou ao estrito cumprimento da lei e que não ocorre a nulidade invocada, ou sequer qualquer irregularidade que, a existir, estaria sanada porque não tempestivamente alegada. Os recursos das decisões interlocutórias foram admitidos a fls. 923 e 1173. Fazendo-se uso da faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 414º do Código de Processo Penal, as decisões foram mantidas nos seus precisos termos, por se entender que os Recorrentes não aduziram argumentos susceptíveis de por em crise os seus fundamentos. Os recursos do acórdão foram admitidos a fls. 1174. Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, acolhendo as razões invocadas pelo Ministério Público na 1ª Instância, emitiu parecer no sentido do não provimento dos recursos. No que toca à pena imposta ao Arguido V., afirma que a mesma é excessiva, face às circunstâncias em que ocorreram os crimes que a determinaram e aos propósitos da punição. Refere, ainda, que «o “castigo exemplar” em que um acarreta as suas e as penas dos outros, não será o melhor caminho para a defesa de uma sociedade que, com o seu laxismo e indiferença, defesa do lucro fácil, do consumo e da falta de ética, promove comportamentos à margem da lei.» E defende «que uma pena de 6 anos de prisão cumprirá o efeito que deverá ter uma pena de prisão numa situação como esta». Observou-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. Foram apresentadas as respostas que constam de fls. 1194 e 1195 e 1196 a 1199 dos autos. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que os recursos fossem julgados em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995[1], o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379º do mesmo diploma legal[2]. Do acórdão recorrido, relativamente a factos provados, consta [transcrição]: «Discutida a causa apuraram-se, com relevância para a decisão da mesma, os seguintes factos: 1.1- O arguido V. exerceu, pelo menos entre 1998 e 2001, a actividade profissional de empresário da construção civil. 1.2- No âmbito dessa actividade decidiu construir em Quarteira, …, um prédio urbano composto por 8 pisos acima da cota de soleira (estando o primeiro destinado a actividade comercial e os restantes a habitação) e uma semi-cave, destinada a parqueamento. 1.3- Para o efeito, o arguido obteve, em 5 de Maio de 1998, o alvará de licença de construção nº ---, emitido pela Câmara Municipal de Loulé e válido por 3 anos. 1.4- O projecto de estabilidade do edifício foi elaborado pelo arguido P., engenheiro técnico civil, que assinou o “termo de responsabilidade do autor de projecto de estabilidade”, datado de 29 de Abril de 1997, onde consignou que “observa as normas técnicas e específicas de construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis, designadamente o REBAP, o RSA e Posturas Camarárias em vigor”. 1.5- O arguido P. assumiu, também, a responsabilidade pela direcção técnica da obra. 1.6 - O responsável pela construção foi o arguido F., que executou as obras sob as ordens e orientações de V. 1.7- Nem o arguido V. nem o arguido F. possuíam alvará que lhes permitisse construir edifícios com aquelas dimensões. 1.8- Ficou a constar no termo de abertura do livro de obra o nome da sociedade “F…, Lda.”, por esta ser titular de alvará que permitia construir um edifício com aquelas dimensões. 1.9- Mais ficou ali a constar que o início da obra ocorreu no dia 1 de Julho de 1998 e conclusão em 20 de Março de 2001. 1.10- O arguido P. referiu no projecto de estabilidade que as características do solo de fundação seriam “determinadas por ensaios a efectuar, podendo dar origem a projecto de fundações especiais e de contenção periférica se se revelar necessário. De momento e de acordo com a experiência aquando da construção dos edifícios vizinhos, prevê-se uma fundação do tipo ensoleiramento geral nervurado inferiormente. Para tensão de segurança estimou-se 200N/m2”. 1.11- No entanto, a concepção das fundações, pelo arguido P. desse edifício denominado “Edifício X”, foi realizada sem ser baseada num estudo geológico e geotécnico. 1.12- Na zona de implantação do edifício, no entanto, o terreno tem a seguinte formação: - um primeiro nível de aterros, constituídos por material areno-silto-argiloso, com fragmentos de calcário e outros de origem antropomórfica (plásticos, ferros, etc.) com uma espessura até 3 metros, com resistência dinâmica inferior a 5MPa; - um segundo nível, de vasas e lodos, constituídos por lodos areno-argilosos, de grão fino, com uma espessura entre 1 e 5 metros, sendo certo que o nível freático se situa a cerca de 2,50 metros de profundidade, o que proporciona a saturação dos lodos, tendo esse nível valores de resistência diversificados, atingindo pontualmente uma resistência dinâmica nula; esses lodos apresentam-se em forma de cunha, com uma espessura menor na parte de trás do edifício e maior da parte da frente; - um terceiro nível, constituído pelas areias de Faro-Quarteira, areias argilosas e argilas arenosas, com uma resistência dinâmica superior a 30 MPa e a que poderão corresponder tensões admissíveis da ordem dos 0,2 MPa (sendo que esse nível, plistocénico, se encontra a 8 metros de profundidade na parte da frente e a cerca de 4,3 metros na parte traseira). 1.13- Ora, o “Edifício X” foi projectado com uma semi-cave, com cerca de 1,5 metros de profundidade abaixo do nível da rua e com laje de fundação do tipo ensoleiramento geral nervurado inferiormente, em betão armado com 0,35m de espessura. 1.14- O arguido P. não executou um projecto especial de fundações que atendesse às verdadeiras condições locais de terreno. 1.15- Na execução da obra, após as escavações, o arguido F. executou a laje de fundação do tipo ensoleiramento geral, mas colocou as vigas por cima da laje, ao contrário do que se indicava no projecto, que previa o nervurado inferior. 1.16- A laje de fundação executada não assenta, na parte da frente do edifício, junto ao passeio da Rua da Alagoa, no terceiro nível de substrato (nível plistocénico), único que tem resistência dinâmica para suportar aquela construção. 1.17- Por outro lado, foram executados pilares ao nível da cave, de apoios à laje da rampa de acesso ao parque exterior que não estavam previstos no projecto. 1.18- Foram executadas vigas no tecto da cave com larguras de 0,25 metros a 0,30 metros e alturas entre os 0,50 metros e 0,70 metros (como é o caso das vigas da 446-1 à 450-1 na direcção 1 e vigas 369-2 e 400-2 na direcção 2), quando no projecto se previam as dimensões de 1 metros a 1,5 metros de largura e 0,15 metros de altura. 1.19- Ao contrário do que previa o projecto, não foi executada uma viga de fundação entre os pilares P7 e P8. 1.20- Ao contrário do que previa o projecto, não foram executadas vigas estruturais que ligam as paredes do núcleo na direcção 2 em todos os pisos elevados. 1.21- Foi executada uma junta de dilatação entre o corpo principal do edifício e a área de estacionamento na parte de trás do edifício, a qual não foi considerada no projecto. 1.22- Todos os pilares apresentam uma deficiente cintagem dos varões longitudinais, estando o pilar P12 (barra 47) armado com 16Φ20 e o pilar P18 (barra 49) está armado com 16Φ16, quando no núcleo a armadura necessária seria uma armadura Φ12//0.20 em ambas as faces das paredes que o constituem. 1.23- Durante a fase construtiva o edifício iniciou um deslocamento/rotação no sentido da via pública. 1.24- Não existem sinais visíveis de assentamento do edifício na ligação ao passeio exterior; os pavimentos interiores, em determinados locais, apresentam inclinações menores que a inclinação do edifício, pois durante a construção os pavimentos foram sendo corrigidos, pelos pedreiros, com réguas de nível; houve colocação de argamassa na junta de dilatação entre os pilares, fissuras no exterior do edifício foram pintadas várias vezes. 1.25- No dia 26 de Março de 2001, o arguido P. assinou o “Termo de Responsabilidade”, como responsável pela direcção técnica da obra, onde declarou que a mesma se encontrava “concluída desde 20 de Março de 2001 em conformidade com o projecto aprovado e com as condições de licenciamento e com o uso previsto no alvará de licença de construção”. 1.26- Na sequência disso, no dia 16 de Maio de 2001, foi atribuído a esse edifício, denominado “Edifício X”, o alvará de licença de utilização nº --/2001, em nome do arguido V., como dono da obra, tendo sido autorizada a sua utilização para comércio, serviços ou indústria de restauração e bebidas, com uma ocupação constituída em parte do rés-do-chão, sendo a área total do pavimento de 152,70m2 e para habitação com 28 fogos, constituído por cave, parte restante do rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º andares, sendo a área total de pavimentos de 3211m2; foram, ainda, autorizados 29 estacionamentos, sendo 18 em cave e 11 no logradouro. 1.27- O prédio foi inscrito na matriz predial urbana, da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, sob o artigo --- e ficou descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ---/240792. 1.28- Terminadas as obras e vendidas fracções, é visível, a olho nu, a inclinação do edifício em relação aos edifícios que com ele confrontam a sul e o enrugamento das telas de impermeabilização colocadas em zona de junta na cobertura. 1.29- No topo do edifício, este apresenta uma inclinação entre 0,5º e 0,6º, correspondente, em termos percentuais, a uma inclinação de 1% no sentido da via pública. 1.30- No terraço, no tecto da cave, em zonas comuns do edifício e no interior de, pelo menos, três dos apartamentos a inclinação é variável, mas sempre na ordem de 1%. 1.31- No interior dos apartamentos faz-se notar a tendência para a abertura de portas. 1.32- A inclinação do edifício, no sentido da via pública, está em consonância com a forma da camada de lodos na qual assenta ao nível das fundações. 1.33- No entanto, o tecto da cave localizado atrás da junta de dilatação, sob a zona de estacionamento exterior, não apresenta qualquer inclinação e existe fissuração no pavimento da cave com uma orientação definida, pelo que o edifício, como corpo rígido e com os seus 8 pisos, sofreu uma rotação desde a fachada até à junta de dilatação, sendo que a outra parte da cave, estruturalmente distinta e assente em terreno mais consistente e por exercer tensões mínimas sobre o solo de fundação, não sofreu qualquer rotação. 1.34- O edifício X continua a sofrer ligeiras movimentações que têm vindo a ser monitorizadas, tendo sido colocado testemunho em gesso no tecto da cave a 28 de Março de 2006 e que a 22 de Junho do mesmo ano apresentava já uma fissura de 2mm; a fissura na junta de dilatação entre pilares ao nível da cave, ocorrida após a construção, registada em Junho de 2006 cerca de 5 mm. 1.35- O descrito relativamente ao “Edifício X” coloca em causa a sua segurança para uma ocorrência sísmica de alguma relevância, existindo o risco de colapso do mesmo e pondo, assim, em risco a vida e integridade física de todos quantos ali residem ou trabalham. 1.36- Os arguidos V., P. e F. tiveram conhecimento, até ao fim da fase construtiva, da rotação que o “Edifício Austral” sofreu. 1.37- Tiveram, durante as escavações, informações relevantes sobre a consistência do terreno. 1.38- Não obstante, os arguidos decidiram não parar a obra, fazer estudo geológico, projecto de fundações especiais ou procurar solução para a resolução da situação. 1.39- Os arguidos decidiram, ainda, não respeitar integralmente, no decurso da construção, o projecto de estabilidade aprovado. 1.40- Sabiam que, desse modo, violavam regras legais e técnicas. 1.41- Cabia ao arguido P., enquanto director técnico da obra, dirigi-la e assegurar o respeito pelas regras legais, regulamentares ou técnicas pertinentes, que deveriam ter sido observadas no planeamento e execução da construção, mandando instalar os mecanismos ou meios que evitassem o risco de acidente ou determinando a suspensão dos trabalhos até que tais meios ou mecanismos fossem instalados, o que sabia. 1.42- O arguido F., como trabalhador sob as ordens e orientações do arguido V., chefiava a frente de obra e trabalho, cabendo-lhe verificar o cumprimento daquelas regras e, atenta a sua proximidade com as fontes de perigo, o dever de os evitar e prevenir, o que sabia. 1.43- Todos os arguidos representaram, como possível, que da não realização do estudo geológico, da inexistência de projecto de fundações especiais, do modo de execução da laje de fundação e da falta de respeito do projecto ao longo da execução da obra pudesse ocorrer o perigo de derrocada do edifício e, assim, perigo para a vida e integridade física de todos quantos ali viessem a residir ou trabalhar, mas conformaram-se com tal e deram por terminada obra. 1.44- O prédio contíguo ao “Edifício X”, denominado “Edifício Y” tem cave e sub-cave, com três bombas de água, estando, pelo menos uma delas, em funcionamento permanente durante todo o ano (por vezes funcionando duas e, excepcionalmente, as três) retirando água que se acumula num depósito nas fundações. 1.45- Esse “Edifício Y” tem as suas fundações, de características semelhantes à do “Edifício X”, a uma cota inferior à deste. 1.46- Por outro lado, o arguido V., conhecedor da situação descrita quanto ao edifício em causa, depois de ter ordenado e aprovado as correcções aos pavimentos das diversas fracções e à pintura do edifício, de forma a disfarçar a inclinação já sofrida, procedeu à venda de fracções autónomas do mesmo, pelo menos de 4, por um preço não concretamente apurado, mas não inferior a €100.000 cada, através de procurador com poderes para os actos. 1.47- Sabia, no entanto, que logo que a inclinação do edifício ficasse visível e se conhecesse o seu risco de derrocada aquelas fracções deixariam de ter qualquer valor comercial, como veio a acontecer a partir do ano de 2006. 1.48- Ao proceder à venda das fracções após ter sido disfarçada a inclinação do edifício agiu o arguido V. com o propósito de arrecadar para si um enriquecimento correspondente ao valor da venda de cada uma das fracções, que não lograria obter caso aquela inclinação fosse conhecida; mais sabia o arguido V. que, desse modo, causava um prejuízo patrimonial de valor equivalente aos respectivos compradores, mas quis fazê-lo. Mais se provou que: 1.49- O arguido V., à data da construção do edifício, residindo na Austrália, deslocava-se a Portugal e à obra de dois em dois meses. 1.50- O arguido P. provém de um grupo familiar económica e sócio culturalmente favorecido, norteado por valores de acordo com as normas socialmente vigentes; usufruindo de um ambiente afectivamente securizante e investido em termos sócio educativos, o processo de crescimento decorreu de forma ajustada e integrada e objectiva á manutenção de uma mais-valia ao nível da qualidade de vida; o seu percurso escolar, surge cabalmente investido, tendo concluído, de forma motivada, licenciatura de engenharia civil com 24 anos de idade; pouco tempo depois inicia actividade profissional, em empresa familiar no ramo da construção civil, actividade que tem mantido, de forma contínua e empenhada, em termos da aquisição de experiência e qualificação profissional; deste modo tem assumido projectos, ao nível da construção de imóveis de cariz público e privado, tendo ainda desenvolvido funções ao nível da fiscalização de obras. 1.51- À data dos factos integrava o agregado familiar abrangente do cônjuge, filho e enteada, residindo em apartamento próprio, com condições de habitabilidade consentâneas com um estrato social favorecido; em termos sócio económicos movimentava-se num quadro elevado, conquanto, refira algum decréscimo, ao nível dos recursos disponíveis, por factores associados a negócios de cariz comercial, algo falidos, primordialmente, por alegadas razões associadas á lei da oferta e da procura não assumindo contudo significância ao nível, das suas condições de vida familiar; laboralmente mantinha como actividade profissional principal como engenheiro civil, sendo referenciado, a este nível, como competente, criterioso e exigente ao nível técnico; em complemento à sua actividade laboral; desenvolve actividades de ocupação de tempos livres e sócio culturais consentâneas com um nível de vida diferenciado. 1.52- O arguido F. é o único filho de um casal de assalariados agrícolas e de fracos recursos económicos; o seu processo de crescimento decorreu, junto dos pais, tendo sido alvo de uma educação caracterizada pela transmissão de valores tradicionais e socialmente adequados; ao nível escolar, completou apenas a 4ª classe, com cerca de 11 anos de idade, sem ter registado qualquer episódio reprovativo, apresentando um percurso escolar caracterizado por facilidade de aprendizagem e elevado aproveitamento; contudo, condicionalismos socioeconómicos determinaram o precoce abandono escolar, passando desde muito jovem a colaborar com os pais nas actividades agrícolas, até ingressar no mercado de trabalho, no sector da construção civil, como servente de pedreiro; desta forma, encetou um processo de melhoria socioeconómica e profissional, tendo ascendido à categoria de encarregado, aos 28 anos de idade, na sequência da sua elevada competência e investimento profissional. 1.53- Aos 36 anos contraiu matrimónio, ligação que se tem pautado por um bom entendimento relacional, tendo originado o nascimento de 2 filhos, actualmente, com 25 e 24 anos de idade; ao nível profissional e na sequência de uma postura qualificada e exigente, exerceu o cargo de encarregado geral de várias empresas durante cerca de 22 anos, usufruindo durante este período de uma situação económica estável e equilibrada. 1.54- À data dos factos subjacentes ao processo em apreço, o arguido residia e reside com a cônjuge e os filhos, numa casa térrea, antiga, propriedade da família, de tipologia T2, com adequadas condições de habitabilidade, situado numa zona rural; em termos profissionais, trabalhava como encarregado geral na empresa " V.,Lda ", função que exerceu naquela empresa até finais de 2001, altura em que se verificou o encerramento da mesma, na sequência da escassez de trabalho. Posteriormente, continuou a trabalhar no sector da construção civil, como pedreiro, em Portugal e Espanha, por forma a assegurar a satisfação das suas necessidades básicas; há cerca de 2 anos e na sequência da grave crise internacional, manteve-se maioritariamente inactivo, subsistindo através de algumas poupanças efectuadas sobretudo quando trabalhou em Espanha, vivenciando, na actualidade, uma situação económica deficitária. 1.55- Ao nível da saúde, debate-se com problemas - hérnias abdominais - que condicionam o pleno exercício da sua actividade de pedreiro e dificultam o acesso ao mercado de trabalho, tendo, nestas circunstâncias requerido recentemente, junto das entidades competentes, a pensão de invalidez; ao nível da ocupação dos tempos livres, é de referir dedicar-se à realização de trabalhos agrícolas numa horta da família e, ainda à apanha de bivaldes, actividades inseridas numa economia de poupança e de subsistência. 1.56- No certificado do registo criminal dos arguidos nada consta.» Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]: « «Com interesse para a decisão da causa (excluindo-se, desde logo, as meras conclusões e, quanto à contestação, as meras negações de factos) não resultou provado que: 2.1 não existe a laje de fundação indicada na memória descritiva, com armadura estrutural, e que em seu lugar existe um pavimento térreo de espessura variável mas sem atingir a preconizada no projecto e sem armação estrutural; 2.2 a fundação da caixa de escadas do edifício consiste, de acordo com o projecto, em vigas de fundação que acompanham as paredes, que não foram dimensionadas e, em caso de sismo, os esforços na base dessa parede não tem capacidade e rigidez suficientes; 2.3 a Câmara Municipal de Loulé condicionou a aprovação de construção no terreno vago a norte do Edifício X; 2.4 com a realização de escavações em tal terreno para abertura de caves num novo edifício acelerará os assentamentos do “Edifício X” e ampliará o perigo existente; 2.5 o estudo geológico teria tido um custo máximo na ordem dos €5.000; 2.6 o edifício tem custo de produção actualizado na ordem dos €2.000.000; 2.7 na cave do “Edifício Y” exista infiltrações de água e areias na cave e sub-cave; 2.8 as bombas existentes neste edifício escoem areia juntamente com a água; 2.9 estas areias, ao serem evacuadas por aquelas bombas, vão abrindo espaço subterrâneo, retirando consistência ao prédio com cota superior, o “Edifício X”, já que contribuem para a retirada de areias depositadas por baixo deste, assim dando um contributo para que este possa sofreu assentamento.» A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]: «Na formação da sua convicção, o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, considerando, criticamente, as declarações dos arguidos que as quiseram prestar, os depoimentos das testemunhas e toda a prova pericial e documental junta aos autos, tudo conjugado com as regras da experiência comum. Em primeiro lugar, factos existiram que, não tendo sido objecto de qualquer controvérsia e por estarem bem documentados nos autos (documentos juntos, v.g., fls. 16, 17 e ss., 215 e ss., 392 e ss., apenso II, apenso III e própria perícia), não poderiam deixar de ser dados como provados: a construção do “Edifício Austral” no local em causa, a existência e autoria do projecto de estabilidade, sua aprovação pela Câmara Municipal de Loulé, inscrição matricial e descrição predial, licença de utilização (pontos 1.3, 1.4, 1.8, 1.9, 1.10, 1.25, 1.26 e 1.27 dos factos provados acima descritos). Ficou claro da prova produzida e, igualmente, não foi objecto de qualquer controvérsia, que o arguido V, empresário da construção civil, decidiu construir tal edifício, o arguido P., para além de autor do projecto de estabilidade, assumiu a direcção técnica da obra (assinou, nessa qualidade, o livro de obra) e o arguido F. foi o executor da obra (os próprios arguidos P. e F. o referiram, bem como o referiram as testemunhas que trabalharam ou prestaram serviços naquela obra) – pontos 1.1, 1.2, 1.5 e 1.6, mas também 1.41 e 1.42 dos factos provados acima descritos. E, por resultar com clareza dos documentos juntos aos autos (designadamente as fotografias do exterior do prédio em causa), ter sido referido por todas as testemunhas arroladas na acusação (e estando subentendido em algumas das arroladas pela defesa) e pelos próprios arguidos que prestaram declarações, igualmente não poderia deixar de resultar provado que o prédio sofreu uma inclinação. O cerne da questão, claro está, não se prendia com estes factos, tudo acabando por radicar no apuramento, sobretudo, das causas de tal inclinação e seu conhecimento por parte dos arguidos. Ora, para tal matéria o Tribunal não poderia deixar de atender à prova pericial produzida nos autos. Esta prova (relatório pericial junto a fls. 338 e ss. e esclarecimentos prestados pelos Senhores peritos em audiência) foi, naturalmente, determinante para o apuramento dos factos sobre os quais recaiu (cf. artigo 163º, nº 1, do Código de Processo Penal: “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”). E, na verdade, em face dos esclarecimentos que vieram a ser prestados (nomeadamente sobre a questão da existência da laje de fundação, que levou à prova desse facto e consideração, como não provado, do contrário: inexistência da laje de fundação prevista no projecto, tal como constava da acusação; foi, também, explicado que tal diferença não muda as conclusões que foram tiradas na perícia), nenhuma outra questão se levantou que pudesse abalar tal meio de prova – no fundo, que levasse o Tribunal a divergir do juízo contido no parecer dos peritos. Assim, pela consideração da prova pericial no seu conjunto foi possível dar como provados os factos contidos na acusação sobre tal matéria e, mesmo, concretizar as conclusões que ali se continham (como foi, oportunamente, dado a conhecer aos sujeitos processuais): pontos 1.11 a 1.24, 1.28 a 1.34 e, sobretudo, 1.35 dos factos provados acima descritos. Da mesma perícia foi possível extrair a prova de alguns dos factos contidos na contestação do arguido V. (pontos 1.44 e 1.45 dos factos provados acima descritos), mas decisivamente contribuiu para a falta de prova da restante matéria que se pretendia introduzir a esse nível (no fundo, de que a inclinação do edifício se devia exclusivamente à acção das bombas do edifício contíguo). Do depoimento de FS, empresário da construção civil, que falou de como foi, apenas, usado o nome da sua empresa por ser titular do alvará (e o porquê desse pedido) resultou a prova segura dos factos descritos sob o ponto 1.7 e 1.8 dos factos provados acima descritos. De resto, a posição dos arguidos presentes em audiência foi a de que o terreno se alterou após a construção (P. também introduziu a questão das bombas do prédio contíguo, enquanto F. falou de umas “chuvas de Janeiro”) o que, em face da prova pericial e testemunhal produzida não mereceu qualquer crédito. Os depoimentos de S. (inspector da Polícia Judiciária), JB, FB, RM, NN, CM e AS, alguns com conhecimentos técnicos aliados ao conhecimento directo da inclinação do edifício, embora em si esclarecedores, pouco acrescentaram à perícia já realizada nos autos. Mas, com muita relevância para o caso concreto, foi o depoimento de EF, empresário da construção civil, que construiu o edifício contíguo ao dos autos (e falou com segurança e isenção). É da conjugação deste depoimento e dos demais dados objectivos, designadamente os resultantes da perícia, com as regras da experiência que resulta a prova dos factos relacionados com os elementos subjectivos. Deste depoimento resulta que a inclinação do edifício “X” era visível logo ao nível da construção do primeiro andar. Mais viu que a face do edifício “X” que saiu fora da “prumada” do seu foi rebocada (e, por aí, com os demais dados resultantes da perícia, se vê que a inclinação, para além de visível e conhecida, foi disfarçada). Falou esta testemunha, também, do modo como encontrou o terreno nas fundações (as expressões: “tivemos de ir muito fundo para ir até ao fixe” e “encontrei água logo no início da escavação” dizem tudo). Falou, também, da existência das bombas (e, portanto, serviu também para a prova de alguns factos constantes da contestação e acusação). Este depoimento foi corroborado por MR, encarregado da obra do edifício contíguo aos dos autos (sobretudo: “terreno com muita água”, “tivemos de reforçar o betão na parte da frente da laje de fundação”). E, também, foi decisivo o depoimento de AS engenheiro responsável pelos edifícios contíguos ao desta causa: para além dos estudos geológicos prévios que fez, contou como encontrou o terreno após escavação (sendo que ao nível da primeira cave ainda havia lodo). O depoimento de MF, carpinteiro de cofragens que realizou esse serviço no edifício em causa, para além de deixar claro qual a actuação dos arguidos V., P. e F. naquela obra (contribuindo, assim, para a prova da parte final do ponto 1.6 dos factos provados acima descritos), nada mais adiantou de concreto (e que acrescentasse algo à prova já constantes nos autos), apenas dizendo não se ter apercebido que o terreno “fosse rijo”, mas também não era lamacento. JS, pedreiro, lá foi falando como se apercebeu que o edifício estava “desaprumado”, como o tentou disfarçar com reboco e como ia corrigindo os pavimentos interiores para ficarem “de nível” (embora adiantasse que o fez sem quaisquer instruções nesse sentido). FS, pintor, bem explicou que, para além da pintura geral do prédio em causa, voltou a pintar, a pedido do arguido V, a empena lateral e traseira do edifício (onde havia fissuras, que não existiam quando pintou o prédio a primeira vez). AA, armador de ferro, contou como ali trabalhou, sob encomenda de V. Tentou introduzir, no entanto, a sua opinião técnica e pouco credível (que, em bom rigor, não poderia suplantar a perícia nem a de professores catedráticos também inquiridos) e, quando se refere a factos (como a consistência do terreno) está em contradição com outras pessoas inquiridas (desde logo MF e os responsáveis pelos prédios contíguos, que falaram com segurança e isenção). JB e NL falaram, sobretudo, da existência da laje de fundação (questão que veio a ser ultrapassada no âmbito da perícia). Ora, da conjugação dos depoimentos que, no essencial, relatam o conhecimento directo que se foi tendo ao longo da construção, com o resultado da perícia e dados da experiência comum, foi possível extrair a prova de que os arguidos conheceram a rotação do edifício antes da obra ter sido dada por concluída (não só a inclinação era visível do exterior a qualquer pessoa com os mínimos conhecimentos técnicos – como era o caso dos arguidos – já que não passou despercebida a quem andava a construir o edifício contíguo, como foi o próprio arguido F. que referiu ter disso conhecimento): daí a prova do ponto 1.36 dos factos provados acima descritos. Igualmente resultou da prova testemunhal (e das regras da experiência) que, com a escavação, foram tendo informações relevantes sobre o terreno em causa (daí a prova do ponto 1.37 dos factos provados acima descritos). Da consideração destes factos, conjugados com o facto de nada ter sido mencionado no livro de obra e ter sido dada por concluída a construção (e porque os próprios arguidos que falaram o admitiram) resultou a prova de que, apesar disso, decidiram não parar a obra, fazer estudo geológico ou projecto de fundações especiais ou outra solução (daí a prova do ponto 1.38 dos factos provados acima descritos). Que o projecto não foi inteiramente respeitado ficou claro da prova pericial produzida, mas também porque os arguidos o admitiram (e disso tiveram conhecimentos todos os arguidos, bastando ver as declarações dos arguidos P. e F. e, este último, dizendo claramente que alteração ao nível das fundações foi feito com conhecimento do “seu patrão”, o arguido V.): daí a prova dos pontos 1.39 e 1.40 dos factos provados acima descritos. E, finalmente, da conjugação destes factos com os dados da experiência comum resultou a prova do ponto 1.43 dos factos provados acima descritos. Na verdade, o conhecimento dos arguidos da progressiva inclinação do prédio, do desrespeito do projecto (nomeadamente na execução da laje de fundação), da ausência de estudos geológicos (e da não realização de projecto de fundações especiais) teria de levar ao conhecimento do perigo em causa (e que os arguidos se conformaram com isso resulta do simples facto de, apesar de tudo, terem dado por concluída a obra). De resto, o perigo há-de estar sempre na consciência de quem faz uma obra desta dimensão e o risco de derrocada (em terrenos pouco consistentes e numa zona de alto perigo sísmico) há-de estar presente na consciência de qualquer pessoa, ainda para mais quando a inclinação após implantação passa os limites do tecnicamente aceitável. Já quanto ao arguido V., resultou dos depoimentos de AN, FB, SC conjugados com o documento de fls. 647 e ss. (certidão do registo predial) a prova da venda de, pelo menos, alguns dos apartamentos (sendo que a venda apenas se poderia fazer pelo seu proprietário, ainda que representado no acto, pelo que nem se percebe a alusão, na contestação de V., de ele não ter vendido; de resto, pelo depoimento de FB, resultou que este arguido se fez representar nas vendas, como havia alegado na sua contestação): daí a prova do ponto 1.46 e parte final do ponto 1.47 dos factos provados acima descritos. O conhecimento deste arguido da inclinação e sua tentativa de disfarce ficaram acima bem expressos. Conjugando tais factos com as mais elementares regras da experiência comum (a de que se o risco de derrocada fosse conhecido, os apartamentos não teriam qualquer valor comercial) resultou plenamente a prova do elemento subjectivo em causa (daí a prova dos pontos 1.47 parte inicial e 1.48 dos factos provados acima descritos). Quanto à restante matéria não provada, atendeu o Tribunal à completa ausência de prova sobre ela. Atendeu-se, ainda, ao teor dos certificados do registo criminal e relatórios sociais juntos aos autos, bem como aos depoimentos de DF, MA e e AM (quanto às condições pessoais do arguido P.» Como nota prévia, cumpre referir que o conhecimento dos recursos de decisões interlocutórias deve preceder o conhecimento dos recursos da decisão final, pois a procedência dos primeiros, ou de algum deles, pode prejudicar o conhecimento destes últimos. RECURSO, INTERPOSTO PELO ARGUIDO VALTER PINTO, DA DECISÃO QUE INDEFERIU A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS POR VIDEOCONFERÊNCIA OU ROGATÓRIA Com interesse para a decisão, os autos fornecem os seguintes elementos: O Recorrente apresentou a contestação que consta de fls. 610 a 612 dos autos, onde, apontando algumas das características de construção do Edifício X e do prédio contíguo – Edifício Y – afirma que este último, na sua cave e sub-cave, apresenta permanente infiltração de águas subterrâneas, acompanhadas de areias. Para resolver tal situação, na cave do Edifício X existem três bombas de água, frequentemente a trabalhar em simultâneo, que vão escoando as águas e as areias. Areias que ao serem evacuadas pelas ditas bombas vão abrindo espaço subterrâneo, retirando consistência ao prédio com cota superior – o Edifício X –, e contribuindo, decisivamente, para que o mesmo possa sofrer assentamento. Invocou, ainda, que por residir na Austrália e raramente se deslocar a Portugal, não foi quem procedeu à venda das fracções autónomas do Edifício X – tais negócios foram realizados por procurador. Arrolou cinco testemunhas – das quais, uma residente no Brasil, outra na Austrália, e duas no Reino Unido. A contestação e o rol de testemunhas acabados de mencionar foram admitidos – despacho de fls. 664. As testemunhas residentes no Brasil, Austrália e Reino Unido foram notificadas por carta registada com aviso de recepção – fls. 670, 671 [14 de Outubro de 2009], 687 e 688 [19 de Outubro de 2009]. O julgamento iniciou-se no dia 9 de Novembro de 2009 – acta de fls. 721 a 730. No dia seguinte, foram juntos ao processo os talões de entrega de aviso de recepção relativos à notificação das testemunhas residentes na Austrália e no Brasil – fls. 735 e 736. Na mesma ocasião [10 de Novembro de 2009], foi junto ao processo documento enviado por fax pela testemunha residente na Austrália – fls. 737. E no dia imediato, teve lugar a 2ª sessão da audiência de julgamento – acta de fls. 739 a 747. O Arguido foi notificado, na pessoa do seu Mandatário, para se pronunciar sobre o teor do documento que consta de fls. 737, na sequência de despacho proferido nesse sentido, em 13 de Novembro de 2009. No dia 23 de Novembro de 2009, conforme consta da acta de fls. 781 a 792, teve lugar a 3ª sessão da audiência de julgamento, constatando-se a falta das testemunhas arroladas pelo ora Recorrente. Consignou-se em tal acta que as testemunhas residentes no Brasil e na Austrália se encontravam notificadas e não haver confirmação da notificação das testemunhas residentes no Reino Unido. Convidado a pronunciar-se, o Mandatário do ora Recorrente disse não prescindir dos depoimentos das testemunhas que havia arrolado e requereu a inquirição das mesmas por rogatória ou videoconferência. A tal pretensão, o Ministério Público deduziu oposição com o fundamento de que as inquirições nos termos pretendidos não se mostravam viáveis com o regular decurso da audiência de discussão e julgamento. E o Senhor Juiz Presidente do Tribunal Colectivo deferiu para momento posterior a apreciação do requerimento referido. Ainda no decurso da mesma sessão de audiência de julgamento, foi proferido despacho, pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Colectivo e após deliberação com os Juízes assessores, com o seguinte teor: «Quanto ao ora requerido pela Defesa de V., de inquirição de Testemunhas que arrolou na sua Contestação por Videoconferência ou Rogatória, importa ter presente o disposto nos artigos 318º nº 3 e 230º nº 2, ambos do Código de processo Penal. A verdade é que a Defesa de V. não indicou quais os factos ou circunstâncias sobre que eventual solicitação às Justiças de Países estrangeiros deveria versar e também não indicou no seu requerimento nem resulta dos autos que tais Depoimentos são necessários à prova de facto e essenciais para a Defesa. Assim, indefere-se o requerido, podendo as Testemunhas serem apresentadas até ao encerramento da audiência.» As testemunhas não compareceram em julgamento, conforme consta das actas de fls. 836 a 839, 904 a 908, 910 a 913, 931 a 936, 943 a 947 e 1002 a 1004. Em 30 de Dezembro de 2009, foi junto ao processo documento subscrito por MC, onde refere residir no Brasil e não ter condições para se deslocar a Portugal para testemunhar - «falta-lhe o dinheiro, a saúde já é fraca e a idade não ajuda (…) e para chegar a S. Paulo para apanhar o avião para Lisboa, necessita de viajar pelo menos 16 horas em autocarro». Pede para prestar «o seu testemunho por escrito, por carta, ou então através do tribunal de residência aqui.» – fls. 845. No dia 4 de Janeiro de 2010 foi junto ao processo prova de recepção da notificação via postal de uma das testemunhas residentes no Reino Unido – fls. 848. Conhecendo. Do n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa decorre que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa. «Em “todas as garantias de defesa” engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas.»[3] No âmbito do exercício do direito de defesa, assume particular importância a contestação [escrita, em que se expressa posição sobre os factos imputados, sobre a responsabilidade, a culpa e as circunstâncias que podem influir na medida da condenação] e a apresentação de prova [rol de testemunhas]. Dispõe o artigo 315º do Código de Processo Penal, reportando-se à contestação e rol de testemunhas: «1. O arguido, em 20 dias a contar da notificação do despacho que designa dia para a audiência, apresenta, querendo, a contestação, acompanhada do rol de testemunhas. (…) 4. Ao rol de testemunhas é aplicável o disposto na alínea d) do n.º 3 e no n.º 7 do artigo 283º.» O preceito legal acabado de referir disciplina a acusação pelo Ministério Público. E da parte que nos interessa – alínea d) do n.º 3 –, resulta que a acusação contém, sob pena de nulidade, o rol, com o máximo de 20 (vinte) testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devem depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128º, as quais não podem exceder o número de 5 (cinco). O n.º 2 do artigo 128º do Código de Processo Penal reporta-se à inquirição das testemunhas sobre os factos atinentes à personalidade e ao carácter do arguido, às suas condições pessoais e à sua conduta anterior. Ou seja, a apresentação de testemunhas por banda do arguido, após o despacho de recebimento da acusação e de marcação de dia para julgamento, tem apenas os limites acabados de mencionar – não podem arrolar-se mais do que vinte testemunhas e devem discriminar-se, entre elas, as “abonatórias”, que não podem ser em número superior a cinco. De onde resulta que o arguido em processo crime não está impedido de indicar testemunhas que residam fora da área onde o julgamento deve decorrer, ou do nosso País, nem tem que requerer, quando indica testemunhas com essas características, qualquer forma específica para produção dos seus depoimentos. Quando ocorre a indicação de testemunhas residentes fora da comarca, ou as mesmas se deslocam para intervir no julgamento, ou são inquiridas no Tribunal mais próximo do local onde residem. Os depoimentos das pessoas que se encontram nestas condições e que não se deslocam ao Tribunal onde decorre a audiência de julgamento deve ser tomado por qualquer meio técnico de comunicação à distância em tempo real – videoconferência – ou por carta rogatória. Dispõe o artigo 318º do Código de Processo Penal, no título relativo aos actos preliminares do julgamento, reportando-se a residentes fora da comarca que: «1 – Excepcionalmente, a tomada de declarações (…) às testemunhas (…) pode, oficiosamente ou a requerimento, não ser prestada presencialmente, podendo ser solicitada pelo presidente ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação, nos termos do artigo 111º, se: a) Aquelas pessoas residirem fora do círculo judicial; b) Não houver razões para crer que a sua presença na audiência é essencial à descoberta da verdade; c) Forem previsíveis graves dificuldades ou inconvenientes, funcionais ou pessoais, na sua deslocação. (…) 3 – Quem tiver requerido a tomada de declarações informa, no mesmo acto, quais os factos ou as circunstâncias sobre que aquelas devem versar. 4 – A tomada de declarações processa-se com observância das formalidades estabelecidas para a audiência. 5 – A tomada de declarações realiza-se em simultâneo com a audiência de julgamento, com recurso a meios de telecomunicação em tempo real. (…) 7 – Fora dos casos previstos no n.º 5, o conteúdo das declarações é reduzido a auto, sendo aquelas reproduzidas integralmente ou por súmula, conforme o juiz determinar, tendo em atenção os meios disponíveis de registo e transcrição, nos termos do artigo 101º. (…)» O requerente da realização da diligência tem de fazer prova da verificação de “previsíveis graves dificuldades ou inconvenientes, funcionais ou pessoais” do indivíduo a inquirir com a deslocação ao Tribunal. E o Juiz tem de sopesar essas dificuldades ou inconvenientes com as vantagens decorrentes da imediação na prestação do depoimento ou declaração. Daí a necessidade de indicação dos factos ou das circunstâncias sobre os quais as testemunhas devem depor. Assim sendo, a decisão sobre a tomada de declarações fora da comarca – autorizando-a ou rejeitando-a – não pode deixar de ser fundamentada. Exigência que decorre do n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa [onde se consagra que as decisões judiciais, que não sejam de mero expediente, têm de ser fundamentadas na forma prevista na lei] e do artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal [nos termos do qual os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão], visando conferir força pública inequívoca aos actos e permitir a sua fundada impugnação. O procedimento em questão aplica-se quando «a pessoa a ouvir resida no estrangeiro, desde que seja legal e tecnicamente possível (no país onde a pessoa se encontra) estabelecer a comunicação à distância em tempo real desde um tribunal ou outro local com a mesma dignidade e que garanta a liberdade de expressão da pessoa a ouvir. Este meio técnico de comunicação à distância veio repor a oralidade e, ainda que com muitas limitações, alguma imediação. Com o que foi praticamente postergada a forma escrita, acabando por cair em desuso as deprecadas (precatórias ou rogatórias) na fase de julgamento. Pelo que, só nos casos em que não seja de todo possível o recurso de telecomunicação com voz e imagem em tempo real, é que se pode recorrer à audição, por outro juiz e noutro tribunal, das pessoas referidas, procedendo-se, neste caso, à gravação integral em suporte que permita ouvi-la oralmente e na audiência e somente se esta não for possível é que se pode reduzir a auto de declarações (integralmente ou por súmula, conforme determinação do juiz), tendo em atenção os meios disponíveis de registo e transcrição (art. 318º, n.º 7)»[4]. Às rogatórias às autoridades estrangeiras reporta-se o artigo 230º do Código de Processo Penal, impondo-se, no seu n.º 2, que as mesmas só são passadas quando a autoridade judiciária competente entender que são necessárias à prova de algum facto essencial para a acusação ou para a defesa. A este requisito acrescem, naturalmente, as circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 318º do Código de Processo Penal. A decisão da autoridade judiciária não pode, também, deixar de ser fundamentada. A carta rogatória utiliza-se para a prática de actos processuais que exijam a intervenção de serviços judiciários e que sejam solicitados a autoridade estrangeira – artigo 176º, n.º 1, do Código de Processo Civil. É tempo de regressar ao processo. Confrontado com a ausência, em julgamento, de testemunhas residentes fora do nosso País, quem as arrolou declarou não prescindir dos seus depoimentos e requereu a inquirição das mesmas por rogatória ou videoconferência. Pretensão que foi indeferida, pelo Colectivo de Juízes perante o qual o julgamento se realizava, com base: - na não indicação dos factos ou circunstâncias sobre os quais as testemunhas deveriam depor; - na não indicação da necessidade de tais depoimentos para a prova de factos essenciais à defesa, nem tal necessidade resultar dos autos. Antes de avançarmos na avaliação da bondade das razões que levaram ao indeferimento da pretensão em causa, importa, desde já, recordar que foram considerados como não provados factos constantes da contestação apresentada pelo Arguido\Recorrente e foram dados como provados outros que contrariam os restantes invocados nessa peça processual. Os factos invocados pelo Recorrente na sua contestação revelam-se inequivocamente necessários à defesa e reportam-se aos dois crimes que lhe são imputados na acusação. A decisão recorrida, parca na explicitação das razões que a determinam, estriba-se, fundamentalmente, em argumentos de forma. O primeiro aspecto dessa decisão, acabado de referir, prende-se com a tomada de declarações por videoconferência; e o segundo com a tomada de declarações por rogatória. Do requerimento do Recorrente, formulado em audiência de julgamento, resulta a preferência pela tomada de declarações por rogatória e, subsidiariamente, por videoconferência. Na ocasião em que o formulou, o Recorrente não indicou a matéria a que as testemunhas deveriam ser ouvidas. Interessa-nos, agora, o disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, onde se consagra, para a audiência, o princípio da investigação, ou seja, o princípio segundo o qual, em última instância, recai sobre o Juiz o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido à sua apreciação. Dele resulta que os meios de prova não estão limitados aos indicados pela acusação e pela defesa – o Tribunal do julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, fazer a sua própria “instrução” sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes. Em suma, o Tribunal deve, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Relativamente aos requerimentos de prova, o mencionado princípio tem os limites fixados no n.º 3 do artigo 340º supra mencionado, onde se refere que os mesmos são «indeferidos se for notório que: a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.» Ou seja, «na fase de julgamento, o poder do tribunal recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela defesa (…) é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtendibilidade ou por ser meramente dilatória – art. 340 nº 3 e 4 do CPP. Ora, o princípio da investigação oficiosa não só está limitado pela própria lei, como condicionado pelo princípio da necessidade (e também pelos da conveniência ou da utilidade), uma vez que apenas os meios de prova cujo conhecimento se antolhe indispensável para habilitar o julgador a uma decisão devem ser produzidos por determinação daquele tribunal, quer oficiosamente, quer a requerimento das partes.»[5] A decisão recorrida, no que toca à rejeição da tomada de declarações por rogatória, parece olvidar a contestação oportunamente apresentada nos autos pelo Recorrente, que não se ficou pelo lacónico oferecimento do mérito dos autos. Tendo aí sido invocados factos com relevo para a decisão, não pode deixar de se admitir que as testemunhas arroladas deles teriam conhecimento. Exigir o reforço de semelhante posição, no momento em que foi formulado o requerimento cuja rejeição deu origem ao presente recurso, afigura-se-nos inútil e argumento incapaz de suportar a decisão proferida. Por outro lado, a inobservância da indicação da matéria sobre a qual as testemunhas devem depor não pode nem deve levar à rejeição da pretensão formulada, por falta de normativo legal expresso nesse sentido, devendo, antes, o Juiz convidar o requerente a especificar a matéria a que pretende que as testemunhas sejam ouvidas. Admite-se que tal convite possa ser feito com a advertência para eventual indeferimento, em caso de nada se dizer, ignorando-se o convite, e com vista a obviar delongas processuais. Dito numa outra formulação, o Juiz não deve, como princípio rejeitar um meio de prova que qualquer dos sujeitos processuais repute indispensável para a descoberta da verdade, a não ser que o requerido seja ilegal e ofensivo das normas processuais, ou manifestamente infundado, impertinente ou dilatório, sob pena de cercear a apreciação do mérito da pretensão deduzida [de acusação ou de defesa] com base na verdade material. E aqui chegados, não podemos deixar de apontar dois outros aspectos. Não procurando discutir a bondade das razões que determinaram semelhante procedimento, a audiência de julgamento iniciou-se sem que, para tanto, se encontrassem reunidas as condições indispensáveis ao seu decurso e conclusão sem sobressaltos. Ou seja, quando se iniciaram os trabalhos da audiência de julgamento, sendo previsível que se prolongassem por várias sessões, não se mostravam notificadas todas as pessoas que nela deveriam intervir. Aspecto que não deveria ter sido descurado, tanto mais que quatro das cinco testemunhas arroladas pelo ora Recorrente residiam no estrangeiro. A questão com que o Tribunal recorrido foi confrontado e que gerou a decisão recorrida era, por assim dizer, previsível – as quatro testemunhas mencionadas residem no estrangeiro e duas delas em países que não se situam às “nossas portas”. Uma deslocação motivada apenas por participação em julgamento de causa alheia, acarreta, por regra e pelo menos, graves inconvenientes pessoais. Ao que acresce ser ainda hoje desconhecido se uma das testemunhas – residente no Reino Unido – foi ou não notificada. Por outro lado, ao longo do processo, confrontado com esta questão, o Ministério Público foi alertando para a consequência mais desastrosa da inquirição das testemunhas pela forma pretendida pelo ora Recorrente – a impossibilidade da observância do prazo de 30 (trinta) dias, consagrado no n.º 6 do artigo 328º do Código de Processo Penal, o que conduziria à perda de eficácia da prova entretanto produzida em audiência de julgamento. E com razão. Efectivamente, tudo indica que a tomada de declarações às testemunhas residentes na Austrália, Brasil e Reino Unido, com os procedimentos prévios indispensáveis, não se concretizaria no mencionado prazo. Ao que acresce, desde logo, diferença horária significativa, no caso da Austrália [+ 10 horas], que torna impossível o estabelecimento de comunicação em tempo real compatível com o horário de funcionamento dos nossos Tribunais e conduzirá à necessidade de expedição de carta rogatória. Todavia, na hierarquia dos valores em conflito não pode deixar de se dar prevalência ao exercício do direito de defesa e à descoberta da verdade material, quando do outro lado se posiciona a perda de eficácia de prova produzida pelo decurso do tempo. Posto isto, no condicionalismo descrito, tendo o Tribunal recorrido indeferido diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade, violou o disposto no n.º 1 do artigo 340º do Código de Processo Penal, cometendo, em consequência, a nulidade prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d), parte final, do mesmo normativo legal. Tal nulidade foi tempestivamente arguida e conduz a que se revogue a decisão recorrida, para ser substituída por outra que, admitindo o depoimento das testemunhas residentes no estrangeiro, decida se os mesmos devem ser prestados por rogatória ou videoconferência e, optando-se por esta última forma, deve o Recorrente ser convidado a indicar a matéria sobre a qual tais testemunhas hão-se depor. A nulidade em causa, face ao disposto no artigo 122º do Código de Processo Penal, invalida os actos processuais posteriores ao momento em que a decisão por ela afectada foi proferida. E não podendo deixar de proceder, nos termos acabados de expor, o recurso da decisão interlocutória em análise, fica prejudicado o conhecimento dos restantes recursos interpostos nos autos – de decisões interlocutórias e do acórdão final. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso da decisão interlocutória que indeferiu a tomada de declarações de testemunhas residentes no estrangeiro, por rogatória ou videoconferência, e declarar nulos os actos posteriores à mesma, determinando-se a sua substituição por outra que, admitindo a inquirição de tais testemunhas, determine a forma por que a mesma se deve concretizar. Decidindo-se que tais declarações, ou algumas delas, devem ser prestadas por comunicação à distância em tempo real – videoconferência –, o ora Recorrente deve ser convidado a indicar da matéria sobre a qual as testemunhas hão-de depor, designando-se nova data para realização da audiência de julgamento, sem prejuízo de repetir toda a prova que, entretanto, perdeu eficácia. Sem tributação. Évora, 23 de Fevereiro de 2011 (processado em computador e revisto pela primeira signatária) ____________________________ (Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz) ____________________________ (Edgar Gouveia Valente) __________________________________________________ [1] Publicado no Diário da República de 28 de Dezembro de 1995, na 1ª Série A. [2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria]. [3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Vol. I, página 516. [4] “Código de Processo penal, Comentários e Notas Práticas – Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora 2009, página 786. [5] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, recentemente relatado pelo Senhor Desembargador Martinho Cardoso, no processo n.º 179/06.8GTBJA.E1 – não publicado | ||
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Decisão Texto Integral: |